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segunda-feira, 6 de agosto de 2018

TRANSFIGURAÇÃO do SENHOR - ano B

Nota Histórica:
       A festa da Transfiguração, celebrada no Oriente desde o século V e no Ocidente a partir de 1457, faz-nos reviver um acontecimento importante da vida de Jesus, com reflexos na nossa vida.
       Situada antes do anúncio da Paixão e da Morte, a Transfiguração foi uma manifestação da vida divina, que está em Jesus. A luz do Tabor é, porém, uma antecipação do esplendor, que encherá a noite da Páscoa. Por isso, os Apóstolos, contemplando a glória divina na Pessoa de Jesus, ficaram preparados para os dolorosos acontecimentos, que iriam pôr à prova a sua fé. Vendo Jesus na Sua condição de servo, já não poderão esquecer a Sua condição divina.
       Anúncio da Páscoa, a Transfiguração encerra também uma promessa – a da nossa transfiguração. Jesus, com efeito, fez transparecer na Sua Humanidade a glória de que resplandecerá o seu Corpo Místico, a Igreja, na Sua vinda final.
       A nossa vida cristã é, pois, um processo de lenta transformação em Cristo. Iniciado no nosso Baptismo, completa-se na Eucaristia, «penhor da futura glória», que opera a nossa transformação, até atingirmos a imagem de Cristo glorioso.

"Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João e subiu só com eles para um lugar retirado num alto monte e transfigurou-Se diante deles. As suas vestes tornaram-se resplandecentes, de tal brancura que nenhum lavadeiro sobre a terra as poderia assim branquear. Apareceram-lhes Moisés e Elias, conversando com Jesus. Pedro tomou a palavra e disse a Jesus: «Mestre, como é bom estarmos aqui! Façamos três tendas:  uma para Ti, outra para Moisés, outra para Elias». Não sabia o que dizia, pois estavam atemorizados. Veio então uma nuvem que os cobriu com a sua sombra e da nuvem fez-se ouvir uma voz: «Este é o meu Filho muito amado: escutai-O». De repente, olhando em redor, não viram mais ninguém,  a não ser Jesus, sozinho com eles. Ao descerem do monte, Jesus ordenou-lhes que não contassem a ninguém o que tinham visto, enquanto o Filho do homem não ressuscitasse dos mortos. Eles guardaram a recomendação, mas perguntavam entre si o que seria ressuscitar dos mortos" (ano B: Mc 9, 2-10).
       Ao longo da Sua vida pública, Jesus faz com que os Seus discípulos experimentem as mais diversas situações. Nem tudo será agradável. Haverá momentos dolorosos. Aliás, um pouco antes da Transfiguração Jesus anuncia um futuro mais ou menos negro, pelo menos humanamente falando. Vai ser entregue nas mãos das autoridades, vai ser morto... No meio da tristeza e desilusão por parte dos seus mais próximos seguidores, Jesus dá-lhes uma garantia, mostra-lhes o Céu. Esta antecipação mostra a divindade de Jesus, para de novo assumir a nossa humanidade com toda a crueza que a limitação e a finitude podem envolver. O seu destino é mortal, é como o de todos os mortais. Vai passar pela mesma provação. Aqui, Jesus mostra claramente àqueles apóstolos que a última palavra há de ser de Deus, da Vida nova...
       Importa, em todas as situações, escutar a Sua voz. É a voz do Pai de entre as nuvens que ressoa por todo o universo e que garante a eternidade para todos os que acreditarem n'Aquele que Ele enviou ao mundo, o Seu Filho muito amado.

