1 – O ser humano adulto é constituído por cerca de 75% de água. Curioso, pois o que se vê é solidez, carne, ossos, pele, músculo. Nas crianças a percentagem aumenta para cerca de 85%, maior elasticidade, e nos idosos baixa para cerca de 50%, daí a necessidade de beberem mais líquidos para equilibrar o organismo. E por falar em corpo, a água é um dos elementos fundamentais para a saúde da pessoa. Os médicos sempre recomendam: beber muita água e fazer desporto e alimentar-se com comida saudável.
Em muitas regiões da terra, a água é um bem escasso, provocando lutas, violência e guerra. Nas guerras tradicionais uma das formas de ganhar vantagem era controlar o acesso à água potável, vigiando as fontes, impedindo que a água chegasse às populações inimigas. Na guerra da Jugoslávia as pessoas arriscavam serem mortas ao irem buscar água, gastando horas a caminhar para os locais onde havia água, esperando horas na fila. É um pouco como a eletricidade, vemos a sua importância quando falha. Vivemos num paraíso, bastam uns segundos, abrir a torneira, ou uns minutos para a ir buscar!
A escassez de água é um drama do nosso tempo. Já existe o Dia Mundial da Água, incentivando a sua racionalização, a preservação dos solos e aquíferos, sensibilizando a distribuição/partilha da água e para que, sendo um direito, não leve à corrupção e à exploração das populações que não têm fácil acesso a água potável. É o petróleo do século XXI. Em muitos lugares, já á mais cara que o gasóleo.
A terra é constituída por cerca de 70% de água, mas só 3% dessa água é doce e menos de 1% está acessível. A pescaria, a pecuária, a agricultura, a indústria... tudo depende da água... para beber, para lavar, para regar, para cozinhar... Em algumas partes do planeta não há água, pelo que a solução é comprá-la, noutros lugares, a água é tão cara que não há condições de pagar! É um direito por cumprir!
2 – «Dá-Me de beber». Junto ao poço de Sicar, Jesus encontra uma Mulher, samaritana, logo inimiga dos judeus, que há muito não se davam. Jesus não deixa que a nacionalidade seja um impedimento para lhe pedir água, ainda que ela se admire por tal atrevimento. Jesus prossegue: «Se conhecesses o dom de Deus e quem é Aquele que te diz: ‘Dá-Me de beber’, tu é que Lhe pedirias e Ele te daria água viva».
Mas como é possível tirar água de um poço fundo sem um balde? Dá que pensar! Será que está bom da cabeça? Será Ele maior que Jacob? Porém, Jesus não despega e reafirma o DOM: «Todo aquele que bebe desta água voltará a ter sede. Mas aquele que beber da água que Eu lhe der nunca mais terá sede: a água que Eu lhe der tornar-se-á nele uma nascente que jorra para a vida eterna».
Como um de nós, a Samaritana entrevê uma oportunidade: «Senhor, dá-me dessa água, para que eu não sinta mais sede e não tenha de vir aqui buscá-la». Depreendemos das suas palavras o tempo gasto e o cansaço em ir buscar água à fonte. A Samaritana está fixa numa necessidade básica, urgente e fundamental, mas biológica. Jesus deu um passo em frente, está a falar de SEDE de Deus, de sentido, de uma saciedade que nos humaniza, nos apazigua e, simultaneamente, nos compromete com os outros. A água recebida, como todo o dom, é água partilhável. Assim a vida. Recebeste de graça, dai de graça!
3 – O diálogo continua e apercebemo-nos que Jesus entra na nossa vida sem invadir a nossa liberdade. Propõe-nos um caminho de felicidade, vida abundante, abertura aos outros, compromisso e "obediência" (= escuta) a Deus, por forma a garantir que os outros são DOM e não são dispensáveis.
A Samaritana é uma mulher insaciável. Que fazer quando estamos insatisfeitos com a nossa vida? Comemos, enfartamo-nos ou vamos às compras, compramos até o que não precisamos, mas pelo menos preenchemos tempo e talvez alguns vazios que nos esgotam. Esta mulher não está bem com a vida que leva. Nada a satisfaz. A sua sede fá-la perder-se com as pessoas. Como não lembrar também aquele jovem que vai ter com Jesus e lhe pergunta o que fazer para entrar na vida eterna, isto é, o que fazer para se sentir útil e ser feliz. A resposta de Jesus respeita o ritmo de cada um. Vai, vende, dá, vem e segue-Me!
Jesus não assume uma atitude invasiva. Não há n'Ele palavras recriminatórias, tão-somente uma constatação que resulta da escuta, da atenção, do Seu cuidado para com esta mulher e que a faz sentir amada, a faz sentir pessoa. Jesus não lhe pergunta pelos pecados, pergunta-lhe pela vida e pelo sentido da vida. Para Jesus, o caminho da felicidade passa pela adoração, em espírito e verdade, a adoração de Deus que é Pai. Não há fronteiras, há opções. Não há privilegiados, há pessoas que abrem o seu coração a Deus!
