sábado, 9 de julho de 2016

XV Domingo do Tempo Comum - ano C - 10 de julho

       1 – «Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento; e ao próximo como a ti mesmo». Um mandamento ou um duplo mandamento. Amar a Deus acima e antes de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Jesus Cristo dá Corpo a este mandato. Traz-nos Deus, aproxima a eternidade do tempo, vive e visualiza o amor de Deus, amando o ser humano, em especial o mais frágil, integrando, incluindo.
       Moisés lembra-nos que Deus não nos pede o impossível: «Escutarás a voz do Senhor teu Deus, cumprindo os seus preceitos e mandamentos… e converter-te-ás ao Senhor teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma. Este mandamento que hoje te imponho não está acima das tuas forças nem fora do teu alcance. Não está no céu... Não está para além dos mares... Esta palavra está perto de ti, está na tua boca e no teu coração, para que a possas pôr em prática».
       A ardilosidade do doutor da Lei é facilmente desmontável pelo próprio. Questiona Jesus que lhe devolve a questão, remetendo-o para a Sagrada Escritura. Inequivocamente, todos os judeus sabem que o primeiro mandamento e o mais importante é amar a Deus de todo o coração, com todas as forças, em todo o tempo, e que a vivência dos mandamentos (n)os coloca na senda da eternidade!
       Para nós cristãos, a herança eterna é dom de Deus, que nos salva em Jesus Cristo, pela Sua morte e ressurreição, mistério pascal que celebramos em cada Eucaristia, recordando e tornando-nos contemporâneos da oferenda de Jesus.
       Os mandamentos são um caminho que nos sintonizam com o melhor de nós mesmos, acolhendo a soberania e primazia de Deus, no empenho pela verdade, pela justiça, por um mundo em que reconheçamos os outros como imagem e semelhança de Deus e, por conseguinte, assimilemos o mandamento “não matarás”, com tudo o que isso implica: cuidar do outro, tratá-lo com respeito e deferência. Isto é algo que já está inscrito no nosso coração. Jesus levará à plenitude este mandamento, interligando o amor a Deus com o dar a vida pelos outros, por todos, pela humanidade. Com efeito, o amor, como o entende o Evangelho, “é a coragem de morrer para o próprio egoísmo, de nos esquecermos de nós próprios em favor dos outros e de sairmos de nós mesmos” (Tomáš Halík).
       2 – A sabedoria autêntica inclui o saber e o fazer; a informação e o conhecimento levados, pelo compromisso, à prática, na vivência quotidiana e concreta na sociedade atual, com estas pessoas que Deus confiou à minha, à tua, à nossa responsabilidade.
       O doutor da Lei volta à carga com outra questão: quem é o meu próximo?
       Talvez lhe possamos dar uma mão! O meu próximo é quem precisa da minha ajuda! O meu familiar! Os meus amigos! Os meus colegas de trabalho e/ou de copos! Os meus vizinhos! Os que constituem o meu bairro! Os do meu partido! Os da minha religião! As pessoas do meu país! Cada pessoa que se cruza comigo! Podemos ainda admitir que o nosso próximo seja também aquele de quem não gostamos tanto!
       Vejamos a resposta de Jesus:
«Um homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos dos salteadores. Roubaram-lhe tudo o que levava, espancaram-no e foram-se embora, deixando-o meio- morto. Por coincidência, descia pelo mesmo caminho um sacerdote; viu-o e passou adiante. Do mesmo modo, um levita que vinha por aquele lugar, viu-o e passou também adiante. Mas um samaritano, que ia de viagem, passou junto dele e, ao vê-lo, encheu-se de compaixão. Aproximou-se, ligou-lhe as feridas deitando azeite e vinho, colocou-o sobre a sua própria montada, levou-o para uma estalagem e cuidou dele. No dia seguinte, tirou duas moedas, deu-as ao estalajadeiro e disse: ‘Trata bem dele; e o que gastares a mais eu to pagarei quando voltar’. Qual destes três te parece ter sido o próximo daquele homem que caiu nas mãos dos salteadores?». O doutor da lei respondeu: «O que teve compaixão dele».
       Não importa tanto o que os outros dizem, mas o que eu faço. Os mandamentos valem, não tanto pelas discussões académicas, mas sobretudo na medida em que nos aproximam e comprometem com os outros. E, por conseguinte, Jesus remata a questão, desafiando: «Então vai e faz o mesmo».
       3 – A parábola do Bom Samaritano é uma pérola do Evangelho e que nos diz de forma plástica e categórica que Jesus é, por excelência, o Bom Samaritano, que Se debruça sobre a humanidade ferida pelo pecado e pela morte, lhe trata das feridas, a coloca na sua montada, e assume todas as despesas, generosamente, sem cálculos.
       Por mais perfeitas e justas que sejam as leis só serão verdadeiramente humanas se nos ajudarem a conhecer os nossos limites e sobretudo nos deram o impulso para edificar o bem. O Bom Samaritano não se fixa na lei mas na pessoa. As leis estão (ou devem estar) ao serviço da pessoa na sua inserção social e cultural.
       A humanidade de cada pessoa não tem fronteiras mas coloca-nos na fronteira diante do outro, tratando-o como companheiro, como irmão. O sacerdote e o levita deixaram-se aprisionar pela lei e pelo preconceito. Mantiveram-se à distância. Viram um homem caído, derrotado, morto ou quase morto e não ousaram aproximar-se. Viram com os olhos, mas não com o coração. Viram as dificuldades mas não a pessoa ferida. Deixaram-se levar pela razão sem a compaixão.
       Aquele homem, estrangeiro – para amar não há religião ou nacionalidade – olha, aproxima-se e, nesse momento, quando está diante do homem meio-morto, vê, com o coração, compadece-se, toca-o, trata-lhe as feridas, coloca-o na sua montada, guia-o para um lugar seguro, assegura-se que será bem tratado e que ficará bem. Só nessa ocasião segue em frente.
       Vislumbra-se, de forma clarividente, a misericórdia, a compaixão, que anula distâncias, que supera os limites e as leis, que nos faz ver o outro. Jesus inverte o paradigma: mais que saber quem é o meu próximo, importa eu fazer-me próximo do outro para ajudar.
       No amor não há inimigos, nem estrangeiros, nem adversários. No amor há pessoas, há irmãos. A mesma humanidade que se cura e se refaz na comunhão, na partilha e no perdão, na alegria no serviço e na paz, na solidariedade, na verdade e na justiça. “O amor é a única força capaz de unificar as coisas sem as destruir” (Teilhard Chardin). É inclusivo, integrador. Faz-nos olhar além do nosso umbigo e rever-nos nas necessidades e nos sofrimentos do nosso semelhante.


