sábado, 26 de março de 2016

PÁSCOA DA RESSURREIÇÃO - 27 de março de 2016

       1 – O mistério pascal realiza a plenitude da misericórdia divina no meio de nós. Em Jesus Cristo, Deus vem ao nosso encontro, faz-Se mendigo do nosso amor, faz-Se peregrino com a humanidade, iniciando um Reino novo, integrando-nos. Por um lado, Deus ama-nos absolutamente. Por outro, respeita-nos na nossa liberdade. Mas não desiste de nós, como a Mãe não desiste dos filhos mesmo quando a fazem sofrer.
       Jesus é Rosto e é Corpo da Misericórdia do Pai. Em Jesus, a misericórdia divina ganha um Corpo, lingando-nos sensivelmente uns aos outros e a Deus.
       Ao longo da Sua vida, Jesus passou fazendo, gastando-Se a favor dos mais desvalidos. A delicadeza e a bondade de Jesus preenchem as suas palavras e os seus gestos.
       A misericórdia fica mais transparente na última semana de vida de Jesus. O amor é levado até ao fim, a compaixão de Jesus pela humanidade levam-n’O à Cruz, para uma identificação completa com o sofrimento mais atroz e com a própria morte.
       A Cruz, em certo sentido, é provisória. Ou melhor, a morte é provisória, é passagem, que encerra a nossa vida biológica e nos faz aceder à eternidade de Deus. Definitiva é a ressurreição e a vida em Deus, a Sua graça e misericórdia, a Sua bondade e compaixão, que nos configura, nos prepara para vivermos n’Ele eternamente.
       A morte na Cruz redime-nos. A Cruz é um sinal permanente. Cravada na terra, irmana-nos no pecado, na fragilidade e na finitude; levantada, levanta-nos e eleva-nos, ressuscita-nos para as alturas, guiando-nos para o Pai das Misericórdias.
       2 – Domingo, Dia do Senhor. Vida, Luz e Graça. Salvação. Páscoa redentora. Deus faz-nos participantes da Sua vida para sempre. Este é o Dia que o Senhor preparou, desde sempre, porque nos ama e para nos amar, em plenitude, para sempre. Sempre é uma realidade que só acontece em Deus. Tudo o mais é passageiro, até a morte, o sofrimento, a doença, as limitações. A Ressurreição não anula o nosso sofrimento nem a nossa morte, assume-os para nos colocar por inteiro em Deus, em Quem não haverá mais luto, nem lágrimas, em Quem a vida será abundante.
       Jesus é uma lufada de ar fresco, água límpida, alimento suculento. É o poeta da Misericórdia de Deus. Primavera da Eternidade. A sua docilidade e delicadeza transformam a vida das pessoas. Encontrando-O, encontramos Deus. E encontramo-nos com o que somos, com a nossa origem em Deus. Por Ele criados por amor, por amor por Ele procurados. O projeto inicial de Deus para nós é traduzido, visualizado, vivido por Jesus: sermos irmãos, para sermos felizes. Em todas as situações e apesar de todas as circunstâncias.
       O sepulcro vazio é o lugar da morte, do passado e do desencontro. Segundo D. António Couto, Bispo de Lamego, o sepulcro não está vazio mas cheio de sinais, o Anjo, a arrumação, os homens vestidos de branco. Em todo o caso, os sinais reenviam-nos a procurar Jesus em outro lugar, no lugar da vida, das pessoas. Não é o sepulcro vazio que nos converte à ressurreição, mas o encontro com o Ressuscitado. Na vida pública de Jesus, a conversão, a cura, a vida renovada, acontecem no encontro com Ele. Do mesmo modo, após a ressurreição. O encontro com Jesus salva-nos, renova-nos, introduz-nos na vida divina, sintoniza-nos, agrafa-nos à Misericórdia de Deus, eternamente.
       3 – O que provoca a fé na ressurreição, em definitivo, é o encontro com o Ressuscitado e não o sepulcro vazio. As mulheres aproximam-se do sepulcro, não encontram o corpo de Jesus e ficam atemorizadas. Maria Madalena pergunta Àquele que julga ser o jardineiro onde puseram o corpo de Jesus, deduzindo-se a possibilidade de roubo ou de colocação em outro túmulo. A corrida de Pedro e do discípulo amado ao sepulcro é consequência do anúncio que as mulheres fizeram, no túmulo confirmam as informações e começa o processo de fé na ressurreição, mas só ganha solidez no encontro de Jesus.
