sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Assunção de Nossa Senhora ao Céu - 15.agosto.2020

       1 – Em Maria, Mãe de Jesus, cumprem-se as promessas de Deus. N'Ela vem habitar a força do Espírito Santo, assumindo-A por inteiro, para Se tornar, com o Seu sim, Mãe do filho de Deus, do Deus connosco. A morada de Deus entre os homens é, antes de mais e por maioria de razão, Maria, desde sempre escolhida, desde sempre consagrada para ser a Mãe do Messias.
       Na primeira leitura da Missa vespertina, David impele o povo a fazer uma grande festa, a Arca da Aliança está de novo em Sião, na cidade santa de Jerusalém. "Trasladaram a arca de Deus e colocaram-na no meio da tenda que David mandara levantar para ela. Depois ofereceram, diante de Deus, holocaustos e sacrifícios de comunhão." A Arca contém a Lei, a Aliança de Deus com o Povo, a promessa firme de Deus de que não abandonará o Seu povo. Para nós cristãos, a nova Arca é Maria, é n'Ela que está, não a Lei, mas a Palavra de Deus, Deus feito homem. Ela é a primeira Igreja, em cujo corpo se forma o Corpo de Jesus Cristo, que integraremos pelos batismo.
       Rezamos com o salmista que "o Senhor escolheu Sião, preferiu-a para sua morada" e, por conseguinte, será para Deus o lugar do Seu repouso, aí habitará para sempre. Maria é Filha de Sião. É uma linha de sucessão em que Deus – que nos criou – vem ao nosso encontro para nos assumir como filhos. Deus não está à margem, não Se coloca à parte, por cima, ou de fora. Deus entra na história e no tempo, respeitando a nossa liberdade, a nossa fisionomia, a nossa humanidade. Também Ele quer nascer em nós, através da geração/gestação carnal. Ainda que Maria não conheça homem, pois n'Ela opera a força, a sombra, do Espírito Santo! E assim Jesus é verdadeiramente homem, nascido de mulher, verdadeiramente Deus, nascido pelo Espírito Santo, antecipando o nosso nascimento espiritual, pela água e pelo Espírito.
       Maria é preparada por Deus – Imaculada Conceição – para assumir uma missão muito peculiar na história da Salvação: ser Mãe do Filho de Deus. É um privilégio, segundo os Padres da Igreja, em atenção aos méritos futuros da paixão redentora de Jesus Cristo, no qual todos somos redimidos. Até mesmo Maria é salva pela morte e ressurreição de Jesus, Seu Filho.
       Puro Dom de Deus, Ela tornar-se-á também nossa Mãe. Mãe da Igreja. Melhor, Ela é a primeira Igreja que nos dá Cristo.
       2 – Este mistério, como outros que envolvem a Virgem Maria, foi percebido e acolhido primeiramente e com maior humildade e generosidade pelo povo de Deus, a Igreja. Só muitos séculos depois a Igreja hierárquica sanciona positivamente a fé de todo o povo. Pio XII, em 1 de novembro de 1950, confirma como doutrina de fé para toda a Igreja, aquilo que a Igreja (mais popularmente) tinha como certo. Maria foi preservada desde sempre, antes de nascer. Preservada imaculada para Deus e assim Deus a preserva também no túmulo, para além da morte.
       Se nos ficarmos no dogma, como uma declaração da fé professada, não chegaremos a entrar no mistério que nos é dado em Maria, como uma certeza que faz desabrochar a nossa fé.
       Numa lógica racionalista, só o que pode ser demonstrado tem propriedades de ser verdadeiro e real! Pura razão que deixaria de fora sentimentos e emoções, pois o amor, o ódio, a confiança, não são demonstráveis pelas regras da ciência positiva. Também a cultura e a história assentam bases na confiança e na palavra dada, na interpretação e na boa-fé de quem nos narra e transmite os acontecimentos. A fé, como luminosamente expressou a Encíclica A Luz da Fé, preparada por Bento XVI e publicada por Francisco, não é um campo obscurantista que nos ilude, mas é luz que nos guia, que dá sentido à nossa vida, e que potencia a inteligência e a razão.
      Na plenitude dos tempos, Deus revela-Se encarnando. A Palavra de Deus tem um rosto, uma identidade, um Corpo, que não ofusca a nossa humanidade, pelo contrário, revela e clarifica a nossa origem, o sustentáculo e o fim da nossa existência. Doravante, as promessas concretizam-se e dão luz à nossa busca. Não estamos sós, fechados entre o nascimento e a morte, num período de tempo limitado a umas dezenas de anos. Quando morrermos, por mais doloroso que seja pensar neste facto e por mais triste que seja para quem gosta de nós, por mais sofrível que seja deixarmos tudo e sobretudo as pessoas que amamos, a certeza que não seremos apenas pó que se desfazerá terminando a nossa história e a nossa vida. Jesus entra na história, em Maria torna-se um de nós, para nos fazer entrar na vida de Deus. Assume-nos como seres humanos, criados à imagem e semelhança de Deus, e assume-nos como irmãos cuja pátria definitiva está no Céu, onde Ele já Se encontra à direita do Pai. Ora, em Maria esta promessa torna-se certeza: Ela já Se encontra onde Se encontra o Seu filho. A Mãe quer-se sempre perto dos Filhos.
       São Paulo faz transparecer a fé na ressurreição que, embora não anulando o sofrimento do tempo presente, nos faz relativizar as contrariedades da vida: "Quando este nosso corpo mortal se tornar imortal, então se realizará a palavra da Escritura: «A morte foi absorvida na vitória. Ó morte, onde está a tua vitória? Ó morte, onde está o teu aguilhão?»Com efeito, "Cristo ressuscitou dos mortos, como primícias dos que morreram". A morte que veio por um homem, Adão, será vencida por outro homem, Jesus Cristo. A ressurreição de Jesus marca o início de um tempo novo. Ele abre-nos as portas da eternidade de Deus. Maria é assunta ao Céu, juntando-Se ao Seu filho e garantindo-nos que a seguir seremos nós, seguindo Jesus.

