quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Domingo IV do Advento - ano A - 18 de dezembro de 2022


1 - O sonho comanda a vida. Refrão bem conhecido da música portuguesa, da autoria de António Gedeão. "Eles não sabem, nem sonham, que o sonho comanda a vida. Que sempre que um homem sonha o mundo pula e avança". É também conhecida a máxima da Fernando Pessoa: "Deus quer, o homem sonha, a obra nasce".
Deus sonhou para nós um mundo belo e harmonioso, pleno de amor e de ternura, onde prevaleceriam a alegria e a fraternidade. Os desígnios de Deus mantiveram-se inalterados, respeitando sempre a vontade humana, mas fazendo-nos ver caminhos e opções que nos reconciliariam uns com os outros, possibilitando um mundo mais humano, mais acolhedor, mais casa de todos e para todos. Deus continua a sonhar-nos no Seu amor e a pensar para nós todo o bem, a abundância da graça. É neste plano salvador que preparar Maria para ser a Mãe do redentor, Deus connosco, o Emanuel.
O profeta Isaías comunica a Acaz e a todo o povo o sonho de Deus, uma promessa que há de cumprir-se a seu tempo: «Escutai, casa de David: Não vos basta que andeis a molestar os homens para quererdes também molestar o meu Deus? Por isso, o próprio Senhor vos dará um sinal: a virgem conceberá e dará à luz um filho e o seu nome será Emanuel».
Acaz recusa pedir um sinal, entendendo que não se deve pôr Deus à prova. No entanto, é o próprio Deus que, através do Profeta, quer revelar a Sua vontade, os seus sonhos a favor da humanidade. Desta forma se acalenta a esperança, mas simultaneamente é um aviso à navegação, o sinal deve produzir efeito de imediato, alterando o rumo de vida, a corrupção, a falta de respeito e de cuidado pelas pessoas, sobretudo as mais vulneráveis. As promessas de Deus são para cumprir, cabe-nos fazer o que está ao nosso alcance, para que se efetivem os Seus sonhos, permitindo um mundo habitável.

2 - Com o nascimento de Jesus, cumpre-se em plenitude a promessa de Deus, o Emanuel está connosco, vem para habitar no meio de nós e para nos habitar através do Seu Espírito de amor.
O relato do nascimento de Jesu, relatado por Mateus, sublinha o mistério da concepção. Maria engravida pela ação do Espírito Santo. Outro dado importantíssimo é o papel de José, esposo de Maria, que constata a gravidez sem que tivesse contribuído para tal.
O Evangelho mostra um José surpreendido, admirado, desprevenido, mas também ponderado. Homem bom e justo, como sublinham os evangelhos, José reflete sobre o que terá acontecido. Deve ter passado por momentos de grande dúvida, de revolta, sem saber o que pensar ou o que fazer. Não é fácil para ninguém sentir-se abandonado, traído, enganado. Para José, por certo, também o não foi. Todavia, não se deixou levar pelo momento, por um qualquer gesto repentino e impensado. Olha para a sua vida, mas coloca a de Maria em primeiro lugar, apesar da "traição". É a isso que chamamos amor: colocar a pessoa amada, colocar o outro, em primeiro lugar. Agir não em função do que nos é mais fácil, mais cómodo, mais favorável, mas em função das necessidades do outro.
No judaísmo, uma situação desta levaria à condenação, por apedrejamento, da mulher. Seria esse o destino de Maria. Com efeito, provando-se que José, a quem ela estava prometida, havendo um compromisso sólido e duradouro, já eram o que estavam destinados a ser, um casal, Maria ia estar em maus lençóis, não havia salvação possível. José encontra uma solução, iria abandoná-la em silêncio. Dessa forma, ele ficaria com as culpas de a ter desonrado e ela ficava protegida na família dele e dela, pois a ação e responsabilidade seria atribuídas a José.
Deus tem planos para nós que nem adivinhamos. No meio do caos, José foi capaz de parar e refletir e achar uma solução que protegesse Maria e o Menino, mas Deus não o deixou esperar mais e apareceu-lhe num sonho, através de um Anjo: «José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que nela se gerou é fruto do Espírito Santo. Ela dará à luz um Filho e tu pôr-Lhe-ás o nome de Jesus, porque Ele salvará o povo dos seus pecados». Tudo isto aconteceu para se cumprir o que o Senhor anunciara por meio do Profeta, que diz: «A Virgem conceberá e dará à luz um Filho, que será chamado ‘Emanuel’, que quer dizer ‘Deus connosco’». Quando despertou do sono, José fez como o Anjo do Senhor lhe ordenara e recebeu sua esposa.

