Mas agora devemos perguntar-nos: o que significa "Maria, a Imaculada"? Este título tem algo a dizer-nos? A liturgia hodierna esclarece-nos o conteúdo desta palavra com duas imagens grandiosas. Em primeiro lugar, há a maravilhosa narração do anúncio a Maria, a Virgem de Nazaré, da vinda do Messias. A saudação do Anjo é tecida com fios do Antigo Testamento, especialmente do profeta Sofonias. Ele faz ver que Maria, humilde mulher de província que vem de uma estirpe sacerdotal e traz em si o grande património sacerdotal de Israel, é "o santo resto" de Israel ao qual os profetas, em todos os períodos de dificuldade e de trevas, fizeram referência. Nela está presente o verdadeiro Sião, a morada pura e viva de Deus. O Senhor habita nela, e nela encontra o lugar do seu repouso. Ela é a casa viva de Deus, que não habita em edifícios de pedra, mas no coração do homem vivo. Ela é o rebento que, na obscura noite invernal da história, brota do tronco abatido de David. É nela que se cumpre a palavra do Salmo: "A terra produziu o seu fruto" (67, 7). Ela é o botão do qual deriva a árvore da redenção e dos redimidos. Deus não fracassou, como podia parecer já no início da história com Adão e Eva, ou durante o período do exílio babilónico, e como novamente parecia no tempo de Maria, quando Israel se tornou definitivamente um povo sem importância, numa região ocupada, com poucos sinais reconhecíveis da sua santidade. Deus não fracassou. Na humildade da casa de Nazaré vive o Israel santo, o resto puro. Deus salvou e salva o seu povo. Do tronco abatido resplandece de novo a sua história, tornando-se uma nova força que orienta e impregna o mundo. Maria é o Israel santo; ela diz "sim" ao Senhor, coloca-se plenamente à sua disposição e assim torna-se o templo vivo de Deus.
A segunda imagem é muito mais difícil e obscura. Esta metáfora tirada do Livro do Génesis fala-nos de uma grande distância histórica, e somente com dificuldade pode ser esclarecida; somente durante a história foi possível desenvolver uma compreensão mais profunda daquilo que ali é mencionado. Prediz-se que durante toda a história continuará a luta entre o homem e a serpente, ou seja, entre o homem e os poderes do mal e da morte. Porém, é também prenunciado que "a estirpe" da mulher um dia vencerá e esmagará a cabeça da serpente, da morte; prenuncia-se que a linhagem da mulher e nela a mulher e a própria mãe vencerá e que assim, mediante o homem, Deus vencerá. Se, juntamente com a Igreja crente e orante, nos colocarmos à escuta diante deste texto, então poderemos começar a compreender o que é o pecado original, o pecado hereditário, e também o que é a tutela contra este pecado hereditário, o que é a redenção.
Qual é o quadro que nesta página nos é apresentado? O homem não confia em Deus. Ele tentado pelas palavras da serpente, alimenta a suspeita de que Deus, em última análise, tira algo da sua vida, que Deus é um concorrente que limita a nossa liberdade e que nós só seremos plenamente seres humanos, quando O tivermos posto de lado; em síntese, somente deste modo podemos realizar na plenitude a nossa liberdade. O homem vive na suspeita de que o amor de Deus cria uma dependência e que é necessário libertar-se desta dependência para ser plenamente ele mesmo. O homem não deseja receber de Deus a sua existência e a plenitude da sua vida. Quer haurir ele mesmo, da árvore da ciência, o poder de plasmar o mundo, de se fazer deus elevando-se ao nível d'Ele e de vencer com as próprias forças a morte e as trevas. Não quer contar com o amor, que não lhe parece confiável; ele conta unicamente com a ciência, dado que ela lhe confere o poder.
Em vez de visar o amor, tem como objectivo o poder com que deseja ter nas suas mãos, de modo autónomo, a própria vida. E ao fazê-lo, confia na mentira e não na verdade, e assim mergulha com a sua vida no vazio, na morte. Amor não é dependência, mas dom que nos faz viver. A liberdade de um ser humano é a liberdade de um ser limitado e, portanto, ela mesma é limitada. Só a podemos possuir como liberdade compartilhada, na comunhão das liberdades: a liberdade pode desenvolver-se unicamente se vivermos do modo justo uns com os outros, e uns para os outros.
Nós vivemos do modo justo, se vivermos segundo a verdade do nosso ser, ou seja, segundo a vontade de Deus. Porque a vontade de Deus não é para o homem uma lei imposta a partir de fora, que o obriga, mas a medida intrínseca da sua natureza, uma medida que está inscrita nele e que o torna imagem de Deus e, assim, criatura livre. Se nós vivermos contra o amor e contra a verdade contra Deus então destruir-nos-emos uns aos outros e aniquilaremos o mundo. Então, não encontraremos a vida, mas defenderemos o interesse da morte. Tudo isto é narrado com imagens imortais na história do pecado original e da expulsão do homem do Paraíso terrestre.