       Sintomático é a aparição de Jesus aos discípulos de Emaús. Desencantados, regressam a casa. Jesus morreu. Não há nada a fazer que não seja regressar à vida anterior, ao tempo em que não O conheciam. Viveram com Ele momentos inesquecíveis. Por uns instantes semeou esperança, num mundo diferente, fraterno, humano, onde todos têm lugar e onde serão tratados como Filhos amados de Deus. Mas as autoridades do Templo, os líderes do poder político e religioso viram-n'O como uma ameaça e um estorvo às suas pretensões pessoais, e conduziram um processo para O fazerem desaparecer da terra dos vivos. Entretanto, algumas mulheres tinham ido ao sepulcro e não encontraram o corpo de Jesus. Apareceram-lhes uns Anjos. Mas não viram Jesus. Alguns dos discípulos também foram ver o sepulcro, encontraram tudo como as mulheres tinham dito, mas não viram Jesus.
       Só o encontro com Jesus gera vida nova, conversão, fé na ressurreição, pois esta só é possível com o Ressuscitado, vivo, de volta ao convívio daqueles que começavam a acreditar no Reino de Deus aberto a todos, especialmente aos excluídos da sociedade, da política e da religião.
       Jesus encontra os discípulos de Emaús descorçoados. Encontra-os. Fala-lhes. Senta-Se com eles à mesa. Nesse encontro, eles percebem que Jesus ressuscitou e está vivo. Estava a anoitecer e eles convidam Jesus para pernoitar. Mas agora, levantam-se e regressam à comunidade, ao convívio dos outros discípulos. Se Jesus está vivo, não há noite que amedronte. O testemunho do encontro com Jesus Ressuscitado fortalece a comunidade. «Na verdade, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão».
       4 – Nos Atos dos Apóstolos, Pedro faz uma síntese do que sucedeu por aqueles dias: «Deus ungiu com a força do Espírito Santo a Jesus de Nazaré, que passou fazendo o bem e curando a todos os que eram oprimidos pelo Demónio, porque Deus estava com Ele. Nós somos testemunhas de tudo o que Ele fez no país dos judeus e em Jerusalém; e eles mataram-n'O, suspendendo-O na cruz. Deus ressuscitou-O ao terceiro dia e permitiu-Lhe manifestar-Se, não a todo o povo, mas às testemunhas de antemão designadas por Deus, a nós que comemos e bebemos com Ele, depois de ter ressuscitado dos mortos. Jesus mandou-nos pregar ao povo e testemunhar que Ele foi constituído por Deus juiz dos vivos e dos mortos. É d'Ele que todos os profetas dão o seguinte testemunho: quem acredita n’Ele recebe pelo seu nome a remissão dos pecados».
       Jesus aparece a Pedro, a Maria Madalena, às Mulheres, aos discípulos de Emaús. E eles acreditam. Mudam a trajetória da sua vida, e dão testemunho entusiasmado desse encontro. Do mesmo modo o grupo dos discípulos. Na tarde daquele primeiro Dia, Jesus aparece-lhes e as suas vidas mudam para sempre. Tomé não está na comunidade, ouvirá o que lhe dizem os outros, mas só oito dias depois, quando Jesus volta ao meio deles, é que verdadeiramente acredita. Novamente a necessidade do encontro com Jesus, não em segunda mão, mas em primeira mão.
        5 – O encontro com Jesus, se é autêntico, redime-nos, converte-nos, renova-nos, introduz-nos na vida de Deus, conforma-nos à Cruz de Jesus, ressuscitando-nos para uma vida nova, de graça e misericórdia, de perdão e salvação.
      "Se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto, onde Cristo Se encontra, sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra. Porque vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a vossa vida, Se manifestar, então também vós vos haveis de manifestar com Ele na glória". A nossa vida foi colocada, com Jesus Ressuscitado, à direita de Deus Pai. Por conseguinte, há que nos afeiçoarmos às coisas do alto. Afeiçoar-nos significa tomar as feições de Jesus, das alturas, de Deus, para O transparecermos na nossa carne, no cuidado pelos outros e pelo mundo.
       Como recomenda o Apóstolo, desfaçamo-nos do fermento velho, para sermos "uma nova massa... Cristo, o nosso cordeiro pascal, foi imolado. Celebremos a festa, não com fermento velho, nem com fermento de malícia e perversidade, mas com os pães ázimos da pureza e da verdade". A pureza é uma escolha que podemos fazer ao optarmos pela verdade, pela misericórdia compassiva, pelo perdão, pela amizade, pela ternura. "A pureza é própria dos adultos. Uma criança não é pura, é ingénua. A pureza é uma opção", como confidenciava o Pe. Jorge Carneiro, sacerdote Jesuíta, na última formação do Clero de Lamego. A pureza não é ingenuidade. Jesus não é ingénuo, mas sábio e santo. A pureza leva a dar a primazia à misericórdia de Deus.


Pe. Manuel Gonçalves



Textos para a Eucaristia:
       Atos 10, 34a. 37-43; Sl 117 (118); Col 3, 1-4 ou 1 Cor 5, 6b-8;Jo 20, 1-9; Lc. 24, 13-35.

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