quinta-feira, 30 de junho de 2022

Domingo XIII do Tempo Comum - ano C - 26.junho.2022


1 – Quem quiser seguir-Me, diz-nos Jesus, renuncie e a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me (cf. Lc 9, 23). Por aqui se vê que o seguimento não é para qualquer um, ainda que todos sejam chamados. Seguir Jesus, vocação primeira do cristão, implica renunciar aos próprios desígnios para assimilar e viver segundo os desígnios de Deus.

Claro que seguimos Jesus, não em parte, sob reservas ou na condicional, mas com a nossa vida toda, com sonhos e projetos, com as nossas qualidades e as nossas imperfeições. Não deixamos nada em casa ou para trás. A casa que somos segue connosco no seguimento de Jesus, com os nossos dramas e sofrimentos, com as nossas alegrias e vivências, com as nossas fadigas e propósitos. Não se trata de deixarmos de ser quem somos, pois, na origem, somos filhos amados de Deus, Sua imagem e semelhança, mas predispostos em aperfeiçoar o que nos une a Deus e aos outros. Como Jesus, que não se faça o que queremos, mas a vontade do Pai! Se predominarem os nossos caprichos, tonar-nos-emos centro, cujo egoísmo nos levará à exclusão e conflito, ao desprezo em relação aos outros ou na imposição das nossas vontades.

Nem sempre será fácil. Como diz o Apóstolo, muitas vezes não fazemos o bem que queremos e fazemos o mal que não queremos. O cansaço e as desilusões podem ofuscar o nosso compromisso de fidelidade a Jesus e ao Seu Evangelho de caridade.


2 – Deus chama-nos. Mas cabe-nos responder, decidir, fazer escolhas que nos coloquem no encalço de Jesus. Naqueles dias, Jesus tomou a decisão de Se dirigir a Jerusalém, certo da proximidade de ser levado deste mundo.

Para preparar a subida a Jerusalém, Jesus envia mensageiros à sua frente, para que arranjem estadias para retemperar as forças. Os enviados entram numa povoação de samaritanos, que, naquele tempo, eram inimigos, ao ponto dos galileus, quando peregrinavam para Jerusalém, evitarem entrar nessas povoações. Como se vê, Jesus não evita nenhuma periferia, não faz exclusões, para Ele são todos destinatários da Boa Nova. Ele vem para todos. Não faz desvios (convenientes)!

Segundo o Evangelho, aquela gente não O quis receber, pois ia a caminho de Jerusalém! Parece ser uma justificação razoável. Estão em trânsito e não querem atrasar a subida a Jerusalém. A atitude de Tiago e João é elucidativa: «Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu que os destrua?». Como não admirar a postura dos dois irmãos? Há ocasiões que nos apeteceria fazer algo do género quando não nos compreendem ou seguem opções bem diferentes daquelas que propomos. Jesus repreende-os e a nós também. Não podemos condenar os outros, só porque seguem outro caminho!

O caminho da paciência, da tolerância, da convivência sadia, da inclusão e do respeito pelos outros e pelo que pensam não é um caminho fácil, exige cedência, esperas, reflexão, esforço para compreender e se colocar no lugar do outro, tanto quanto possível. Seguir Jesus implica aceitar as pedras que bloqueiam ou dificultam o caminho!


3 – Não basta um corrilho de intenções, na vida como no seguimento de Jesus, importa arregaçar as mangas e pôr-se a caminho. Já. Agora. Não amanhã ou depois quando as condições forem mais favoráveis. Por isso Jesus nos diz para “carregarmos” a cruz de todos os dias, vamos com o que somos, com as nossas dúvidas e hesitações, mas confiantes na benevolência do Senhor Deus.

Aproximam-se de Jesus com bons propósitos. «Seguir-Te-ei para onde quer que fores». Jesus, como aos apóstolos, não lhe promete tranquilidade ou conforto material, pelo contrário, previne: «As raposas têm as suas tocas e as aves do céu os seus ninhos; mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça».

Jesus encontra outros pelo caminho que colocam a possibilidade de seguimento, mas com condições: «Senhor, deixa-me ir primeiro sepultar meu pai», «Seguir-Te-ei, Senhor; mas deixa-me ir primeiro despedir-me da minha família». A resposta de Jesus é concludente: «Deixa que os mortos sepultem os seus mortos; tu, vai anunciar o reino de Deus», «Quem tiver lançado as mãos ao arado e olhar para trás não serve para o reino de Deus».