Estimados irmãos e irmãs! Se reflectirmos sinceramente sobre nós mesmos e sobre a nossa história, devemos dizer que com esta narração se descreve não só a história do princípio, mas a história de todos os tempos, e que todos trazemos dentro de nós próprios uma gota do veneno daquele modo de pensar explicado nas imagens do Livro da Génesis. A esta gota de veneno, chamamos pecado original. Precisamente na festa da Imaculada Conceição manifesta-se em nós a suspeita de que uma pessoa que não peque de modo algum, no fundo, seja tediosa; que falte algo na sua vida: a dimensão dramática do ser autónomo; que faça parte do verdadeiro ser homem, a liberdade de dizer não, o descer às trevas do pecado e o desejar realizar sozinho; que somente então seja possível desfrutar até ao fim toda a vastidão e a profundidade do nosso ser homens, do ser verdadeiramente nós mesmos; que devemos pôr à prova esta liberdade também contra Deus, para nos tornarmos realmente nós próprios. Em síntese, pensamos que o mal no fundo seja bem, que dele temos necessidade, pelo menos um pouco, para experimentar a plenitude do ser. Julgamos que Mefistófeles o tentador tem razão, quando diz que é a força "que deseja sempre o mal e realiza sempre o bem" (J.W. v. Goethe, Fausto I, 3). Pensamos que pactuar com o mal, reservando para nós mesmos um pouco de liberdade contra Deus, em última análise, seja um bem, talvez até necessário.
Estimados irmãos e irmãs! Se reflectirmos sinceramente sobre nós mesmos e sobre a nossa história, devemos dizer que com esta narração se descreve não só a história do princípio, mas a história de todos os tempos, e que todos trazemos dentro de nós próprios uma gota do veneno daquele modo de pensar explicado nas imagens do Livro da Génesis. A esta gota de veneno, chamamos pecado original. Precisamente na festa da Imaculada Conceição manifesta-se em nós a suspeita de que uma pessoa que não peque de modo algum, no fundo, seja tediosa; que falte algo na sua vida: a dimensão dramática do ser autónomo; que faça parte do verdadeiro ser homem, a liberdade de dizer não, o descer às trevas do pecado e o desejar realizar sozinho; que somente então seja possível desfrutar até ao fim toda a vastidão e a profundidade do nosso ser homens, do ser verdadeiramente nós mesmos; que devemos pôr à prova esta liberdade também contra Deus, para nos tornarmos realmente nós próprios. Em síntese, pensamos que o mal no fundo seja bem, que dele temos necessidade, pelo menos um pouco, para experimentar a plenitude do ser. Julgamos que Mefistófeles o tentador tem razão, quando diz que é a força "que deseja sempre o mal e realiza sempre o bem" (J.W. v. Goethe, Fausto I, 3). Pensamos que pactuar com o mal, reservando para nós mesmos um pouco de liberdade contra Deus, em última análise, seja um bem, talvez até necessário.
Contudo, quando olhamos para o mundo à nossa volta, podemos ver que não é assim, ou seja, que o mal envenena sempre, que não eleva o homem mas o rebaixa e humilha, que não o enobrece, não o torna mais puro nem mais rico, mas o prejudica e faz com que se torne menor. É sobretudo isto que devemos aprender no dia da Imaculada: o homem que se abandona totalmente nas mãos de Deus não se torna um fantoche de Deus, uma maçadora pessoa consencientemente; ele não perde a sua liberdade. Somente o homem que confia totalmente em Deus encontra a verdadeira liberdade, a grande e criativa vastidão da liberdade do bem. O homem que recorre a Deus não se torna menor, mas maior, porque graças a Deus e juntamente com Ele se torna grande, divino, verdadeiramente ele mesmo. O homem que se coloca nas mãos de Deus não se afasta dos outros, retirando-se na sua salvação particular; pelo contrário, só então o seu coração desperta verdadeiramente e ele torna-se uma pessoa sensível e por isso benévola e aberta.
Quanto mais próximo de Deus o homem está, tanto mais próximo está dos homens. Vemo-lo em Maria. O facto de Ela estar totalmente junto de Deus é a razão pela qual se encontra também próxima dos homens. Por isso, pode ser a Mãe de toda a consolação e de toda a ajuda, uma Mãe à qual, em qualquer necessidade, todos podem dirigir-se na própria debilidade e no próprio pecado, porque Ela tudo compreende e para todos constitui a força aberta da bondade criativa. É nela que Deus imprime a sua própria imagem, a imagem daquela que vai à procura da ovelha perdida, até às montanhas e até ao meio dos espinhos e das sarças dos pecados deste mundo, deixando-se ferir pela coroa de espinhos destes pecados, para salvar a ovelha e para a reconduzir a casa. Como Mãe que se compadece, Maria é a figura antecipada e o retrato permanente do Filho. E assim vemos que também a imagem da Virgem das Dores, da Mãe que compartilha o sofrimento e o amor, é uma verdadeira imagem da Imaculada. Mediante o ser e o sentir juntamente com Deus, o seu coração alargou-se. Nela a bondade de Deus aproximou-se e aproxima-se muito de nós. Assim, Maria está diante de nós como sinal de consolação, de encorajamento e de esperança. Ela dirige-se a nós, dizendo: "Tem a coragem de ousar com Deus! Tenta! Não tenhas medo d'Ele! Tem a coragem de arriscar com a fé! Tem a coragem de arriscar com a bondade! Tem a coragem de arriscar com o coração puro! Compromete-te com Deus, e então verás que precisamente assim a tua vida se há-de tornar ampla e iluminada, não tediosa, mas repleta de surpresas infinitas, porque a bondade infinita de Deus jamais se esgota!".
Bento XVI, A Alegria da Fé.
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