sábado, 28 de maio de 2016

IX Domingo do tempo Comum - ano C - 29 de maio

       1 – A humildade encaminha-nos para a felicidade genuína. Coloca-nos na rota da salvação. Abre-nos aos outros e a Deus. Facilita, melhor, possibilita a comunicação, o crescimento, o amadurecimento. Cimenta os laços de amizade e de ternura. Faz sobressair o melhor de nós, acolhendo e promovendo o melhor que os outros têm para nos dar.
       A prepotência e o egoísmo encerram-nos num casulo empobrecedor. A humildade não se opõe à autoestima, benfazeja para uma vida saudável. A humildade opõe-se à soberba, à avareza e ao egoísmo, à autossuficiência e à ambição desmedida. A humildade faz-nos realistas e humanos. A nossa grandeza assenta na dignidade humana, somos seres únicos e irrepetíveis. Para os crentes, esta dignidade é fortalecida pela filiação divina, somos filhos amados de Deus e, portanto, irmãos. A humildade faz-nos reconhecer a nossa ligação aos outros, dando-nos a certeza que a felicidade se constrói com eles. Os outros não são, como pensava Sarte, o nosso inferno. Não. Os outros são a visita que Deus nos faz e que nos humaiza. Na partilha, na amizade, no cuidado, no amor descobrimos a beleza e a grandeza e o sentido da nossa vida.
       2 – Um centurião (oficial romano que tinha sob o seu comando cem soldados) recorre a Jesus a favor de um dos seus servos. Enviou anciãos judeus para intercederem junto de Jesus. Veja-se a dinâmica de intercessão: «Ele é digno de que lho concedas, pois estima a nossa gente e foi ele que nos construiu a sinagoga». Jesus não se faz rogado, não se desculpa, não olha para agenda, não se faz muito ocupado, simplesmente os acompanha.
       A postura deste homem é admirável. Intercede por um servo! Por um filho, entende-se, agora por um servo, quando tem os que quer?! Por outro lado, apela a um judeu, professando outra religião, e nem ousa usar da sua posição social para chegar a Jesus ou para negociar com Ele. Pede aos anciãos. Num segundo momento, quando Jesus já está perto, envia-Lhe alguns amigos, com o seu pedido: «Não Te incomodes, Senhor, pois não mereço que entres em minha casa, nem me julguei digno de ir ter contigo. Mas diz uma palavra e o meu servo será curado. Porque também eu, que sou um subalterno, tenho soldados sob as minhas ordens. Digo a um: ‘Vai’ e ele vai, e a outro: ‘Vem’ e ele vem, e ao meu servo: ‘Faz isto’ e ele faz».
       O posto que ocupava dava-lhe estatuto, prestígio, colocando-o "acima" e "à parte" dos simples mortais. Porém, o que vemos é diferente. O cargo não o ensoberbece, nem o isola. É um homem bom. É "inimigo" dos judeus, mas ajuda-os, colabora com eles, que o consideram amigo. Diante de Jesus sente-se, como Pedro, pecador, nem é digno de ir ao Seu encontro. Confia essa missão aos seus amigos. Também por aqui se vê a humildade deste homem. Só pessoas humildes têm amigos, os mais têm pessoas subservientes, para as ocasiões.
       Ao ouvir as palavras que Lhe trazem do centurião, Jesus sente admiração por ele: «Digo-vos que nem mesmo em Israel encontrei tão grande fé». Mais que de humildade, trata-se de fé. A fé faz sobressair o melhor de nós e faz-nos potenciar o melhor dos outros. A fé converte-nos, torna-nos humildes, faz-nos cuidar dos outros como irmãos. A verdadeira e genuína humildade nasce, cresce e alimenta-se da fé.
       "Ao regressarem a casa, os enviados encontraram o servo de perfeita saúde".
       3 – Na verdade, a fé genuína, a fé que radica em Cristo morto e ressuscitado, faz-nos humildes, solidários, leva-nos a ultrapassar qualquer barreira social, política, religiosa. O Centurião é estrangeiro, mas a sua fé aproxima-o de Jesus. Jesus aproxima-nos do centurião: vede, eis um homem amadurecido na fé, amigo dos judeus e dos seus servos, preocupado com os mais pequenos...
       Na primeira leitura, escutámos a oração de Salomão, que é simultaneamente um desafio: «Quando um estrangeiro, embora não pertença ao vosso povo, Israel, vier aqui dum país distante por causa do vosso nome – pois ouvirão falar do vosso grande nome, da vossa mão poderosa e do vosso braço estendido –, quando vier orar neste templo, escutai-o do alto do Céu, onde habitais, e atendei os seus pedidos, a fim de que todos os povos da terra conheçam o vosso nome e Vos temam como o vosso povo, Israel, e saibam que o vosso nome é invocado neste templo que eu edifiquei».
       A intercessão de Salomão a Deus pelos estrangeiros é, antes de mais, o desafio que Deus nos coloca. Para Deus não há fronteiras. Todo-poderoso, o Seu maior poder é fazer-Se do nosso tamanho, só assim O poderemos ver, encontrar, compreender. Só assim O podemos seguir. Tão pequeno que Se deixa ver, Se deixa amar, Se deixa prender, perseguir e Se deixa matar às nossas mãos. Tão concreto que nos permite negá-l'O ou recusá-l'O. Salomão prepara o seu povo, aliás, o povo de Deus, para ser instrumento de salvação e lugar de acolhimento para todos, luz para todas as nações. Com Abraão já tínhamos visto que nele seriam abençoados todos os povos da terra. A eleição é inclusiva. O sol quando nasce é para todos. Deus faz chover sobre bons e maus. Jesus não faz aceção de pessoas, apesar do preconceito dos seus discípulos. Envia-nos a todo o mundo: ide e fazei discípulos de todas as nações.
       O tempo atual tem sido uma provocação à dimensão e maturação da nossa fé. Há milhares de pessoas que fugiram da sua terra, por medo, por perseguição, para fugir à fome e à guerra. Os países desta velha e envelhecida Europa, a nossa casa, têm tido uma grande dificuldade em lidar com os refugiados, umas vezes por medo outras por preconceito. Perguntamos aos cristãos e repetem os medos: se há entre nós necessitados, por que acolher outros, então tratemos dos que estão cá... Só nos apercebemos que havia necessitados entre nós agora que chegam outros? E se entre eles vêm criminosos? E se… se… Dar pousada aos peregrinos é uma das obras de misericórdia, o testamento de Jesus, o compromisso dos seus seguidores. O caminho a percorrer entre os princípios, os ideais, os propósitos, e a prática, confronta-se com as nossas limitações e com o nosso pecado.