       3 – O PRIVILÉGIO de Nossa Senhora – preservada de toda a mancha e da corrupção – diz-nos que TODA a vida, o Seu Corpo inteiro, é de Deus e para Deus. No início, durante e no fim. Mas é um privilégio instrumental, lunar, como é a Igreja. Tem como fito refletir a luz, refletir Jesus Cristo. Obviamente, o SIM de Maria não é passivo, deixando que Deus aja sem Ela querer. Ela terá que dizer SIM no momento da Anunciação e durante toda a vida. Nesse sim Se torna Mãe de Jesus. Nesse sim Se tornará nossa Mãe, Mãe da Igreja. Se é a Mãe de Jesus, também será Ela a portadora do Corpo de Cristo, a Igreja, do Qual somos membros.
       Ela é iluminada, salva, pela LUZ que incide no Seu coração. Mas a LUZ é para ser vista, é para revelar todo o bem que A rodeia e que nos envolve. E logo nos primeiros instantes, Ela nos dá Jesus, colocando-O na manjedoura. Os Pastores e depois os Magos encontram o Menino envolto em panos e podem "pegar" n'Ele, adorá-l'O.
       No alto da Cruz, Jesus diz claramente que doravante a maternidade de Maria se expande para todos os seus discípulos, para toda a Igreja. Dessa hora em diante cabe-nos acolher Maria, trazê-l'A para nossa casa, para a nossa vida. Só assim nos tornamos discípulos amados de Jesus, só assim assumimos a fraternidade que Ele nos oferece. Partilha connosco a Mãe, para que nos assumamos, entre nós, como irmãos.
       No evangelho – belíssimo – da Missa vespertina, Jesus diz-nos que a missão de Nossa Senhora é um privilégio que está ao nosso alcance. Uma mulher, levantando a voz por entre a multidão, declara: «Feliz Aquela que Te trouxe no seu ventre e Te amamentou ao seu peito». Mas logo Jesus nos revela que a prerrogativa de Nossa Senhora não é um exclusivismo: «Mais felizes são os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática».
       Maria é Mãe, mas também é discípula de Jesus. É a primeira Igreja. Gera Cristo. N'Ela se reflete e refulge a Luz que vem da eternidade de Deus. Mas integra o Povo de Deus que peregrina ao encontro do Seu Senhor. Em vida: feliz porque escuta. Bem-aventurada Aquela que acreditou em tudo quando vem da parte do Senhor. E depois da morte (temporal), continua a dar-nos Jesus, e a acolher-nos como filhos. Ela é bem-aventurada por todas as gerações por nos ter dado o Salvador e nos mostrar como podemos responder e realizar o nosso sim a Deus em gestos de atenção, cuidado e intercessão a favor dos nossos irmãos.
       Somos chamados a partilhar a gravidez de Maria, acolhendo a Palavra que vem de Deus e dando à luz, ao mundo, a Luz, o Deus que nos habita e que em nós faz a Sua morada, preparando e antecipando JÁ a eternidade que nos espera.

