Boa tarde a todos!
É uma alegria para mim encontrar-vos! Juntamo-nos, todos nós, nesta Praça [de São Pedro] para rezar, estar unidos e esperar o dom do Espírito Santo. Eu já conhecia as vossas perguntas e pensei nelas; não se trata, portanto, duma improvisação! A verdade, acima de tudo! Tenho-as aqui, escritas.
A primeira – «na sua vida, como pôde alcançar a certeza a respeito da fé; e que estrada nos indica para podermos, cada um de nós, vencer a fragilidade da fé? – é uma pergunta de história, pois refere-se à minha história, à história da minha vida.
Tive a graça de crescer numa família onde se vivia a fé de forma simples e concreta; mas foi sobretudo a minha avó, mãe do meu pai, que marcou o meu caminho de fé. Era uma mulher que nos explicava, falava de Jesus, ensinava o Catecismo. Lembro-me sempre que, na Sexta-Feira Santa, ela nos levava à noite à procissão de velas; no final desta procissão, passava o «Cristo jacente», e a avó fazia-nos – a nós crianças – ajoelhar e dizia-nos: «Olhai! Morreu, mas amanhã ressuscita». Recebi o primeiro anúncio cristão precisamente desta mulher, da minha avó! Tudo isto é muito belo! O primeiro anúncio em casa, com a família! Isto faz-me pensar no carinho que põem tantas mães e tantas avós na transmissão da fé. São elas que transmitem a fé. O mesmo acontecia nos primeiros tempos, porque São Paulo diz a Timóteo: «Recordo a fé da tua mãe e da tua avó» (cf. 2 Tm 1, 5). Oh vós todas, mães e avós que estais aqui, pensai nisto! A transmissão da fé… É que Deus coloca ao nosso lado pessoas que nos ajudam no nosso caminho de fé. Não encontramos a fé no indefinido, não! Mas há sempre uma pessoa que prega, que nos diz quem é Jesus, nos transmite a fé, nos dá o primeiro anúncio. E assim foi a primeira experiência de fé que tive.
Para mim, porém, há um dia muito importante: 21 de Setembro de 1953 (tinha quase 17 anos); celebrava-se o «Dia do Estudante», sendo, para nós, o início da Primavera, ao passo que, para vós, é o início do Outono. Antes de ir para a festa, passei pela paróquia que habitualmente frequentava: encontrei um padre, que não conhecia, e senti necessidade de me confessar. Esta foi para mim uma experiência de encontro: achei que alguém me esperava. Eu não sei o que se passou, não me lembro; não sei sequer por que motivo estivesse lá aquele padre que eu não conhecia, não sei porque senti aquela vontade de me confessar, mas a verdade é que alguém estava à minha espera. Esperava-me há muito tempo. Depois da confissão, senti que qualquer coisa tinha mudado; eu não era o mesmo. Tinha ouvido como que uma voz, uma chamada: fiquei convencido de que devia tornar-me sacerdote. Na fé, é importante esta experiência. Dizemos que devemos procurar Deus, ir ter com Ele para pedir perdão… Mas, quando chegamos, já Ele está à nossa espera, Ele chega primeiro! Em espanhol, temos uma palavra que explica bem isto: «O Senhor sempre nos primerea», é o primeiro, está à nossa espera! E esta é uma graça mesmo grande: encontrar alguém que te espera. Tu vais pecador, e Ele está à tua espera para te perdoar. Esta é a experiência que os Profetas de Israel descreviam ao dizer que o Senhor é como a flor da amendoeira, a primeira flor da Primavera (cf. Jr 1, 11-12). Antes da chegada das outras flores, aparece ela: é ela que espera. O Senhor espera por nós. E, quando O procuramos, deparamos com esta realidade: é Ele que está à nossa espera, para nos acolher, para nos dar o seu amor. E isto infunde no teu coração uma maravilha tal que nem acreditas, e assim vai crescendo a fé… no encontro com uma pessoa, no encontro com o Senhor. Alguém poderá dizer: «Não, eu prefiro estudar a fé nos livros». É importante estudá-la, mas olhai que isso não basta! O mais importante é o encontro com Jesus, o encontro com Ele; é isto que te dá a fé, porque é precisamente Ele quem te la dá.
Na pergunta, faláveis também da fragilidade da fé: Como se pode vencê-la? O maior inimigo que tem a fragilidade é o medo. Curioso, não é!? Mas eu digo-vos: Não tenhais medo! Somos frágeis – bem o sabemos –, mas o Senhor é forte! Se tu caminhas com Ele, não há problema. Uma criança – hoje vi tantas! – é fragilíssima, mas, estando com o pai, com a mãe, sente-se segura! Com o Senhor, estamos seguros. A fé cresce com o Senhor, precisamente a partir da mão do Senhor; isto faz-nos crescer e torna-nos fortes. Às vezes, porém, pensamos que podemos arranjar-nos sozinhos; mas não! Pensemos no que aconteceu a Pedro: «Senhor, eu nunca te negarei» (cf. Mt 26, 33-35), mas, quando o galo cantou, já ele O tinha negado três vezes! (cf. vv. 69-75). Pensemos bem nisto: quando temos demasiada confiança em nós mesmos, somos mais frágeis; sim, mais frágeis. Sempre com o Senhor! E quando digo com o Senhor, pretendo dizer com a Eucaristia, com a Bíblia, com a oração..., mas também em família, também com a mãe, também com ela, porque é quem nos leva ao Senhor; é a mãe, é aquela sabe tudo. Por conseguinte, rezar também a Nossa Senhora e pedir-lhe que, como mãe, me faça forte. Isto é o que penso sobre a fragilidade; pelo menos, é a minha experiência. Uma coisa que me faz forte todos os dias é rezar o Terço a Nossa Senhora. Sinto uma força tão grande, porque vou ter com ela e sinto-me forte.
