Eu, pecador, me confesso
de nem sempre saber sorrir;
de nem sempre saber ouvir;
de nem sempre saber compreender e ajudar;
de passar por tantos a precisarem da partilha
de mim e avançar em frente;
de me calar, ao ver e ouvir tanta hipocrisia;
de falar sem ser preciso, com tantas pessoas
e situações a reclamarem a minha voz;
de não sentir nada diante de tanta dor
e de tanta injustiça.
Eu, pecador, me confesso
de medos que não sou capaz de vencer;
de comodismos que não sou capaz de superar;
de desânimos que não me deixaram sair de mim;
de egoísmos que puseram os outros fora
dos meus cuidados;
de gostos que me fizeram esquecer
o para que sou
de ressentimentos que fizeram reduzir o sentido
do Pai-Nosso que tantas vezes rezo;
de preconceitos que me levam a dividir o mundo
e a malsiná-lo sem razão;
de certezas que não me permitem comungar
vida e ideias.
Eu, pecador, me confesso
de ver tanta lágrima e não a enxaguar;
de contemplar tanta chaga e voltar a cara;
de ouvir tantos gritos e fugir;
de saber de tantos náufragos
e de não correr a salvá-los;
de encontrar tanta gente sem norte
e não lhe indicar o caminho;
de ver tantos e tantos caídos ou a caírem
e não lhes lançar a mão;
de saber e conhecer tanta gente que perdeu
as razões de viver, e continuar sentado
à minha mesa feliz e a dormir sem pesadelo.
Eu, pecador, me confesso
porque não tenho cantado, como devia,
a beleza da vida,
a imensidade do amor de Deus,
o valor da fraternidade,
a importância da justiça e da paz.
Eu, pecador, me confesso
porque não tenho sido esperança,
não tenho semeado a esperança,
não tenho gritado a esperança.
D. Manuel Martins, Pregões de Esperança, pp. 147-148
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