1 – Por certo já nos aconteceu começarmos a comer e darmo-nos conta que a comida está insossa. É desagradável! Por mais que a refeição tenha sido cuidadosa e carinhosamente confecionada, faltando-lhe o sal, não nos vai saber bem, a não ser para aqueles que tenham necessidade de comida com pouco ou nenhum sal. Se for em excesso, do mesmo jeito, a comida vai saber mais a sal do que a comida saudável e gostosa. Como sói dizer-se, o sal deve temperar a comida com conta, peso e medida, de tal forma que não seja percetível no sabor. O sal sublinha os ingredientes, é o elemento pobre e humilde que não se afirma por si, mas salienta os alimentos cozinhados.
Por certo, em alguma ocasião, faltou a luz (elétrica) em nossas casas e, repentinamente, deixamos de saber o que fazer, para onde nos dirigirmos, com medo de embater em algum móvel e aleijar-nos. Se um compartimento está com pouca claridade ou acendemos a luz ou arredamos as cortinas. Se anoitece, logo acendemos as luzes. Mas também neste caso a luz não vale tanto por si mesma mas porque nos alumia, nos mostra o que nos rodeia, dando-nos segurança quando nos deslocamos e permitindo-nos encontrar as coisas e objetos que precisamos. Quase despercebida, damos pela sua falta quando uma lâmpada se funde, ou quando se dá algum apagão.
2 – No cimo do monte, diante dos discípulos e da multidão, Jesus continua a ensinar. O Sermão da Montanha, que inicia com as Bem-aventuranças, como escutávamos na semana passada, continua com este desafio de Jesus. Como o sal na comida, com o seu tempero e a sua força! Como a luz que se acende e pela qual se vela para que ilumine toda a casa e a vida toda.
O sal tem uma missão importante: salgar, temperar, transparecer o sabor dos alimentos.
A luz tem uma missão essencial: iluminar, guiar, mostrar o caminho e os seus obstáculos.
Aproximemo-nos. Não fiquemos à distância. Há uma multidão que se junta a Jesus, no alto da montanha. À frente estão os discípulos. Jesus fala sobretudo para os discípulos, os que estão mais perto. Imaginamos que não havendo qualquer sistema de som (portátil) a voz de Jesus se perca à medida do distanciamento das pessoas. Quem está à frente não perde pitada do que Ele diz. Escutemos com atenção, é para nós que o Mestre da Docilidade está a falar: «Vós sois o sal da terra... Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte; nem se acende uma lâmpada para a colocar debaixo do alqueire, mas sobre o candelabro, onde brilha para todos os que estão em casa. Assim deve brilhar a vossa luz diante dos homens, para que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai que está nos Céus».
Mas podemos perguntar: como poderemos ser sal da terra e luz do mundo? A resposta é dada por Jesus: praticar boas obras. Fazendo o bem, promovendo a paz, lutando pela justiça, comprometendo-nos solidariamente com os outros, cuidando dos mais frágeis, incluindo os distantes, saciando os famintos e os sedentos, devolvendo a alegria aos que andam cansados e abatidos, libertando os oprimidos, dando guarida aos peregrinos, aos estrangeiros, aos que se sentem estranhos. Numa palavra, agindo do mesmo jeito de Jesus que veio como Aquele que serve, gastando a Sua vida para que nós tenhamos vida abundante.
3 – Isaías, na primeira leitura, mostra-nos como podemos fazer brilhar a luz que há em nós, revelando-nos a vontade de Deus: «Reparte o teu pão com o faminto, dá pousada aos pobres sem abrigo, leva roupa ao que não tem que vestir e não voltes as costas ao teu semelhante. Então a tua luz despontará como a aurora e as tuas feridas não tardarão a sarar... Se tirares do meio de ti a opressão, os gestos de ameaça e as palavras ofensivas, se deres do teu pão ao faminto e matares a fome ao indigente, a tua luz brilhará na escuridão e a tua noite será como o meio-dia».
Belíssima a imagem usada pelo profeta, desafiando a iluminar as trevas pela prática do bem, pela vivência das obras de misericórdia. O Jubileu Extraordinário encerrou, mas não a Misericórdia de Deus nem o nosso compromisso de Lhe correspondermos, concretizando a nossa resposta através das obras de misericórdia, corporais e espirituais.
A nossa noite transformar-se-á em meio-dia. Está aqui uma provocação oportuna. Ainda que vivamos um tempo de trevas, em que a nossa vida e a nossa fé passem por dificuldades, provações, noite, não desistamos de amar e de cuidar, de servir e gastar a vida e o tempo a favor dos outros. A noite da fé de Santa Teresinha do Menino Jesus, em que tudo lhe parecia ter ficado sem sentido, em que o silêncio de Deus parecia aterrador, leva-a a reafirmar a sua vocação: a amar. Ainda que falte a fé não nos falte o amor e a capacidade de nos darmos aos outros. E então a nossa luz far-se-á ver, o dia e a vida terão ainda sentido, ainda que tenhamos de atravessar as trevas mais densas!
A palavra de Deus sanciona a felicidade daqueles que usam de compaixão, repartem com largueza pelos pobres, dispõem das suas coisas com justiça… a sua generosidade perdura para sempre. Ficarão eternamente na memória de Deus (Salmo). Serão conduzidos à Sua presença. As boas obras iluminam a vida que partilhamos com os outros e franqueiam as portas da eternidade.
4 – Decididamente o apóstolo Paulo mantém, ao longo do tempo, um espírito combativo, que perpassa nos gestos e nas palavras. Esse carácter vincado, disponível para a luta, para confrontar-se em privado ou em público, na defesa dos seus ideais, fazem dele um combatente. A conversão a Jesus Cristo, a adesão ao Evangelho, não anulam o seu fervor e a sua impulsividade. A partir de então torna-se "soldado" de Cristo, enfrentando Reis e governadores, tempestades e marés. Irá até ao fim do mundo para anunciar Jesus Cristo, para espalhar a Boa Nova.
Continuamos a ler a sua carta à comunidade de Corinto. Quenose, abaixamento, esvaziamento de si para transparecer e testemunhar Jesus Cristo. Tudo por Cristo. Tudo para Cristo. Vinca bem os seus intentos: anunciar Jesus. Um pouco como Jesus. Faz-se tudo para todos, Entranha-se nas comunidades. Não se apresenta pelo prestígio, pela sabedoria, pelo poder, pela importância social-religiosa. Mas está dentro, no meio, imerso na comunidade. Como um deles. «Apresentei-me diante de vós cheio de fraqueza e de temor e a tremer deveras... Pensei que, entre vós, não devia saber nada senão Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado». Não se anuncia. Anuncia Cristo e Cristo crucificado com a preocupação de a todos conduzir, pela fé, a Deus Pai, pelo poder do Espírito Santo.
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (A): Is 58, 7-10; Sl 111 (112); 1
Cor 2, 1-5; Mt 5, 13-16.
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