Passemos à segunda pergunta: «Penso que todos nós aqui presentes sentimos fortemente este desafio – o desfio da evangelização – que está no centro das nossas experiências. Por isso, gostaria de lhe pedir, Santo Padre, que me ajudasse, a mim e a todos nós, a compreender o modo como viver este desafio no nosso tempo. Na sua opinião, qual é a coisa mais importante para a qual todos nós – movimentos, associações e comunidades – devemos olhar para realizar esta tarefa a que somos chamados? Como podemos hoje comunicar, de maneira eficaz, a fé?»
Só vou dizer três palavras. A primeira: Jesus. Qual é a coisa mais importante? Jesus. Se pretendemos avançar com mais organização, com outras coisas – coisas certamente boas –, mas sem Jesus, não avançamos, não resulta. O mais importante é Jesus. Deixai-me fazer-vos aqui uma pequena advertência, mas fraternalmente, cá entre nós. Todos vós gritastes na Praça: «Francisco, Francisco, Papa Francisco». E Jesus, onde estava? Eu teria gostado que vós gritásseis: «Jesus, Jesus é o Senhor, e está verdadeiramente no meio de nós». Daqui para diante, não digais «Francisco», mas «Jesus»!
A segunda palavra é: oração. Olhar o rosto de Deus, mas sobretudo – e isto está ligado com o que disse antes – sentir-se olhado. O Senhor olha-nos: é o primeiro que olha. A minha experiência é aquilo que sinto diante do Sacrário quando vou rezar, à noite, diante do Senhor. Às vezes cabeceio um pouco, é verdade! O cansaço do dia faz adormecer. Mas Ele compreende-me. E sinto grande consolação, ao pensar que Ele me olha. Nós pensamos que devemos orar, falar, falar, falar... Não! Deixa-te olhar pelo Senhor. Quando Ele olha para nós, dá-nos força e ajuda-nos a testemunhá-lo. A pergunta era sobre o testemunho da fé, não era? Pois bem; primeiro «Jesus», depois «oração»: sentimos que Deus nos leva pela mão. Sublinho a importância disto: deixar-se guiar por Ele. Isto é mais importante do que qualquer um dos nossos cálculos. Somos verdadeiros evangelizadores, quando nos deixamos guiar por Ele. Pensemos neste caso de Pedro: estava ele talvez a fazer a sesta, quando teve uma visão – a visão da toalha com todos os animais – e ouviu Jesus que lhe dizia qualquer coisa, mas ele não entendia. Naquele momento, chegaram alguns não-judeus chamando-o para ir a certa casa; ele foi e viu como o Espírito Santo estava lá. Pedro deixou-se guiar por Jesus para chegar àquela primeira evangelização dos gentios, que não eram judeus; uma coisa então impensável (cf. Act 10, 9-48). E o mesmo se deu em toda a história… toda a história! Deixar-se guiar por Jesus. O líder é precisamente Ele; o nosso líder é Jesus.
E terceira: testemunho. Jesus, oração – a oração, este deixar-se guiar por Ele - e depois testemunho. Mas há mais qualquer coisa que gostava de dizer. Este deixar-se guiar por Jesus é abandonar-se às surpresas de Jesus. Pode-se pensar que devemos programar em pormenor a evangelização, pensando nas estratégias, fazendo planos. Mas isto são instrumentos, pequenos instrumentos. O importante é Jesus e deixar-se guiar por Ele. Então podemos fazer as estratégias, mas isso é secundário.
Finalmente, o testemunho: a comunicação da fé pode-se fazer unicamente através do testemunho; e este é o amor. Não com as nossas ideias, mas com o Evangelho vivido na própria existência, que o Espírito Santo faz viver no nosso íntimo. É como uma sinergia entre nós e o Espírito Santo; e isto leva ao testemunho. Quem faz avançar a Igreja são os Santos, porque são precisamente eles que dão este testemunho. Como disseram João Paulo II e também Bento XVI, o mundo de hoje tem tanta necessidade de testemunhas; precisa mais de testemunhas que de mestres. Devemos falar menos, mas falar com a vida toda: a coerência de vida. Precisamente, a coerência de vida! Uma coerência de vida que seja viver o cristianismo como um encontro com Jesus que me leva aos outros, e não como um facto social. Socialmente aparecemos assim: somos cristãos, cristãos fechados em nós mesmos. Isto não! O testemunho!
A terceira pergunta: «Deixe-me perguntar-lhe, Santo Padre: Como podemos, eu e todos nós, viver uma Igreja pobre e para os pobres? Como é que o doente é uma interpelação à nossa fé? Que contribuição podemos nós todos, enquanto movimentos e associações laicais, dar concreta e eficazmente à Igreja e à sociedade para enfrentar esta crise que toca a ética pública» – isto é importante! – «o modelo de desenvolvimento, a política, em suma, um novo modo de ser homens e mulheres?»
