sábado, 16 de maio de 2015

Ascensão de Jesus ao Céu - ano B - 17 de maio de 2015

       1 – Se dúvidas houvesse sobre a dimensão missionária da Igreja, elas ficariam desfeitas pelos textos hoje propostos e pela solenidade da Ascensão do Senhor ao Céu. Jesus ascende para Deus, para a eternidade do Pai, não como quem nos abandona, mas por forma a estar presente à humanidade inteira e não apenas, na limitação do tempo, do espaço e da história, a um grupo restrito. É necessário que Eu vá para junto do Pai para vos enviar o Espírito Santo que vos recordará toda a verdade. Então o Espírito Santo dará testemunho de Mim e vós também dareis testemunho (cf. Jo 15, 26 – 16, 4).
       Vós sereis testemunhas destas coisas. Vou partir mas não vos deixarei órfãos. Enviar-vos-ei o Espírito. A Ascensão de Jesus lembra-nos que Ele nos chama para nos enviar e não para ficarmos à sombra da bananeira à espera que a vida se resolva a nosso favor. Audazes para fazermos o que está ao nosso alcance, dando o melhor de nós, construindo um mundo mais justo e fraterno, tornando-nos verdadeiramente família de Deus, dando as mãos para juntos chegarmos mais longe.
       Vamos errar? Sim, muitas vezes. Só não erraremos se não fizermos nada.
       Vamos desanimar? Sim. Mas também assim descobriremos o sabor e o sentido do compromisso, da insistência, do esforço. Precisamos de águas calmas, mas a ondulação ajuda-nos a prosseguir, a estar vigilantes e despertos, a ser mais cuidadosos.
       Jesus apareceu aos Onze e disse-lhes: «Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura. Quem acreditar e for batizado será salvo; mas quem não acreditar será condenado. Eis os milagres que acompanharão os que acreditarem: expulsarão os demónios em meu nome; falarão novas línguas; se pegarem em serpentes ou beberem veneno, não sofrerão nenhum mal; e quando impuserem as mãos sobre os doentes, eles ficarão curados».
       2 – São Marcos, que volta ao nosso convívio, de forma sucinta, clara e perentória, diz-nos que o mandato de Jesus é rapidamente executado pelos Seus discípulos. “O Senhor Jesus, depois de ter falado com eles, foi elevado ao Céu e sentou-Se à direita de Deus. Eles partiram a pregar por toda a parte e o Senhor cooperava com eles, confirmando a sua palavra com os milagres que a acompanhavam”.
       Como tinha prometido, Jesus acompanha os discípulos no seu ministério missionário. Coopera com eles, confirmando com os milagres as palavras anunciadas. Um texto tão simples por certo só nos diz o que precisamos de saber para prosseguirmos: Ele está e coopera connosco, e através de nós continuará a operar maravilhas.
       As dificuldades multiplicar-se-ão à medida que a evangelização der frutos. Quanto mais atual e atuante, visível e concretizada, em pessoas e comunidades, estiver a Palavra de Deus, mais obstáculos surgirão, mais vozes e gestos se levantarão. O anúncio do Evangelho provocará escolhas. Nada ficará como dantes. A luz não provoca caos, mas põe a descoberto as imperfeições. As ondas hão de ora incomodar ora envolver, expondo o cinismo e a hipocrisia. Não fazer nada, não levantar ondas, não chamar a atenção, não exige uma escolha e não invetiva os que estão acomodados. Como se costuma dizer, e às vezes com razão, só não falam mal de quem não faz nada.
       São Marcos, o primeiro a escrever o Evangelho, assiste a um extraordinário impulso missionário. Mesmo sendo um acrescento final ao Evangelho, esta narração resume o essencial dos tempos posteriores à ressurreição de Jesus e como os discípulos vivem entusiasmados com os frutos da evangelização. Os primeiros anos, com alguns reveses, são quase idílicos.

