“É conhecida aquela
observação de Bonhoeffer em que ele diz que está na hora de parar de ver
em Deus o tapa-buracos colocado nos limites das nossas possibilidades que só é
chamado quando estamos numa situação sem saída. Deveríamos encontrar Deus não
no lugar das nossas dificuldades e do nosso fracasso, mas no meio da plenitude
das coisas terrenas e da vida; só assim mostraríamos que Deus não é uma
escapatória nascida das nossas necessidades que se torna supérflua à medida que
se ampliam os limites da nossa capacidade [nota de rodapé: R. Marlé: «Gostaria
de falar de Deus não nos limites e sim no meio, não nas fraquezas e sim na força,
portanto não na morte e na culpa e sim na vida e no bem do ser humano»].
Na história da luta humana em torno de Deus
encontramos ambos os caminhos, e ambos me parecem igualmente legítimos. Tanto
as misérias da vida humana como a sua plenitude remetem para Deus. Sempre que experimentaram
a existência nas suas plenitude, riqueza, beleza e grandeza, os homens deram-se
conta de que essa era uma existência pela qual deviam estar agradecidos, por,
nas suas claridade e grandeza, ela não é uma existência que o ser humano se dê
a sim mesmo, surgindo antes como uma dádiva que se lhe adianta, que o recebe
com a sua bondade antes de qualquer iniciativa sua e exige que ele dê sentido a
tamanha riqueza para poder ele próprio ganhar
sentido. Por outro lado, também a carência e a pobreza recordaram sempre ao
ser humano que havia um outro totalmente diferente dele. A pergunta que o ser
humano faz e que o constitui, a sua incompletude, a limitação que ele sente
apesar de ansiar pelo ilimitado, essa sensação simultânea de confinamento e de
desejo que procura o ilimitado e a abertura, que impediu o ser humano de se
satisfazer consigo mesmo, dando-lhe a sensação de que não se basta a si
próprio, de que só consegue encontrar-se passando para além de si mesmo, ao
encontro do totalmente outro e infinitamente maior”.
in Introdução ao Cristianismo, p 75.
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