Recomeço do testemunho... Antes de mais nada, viver o Evangelho é a principal contribuição que podemos dar. A Igreja não é um movimento político, nem uma estrutura bem organizada. Não é isso! Não somos uma ONG, e quando a Igreja se torna uma ONG perde o sal, não tem sabor, não passa de uma organização vazia. Neste ponto sede sagazes, porque o diabo nos engana; há o perigo do eficientismo. Uma coisa é pregar Jesus, outra é a eficácia, ser eficientes. Isto, não; aquela é outro valor. Fundamentalmente, o valor da Igreja é viver o Evangelho e dar testemunho da nossa fé. A Igreja é sal da terra, é luz do mundo; é chamada a tornar presente na sociedade o fermento do Reino de Deus; e fá-lo, antes de mais nada, por meio do seu testemunho: o testemunho do amor fraterno, da solidariedade, da partilha. Quando se ouve alguns dizerem que a solidariedade não é um valor, mas uma «atitude primitiva» que deve desaparecer... é errado! Está-se a pensar na eficácia apenas mundana. Quanto as momentos de crise, como este que estamos vivendo… Antes tinhas dito que «estamos num mundo de mentiras». Atenção! A crise actual não é apenas económica; não é uma crise cultural. É uma crise do homem: o que está em crise é o homem! E o que pode ser destruído é o homem! Mas o homem é a imagem de Deus! Por isso, é uma crise profunda! Neste tempo de crise, não podemos preocupar-nos só com nós mesmos, fecharmo-nos na solidão, no desânimo, numa sensação de impotência face aos problemas. Não se fechem, por favor! Isto é um perigo: fecharmo-nos na paróquia, com os amigos, no movimento, com aqueles que pensam as mesmas coisas que eu... Sabeis o que sucede? Quando a Igreja se fecha, adoece, fica doente. Imaginai um quarto fechado durante um ano; quando lá entras, cheira a mofo e há muitas coisas que não estão bem. A uma Igreja fechada sucede o mesmo: é uma Igreja doente. A Igreja deve sair de si mesma. Para onde? Para as periferias existenciais, sejam eles quais forem…, mas sair. Jesus diz-nos: «Ide pelo mundo inteiro! Ide! Pregai! Dai testemunho do Evangelho!» (cf. Mc 16, 15). Entretanto que acontece quando alguém sai de si mesmo? Pode suceder aquilo a que estão sujeitos quantos saem de casa e vão pela estrada: um acidente. Mas eu digo-vos: Prefiro mil vezes uma Igreja acidentada, caída num acidente, que uma Igreja doente por fechamento! Ide para fora, saí! Pensai também nisto que diz o Apocalipse (é uma coisa linda!): Jesus está à porta e chama, chama para entrar no nosso coração (cf. Ap 3, 20). Este é o sentido do Apocalipse. Mas fazei a vós mesmos esta pergunta: Quantas vezes Jesus está dentro e bate à porta para sair, ir para fora, mas não O deixamos sair, por causa das nossas seguranças, por estarmos muitas vezes fechados em estruturas caducas, que servem apenas para nos tornar escravos, e não filhos de Deus que são livres? Nesta «saída», é importante ir ao encontro de…; esta palavra, para mim, é muito importante: o encontro com os outros. Porquê? Porque a fé é um encontro com Jesus, e nós devemos fazer o mesmo que Jesus: encontrar os outros. Vivemos numa cultura do desencontro, uma cultura da fragmentação, uma cultura na qual o que não me serve deito fora, a cultura das escórias. A propósito, convido-vos a pensar – e é parte da crise – nos idosos, que são a sabedoria de um povo, nas crianças... a cultura das escórias. Nós, pelo contrário, devemos ir ao encontro e devemos criar, com a nossa fé, uma «cultura do encontro», uma cultura da amizade, uma cultura onde encontramos irmãos, onde podemos conversar mesmo com aqueles que pensam diversamente de nós, mesmo com quantos possuem outra crença, que não têm a mesma fé. Todos têm algo em comum connosco: são imagens de Deus, são filhos de Deus. Ir ao encontro de todos, sem negociar a nossa filiação eclesial.
Outro ponto importante são os pobres. Se sairmos de nós mesmos, encontramos a pobreza. Hoje… – dizê-lo faz doer o coração - hoje encontrar um sem-tecto morto de frio não é notícia. Hoje é notícia, talvez, um escândalo. Um escândalo: ah, isso é notícia! Hoje pensar que muitas crianças não terão que comer não é notícia. Isto é grave; sim, grave! Não podemos ficar tranquilos! Bem! As coisas estão assim. Não podemos tornar-nos cristãos engomados, aqueles cristãos demasiado educados que falam de coisas teológicas enquanto tomam o chá, tranquilos. Isto não! Devemos tornar-nos cristãos corajosos e ir à procura daqueles que são precisamente a carne de Cristo, aqueles que são a carne de Cristo! Quando vou confessar – não aqui; aqui ainda não posso, porque sair para confessar... daqui não se pode sair, mas isso é outro problema – quando, na diocese anterior, ia confessar, vinham as pessoas e eu sempre lhes fazia esta pergunta: «Dá esmolas?» «Sim, padre!» «Muito bem!» Mas fazia-lhe mais duas: «Diga-me, quando dá esmola, fixa nos olhos aquele ou aquela a quem dá a esmola?» «Bem, não sei, não me dou conta». Segunda pergunta: «E quando dá esmola, toca a mão da pessoa a quem dá a esmola ou lança-lhe a moeda?» Este é o problema: a carne de Cristo, tocar a carne de Cristo, assumir este sofrimento pelos pobres. A pobreza, para nós cristãos, não é uma categoria sociológico, filosófica ou cultural. Não! É uma categoria teologal. Diria que esta é talvez a primeira categoria, porque aquele Deus, o Filho de Deus, humilhou-se, fez-se pobre para caminhar connosco ao longo da estrada. E esta é a nossa pobreza: a pobreza da carne de Cristo, a pobreza que nos trouxe o Filho de Deus com a sua Encarnação. A Igreja pobre para os pobres começa pelo dirigir-se à carne de Cristo. Se nos fixarmos na carne de Cristo, começamos a compreender qualquer coisa, a compreender o que é esta pobreza, a pobreza do Senhor. E isso não é fácil! Mas aos cristãos apresenta-se-lhes um problema que não lhes faz bem: o espírito do mundo, o espírito mundano, a mundanidade espiritual. Isto faz-nos sentir autónomos, viver o espírito do mundo, e não o de Jesus.
