Há uns anos em Salamanca, ouvi, com dois amigos sacerdotes, a voz castelhana de uma mulher a despertar os que, indiferentes, passavam ou se afastavam de uma zaragata entre dois homens: “matam um homem na praça maior e ninguém faz nada”. Assim era: cada pessoa seguia como se nada se estivesse a passar. Rapidamente as pessoas se voltaram e puseram fim àquela bulha.
Esta tolerância pode matar. Passamos ao lado para não sermos incomodados no futuro. Não queremos "intrometer-nos" na vida dos outros, "entre marido e mulher ninguém meta colher", entre pais e filhos... eles que se entendam! É preferível não ver, não ouvir, não fazer nada... Passamos ao lado, porque não podemos corrigir todo o mal, todos os conflitos. Estes são cada vez mais e mais violentos. Abertura de telejornais, primeiras páginas de jornais e revistas: conflitos, guerras, guetos, violência doméstica, corrupção...
Esta tolerância não respeita o outro, é indiferença que mata ou deixa morrer!
Na sua primeira Mensagem para o Dia Mundial da Paz (2014), o Papa Francisco relembra-nos a fraternidade a construir, desejo inscrito no nosso coração. Contudo, lamenta a crescente globalização da indiferença perante o sofrimento alheio. Mais recentemente, na Mensagem para a Quaresma (2015), o Papa volta a insistir na globalização da indiferença que se acentua, remetendo-nos para o mistério da encarnação, morte e ressurreição de Jesus: «A Deus não Lhe é indiferente o mundo, mas ama-o até ao ponto de entregar o seu Filho pela salvação de todo o homem. Na encarnação, na vida terrena, na morte e ressurreição do Filho de Deus, abre-se definitivamente a porta entre Deus e o homem, entre o Céu e a terra».
A ressurreição sanciona o compromisso preferente de Jesus com os mais frágeis. Como Seus discípulos, não a poderemos transformar num tónico analgésico, mas, num esforço renovado, teremos que levar a ressurreição a todos os recantos onde predominam as trevas, a morte, o sofrimento.
Texto publicado na Voz de Lamego, edição de 14 de abril de 2015
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