quarta-feira, 25 de julho de 2018

São Tiago (Maior), Apóstolo

Nota biográfica:
       Nasceu em Betsaida; era filho de Zebedeu e irmão do apóstolo João. Esteve presente nos principais milagres do Senhor. Foi morto por Herodes cerca do ano 42. É venerado com culto especial em Compostela (Espanha), com as relíquias aí depositadas, onde se ergue a célebre basílica a ele dedicada, que atrai desde o século IX inumeráveis peregrinos de toda a cristandade.
       Foi o primeiro mártir entre os DOZE apóstolos. Era um dos três discípulos mais próximos de Jesus. Esteve presente na Transfiguração de Jesus (antecipação/visualização da glória da Ressurreição) e na hora dolorosa da agonia no Jardim das Oliveiras.
       Como no elenco dos Apóstolos aparecem duas pessoas com este nome - Tiago, filho de Zebedeu e Tiago, filho de Alfeu -, distinguem-se da seguinte forma, o primeiro como São Tiago Maior e o segundo como Tiago Menor. Como refere o Papa, a preocupação não é medir a santidade de um e outro, mas o realce que um e outro têm nos escritos neotestamentários.
       Ocupa o segundo lugar, logo depois de Pedro, em Marcos (3, 17), ou terceiro lugar, depois de Pedro e André, em Mateus (10, 2), ou depois de Pedro e João nos Atos dos Apóstolos (1, 13).
       Segundo o livro de Atos dos Apóstolos (12, 1-2), Tiago foi morto à espada, juntamente com outros membros da comunidade de Jerusalém, nos inícios dos anos 40, sob o reinado de Herodes Agripa, neto de Herodes o Grande. E os seus restos mortais teriam sido posteriormente levados/trazidos para Santiago de Compostela, segundo uma tradição antiquíssima...
Oração:
       Vós quisestes, Deus omnipotente, que São Tiago fosse o primeiro dos Apóstolos a dar a vida pelo Evangelho: concedei à vossa Igreja a graça de encontrar força no seu testemunho e auxílio na sua protecção. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.

Fonte: Secretariado Nacional da Liturgia.