Quanto à pergunta que me fazíeis: como se deve viver para enfrentar esta crise que toca a ética pública, o modelo de desenvolvimento, a política? Pensar que esta é uma crise do homem, uma crise que destrói o homem, uma crise que despoja o homem da ética. Na vida pública, na política, se não houver a ética, uma ética de referimento, tudo é possível e tudo se pode fazer. E, quando lemos os jornais, vemos como a falta de ética na vida pública causa tanto dano à humanidade inteira.
Gostaria de contar-vos uma história. Já o fiz duas vezes esta semana, mas farei uma terceira convosco. É a história que narra um midrash bíblico de um rabino do século XII. Ao contar a história da construção da Torre de Babel, diz ele que, para construir a Torre de Babel, era necessário fazer os tijolos. Que significa isto? Ir, empastar o barro, trazer a palha, misturar tudo, e depois… forno. E quando o tijolo estava pronto tinha de ser carregado lá para cima, para a construção da Torre de Babel. Enfim, o tijolo era um tesouro, considerando todo o trabalho que se requeria para o fazer. Quando caía um tijolo, era uma tragédia nacional e o trabalhador culpado era punido; era tão precioso um tijolo que, se caísse, era um drama. Mas, se caía um trabalhador, não sucedia nada; era um caso completamente diverso. O mesmo sucede hoje: se os investimentos em bancos caem um pouco, é uma tragédia! Que havemos de fazer? Mas, se as pessoas morrem de fome, se não têm que comer, se não têm saúde, isso não importa! Esta é a nossa crise de hoje! E o testemunho de uma Igreja pobre para os pobres vai contra essa mentalidade.
A quarta pergunta: «Vendo estas situações, parece-me que a minha confissão, o meu testemunho seja tímido e desajeitado. Gostaria de fazer mais, mas o quê? E como ajudar estes nossos irmãos? Como aliviar o seu sofrimento, não tendo possibilidade de fazer nada, ou pelo menos muito pouco, para mudar o seu contexto político e social?»
Para anunciar o Evangelho, são necessárias duas virtudes: a coragem e a paciência. Eles [os cristãos que sofrem] estão na Igreja da paciência. Eles sofrem e há mais mártires hoje do que nos primeiros séculos da Igreja. Sim, mais mártires! Irmãos e irmãs nossos, que sofrem! Levam a fé até ao martírio. Mas o martírio nunca é uma derrota; o martírio é o grau mais alto do testemunho que devemos dar. Nós estamos a caminho do martírio, de pequenos martírios: ao renunciar a isto, ao fazer aquilo... vamos a caminho. E eles, coitados, dão a vida, mas dão-na – acabámos de ouvir a situação no Paquistão – por amor de Jesus, testemunhando Jesus. Um cristão deve ter sempre esta atitude de mansidão, de humildade; precisamente a atitude que têm eles, confiando em Jesus, confiando-se a Jesus. É preciso notar que, muitas vezes, estes conflitos não têm uma origem religiosa; frequentemente há outras causas de tipo social e político, e infelizmente as filiações religiosas acabam por ser utilizadas como gasolina sobre o fogo. Um cristão sempre deve ser capaz de responder ao mal com o bem, ainda que muitas vezes seja difícil. A estes irmãos e irmãs, procuremos fazer-lhes sentir que estamos profundamente unidos à sua situação, que sabemos que são cristãos «entrados na paciência». Quando Jesus vai ao encontro da Paixão, entra na paciência. Eles entraram na paciência: há que fazê-lo saber a eles, mas também fazê-lo saber ao Senhor. Deixai que vos faça uma pergunta: Rezais por estes irmãos e estas irmãs? Rezais por eles, na oração de todos os dias? Eu não vou pedir agora que levantem a mão aqueles que rezam. Não o pedirei... Mas tende-o bem em conta. Na oração de cada dia, digamos a Jesus: «Senhor, olha este irmão, olha esta irmã que sofre tanto, tanto!» Eles fazem a experiência do limite, precisamente do limite entre a vida e a morte. E esta experiência deve levar-nos também a promover a liberdade religiosa para todos, para todos! Cada homem, cada mulher deve ser livre na sua própria confissão religiosa, seja ela qual for. Porquê? Porque aquele homem e aquela mulher são filhos de Deus.
E, assim, creio ter respondido de algum modo às vossas perguntas. Peço desculpas se fui demasiado longo. Muito obrigado! Obrigado a todos vós! E não esqueçais: não queremos uma Igreja fechada, mas uma Igreja que sai, que vai às periferias da existência. Que o Senhor nos guie nelas! Obrigado!
