1 – Seguir Jesus é a vocação primeira do cristão. Seguir e amar. Seguir Jesus, implica amá-l'O. Não podemos seguir quem não amamos. Não amamos para ficarmos de braços cruzados a ver se chove! Amando-O, acima de tudo, segui-l'O-emos em todos os momentos da vida. Amar e seguir Jesus implica-nos por inteiro, compromete-nos com a Sua Palavra, com o Seu mandamento de amor, de tal forma que a intimidade com o Pai, imitando-O, transpareça no cuidado e no serviço ao nosso semelhante.
Seguir Jesus acarreta riscos. Renunciar a si mesmo. Não à sua identidade mais profunda, mas ao que mais facilmente vem ao de cima. Renunciar à aparência. Renunciar ao egoísmo. Centrar a vida em Cristo, ocupando-se dos outros. Amar, cuidar, servir. Para encontrar Jesus em cada pessoa. Para se dar a Jesus, nos outros, como Jesus Se deu, por inteiro, a favor da humanidade. Por nós. Para nossa salvação. Mistério de vida nova. Morte e ressurreição. De braços abertos na cruz. Levantada para o céu, fixada na terra. Braços abertos para abraçar, acolher, envolver, desafiar, enviar. Hoje, os braços de Jesus são os meus e os teus, os nossos. Ele não tem outros braços nem outro olhar nem outro coração nem outro colo. É o meu e o teu, o nosso coração que ama e se dá. A nossa vida acolhida, partilhada, comungada, oferecida. Todo o dom é para dar!
Vai valer a pena. Com sacrifícios. Incompreensões. Contando com a maledicência. Vai valer a pena, pois Ele agirá em nós. Segui-l'O implica que, como Ele, abramos os braços e estendamos as mãos e demos ao pedal para procurarmos e encontramos os outros. Ele vem. Assume-Se um connosco, Um de nós. Vem e percorre o nosso caminho, a nossa vida. Experimenta a dor, o sofrimento, a calúnia, a perseguição, as ofensas, experimenta o suplício da cruz. Vive e enfrenta o medo da dor física e da iminência da morte. Confia-Se ao Pai. Entrega-Se por inteiro nas mãos do Pai. Confiando n'Ele, confia-nos a Ele. Por amor. Amor que vence o medo e a morte e as trevas, abrindo os céus por completo, em definitivo.
2 – «Eu vim trazer o fogo à terra e que quero Eu senão que ele se acenda? Tenho de receber um batismo e estou ansioso até que ele se realize. Pensais que Eu vim estabelecer a paz na terra? Não. Eu vos digo que vim trazer a divisão. A partir de agora, estarão cinco divididos numa casa: três contra dois e dois contra três. Estarão divididos o pai contra o filho e o filho contra o pai, a mãe contra a filha e a filha contra a mãe, a sogra contra a nora e a nora contra a sogra».
Dou-vos a paz, deixo-vos a paz. A paz que vos dou não é a paz do mundo.
As palavras de Jesus sublinham uma paz que brota do amor, da garra em viver a vida e viver em prol da justiça e da verdade. Obviamente que Jesus nos dá a paz. Ele é o nosso descanso, o Bom Pastor, que nos redime e nos congrega em um só rebanho. Mas a paz, como o amor, a verdade, a misericórdia, compromete-nos e desafia-nos. Não é passividade de quem cruza os braços a ver a maré passar. É luta e compromisso com o bem de todos. E quem luta por mais justiça, mais honestidade, mais verdade, sabe de antemão que vai encontrar resistências, obstáculos, contrariedades.
Quem não quer chatices cruza os braços e, qual avestruz, enterra a cabeça na areia para não ver. A paz de Jesus é fogo que interpela, que nos responsabiliza uns pelos outros e por toda a criação. A paz autêntica só será possível quando todos estiverem bem. Por um lado, realiza-se em definitivo na vida eterna. Por outro, é efetivada aqui e agora em dinâmica de serviço solidário, especialmente aos mais frágeis.
O batismo de Jesus (inicia no Jordão) completa-se na Cruz. Ele adentra-se no sofrimento humano, até ao limite das forças. De peito aberto às injúrias, blasfémias, aos insultos. Peito aberto para nos acolher, para Se nos oferecer. Morre "substituindo-nos" como oferenda definitiva ao Pai. Não que o Pai precise que Se aplaque a Sua ira, mas para que a Sua misericórdia seja clarificada para nós e possamos voltar à vida e à comunhão uns com os outros, em Deus. Morre connosco, para nos ressuscitar com Ele. É o Seu batismo definitivo no qual somos enxertados pelo nosso batismo, sacramento que nos faz morrer para o pecado e para a morte e nos faz ressuscitar, novas criaturas, para o bem e felicidade, para a comunhão reconciliada pela Seu amor.
