Bento XVI, Papa Emérito, em “Conversas finais” respondeu a uma questão sobre se tinha regredido e exemplo disso era o de dar a comunhão na boca. A resposta é clarificadora: “Sempre dei a Comunhão das duas maneiras. Só que, havendo tanta gente na Praça de São Pedro que o poderia entender mal (havia quem, por exemplo, metesse a hóstia no bolso), pareceu-me que a Comunhão na boca, como sinal, era um gesto muito acertado. Mas que eu fosse nisso de algum modo retrógrado… Devo dizer, aliás, que essas categorias de velho e de novo não se aplicam à liturgia”.
Guardariam as hóstias para algum tipo de bruxaria ou porque assim tinham uma “relíquia” recebida das mãos do Papa. Um pouco como aqueles que vão a um concerto, a um grande evento, querem tocar no artista, tirar um selfie com ele, assinar um autógrafo para emoldurar. Com a figura do Papa também pode acontecer. Ir ao encontro de João Paulo II a um estádio de futebol ou ir ver um cantor famoso para alguns é a mesma coisa, pois no final o mais importante é que se esteve perto, se trouxe uma recordação, se tocou na figura.
No Evangelho Jesus depara-se com algo semelhante. Vendo os sinais milagrosos que fazia, alguns queriam fazê-l’O rei (à força). Por isso, Jesus retira-se sozinho para o monte (cf. Jo 6, 14-15). Percebe-se como Jesus recomendava discrição quando realizava alguns prodígios, correndo-se o risco de se perder o essencial, a conversão, a luta diária por um mundo melhor, a resiliência e persistência nas dificuldades e a confiança para prosseguir, a entreajuda solidária. Por outras palavras, o risco de deixarmos a Deus o que nos cabe realizar, ficando de braços cruzados a olhar para o Céu!
Em Listra, Paulo e Barnabé, depois da cura de um coxo, são aclamados como deuses. Ao saberem disto os apóstolos rasgam as vestes e alertam: «Também nós somos homens da mesma condição que vós, homens que vos anunciam a Boa-Nova de que deveis abandonar os ídolos vãos e voltar-vos para o Deus vivo, que fez o céu, a terra, o mar e tudo quanto neles se encontra». É a custo que impedem que lhes ofereçam um sacrifício (Atos 14, 8-20).
As palavras de Francisco no regresso ao Vaticano alertam precisamente para este risco: aderirmos a uma jornada e/ou peregrinação, irmos ver o Papa, mas depois na prática deixarmos de lado o que a Igreja nos pede e os valores e princípios que nos identificam como católicos e nos enraízam no Evangelho.
Publicado na Voz de Lamego, n.º 4414, de 30 de maio de 2017
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