1 – Jesus ainda não desceu. Não desçamos nós também. Mantenhamo-nos junto d'Ele, na montanha, a escutá-l'O para O seguirmos, para procuramos sintonizar-nos o mais possível. A multidão permanece. Os discípulos continuam sentados, na primeira fila, para não perderem nada e absorverem cada palavra, cada nuance, cada conselho.
Hoje é connosco, permanecer junto a Jesus, escutá-l'O, apreender a Sua mensagem e captá-la para o nosso tempo e para as circunstâncias atuais. Só poderemos partir para O testemunhar, para O transparecer, para anunciar a Sua Palavra, se permanecermos ligados, sintonizados, identificados com Ele. Quando mais próximos, mais aptos a IR e anunciar a Boa Nova a toda a criatura. Nisto consiste precisamente o sermos discípulos missionários. Não é possível separar as águas. Só os discípulos são missionários. Só sendo missionários permanecemos como discípulos.
Na linguagem como na vida, Jesus apresenta-Se dócil, próximo, a favor dos mais desfavorecidos e da integração de todos no Reino de Deus, repudiando as injustiças, a sobranceria, as invejas e os ódios, promovendo o serviço, o amor e o perdão, contando connosco, comigo e contigo. Cada pessoa conta. Cada um de nós é assumido como irmão, filho bem-amado do Pai. Jesus não vem para derrubar o bem que existe, mas para desfazer os muros da incompreensão, do egoísmo, da intolerância, da violência, e contruir pontes e laços de entreajuda, de comunhão e de fraternidade.
Na montanha, mais perto de Deus, para que ao descer para a cidade, para a povoação, seja Deus que Se traz, Se anuncia e Se dá aos outros.
2 – «Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim revogar, mas completar».
A lei do amor não torna mais fácil a nossa vida. Jesus não revoga os preceitos da Lei de Moisés. Não tem o propósito de alijar, iludir, facilitar, mas de elevar, aperfeiçoar, plenizar. Jesus é a Carne viva da Lei, o Corpo e a Vida. Mas a carne, o corpo e a vida são delicados e temos que os tratar como tal, com delicadeza e cuidado, prestando a máxima atenção para não ferir, não magoar, para não danificar. Quando cuidamos da carne do outro, do seu corpo e da sua vida, estamos a entrar no seu mundo, estamos a reconhecê-lo como parte essencial do nosso mundo. Quando tocamos as feridas e as chagas do outro, como nos lembra a Santa Teresa de Calcutá, tocamos os ferimentos de Jesus.
Não precisamos de leis nem de regras, desde que amemos de todo o coração! Por certo! Como diria Santo Agostinho, ama e faz o que quiseres! Só que quem ama cuida, sofre, ampara, acolhe, serve, acarinha, gasta-se, respeita, dá-se, entrega-se. A não ser que amar seja apenas uma palavra dita da boca para fora e gasta pelo muito e/ou mau uso da mesma. A não ser que amar seja apenas gozar, sentir prazer, tirar proveito do outro, servir-se do outro enquanto é útil e satisfazer os próprios interesses e caprichos. Amar exige muito de mim. Exige tudo. Não se ama a meio termo, a meio gás, com condições ou reservas. A vida não é branco e preto, também é cinzenta e vermelha, castanha e amarela. No entanto, ou se ama ou não se ama. Amar muito já está dentro do amar. Amar exige tudo de mim e de ti. Exige que gastemos as forças, o corpo e o espírito a favor do outro, de quem, pelo amor, me faço próximo, me faço irmão. Amar é dar a vida. É gastar a vida. É confiar ao outro a própria vida. Foi isso que Jesus fez connosco, comigo e contigo, com a humanidade inteira. Por amor, gastou-Se até à última gota de sangue.
As suas palavras entram-nos pelos ouvidos dentro até chegarem ao coração. Outrora poderíamos ainda ter desculpas, não saber, estarmos a caminhar e a amadurecer. Mas agora é tempo de viver, de amar e servir. «Se a vossa justiça não superar a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos Céus». Se vos preocupais apenas com os mínimos garantidos não servis o reino de Deus, que exige o máximo.
3 – Aos antigos foi dito muita coisa, mas agora é a própria Palavra de Deus, em Pessoa, em Jesus Cristo, que Se comunica. Não basta "não" matar, é preciso dar-se, ser pró-ativo no bem a dizer e a fazer, indo ao encontro do outro, auxiliando-o, servindo-o.