       3 – São Lucas, ao escrever o Evangelho e o livro dos Atos dos Apóstolos, faz transparecer as provações dos discípulos e das primeiras comunidades. À medida que a pregação gera frutos e comunidades, também gera, como víamos, ódios, inimizades, perseguição.
       Numa leitura alargada dos evangelhos, atos, cartas dos apóstolos, verifica-se que há atitudes diversas diante das dificuldades. Para uns, Jesus vai já manifestar-Se, no tempo da geração atual. Algumas cartas de São Paulo são explícitas a este propósito: alguns não morrerão sem terem visto a vinda do Reino de Deus em poder, colocando o universo inteiro sob o Seu domínio (cf. 1 Tes 4, 13-18). «Esta geração não passará sem que tudo aconteça» (Mt 24, 34; cf. Lc 21, 32).
       Na primeira leitura, a pergunta a Jesus recoloca a questão: «Senhor, é agora que vais restaurar o reino de Israel?». O entusiasmo inicial está alquebrado. Que aconteceu? Já morreram alguns, e Jesus não veio ainda restaurar o mundo? São Lucas procura a resposta nas palavras de Jesus: «Não vos compete saber os tempos ou os momentos que o Pai determinou com a sua autoridade; mas recebereis a força do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém e em toda a Judeia e na Samaria e até aos confins da terra».
       É quanto basta. Está tudo dito. Deixemos a hora e o lugar, o tempo e a ocasião, não queiramos antecipar o futuro cronológico. Quando muito vivamos com os olhos postos no futuro de Deus, que nos atrai e sustém.
       À vista deles, elevou-Se e uma nuvem escondeu-O. Os discípulos ficam de olhar fito no Céu, como nós ficamos a olhar aqueles que vemos partir. É preciso regressar aos nossos afazeres, mas enquanto vemos o carro ou o comboio a afastar-se ficamos. Assim sucede com os discípulos. Então, dois homens vestidos de branco, interpelam-nos: «Homens da Galileia, porque estais a olhar para o Céu? Esse Jesus, que do meio de vós foi elevado para o Céu, virá do mesmo modo que O vistes ir para o Céu».
       Há que encontrar Jesus no meio de vós. Dessa forma Ele manifestar-se-á. Não adianta ficar a olhar perdidamente para o Céu. Quantas vezes também nos fixamos no Céu à espera de uma resposta, um sinal, uma prova! Por um lado, o Céu é o nosso horizonte. Mas para já temos de trabalhar o mundo, cuidando uns dos outros, entre sucessos e contratempos.

       4 – A oração final da Eucaristia enlaça-nos neste desiderato de vivermos aqui na terra, saboreando o verdadeiro Alimento, o Pão vivo que nos alimenta até à vida eterna: “Deus eterno e omnipotente, que durante a nossa vida sobre a terra nos fazeis saborear os mistérios divinos, despertai em nós os desejos da pátria celeste, onde já se encontra convosco, em Cristo, a nossa natureza humana”.
       Não são duas realidades estanques ou separadas, entrelaçam-se por vontade de Deus que, em Jesus, desceu à terra, assumiu a nossa natureza humana, caminhou connosco, e com a Sua morte e ressurreição, abriu-nos as portas da eternidade. Agora vive entre nós de uma maneira nova, pelos Sacramentos, pela Palavra proclamada, mastigada e vivida, por todo bem que em Seu nome fizermos aos outros, preferencialmente aos mais pobres.
       A oração de São Paulo agrafa-nos a este compromisso: “O Pai da glória, vos conceda um espírito de sabedoria... ilumine os olhos do vosso coração, para compreenderdes a esperança a que fostes chamados”.
       Também aqui fica claro que a esperança que nos guia para Deus e para o futuro se vai realizando, concretizando, expressando, no tempo presente, na nossa oração e no nosso labor, na procura de comunicarmos, vivendo, a misericórdia que Jesus nos dá em abundância.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (B): Atos 1, 1-11; Sl 46 (47); Ef 1, 17-23; Mc 16, 15-20.

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