3 - É tão grande o mistério da Encarnação, inserido no mistério pascal, da ressurreição de Jesus e da nossa redenção, que só uma fé madura poderá fazer-nos aproximar do mistério. Mais do que compreender, cabe-nos acolher Deus na nossa vida, deixar-nos amar por Ele, sentirmo-nos amados, para amarmos os outros, na certeza de que amando e cuidando dos outros estamos a responder ao amor de Deus por nós.
São Paulo assume-se como servo de Jesus Cristo, «apóstolo por chamamento divino, escolhido para o Evangelho que Deus tinha de antemão prometido pelos profetas nas Sagradas Escrituras, acerca de seu Filho, nascido, segundo a carne, da descendência de David, mas, segundo o Espírito que santifica, constituído Filho de Deus em todo o seu poder pela sua ressurreição de entre os mortos: Ele é Jesus Cristo, Nosso Senhor».
Se inicialmente o apóstolo fala da sua vocação e da sua missão, logo sublinha que tudo se inclui e tudo está envolvido no mistério pascal. É em Cristo Jesus que somos redimidos e preenchidos com a vida de Deus. Com efeito, «por Ele recebemos a graça e a missão de apóstolo, a fim de levarmos todos os gentios a obedecerem à fé, para honra do seu nome, dos quais fazeis parte também vós, chamados por Jesus Cristo». O mistério recebido, a graça que nos transforma, faz-nos apóstolos, anunciadores do Evangelho. Se o mistério nos encontrou, melhor, se nos deixamos surpreender pelo mistério, pelos sonhos de Deus, não podemos não transbordar de alegria, respondendo ao amor (de Deus) com amor (ao próximo). É, na verdade, o que acontece com todos os encontros. O encontro de José com Maria encheram-nos de alegria, mas, sucessivamente, o deixaram desiludido, exigindo uma escolha, um caminho. O envolvimento no sonho de Deus apazigua o seu coração e altera para sempre a sua decisão.
Quando Paulo é surpreendido por Deus e envolvido no Seu mistério (e no Seu sonho), não mais deixará de viver e anunciar a Boa Nova.

4 - Deixemo-nos encontrar por Deus. Ele procura-nos. Ele vem ao nosso encontro. Nas origens, Adão e Eva esconderam-se, envergonhados. Aprendamos com eles, ou com os seus erros. Como poderíamos ter vergonha do nosso Pai, que é mais Mãe? É certo que, por vezes, nos distanciamos, brigando com os irmãos, ou sentindo-os adversários, mas Deus, que é Pai, poderia recusar ver-nos, poderia recusar o nosso olhar?
Peçamos-Lhe confiantes: «Infundi, Senhor, a vossa graça em nossas almas, para que nós que, pela anunciação do anjo, conhecemos a encarnação de Cristo, vosso Filho, pela sua paixão e morte na cruz alcancemos a glória da ressurreição».
O conhecimento que nos vem da fé, que se cimenta na oração, é relação com Deus, que nos escuta para que escutemos a Sua Palavra e concretizemos a Sua vontade.
O salmista reza a grandeza de Deus e a bênção que experimentamos quando não nos fechamos no nosso orgulho ou no nosso egoísmo. «Do Senhor é a terra e o que nela existe, o mundo e quantos nele habitam. Ele a fundou sobre os mares e a consolidou sobre as águas. / Quem poderá subir à montanha do Senhor? Quem habitará no seu santuário? O que tem as mãos inocentes e o coração puro, que não invocou o seu nome em vão nem jurou falso. / Este será abençoado pelo Senhor e recompensado por Deus, seu Salvador. Esta é a geração dos que O procuram, que procuram a face do Deus de Jacob».
Procuremos a face do Senhor que nos procura com amor.

Leituras para a Eucaristia (ano A): Is 7, 10-14; Sal 23 (24), 1-2. 3-4ab. 5-6 L2: Rom 1, 1-7 Ev: Mt 1, 18-24

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