Bento XVI refere-se ao dia 29 de Junho de 1951 como o dia mais importante da sua vida. Na autobiografia que escreveu quando ainda não era Papa, Ratzinger recorda: “Era um esplêndido dia de verão, um dia que permanece inesquecível, como o momento mais importante da minha vida. Não devemos ser supersticiosos, mas no momento em que o arcebispo impôs as suas mãos sobre mim, um passarinho voou do altar-mor da catedral e entoou alegremente um pequeno canto; para mim foi como se uma voz do alto me dissesse: está bem assim, estás no caminho certo” (La mia vita, pág.63).
Na mesma obra, Ratzinger recorda com espanto a desproporção entre a pessoa do sacerdote e o poder que ele tem, testemunhando que, no final da sua missa nova, foi acolhido calorosamente por conhecidos e desconhecidos e que isso é “revelador da expectativa que os homens têm dos sacerdotes e da sua bênção que deriva da força do sacramento". "Não se tratava da minha pessoa, nem do meu irmão [foram ordenados no mesmo dia]: o que poderiam significar dois jovens como nós para tanta gente? O que eles viam em nós era pessoas a quem Cristo tinha confiado uma tarefa, a de levar a Sua presença ao meio dos homens.” (ibidem, pág. 64)
Para explicar o próprio espanto que o sacerdote experimenta diante do seu poder, ninguém melhor do que o Santo Cura d’Ars, referido, aliás, na Carta de Bento XVI para o Ano Sacerdotal:
“Oh como é grande o padre! (....) Deus obedece-lhe: ele pronuncia duas palavras e, à sua voz, Nosso Senhor desce do Céu e encerra-se numa pequena hóstia”. É pois significativo que o actual Papa tenha centrado na figura do Santo Cura d’Ars toda a iniciativa e celebrações do Ano Sacerdotal, proclamando-o padroeiro de todos os párocos do mundo e modelo de santidade para todos os sacerdotes sem excepção.
Ainda a propósito do dia 29 de Junho de 1951, o actual Papa fez uma interessante reflexão quando, em Setembro de 2006, visitou a catedral de Freising, onde foi ordenado sacerdote. No encontro que aí teve com um grupo de sacerdotes, Bento XVI revelou o que sentiu enquanto, prostrado no chão, se invocava o Espírito Santo e entoava a ladainha dos santos: “quando estava aqui prostrado por terra e, como que envolvido pela ladainha de todos os santos, pela intercessão de todos os santos, dei-me conta de que, neste caminho, não estamos sozinhos, mas que a grande multidão dos santos caminha connosco e os santos ainda vivos, os fiéis de hoje e de amanha, nos apoiam e nos acompanham.” E acrescentou: “Quando o cardeal bradou: Já não vos chamo servos, mas amigos, então experimentei a ordenação sacerdotal como a iniciação na comunidade dos amigos de Jesus, que são chamados para permanecer com Ele e anunciar a sua mensagem” (discurso 14.09.2006).
Esta ideia de comunidade de amigos de Jesus viria a ser aprofundada na sua homilia de entronização como Sucessor de Pedro. Por diversas vezes, Bento XVI referiu-se a esta grande companhia de amigos – quer a propósito dos santos (cuja ladainha se entoou por diversas vezes naqueles dias), quer a propósito da comunidade dos fiéis que é a Igreja: “Quem faz entrar Cristo, nada perde, nada absolutamente nada daquilo que torna a vida livre, bela e grande. Não! Pelo contrário, só nesta amizade se abrem de par em par as portas da vida. Só nesta amizade se abrem realmente as grandes potencialidades da condição humana. Só nesta amizade experimentámos o que é belo e o que liberta”. (homilia 24.04.2005)
Aura Miguel, Rádio Renascença.
Veja também a notícia na Agência Ecclesia.
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