3 – A primeira leitura traz-nos uma belíssima página sobre a vida e a missão de Jeremias. É um dos profetas maiores do judaísmo. E herança comum para judeus e cristãos. Um profeta que apela à interioridade, à conversão e a agir em conformidade com os mandamentos de Deus. De pouco ou nada vale fazer sacrifícios, oferecer holocaustos, se a vida não se modifica e se as injustiças e desonestidades continuam a ser o pão de cada dia.
Há que voltar o olhar, o coração e a vida para Deus e n'Ele procurar as forças, a sabedoria e a humildade para amar, servir, para congregar. As suas palavras inquietam e provocam, desafiam e denunciam os que estão à frente do povo, do rei aos líderes religiosos cujos intentos não é servir o povo, especialmente os pobres, mas servirem-se, explorarem, sem se incomodarem com o sofrimento alheio. As suas maquinações desagradam a Jeremias e bradam aos céus. E não já apenas as suas palavras, mas a sua vida é de tal forma luminosa que põe a descoberto a injustiça e a perversão do rei, dos seus conselheiros, dos líderes políticos e religiosos. Basta olhar para uns e outros e vê-se claramente o que os distingue. Para quem vive nas trevas, a luz é agressão!
Jeremias é uma pedra no sapato. É luz que expõe as trevas. É um adversário a abater.
Os ministros pedem ao rei que lhe dê a morte: «Esse Jeremias deve morrer, porque semeia o desânimo entre os combatentes que ficaram na cidade e também todo o povo com as palavras que diz. Este homem não procura o bem do povo, mas a sua perdição». O rei não se opõe: «Ele está nas vossas mãos; o rei não tem poder para vos contrariar». Faz-nos lembrar um episódio posterior, o de Pilatos. Lavo as mãos. Fazei como vos aprouver. Mas quem não age, por comodismo, também é responsável pelo mal realizado. A tal paz e passividade que não humanizam. Os ministros e seus sequazes prendem Jeremias e fazem-no descer a uma cisterna, onde morreria atolado no lodo, sem pão para comer.
Um estrangeiro, o etíope Ebed-Melc, intervém junto do rei denunciando os que fizeram mal a Jeremias, metendo juízo ao rei de quem obtém permissão para tirar o profeta da cisterna.
Os que lutam pela paz, pela justiça, pela verdade, sabem que podem ser injuriados, maltratados, perseguidos e mesmo mortos, como aconteceu com Martim Luther King, com Mahatma Gandhi, com Dom Óscar Romero, mas ainda assim não cedem à violência nem à injúria.
4 – O autor da Epístola aos Hebreus fala-nos da fé como um combate. Vem-nos à lembrança as palavras de São Paulo que caracteriza a sua vida e missão como um combate da fé, anunciando o Evangelho e vivendo de acordo com Jesus Cristo, em tudo, procurando que Ele seja tudo em todos.
O bom combate da fé, a perseverança, o compromisso com a verdade, conduz à Cruz. Deixando o pecado, fixemo-nos em Jesus que suportou a Cruz, por amor, mas agora vive na glória do Pai. Portanto, refere a carta aos Hebreus, "pensai n’Aquele que suportou contra Si tão grande hostilidade da parte dos pecadores, para não vos deixardes abater pelo desânimo. Vós ainda não resististes até ao sangue, na luta contra o pecado". Ainda estamos a caminho.
Não estamos sozinhos. É n'Ele que nos apoiamos. É Ele que nos atrai. Para a Cruz? Não, para a Misericórdia, para o bem, para o amor! Todavia, sabemos a priori que todo o compromisso exige esforço, sacrifício, renúncia e está sujeito ao sofrimento. Quem se sujeita a amar, sujeita-se a padecer.
Da Palavra de Deus, a certeza que Ele não nos abandona, antes nos sustenta. "Esperei no Senhor com toda a confiança e Ele atendeu-me. Ouviu o meu clamor e retirou-me do abismo e do lamaçal, assentou os meus pés na rocha e firmou os meus passos" (salmo).
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (C): Jer 38, 4-6. 8-10; Sl 39 (40); Hebr 12, 1-4; Lc 12, 49-53.
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