É uma alegria para mim encontrar-vos! Juntamo-nos, todos nós, nesta Praça [de São Pedro] para rezar, estar unidos e esperar o dom do Espírito Santo. Eu já conhecia as vossas perguntas e pensei nelas; não se trata, portanto, duma improvisação! A verdade, acima de tudo! Tenho-as aqui, escritas.
A primeira – «na sua vida, como pôde alcançar a certeza a respeito da fé; e que estrada nos indica para podermos, cada um de nós, vencer a fragilidade da fé? – é uma pergunta de história, pois refere-se à minha história, à história da minha vida.
Tive a graça de crescer numa família onde se vivia a fé de forma simples e concreta; mas foi sobretudo a minha avó, mãe do meu pai, que marcou o meu caminho de fé. Era uma mulher que nos explicava, falava de Jesus, ensinava o Catecismo. Lembro-me sempre que, na Sexta-Feira Santa, ela nos levava à noite à procissão de velas; no final desta procissão, passava o «Cristo jacente», e a avó fazia-nos – a nós crianças – ajoelhar e dizia-nos: «Olhai! Morreu, mas amanhã ressuscita». Recebi o primeiro anúncio cristão precisamente desta mulher, da minha avó! Tudo isto é muito belo! O primeiro anúncio em casa, com a família! Isto faz-me pensar no carinho que põem tantas mães e tantas avós na transmissão da fé. São elas que transmitem a fé. O mesmo acontecia nos primeiros tempos, porque São Paulo diz a Timóteo: «Recordo a fé da tua mãe e da tua avó» (cf. 2 Tm 1, 5). Oh vós todas, mães e avós que estais aqui, pensai nisto! A transmissão da fé… É que Deus coloca ao nosso lado pessoas que nos ajudam no nosso caminho de fé. Não encontramos a fé no indefinido, não! Mas há sempre uma pessoa que prega, que nos diz quem é Jesus, nos transmite a fé, nos dá o primeiro anúncio. E assim foi a primeira experiência de fé que tive.
Para mim, porém, há um dia muito importante: 21 de Setembro de 1953 (tinha quase 17 anos); celebrava-se o «Dia do Estudante», sendo, para nós, o início da Primavera, ao passo que, para vós, é o início do Outono. Antes de ir para a festa, passei pela paróquia que habitualmente frequentava: encontrei um padre, que não conhecia, e senti necessidade de me confessar. Esta foi para mim uma experiência de encontro: achei que alguém me esperava. Eu não sei o que se passou, não me lembro; não sei sequer por que motivo estivesse lá aquele padre que eu não conhecia, não sei porque senti aquela vontade de me confessar, mas a verdade é que alguém estava à minha espera. Esperava-me há muito tempo. Depois da confissão, senti que qualquer coisa tinha mudado; eu não era o mesmo. Tinha ouvido como que uma voz, uma chamada: fiquei convencido de que devia tornar-me sacerdote. Na fé, é importante esta experiência. Dizemos que devemos procurar Deus, ir ter com Ele para pedir perdão… Mas, quando chegamos, já Ele está à nossa espera, Ele chega primeiro! Em espanhol, temos uma palavra que explica bem isto: «O Senhor sempre nos primerea», é o primeiro, está à nossa espera! E esta é uma graça mesmo grande: encontrar alguém que te espera. Tu vais pecador, e Ele está à tua espera para te perdoar. Esta é a experiência que os Profetas de Israel descreviam ao dizer que o Senhor é como a flor da amendoeira, a primeira flor da Primavera (cf. Jr 1, 11-12). Antes da chegada das outras flores, aparece ela: é ela que espera. O Senhor espera por nós. E, quando O procuramos, deparamos com esta realidade: é Ele que está à nossa espera, para nos acolher, para nos dar o seu amor. E isto infunde no teu coração uma maravilha tal que nem acreditas, e assim vai crescendo a fé… no encontro com uma pessoa, no encontro com o Senhor. Alguém poderá dizer: «Não, eu prefiro estudar a fé nos livros». É importante estudá-la, mas olhai que isso não basta! O mais importante é o encontro com Jesus, o encontro com Ele; é isto que te dá a fé, porque é precisamente Ele quem te la dá.
Na pergunta, faláveis também da fragilidade da fé: Como se pode vencê-la? O maior inimigo que tem a fragilidade é o medo. Curioso, não é!? Mas eu digo-vos: Não tenhais medo! Somos frágeis – bem o sabemos –, mas o Senhor é forte! Se tu caminhas com Ele, não há problema. Uma criança – hoje vi tantas! – é fragilíssima, mas, estando com o pai, com a mãe, sente-se segura! Com o Senhor, estamos seguros. A fé cresce com o Senhor, precisamente a partir da mão do Senhor; isto faz-nos crescer e torna-nos fortes. Às vezes, porém, pensamos que podemos arranjar-nos sozinhos; mas não! Pensemos no que aconteceu a Pedro: «Senhor, eu nunca te negarei» (cf. Mt 26, 33-35), mas, quando o galo cantou, já ele O tinha negado três vezes! (cf. vv. 69-75). Pensemos bem nisto: quando temos demasiada confiança em nós mesmos, somos mais frágeis; sim, mais frágeis. Sempre com o Senhor! E quando digo com o Senhor, pretendo dizer com a Eucaristia, com a Bíblia, com a oração..., mas também em família, também com a mãe, também com ela, porque é quem nos leva ao Senhor; é a mãe, é aquela sabe tudo. Por conseguinte, rezar também a Nossa Senhora e pedir-lhe que, como mãe, me faça forte. Isto é o que penso sobre a fragilidade; pelo menos, é a minha experiência. Uma coisa que me faz forte todos os dias é rezar o Terço a Nossa Senhora. Sinto uma força tão grande, porque vou ter com ela e sinto-me forte.