       4 – Em Jesus Cristo, Deus revela-Se Misericórdia infinita, Pai de amor e de benevolência. “Aprouve a Deus que n’Ele residisse toda a plenitude e por Ele fossem reconciliadas consigo todas as coisas, estabelecendo a paz, pelo sangue da sua cruz, com todas as criaturas na terra e nos céus”.
       Jesus faz-Se tão próximo da humanidade que a assume por inteiro, na sua fragilidade e finitude, fazendo-Se pecado por nós, deixando-Se ver e tocar, deixando-Se amar e odiar, deixando-Se perseguir e até matar. Para nos redimir. Para nos reconciliar, uns com os outros e com o Pai. Para nos resgatar do pecado e da morte, da solidão e do egoísmo.
       Ele é o Rosto da Misericórdia do Pai, o Bom Pastor, o Bom Samaritano. Não está longe de quantos se fazem próximos, dos construtores da paz e da harmonia, de quantos sonham e trabalham por um mundo melhor, daqueles que ousam esquecer-se de si para tratar as feridas dos outros, de todos os que fazem do amor a mais sagradas das leis.
       E, por outro lado, Ele está tão próximo de nós que O podemos encontrar nos outros, especialmente nos mais pobres e frágeis, a quem nos envia a anunciar o Reino de Deus, a curar e a expulsar os demónios que impedem a luz e a felicidade.
       O convite do salmo é elucidativo: “Vós, humildes, olhai e alegrai-vos, buscai o Senhor e o vosso coração se reanimará. O Senhor ouve os pobres e não despreza os cativos”. A oração faz-nos interceder pelos outros, mas compromete-nos, desde já, aqui e agora, a fazer tudo o que está ao nosso alcance para os atender nas suas preces e nos seus sofrimentos. Somos responsáveis. Teremos de ser samaritanos, isto é, cristãos, procurando agir como Jesus, no cuidado e na delicadeza para com todos.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): Deut 30, 10-14; Sal 68 (69); Col 1, 15-20; Lc 10, 25-37.

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