As leis, como a de Moisés, de inspiração divina, tiveram o fito de criar situações de maior justiça e equidade, evitando roubos, assassínios, situações que pudessem minar as relações dentro das famílias e dentro dos clãs. A pedagogia da Lei compromete-nos com o "mais". Há sempre mais a fazer, sempre mais para cuidar, sempre mais para melhorar. Quem se fica pelas exigências da lei, paralisa, não evolui, não se liberta da estagnação da vida. O que se proíbe ajuda a orientar as forças e a vida para o que se pode. Há uma linha que não se pode transpor, pois se se transpuser estaremos a contrariar a vida como dom e como compromisso. A lei esclarece-nos. Não podemos passar a linha, mas acima da linha há uma vida a viver, a realizar. Ora, Jesus, com a Sua vida, mas também com as Sua palavras, diz-nos que a preocupação não há de ser a de guardar ou pisar a linha, mas viver de tal forma que essa preocupação não tenha morada em nós. Imaginemos um campeonato de futebol. Há uma linha abaixo da qual se desce de divisão. Quem se mantiver muito acima dessa linha, poderá fazer coisas melhores, pela confiança, pela garra. O medo da descida pode criar insegurança e gerar mais medo e provocar mais derrotas. O amor gera amor. A vida gera vida e multiplica-a. A diferença, neste campeonato, é que ninguém precisa de descer de divisão, todos podem chegar em primeiro lugar.
As últimas palavras do Evangelho para este domingo deixam claro que a nossa «linguagem deve ser: ‘Sim, sim; não, não’. O que passa disto vem do Maligno». A linguagem e a vida, as palavras e os gestos, as respostas e as obras. Clareza, verdade, serviço, amor. É uma linha acima, pela positiva, pelo que aproxima, pela fidelidade, pelo envolvimento com os outros.
4 – A fidelidade aos Mandamentos não é um capricho! É uma opção livre e que liberta. Claro que as leis, sobretudo de direito positivo, precisam de ser aperfeiçoadas e por vezes atualizadas diante de novas circunstâncias e situações. Os Mandamentos são, seguindo a Bíblia, Lei de Deus, traduzida em linguagem humana. A Lei em si mesma não salva. Mas orienta para a salvação, aponta para a vivência harmoniosa entre pessoas, previne abusos e desvios, sugere caminhos que, experimentados por outros e fruto da sua experiência, testemunho e reflexão, podem facilitar-nos a vida, pois já não temos necessidade de andar por caminhos errantes, à procura de sermos mais justos, mais honestos, mais inclusivos. A Lei não salva, a vida salva, a graça de Deus salva. A Lei prepara-nos para acolhermos a Deus e vivermos como irmãos.
Quando éramos mais novos, as leis e as instituições eram uma chatice, um empecilho à nossa liberdade, à alegria e à festa. Existiam para nos aborrecer, para proibir, para castigar, para nos aprisionar. Crescemos, amadurecemos e envelhecemos e percebemos agora que nos ajudavam a não perder tanto tempo. Agora sabemos que resultaram da sabedoria e da vida de outros. Precisamos de fazer o nosso caminho. E, ao partirmos, queremos que os mais novos encontrem em nós referências, testemunho, desafio, encontrem a sabedoria que fomos adquirindo, ainda que saibamos que também vão bater muitas vezes com a cabeça e magoar-se.
Ben Sirá diz-nos que ser fiel aos mandamentos não é um sacrifício nem uma obrigação, depende da minha, da tua, da nossa vontade. No entanto elucida-nos: «Deus pôs diante de ti o fogo e a água: estenderás a mão para o que desejares. Diante do homem estão a vida e a morte: o que ele escolher, isso lhe será dado. Porque é grande a sabedoria do Senhor, Ele é forte e poderoso e vê todas as coisas. Seus olhos estão sobre aqueles que O temem, Ele conhece todas as coisas do homem. Não mandou a ninguém fazer o mal, nem deu licença a ninguém de cometer o pecado».
O salmo mostra a felicidade daqueles que seguem o Senhor: «Felizes os que seguem o caminho perfeito e andam na lei do Senhor… que observam as suas ordens e O procuram de todo o coração... Oxalá meus caminhos sejam firmes na observância dos vossos decretos… Abri, Senhor, os meus olhos para ver as maravilhas da vossa lei... Ensinai-me, Senhor, o caminho dos vossos decretos, para ser fiel até ao fim. Dai-me entendimento para guardar a vossa lei e para a cumprir de todo o coração».
Para concluir estes dois textos nada melhor que a oração de coleta: «Senhor, que prometestes estar presente nos corações retos e sinceros, ajudai-nos com a vossa graça a viver de tal modo que mereçamos ser vossa morada».
5 – São Paulo, na Carta aos Coríntios, continua a falar de humildade e despojamento, de quem se apronta para acolher a vontade de Deus, a Sua misericórdia e a Sua sabedoria. Só Deus pode garantir-nos eternamente.
Diante da comunidade, Paulo não quer outra coisa que não seja anunciar Jesus, crucificado e ressuscitado, para que uns e outros, judeus e gregos, livres e escravos, homens e mulheres, todos possam aceder à salvação colocada ao nosso alcance por Jesus Cristo.
Pe. Manuel Gonçalves
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