Passemos à segunda pergunta: «Penso que todos nós aqui presentes sentimos fortemente este desafio – o desfio da evangelização – que está no centro das nossas experiências. Por isso, gostaria de lhe pedir, Santo Padre, que me ajudasse, a mim e a todos nós, a compreender o modo como viver este desafio no nosso tempo. Na sua opinião, qual é a coisa mais importante para a qual todos nós – movimentos, associações e comunidades – devemos olhar para realizar esta tarefa a que somos chamados? Como podemos hoje comunicar, de maneira eficaz, a fé?»
Só vou dizer três palavras. A primeira: Jesus. Qual é a coisa mais importante? Jesus. Se pretendemos avançar com mais organização, com outras coisas – coisas certamente boas –, mas sem Jesus, não avançamos, não resulta. O mais importante é Jesus. Deixai-me fazer-vos aqui uma pequena advertência, mas fraternalmente, cá entre nós. Todos vós gritastes na Praça: «Francisco, Francisco, Papa Francisco». E Jesus, onde estava? Eu teria gostado que vós gritásseis: «Jesus, Jesus é o Senhor, e está verdadeiramente no meio de nós». Daqui para diante, não digais «Francisco», mas «Jesus»!
A segunda palavra é: oração. Olhar o rosto de Deus, mas sobretudo – e isto está ligado com o que disse antes – sentir-se olhado. O Senhor olha-nos: é o primeiro que olha. A minha experiência é aquilo que sinto diante do Sacrário quando vou rezar, à noite, diante do Senhor. Às vezes cabeceio um pouco, é verdade! O cansaço do dia faz adormecer. Mas Ele compreende-me. E sinto grande consolação, ao pensar que Ele me olha. Nós pensamos que devemos orar, falar, falar, falar... Não! Deixa-te olhar pelo Senhor. Quando Ele olha para nós, dá-nos força e ajuda-nos a testemunhá-lo. A pergunta era sobre o testemunho da fé, não era? Pois bem; primeiro «Jesus», depois «oração»: sentimos que Deus nos leva pela mão. Sublinho a importância disto: deixar-se guiar por Ele. Isto é mais importante do que qualquer um dos nossos cálculos. Somos verdadeiros evangelizadores, quando nos deixamos guiar por Ele. Pensemos neste caso de Pedro: estava ele talvez a fazer a sesta, quando teve uma visão – a visão da toalha com todos os animais – e ouviu Jesus que lhe dizia qualquer coisa, mas ele não entendia. Naquele momento, chegaram alguns não-judeus chamando-o para ir a certa casa; ele foi e viu como o Espírito Santo estava lá. Pedro deixou-se guiar por Jesus para chegar àquela primeira evangelização dos gentios, que não eram judeus; uma coisa então impensável (cf. Act 10, 9-48). E o mesmo se deu em toda a história… toda a história! Deixar-se guiar por Jesus. O líder é precisamente Ele; o nosso líder é Jesus.
E terceira: testemunho. Jesus, oração – a oração, este deixar-se guiar por Ele - e depois testemunho. Mas há mais qualquer coisa que gostava de dizer. Este deixar-se guiar por Jesus é abandonar-se às surpresas de Jesus. Pode-se pensar que devemos programar em pormenor a evangelização, pensando nas estratégias, fazendo planos. Mas isto são instrumentos, pequenos instrumentos. O importante é Jesus e deixar-se guiar por Ele. Então podemos fazer as estratégias, mas isso é secundário.
Finalmente, o testemunho: a comunicação da fé pode-se fazer unicamente através do testemunho; e este é o amor. Não com as nossas ideias, mas com o Evangelho vivido na própria existência, que o Espírito Santo faz viver no nosso íntimo. É como uma sinergia entre nós e o Espírito Santo; e isto leva ao testemunho. Quem faz avançar a Igreja são os Santos, porque são precisamente eles que dão este testemunho. Como disseram João Paulo II e também Bento XVI, o mundo de hoje tem tanta necessidade de testemunhas; precisa mais de testemunhas que de mestres. Devemos falar menos, mas falar com a vida toda: a coerência de vida. Precisamente, a coerência de vida! Uma coerência de vida que seja viver o cristianismo como um encontro com Jesus que me leva aos outros, e não como um facto social. Socialmente aparecemos assim: somos cristãos, cristãos fechados em nós mesmos. Isto não! O testemunho!
A terceira pergunta: «Deixe-me perguntar-lhe, Santo Padre: Como podemos, eu e todos nós, viver uma Igreja pobre e para os pobres? Como é que o doente é uma interpelação à nossa fé? Que contribuição podemos nós todos, enquanto movimentos e associações laicais, dar concreta e eficazmente à Igreja e à sociedade para enfrentar esta crise que toca a ética pública» – isto é importante! – «o modelo de desenvolvimento, a política, em suma, um novo modo de ser homens e mulheres?»
