D. Manuel Falcão, bispo emérito de Beja, faleceu no dia 21 de fevereiro. Vale a pena ler e meditar o texto que se segue, que lemos via "Notícias de Beja", e que está disponível na página da Diocese de Beja.
À laia de testamento espiritual (5)
O MISTÉRIO DA MORTE FÍSICA
Depois de termos reflectido sobre o mistério do sofrimento e do mal, é lógico que reflictamos sobre o mistério da morte e no que há para lá dela.
O fim da vida temporal
A morte como fim da vida temporal é uma certeza que resulta da observação do que acontece a todos os seres humanos. Os cientistas chegam mesmo a calcular que estamos programados para uma duração máxima da ordem dos 120 anos. Isto, independentemente de motivos acidentais que levam à morte em qualquer idade da vida.
O mistério da morte
Se a morte é uma certeza, ela é sobretudo um mistério, tanto mais que parece contradizer a ideia de que nós fomos feitos para viver. De facto, seria absurdo que em nós tudo terminasse com a morte. Daqui a intuição de que a morte não é o nosso fim, mas que ela abre caminho a nova forma de viver. A História da Humanidade diz-nos que os homens de todos os tempos acreditaram numa vida para além da morte.
E assim é. A revelação divina diz-nos que os nossos primeiros pais estavam destinados a viver num paraíso. E que melhor paraíso se pode imaginar do que a convivência íntima por toda a eternidade com o Deus de bondade e de amor? A mesma revelação diz-nos que, se tal não aconteceu, foi pelo mau uso da liberdade, que levou os nossos primeiros pais ao pecado de orgulho, querendo ser semelhantes ao seu Criador, o que se projectou na sua descendência pelo chamado “pecado original”, de que um dos efeitos é precisamente a passagem pela morte.
Podemos perguntar se no caso de não terem pecado os nossos primeiros pais ascenderiam à plena comunhão com Deus na visão de face a face, sem morrer. Apenas podemos conjeturar que a passagem desta vida temporal à vida eterna se teria passado na mais plena alegria.
Também agora, pelo mistério da redenção operada por Jesus Cristo, os santos, purificados dos seus pecados, cheios da graça divina e animados pelo Espírito Santo, encarnam a morte com semelhante alegria, na esperança, tornada em certeza, de que ela abre as portas à plena comunhão com Deus. É isto, aliás, o que Deus quer ver em todos nós.
A actual perspectiva da morte
Perante o mistério da morte, hoje não falta quem fuja a pensar nela. Aliás, nas idades activas, o pensamento está absorvido pelos problemas da vida. Só mais tarde se é levado a pensar na morte, podendo cada um, ao anoitecer, dizer a si mesmo : “Mais um dia; menos um dia”.
Ao contrário dos tempos passados, em que a morte era sentida como um dos mais profundos mistérios da nossa existência, o mundo moderno tende a esquecê-la, nomeadamente pela dispensa dos sufrágios, pela banalização dos funerais, optando pela cremação dos cadáveres e pela supressão do luto. É ver como em geral os meios de comunicação social noticiam o falecimento de alguém, pouco mais relatando além do que ela foi em vida.
Pelo contrário, nós, cristãos devemos encarar a morte com espírito de fé, como aviso de que neste mundo somos peregrinos ao encontro da Pátria definitiva, onde a morte nos introduz para conviveremos com Deus por toda a eternidade.
Que acontece depois da morte?
Pouco sabemos ao certo do que se passa após a morte, tanto mais que não é fácil imaginar como se relacionam o “tempo” e a “eternidade”, embora saibamos que esta relação acontece no actual relacionamento de Deus eterno connosco nesta vida temporal. A revelação diz-nos que, após a nossa morte, a alma é sujeita a um “juízo particular”, que decide do nosso destino eterno, ou o Céu ou o Inferno; diz-nos também que os destinados ao Céu passam por uma purificação dos restos de pecados no chamado “Purgatório”; diz-nos ainda que, no chamado “fim do mundo”, se dá a ressurreição pela reentrada das almas nos respectivos corpos tornados espirituais, à semelhança do corpo do Cristo e da Virgem Maria.
Os sufrágios pelos mortos, que já vêm do A.T. (Mac 12,46), são prática na Igreja que nos assegura a existência do “Purgatório”. Quanto ao resto, da revelação, o saberemos na plenitude da vida eterna.
+ Manuel Franco Falcão,
Bispo emérito de Beja, 01.01.2012, in Diocese de Beja.
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