       4 – O decisivo na nossa vida é a fé, a fé em Jesus Cristo, morto e ressuscitado. Uma vez resgatados às trevas, ao pecado e à morte, vivemos como ressuscitados, procurando que as nossas obras comprovem e amadureçam a nossa fé e façam transparecer a luz que nos vem do Espírito Santo.
       O apóstolo Paulo dá a vida, tudo o que tem, pelo Evangelho de Jesus, que anuncia a propósito e despropósito. Após o encontro com Jesus, nada o demoverá para seguir Jesus, anunciar Jesus, mostrar Jesus, apontar para Jesus. Como sublinha, nesta carta aos Gálatas, o mandato que recebeu vem de Jesus Cristo e de Deus Pai. E é em nome de Jesus Cristo, para agradar a Cristo e não aos homens, que se dirige às igrejas da Galácia, que tão breve abandonaram Jesus e o Seu evangelho, deixando-se convencer por falsos profetas que semearam a discórdia e a confusão.
       "Mas se alguém – ainda que fosse eu próprio ou um Anjo do Céu – vos anunciar um evangelho diferente daquele que nós vos anunciamos, seja anátema. Como já vo-lo dissemos, volto a dizê-lo: Se alguém vos anunciar um evangelho diferente daquele que recebestes, seja anátema. Estarei eu agora a captar o favor dos homens ou o de Deus? Acaso procuro agradar aos homens? Se eu ainda pretendesse agradar aos homens, não seria servo de Cristo".
       Há em nós a tentação de adequarmos, adaptarmos, modificarmos o Evangelho de tal forma que se conforme às nossas opções e à forma como vivemos e nos relacionamos com os outros, em família, em Igreja, em sociedade. Curioso, como muitos se justificam com a postura do papa Francisco. Já assim era antes, basta evocar a última visita do papa João Paulo II aos EUA. Milhares de jovens, fãs do Papa, quando confrontados com os valores que defendia, logo diziam que isso era pouco importante. Pouco importante: questões da vida, da dignidade, da manipulação genética, do casamento entre pessoas do mesmo sexo... Ou seja, importante o embrulho, não o conteúdo. O pontificado de Francisco é uma lufada de ar fresco, mas como o próprio tem sublinhado, acolher, sempre, todos, mesmo quando abertamente se encontram em colisão com a verdade e com o Evangelho, mas não mitigar o Evangelho. O exemplo mais elucidativo é o de Jesus. À mulher apanhada em flagrante adultério: vai, Eu não te condeno, vai e não voltes a pecar. Alguns pegam neste caso para "aprovarem" o pecado! O perdão é levar a sério o pecador, não é fazer de conta que não aconteceu.
       Paulo escreve às igrejas da Galácia, não para as condenar, mas para as converter ao Evangelho. A seriedade passa por reconhecer os erros, as fragilidades, os pecados, para encetar o caminho de conversão e de mudança de vida.
       A fé não nos verga. A fé faz-nos humildes, erguendo-nos à estatura de Cristo, para que Ele viva em nós e através de nós. É preciso fibra para renunciarmos aos nossos interesses para que prevaleça a vontade de Deus.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): 1 Reis 8, 41-43; Sl 116 (117); Gal 1, 1-2. 6-10; Lc 7, 1-10.

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