Recomeço do testemunho... Antes de mais nada, viver o Evangelho é a principal contribuição que podemos dar. A Igreja não é um movimento político, nem uma estrutura bem organizada. Não é isso! Não somos uma ONG, e quando a Igreja se torna uma ONG perde o sal, não tem sabor, não passa de uma organização vazia. Neste ponto sede sagazes, porque o diabo nos engana; há o perigo do eficientismo. Uma coisa é pregar Jesus, outra é a eficácia, ser eficientes. Isto, não; aquela é outro valor. Fundamentalmente, o valor da Igreja é viver o Evangelho e dar testemunho da nossa fé. A Igreja é sal da terra, é luz do mundo; é chamada a tornar presente na sociedade o fermento do Reino de Deus; e fá-lo, antes de mais nada, por meio do seu testemunho: o testemunho do amor fraterno, da solidariedade, da partilha. Quando se ouve alguns dizerem que a solidariedade não é um valor, mas uma «atitude primitiva» que deve desaparecer... é errado! Está-se a pensar na eficácia apenas mundana. Quanto as momentos de crise, como este que estamos vivendo… Antes tinhas dito que «estamos num mundo de mentiras». Atenção! A crise actual não é apenas económica; não é uma crise cultural. É uma crise do homem: o que está em crise é o homem! E o que pode ser destruído é o homem! Mas o homem é a imagem de Deus! Por isso, é uma crise profunda! Neste tempo de crise, não podemos preocupar-nos só com nós mesmos, fecharmo-nos na solidão, no desânimo, numa sensação de impotência face aos problemas. Não se fechem, por favor! Isto é um perigo: fecharmo-nos na paróquia, com os amigos, no movimento, com aqueles que pensam as mesmas coisas que eu... Sabeis o que sucede? Quando a Igreja se fecha, adoece, fica doente. Imaginai um quarto fechado durante um ano; quando lá entras, cheira a mofo e há muitas coisas que não estão bem. A uma Igreja fechada sucede o mesmo: é uma Igreja doente. A Igreja deve sair de si mesma. Para onde? Para as periferias existenciais, sejam eles quais forem…, mas sair. Jesus diz-nos: «Ide pelo mundo inteiro! Ide! Pregai! Dai testemunho do Evangelho!» (cf. Mc 16, 15). Entretanto que acontece quando alguém sai de si mesmo? Pode suceder aquilo a que estão sujeitos quantos saem de casa e vão pela estrada: um acidente. Mas eu digo-vos: Prefiro mil vezes uma Igreja acidentada, caída num acidente, que uma Igreja doente por fechamento! Ide para fora, saí! Pensai também nisto que diz o Apocalipse (é uma coisa linda!): Jesus está à porta e chama, chama para entrar no nosso coração (cf. Ap 3, 20). Este é o sentido do Apocalipse. Mas fazei a vós mesmos esta pergunta: Quantas vezes Jesus está dentro e bate à porta para sair, ir para fora, mas não O deixamos sair, por causa das nossas seguranças, por estarmos muitas vezes fechados em estruturas caducas, que servem apenas para nos tornar escravos, e não filhos de Deus que são livres? Nesta «saída», é importante ir ao encontro de…; esta palavra, para mim, é muito importante: o encontro com os outros. Porquê? Porque a fé é um encontro com Jesus, e nós devemos fazer o mesmo que Jesus: encontrar os outros. Vivemos numa cultura do desencontro, uma cultura da fragmentação, uma cultura na qual o que não me serve deito fora, a cultura das escórias. A propósito, convido-vos a pensar – e é parte da crise – nos idosos, que são a sabedoria de um povo, nas crianças... a cultura das escórias. Nós, pelo contrário, devemos ir ao encontro e devemos criar, com a nossa fé, uma «cultura do encontro», uma cultura da amizade, uma cultura onde encontramos irmãos, onde podemos conversar mesmo com aqueles que pensam diversamente de nós, mesmo com quantos possuem outra crença, que não têm a mesma fé. Todos têm algo em comum connosco: são imagens de Deus, são filhos de Deus. Ir ao encontro de todos, sem negociar a nossa filiação eclesial.
Outro ponto importante são os pobres. Se sairmos de nós mesmos, encontramos a pobreza. Hoje… – dizê-lo faz doer o coração - hoje encontrar um sem-tecto morto de frio não é notícia. Hoje é notícia, talvez, um escândalo. Um escândalo: ah, isso é notícia! Hoje pensar que muitas crianças não terão que comer não é notícia. Isto é grave; sim, grave! Não podemos ficar tranquilos! Bem! As coisas estão assim. Não podemos tornar-nos cristãos engomados, aqueles cristãos demasiado educados que falam de coisas teológicas enquanto tomam o chá, tranquilos. Isto não! Devemos tornar-nos cristãos corajosos e ir à procura daqueles que são precisamente a carne de Cristo, aqueles que são a carne de Cristo! Quando vou confessar – não aqui; aqui ainda não posso, porque sair para confessar... daqui não se pode sair, mas isso é outro problema – quando, na diocese anterior, ia confessar, vinham as pessoas e eu sempre lhes fazia esta pergunta: «Dá esmolas?» «Sim, padre!» «Muito bem!» Mas fazia-lhe mais duas: «Diga-me, quando dá esmola, fixa nos olhos aquele ou aquela a quem dá a esmola?» «Bem, não sei, não me dou conta». Segunda pergunta: «E quando dá esmola, toca a mão da pessoa a quem dá a esmola ou lança-lhe a moeda?» Este é o problema: a carne de Cristo, tocar a carne de Cristo, assumir este sofrimento pelos pobres. A pobreza, para nós cristãos, não é uma categoria sociológico, filosófica ou cultural. Não! É uma categoria teologal. Diria que esta é talvez a primeira categoria, porque aquele Deus, o Filho de Deus, humilhou-se, fez-se pobre para caminhar connosco ao longo da estrada. E esta é a nossa pobreza: a pobreza da carne de Cristo, a pobreza que nos trouxe o Filho de Deus com a sua Encarnação. A Igreja pobre para os pobres começa pelo dirigir-se à carne de Cristo. Se nos fixarmos na carne de Cristo, começamos a compreender qualquer coisa, a compreender o que é esta pobreza, a pobreza do Senhor. E isso não é fácil! Mas aos cristãos apresenta-se-lhes um problema que não lhes faz bem: o espírito do mundo, o espírito mundano, a mundanidade espiritual. Isto faz-nos sentir autónomos, viver o espírito do mundo, e não o de Jesus.