Pe. Manuel Gonçalves

Textos para a Eucaristia: Ap 11, 19a; 12, 1-6a.10ab; 1 Cor 15, 20-27; Lc 1, 39-56.

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

São Cristóvão, mártir

(São Cristóvão, de Hans Memling)

São Cristóvão é padroeiro dos motoristas (e dos archeiros, moços de fretes, carregadores dos mercados, pisoeiros, negociantes de frutas, automobilistas; é invocado contra a morte súbita, as tempestades, o granizo, as dores de dentes e a impenitência final) e comemorado, pelo martirológio jeronimiano, a 25 de julho. O seu nome, Cristofóro, para nós Cristóvão, significa porta-Cristo. Foi-lhe dedicada uma Igreja, na Bitínia, a 22 de setembro de 452. O seu martírio terá ocorrido no século III, um século de muitos mártires e de grande perseguição à Igreja e aos cristãos.
A lenda grega diz que ele era antropófago, da tribo dos cinéfalos (homens com cabeça de cão). Converteu-se ao cristianismo. Alistou-se no exército imperial e recusou-se a negar a sua fé. Morreu em suplícios inimagináveis.
A lenda ocidental: era um gigante com a mania das grandezas. Servia só os mais importantes. Primeiro um rei que ele pensava ser o rei mais importante do mundo. Depois encontrou o Demónio e achando que era a pessoa mais importante do mundo, seguiu-se, verificando que ele se desviava sempre que via uma cruz, contornando o caminho. Perguntou-lhe porque é que se desvia da cruz, ficando a saber a referência ao crucificado-ressuscitado.
Conhecendo Jesus Cristo, convenceu-se que era o maior rei que podia servir. Converteu-se. Pediu a um ermitão que o instruísse. Certo que Jesus apreciava a bondade, tornou-se transportador de pessoas num rio. Uma noite coube-lhe passar um menino, que se tornou tão pesado, obrigando-se a firmar-se bem nas pernas e com a ajuda de um cajado, com o receio real de ser derrubado. Quando chegou à margem disse ao menino que nem o mundo era tão pesado. Então o menino respondeu-lhe: “Tiveste às costas mais que o mundo inteiro; transportaste o Criador dele. Sou Jesus a quem tu serves”.
O martírio foi o último testemunho que deu de Jesus Cristo.
Paróquias que o têm como Padroeiro em Portugal: em Évora - Paróquia de São Cristóvão; em Lisboa Paróquia de São Cristóvão; em Viseu - São Cristóvão de Lafões; em Lamego - São Cristóvão de Nogueira (Zona Pastoral de Cinfães); em Vila Real - São Cristóvão do Douro; em Braga - Paróquia de São Cristóvão de Selho (Guimarães).
São Cristóvão, de Filippo Mazzola

Fonte: Santos de Todos os Dia, da Editorial A.O., referente ao mês de julho, publicado em 2005.
As imagens, digitalizadas, são as que aparecem neste mesmo volume.

Domingo XIX do Tempo Comum - ano A - 9.agosto.2020