4 – O verdadeiro encontro com Jesus realiza a conversão, a mudança de vida. A mulher sai transformada da presença de Jesus. Disponível para dar testemunho. Com efeito, parte e vai à cidade anunciar o Messias: «Ele disse-me tudo o que eu fiz». A conversão faz-se a partir do anúncio e do testemunho recebido, mas só se torna decisivo no encontro com Jesus. Muitos vierem ao Seu encontro, com sede própria e pediram-Lhe que ficasse algum tempo. Jesus não Se faz rogado e fica com eles durante dois dias. No final o testemunho deste encontro transformador: «Já não é por causa das tuas palavras que acreditamos. Nós próprios ouvimos e sabemos que Ele é realmente o Salvador do mundo».
E nós? Que transformações se operam na nossa vida no encontro com Jesus? Há diferenças na minha, na tua, na nossa vida por sermos cristãos? Experimentamos a alegria de pertencermos a Cristo? Anunciamos Jesus aos outros, pelas palavras e pelos gestos, ou guardamos a fé só para nós?
Quem se aproxima de Jesus é iluminado pelo Seu olhar, pelo Seu amor. E quando alguém se aproxima de nós, pressente a presença de Deus, a Sua luz e o Seu amor? Ou somos velas já sem chama?
5 – Os discípulos ficam surpreendidos quando voltam para junto de Jesus. Tinham ido à cidade buscar alimento. Espantam-se com o facto de Jesus estar (sozinho) em amena caveira com uma mulher. E como se isso não bastasse, é samaritana! O certo é que para Jesus não há exceções. Todos contam. Homens e mulheres. Nativos e estrangeiros. Santos e pecadores. Eu conto. Tu contas. Contamos todos.
A vida de Jesus e dos Seus discípulos não é fácil. Andar por aldeias e cidades, sem poiso certo, gera cansaço e desgaste. Trazem pouca coisa. Os recursos são escassos. Contam com a boa vontade de algumas mulheres convertidas e de seus maridos que simpatizam com Ele! Contam com as dádivas de algumas famílias que os acolhem e de outras que se tornam amigas. Se eles estavam esfomeados, também Jesus deveria estar. Insistem para que coma! A não ser que já o tenha feito! A resposta de Jesus é taxativa: «O meu alimento é fazer a vontade d’Aquele que Me enviou e realizar a sua obra».
Como não lembrar as palavras de Jesus no deserto: nem só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus. Claro que o alimento biológico é imprescindível e não cai do céu como que por magia, mas é fruto do trabalho honesto e dedicado de cada um de nós. Contudo, o homem é mais do que o alimento e do que vestuário. Na verdade, há pessoas miseráveis a viver em palácios e pessoas bem aventuradas a viver em bairros de lata. Isso não significa a defesa da miséria material, mas sublinha que a felicidade exige mais de nós. O que temos pode ajudar-nos a viver mais confortavelmente. O que somos, a família e os amigos, o que damos e o quanto nos damos, em tempo e gastando a vida, define o que nos faz felizes e nos realiza como pessoas.
6 – Deus não nos deixa sem resposta. Ele escuta as nossas preces. «O Senhor está ou não no meio de nós?». A provocação de Moisés vem depois da sua conversa com Deus. Nem sempre a oração é fácil, nem sempre Deus nos responde da forma como esperávamos, mas não deixa de velar, de cuidar, de nos abençoar. Deus sacia a sede daquele povo e através de Moisés manda-o avançar, pôr-se a caminho. A sede também é saciada pelo esforço em caminhar, pela ação do nosso bastão, dos nossos braços. Toda a criação é dom de Deus. Mas o dom é partilhável ou deixa de ser dom. Cabe-nos tornar acessíveis os bens da criação para toda a humanidade, com o nosso trabalho e com a nossa partilha solidária.
7 – São Paulo é um pouco como a Samaritana, um pouco como nós, busca água em fontes que saciam momentaneamente a sede. O problema não é a sede, as fontes é que não têm a água que a nossa vida precisa.
O Apóstolo perseguiu Jesus até ao dia em que se deixou encontrar e surpreender por Ele. A sua sede encontra uma fonte que sacia a sua busca. Aos Romanos, revela que está em paz, apoiado na graça de Deus, na esperança que não engana, «porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. Quando ainda éramos fracos, Cristo morreu pelos ímpios… Dificilmente alguém morre por um justo; por um homem bom, talvez alguém tivesse a coragem de morrer. Mas Deus prova assim o seu amor para connosco: Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores».
Vale a pena aqui evocar a figura de Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein) que, como Paulo, como a Samaritana, chegou um dia e disse: "é esta a verdade". Tendo passado a noite a ler a autobiografia de Santa Teresa de Ávila, encontra Jesus e o cristianismo. Logo pedirá o batismo. Tanto que buscou que encontrou. Mas a chegada não é o fim, é o início de um novo caminho que a levará ao martírio!
Pe. Manuel Gonçalves
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