Não se trata, entenda-se, de desvalorizar a família, ou as obras de misericórdia, mas nada se deve entrepor entre nós e Deus, entre a vocação e o seguimento. Na verdade, seguindo Jesus, de todo o coração, o compromisso com o próximo, mais perto ou mais distante, é assumido em lógica de amor (e não de obrigação).


4 – Na primeira leitura, Elias, sob mandato divino, unge Eliseu que lhe sucederá como profeta. Depois de lançar a sua capa sobre Eliseu, este larga os bois, corre para Elias e pede-lhe: «Deixa-me ir abraçar meu pai e minha mãe; depois irei contigo». A resposta de Elias aparenta ser mais compreensiva do que a de Jesus: «Vai e volta, porque eu já fiz o que devia».

São situações diferentes, mas que sublinham que o seguimento, a resposta ao chamamento, não sanciona o desprezo pela família, mas nem a família é desculpa para adiar a resposta a Deus, pois também a família está englobada no amor que nos leva a seguir Jesus.

Seguir Jesus implica que não há outras seguranças que não Ele. Ele é o garante da nossa vida presente e futura. Vale para vocações específicas. Vale para todos os cristãos. É nesta confiança que respondemos à Palavra de Deus com o salmista: “Senhor, porção da minha herança e do meu cálice, está nas vossas mãos o meu destino. O Senhor está sempre na minha presença, com Ele a meu lado não vacilarei. Por isso o meu coração se alegra e a minha alma exulta e até o meu corpo descansa tranquilo. Dar-me-eis a conhecer os caminhos da vida, alegria plena na vossa presença, delícias eternas à vossa direita”.

O salmo 15 é colocado na boca de um membro da tribo de Levi, que tinha a responsabilidade do Templo e do culto. A terra prometida foi subdividida por onze das doze tribos de Israel. Os membros da tribo de Levi ficaram dependentes das ofertas ao Templo. As outras tribos têm terras para cultivar e criar o gado, a Tribo de Levi tem por Terra o próprio Deus, dependendo das outras tribos e das ofertas que façam chegar ao Templo.


5 – Seguir Jesus enraíza-nos no mundo, lado a lado como irmãos. O mesmo batismo. A mesma fé. Uma só família de Deus e para Deus. Cristo, diz-nos São Paulo, libertou-nos para a verdadeira liberdade. Esta faz-nos irmãos, para vivermos firmes na fé e na caridade, colocando-nos ao serviço uns dos outros. Isso agrada ao Senhor que veio salvar-nos. Segui-l’O faz-nos querer o que Ele quer e agir do Seu modo: amar, servir, cuidar, sarar, salvar, incluir, dar/gastar a vida a favor dos outros. Acolhemos o amor de Deus, derramado em nossos corações pelo Seu Espírito, para nos deixarmos guiar por Ele. Assim, não ficaremos prisioneiros da carne mas livres no Espírito do Senhor.

O Apóstolo usa palavras fortes, alertando-nos: “Se vós, porém, vos mordeis e devorais mutuamente, tende cuidado, que acabareis por destruir-vos uns aos outros”. Bem se vê no momento histórico atual, como em séculos anteriores. O egoísmo e a prepotência, a sobranceria e a ganância, levam-nos ao conflito, à guerra, destruindo os outros, mas cedo ou tarde, destruindo-nos também a nós.

Certos das nossas fragilidades e tentações, peçamos com fé: “Senhor, que pela vossa graça nos tornastes filhos da luz, não permitais que sejamos envolvidos pelas trevas do erro, mas permaneçamos sempre no esplendor da verdade”.

A verdade, por maioria de razão na Bíblia, não é abstrata, mas concretizável na caridade, no serviço aos outros, no compromisso social pela justiça. A verdade aproxima-nos e irmana-nos. A mentira corrói(-nos), afasta-nos dos outros, mina a confiança e pode levar a ruturas irreparáveis e conflitos agressivos. A verdade torna-nos mais leves, faz-nos transparecer bondade e ternura, o amor de Deus que extravasa e se traduz no amor aos nossos irmãos.

Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (C): 1 Reis 19, 16b. 19-21; Sl 15 (16); Gal 5, 1. 13-18; Lc 9, 51-62.

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