Quanto à pergunta que me fazíeis: como se deve viver para enfrentar esta crise que toca a ética pública, o modelo de desenvolvimento, a política? Pensar que esta é uma crise do homem, uma crise que destrói o homem, uma crise que despoja o homem da ética. Na vida pública, na política, se não houver a ética, uma ética de referimento, tudo é possível e tudo se pode fazer. E, quando lemos os jornais, vemos como a falta de ética na vida pública causa tanto dano à humanidade inteira.
Gostaria de contar-vos uma história. Já o fiz duas vezes esta semana, mas farei uma terceira convosco. É a história que narra um midrash bíblico de um rabino do século XII. Ao contar a história da construção da Torre de Babel, diz ele que, para construir a Torre de Babel, era necessário fazer os tijolos. Que significa isto? Ir, empastar o barro, trazer a palha, misturar tudo, e depois… forno. E quando o tijolo estava pronto tinha de ser carregado lá para cima, para a construção da Torre de Babel. Enfim, o tijolo era um tesouro, considerando todo o trabalho que se requeria para o fazer. Quando caía um tijolo, era uma tragédia nacional e o trabalhador culpado era punido; era tão precioso um tijolo que, se caísse, era um drama. Mas, se caía um trabalhador, não sucedia nada; era um caso completamente diverso. O mesmo sucede hoje: se os investimentos em bancos caem um pouco, é uma tragédia! Que havemos de fazer? Mas, se as pessoas morrem de fome, se não têm que comer, se não têm saúde, isso não importa! Esta é a nossa crise de hoje! E o testemunho de uma Igreja pobre para os pobres vai contra essa mentalidade.
A quarta pergunta: «Vendo estas situações, parece-me que a minha confissão, o meu testemunho seja tímido e desajeitado. Gostaria de fazer mais, mas o quê? E como ajudar estes nossos irmãos? Como aliviar o seu sofrimento, não tendo possibilidade de fazer nada, ou pelo menos muito pouco, para mudar o seu contexto político e social?»
Para anunciar o Evangelho, são necessárias duas virtudes: a coragem e a paciência. Eles [os cristãos que sofrem] estão na Igreja da paciência. Eles sofrem e há mais mártires hoje do que nos primeiros séculos da Igreja. Sim, mais mártires! Irmãos e irmãs nossos, que sofrem! Levam a fé até ao martírio. Mas o martírio nunca é uma derrota; o martírio é o grau mais alto do testemunho que devemos dar. Nós estamos a caminho do martírio, de pequenos martírios: ao renunciar a isto, ao fazer aquilo... vamos a caminho. E eles, coitados, dão a vida, mas dão-na – acabámos de ouvir a situação no Paquistão – por amor de Jesus, testemunhando Jesus. Um cristão deve ter sempre esta atitude de mansidão, de humildade; precisamente a atitude que têm eles, confiando em Jesus, confiando-se a Jesus. É preciso notar que, muitas vezes, estes conflitos não têm uma origem religiosa; frequentemente há outras causas de tipo social e político, e infelizmente as filiações religiosas acabam por ser utilizadas como gasolina sobre o fogo. Um cristão sempre deve ser capaz de responder ao mal com o bem, ainda que muitas vezes seja difícil. A estes irmãos e irmãs, procuremos fazer-lhes sentir que estamos profundamente unidos à sua situação, que sabemos que são cristãos «entrados na paciência». Quando Jesus vai ao encontro da Paixão, entra na paciência. Eles entraram na paciência: há que fazê-lo saber a eles, mas também fazê-lo saber ao Senhor. Deixai que vos faça uma pergunta: Rezais por estes irmãos e estas irmãs? Rezais por eles, na oração de todos os dias? Eu não vou pedir agora que levantem a mão aqueles que rezam. Não o pedirei... Mas tende-o bem em conta. Na oração de cada dia, digamos a Jesus: «Senhor, olha este irmão, olha esta irmã que sofre tanto, tanto!» Eles fazem a experiência do limite, precisamente do limite entre a vida e a morte. E esta experiência deve levar-nos também a promover a liberdade religiosa para todos, para todos! Cada homem, cada mulher deve ser livre na sua própria confissão religiosa, seja ela qual for. Porquê? Porque aquele homem e aquela mulher são filhos de Deus.
E, assim, creio ter respondido de algum modo às vossas perguntas. Peço desculpas se fui demasiado longo. Muito obrigado! Obrigado a todos vós! E não esqueçais: não queremos uma Igreja fechada, mas uma Igreja que sai, que vai às periferias da existência. Que o Senhor nos guie nelas! Obrigado!
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