segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

JOACHIM FEST - No bunker de Hitler

JOACHIM FEST (2019). No bunker de Hitler. Os últimos dias do terceiro Reich. Lisboa: Guerra & Paz. 200 páginas.
Longe da vista longe do coração. A Segunda Guerra Mundial acabou em 1945, deixando um rasto de destruição, violência e morte, em grande escala. Mais de 6 milhões de judeus foram mortos e muitos outros feitos prisioneiros e escravizados, tratados como lixo. Um dos objetivos era eliminar os judeus, mais do que construir um império político e cultural. O holocausto continua a ser uma nódoa negra na civilização moderna. O nazismo, nacional-socialismo, cuja figura de proa foi Hitler, entre 1939 e 1945, tinha como lema construir uma raça pura, um (novo) império, eliminando todos os judeus, todos os que pudessem ser um obstáculo aos propósitos deste megalómano projeto imperial, subjugar e destruir as potências europeias e outras que se entrepusessem.
A esta distância... muitos não presenciaram, muitos procuraram esquecer, outros procuraram diluir os acontecimentos e há quem os negue abertamente! Esta é mais uma obra que reaviva a memória e nos obriga a refletir sobre o pior da humanidade, para que não repitamos os erros do passado. O autor, Joachim Fest, aprofunda os propósitos, procurando narrar os últimos dias de Hitler e apaniguados mais próximos, remetidos ao bunker, construído para esse efeito, para se protegerem caso houvesse ataques ou invasão de Berlim. No final, o autor constata que o distanciamento destes acontecimentos tem gerado mais simpatia pelo nazismo e pela figura de Hitler, o que é muito triste e lamentável. O autor mostra claramente que Hitler não tinha um projeto de um mundo novo, diferente, criando uma civilização mais nobre. Quer no momento de conquista e de sucesso, quer nos momentos de derrotas e fuga, o propósito é destruir e aniquilar, pessoas e bens, obras culturais e religiosas. Primeiro, a eliminação dos judeus e, depois, todos os que se opusessem à conquista. Quando se pressente o fim, as ordens, contraditórias, entre gritarias, Hitler procura que os alemães sejam também aniquilados. Se um é derrotado, então todo o país deve ser destruído e todos os que estiverem na mira das armas e dos canhões. É a estratégia da terra queimada, levado ao extremos, destruir não apenas para evitar as pilhagens dos conquistadores, ou lhes facilitar a vida, mas aniquilar os vencidos, para que os aliados, mormente os comunistas, não possam exibir vitória.
Joachim Fest (1926-2006), o autor, era jornalista e historiador alemão, e um dos maiores especialistas mundiais do nazismo. Filho de pai católico e antinazi, foi expulso do liceu em Berlim por ter feito caricaturas de Hitler. Embora tenha servido no exército, não se filiou na Juventude Hitleriana. Estudou Direito, História, Sociologia e História da Arte. O seu primeiro livro, O Rosto do Terceiro Reich (1963), uma série de retratos de chefes políticos nazis, trouxe-lhe o reconhecimento público. Em 1973, publicou uma extensa biografia de Hitler, que ficou para a posteridade como obra fundamental.
 
Vejamos alguns pedaços que nos fazem visualizar a tese do autor:
 
"Sobretudo desde que a guerra mudou de rumo no Inverno de 1942-1943, Hitler explicava sempre o prolongamento da luta com o argumento de que a rutura da «absurda coligação entre o bolchevismo e o capitalismo» estava iminente e que só depois disso chegaria o momento de entrar em negociações com êxito. Mas sempre que se apresentava uma oportunidade para fomentar a divisão entre as potências inimigas, Hitler deixava-a passar sem a aproveitar, e Gocbbcls escrevia, mal-humorado, no seu diário, que insistia e insistia, mas que «às vezes tem-se a impressão de que ele vive nas nuvens». Sebastian Haffner fez a observação que faltava a Hitler a imaginação construtiva de um estadista e que, pelo menos a partir do fim da década de 30, também tinha perdido a agilidade tática. Essa «falta de talentos básicos» acabou por ser a principal causa do fracasso".
 
"Pode ainda ir-se mais longe e chegar à conclusão de que Hitler, em toda a sua vida, não foi mais do que o ambicioso cabecilha de um bando de rua, inspirado em maquiavelismos atrevidos, com quem nenhum dos políticos complicados e circunspectos do cenário europeu podia competir. Foi exatamente esta completa falta de escrúpulos nos meios e nos fins que o ajudou durante algum tempo a conseguir os seus sensacionais êxitos. Como o chefe de uma quadrilha de bandidos, não tinha mais intenções senão aquelas de matar e roubar. De qualquer modo, o crescente conflito maldoso que iniciou contra quase todo o mundo não tinha, como constataram com assombro os seus generais e mais tarde todos os seus observadores, nenhum objetivo razoavelmente definido. Em fevereiro de 1941, ainda imaginando o final da campanha contra a União Soviética no Outono seguinte e preocupado com o iminente período de paz, pediu a Jodl para «elaborar um estudo» sobre a invasão do Afeganistão e da Índia" (p 149).

"Todas as tentativas que foram feitas para lhe atribuir um papel específico em relação à época ficaram-se por esforços vazios que chegaram a lado nenhum. O que arrastou, entusiasmou e fascinou a maioria das pessoas foi unicamente a pessoa de Hitler, por mais inquietante que isto possa parecer a muitos. A força indomável que o comandou a vida inteira foi a máxima pré-civilizacional da lei do mais forte. Só ela explica na sua totalidade aquilo que ele fazia passar como a sua concepção do mundo.
 
Do lema darwinista geral saíram uma série de ideias, adquiridas cedo e mantidas rigidamente, cuja finalidade era subjugar, escravizar e levar a cabo uma «reconversão racial» que no final sempre deixava para trás «terra queimada». Nunca e em nenhum lugar, nem sequer quando no início os seus exércitos eram saudados como libertadores, Hitler permitiu que houvesse dúvidas de que ele tinha chegado como inimigo e que a sua intenção era ficar ali na qualidade de inimigo. Quase todos os grandes conquistadores anteriores a ele de que há memória na história procuravam, no decurso da sua dominação, fazer surgir nos conquistados a dúvida, se a resistência contra o intruso seria um direito superior ou unicamente a tentativa de barrar o caminho do futuro. Contra Hitler, todos os inimigos tinham esse direito. O seu programa, já muito cedo por ele proclamado, era a «formulação de uma declaração de guerra. . . contra uma concepção do mundo existente» (pág 180).

"Sempre que se investiga com maior rigor o legado de Hitler, daquilo que fez e disse, ressalta o tom profundamente niilista que dominava a totalidade das suas ideias. Quase exatamente três anos antes da sua morte no bunker de Berlim, tinha dito aos seus companheiros de mesa no quartel-general do Führer para dedicarem toda a sua energia à vitória; não podiam deixar escapar essa grande oportunidade. Com uma expressão desdenhosa, acrescentou ainda que «se tinha de ter sempre em conta que, no caso de uma derrota, estava tudo de qualquer maneira perdido». Ele sabia que tinha destruído as pontes que o ligavam ao mundo. Mas convertia em mérito pessoal os choques inesquecíveis que tinha causado. As possíveis consequências não o preocupavam" (p 184).

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