BENTO XVI sobre São TIAGO MAIOR:
Queridos irmãos e irmãs!
       Prosseguimos a série de retratos dos Apóstolos escolhidos directamente por Jesus durante a sua vida terrena. Falámos de São Pedro e de seu irmão, André. Encontramos hoje a figura de Tiago. Os elencos bíblicos dos Doze mencionam duas pessoas com este nome: Tiago, filho de Zebedeu, e Tiago, filho de Alfeu (cf. Mc 3, 17.18; Mt 10, 2-3), que são comummente distinguidos com os nomes de Tiago, o Maior e Tiago, o Menor. Sem dúvida, estas designações não querem medir a sua santidade, mas apenas distinguir o realce que eles recebem nos escritos do Novo Testamento e, em particular, no quadro da vida terrena de Jesus. Hoje dedicamos a nossa atenção à primeira destas duas personagens homónimas.
       O nome Tiago é a tradução de Iákobos, forma helenizada do nome do célebre patriarca Tiago. O apóstolo assim chamado é irmão de João, e nos elencos acima mencionados ocupa o segundo lugar logo depois de Pedro, como em Marcos (3, 17), ou o terceiro lugar depois de Pedro e André no Evangelho de Mateus (10, 2) e de Lucas (6, 14), enquanto que nos Actos vem depois de Pedro e de João (1, 13). Este Tiago pertence, juntamente com Pedro e João, ao grupo dos três discípulos privilegiados que foram admitidos por Jesus em momentos importantes da sua vida.
       Dado que faz muito calor, gostaria de abreviar e mencionar aqui só duas destas ocasiões. Ele pôde participar, juntamente com Pedro e Tiago, no momento da agonia de Jesus no horto do Getsémani e no acontecimento da Transfiguração de Jesus. Trata-se portanto de situações muito diversas uma da outra: num caso, Tiago com os outros dois Apóstolos experimenta a glória do Senhor, vê-o no diálogo com Moisés e Elias, vê transparecer o esplendor divino de Jesus; no outro encontra-se diante do sofrimento e da humilhação, vê com os próprios olhos como o Filho de Deus se humilha tornando-se obediente até à morte. Certamente a segunda experiência constitui para ele a ocasião de uma maturação na fé, para corrigir a interpretação unilateral, triunfalista da primeira: ele teve que entrever que o Messias, esperado pelo povo judaico como um triunfador, na realidade não era só circundado de honra e de glória, mas também de sofrimentos e fraqueza. A glória de Cristo realiza-se precisamente na Cruz, na participação dos nossos sofrimentos.
       Esta maturação da fé foi realizada pelo Espírito Santo no Pentecostes, de forma que Tiago, quando chegou o momento do testemunho supremo, não se retirou. No início dos anos 40 do século I o rei Herodes Agripa, neto de Herodes o Grande, como nos informa Lucas, "maltratou alguns membros da Igreja. Mandou matar à espada Tiago, irmão de João" (Act 12, 1-2).
        A notícia tão limitada, privada de qualquer pormenor narrativo, revela, por um lado, quanto era normal para os cristãos testemunhar o Senhor com a própria vida e, por outro, como Tiago ocupava uma posição de relevo na Igreja de Jerusalém, também devido ao papel desempenhado durante a existência terrena de Jesus. Uma tradição sucessiva, que remonta pelo menos a Isidoro de Sevilha, narra de uma sua permanência na Espanha para evangelizar aquela importante região do Império Romano.
       Segundo outra tradição, ao contrário, o seu corpo teria sido transportado para a Espanha, para a cidade de Santiago de Compostela. Como todos sabemos, aquele lugar tornou-se objecto de grande veneração e ainda hoje é meta de numerosas peregrinações, não só da Europa mas de todo o mundo. É assim que se explica a representação iconográfica de São Tiago que tem na mão o cajado do peregrino e o rolo do Evangelho, típicos do apóstolo itinerante e dedicado ao anúncio da "boa nova", características da peregrinação da vida cristã.
        Portanto, de São Tiago podemos aprender muitas coisas: a abertura para aceitar a chamada do Senhor também quando nos pede que deixemos a "barca" das nossas seguranças humanas, o entusiasmo em segui-lo pelos caminhos que Ele nos indica além de qualquer presunção ilusória, a disponibilidade a testemunhá-lo com coragem, se for necessário, até ao sacrifício supremo da vida. Assim, Tiago o Maior, apresenta-se diante de nós como exemplo eloquente de adesão generosa a Cristo. Ele, que inicialmente tinha pedido, através de sua mãe, para se sentar com o irmão ao lado do Mestre no seu Reino, foi precisamente o primeiro a beber o cálice da paixão, a partilhar com os Apóstolos o martírio.
       E no final, resumindo tudo, podemos dizer que o caminho não só exterior mas sobretudo interior, do monte da Transfiguração ao monte da agonia, simboliza toda a peregrinação da vida cristã, entre as perseguições do mundo e os confortos de Deus, como diz o Concílio Vaticano II. Seguindo Jesus como São Tiago, sabemos, também nas dificuldades, que seguimos o caminho justo.

in Audiência Geral de Bento XVI, 21 de junho de 2006.
BENTO XVI, A Santidade não passa de moda, Editorial Franciscana, Braga 2010

quinta-feira, 3 de maio de 2018

São Filipe e São Tiago, Apóstolos

Pequena nota biográfica:
       Filipe, nascido em Betsaida, foi discípulo de João Baptista e depois seguiu a Cristo.
       Tiago, primo do Senhor, filho de Alfeu, foi bispo de Jerusalém; escreveu uma epístola; levou uma vida de grande mortificação e converteu à fé muitos judeus. Recebeu a coroa do martírio no ano 62.
 
Oração (colecta):
       Senhor, que todos os anos nos alegrais com a festa dos apóstolos São Filipe e São Tiago, concedei-nos, por sua intercessão, que sejamos associados à paixão e ressurreição do vosso Filho, para chegarmos à contemplação da vossa glória. Por Nosso Senhor Jesus Cristo...
 
Do Evangelho segundo São João:
       "Disse Jesus aos seus discípulos: «Eu sou o caminho, a verdade e a vida: ninguém vai ao Pai senão por Mim. Se Me conhecêsseis, conheceríeis também o meu Pai. Mas desde agora já O conheceis e já O vistes». Disse-Lhe Filipe: «Senhor, mostra-nos o Pai e isto nos basta». Respondeu-lhe Jesus: «Há tanto tempo estou convosco e não Me conheces, Filipe? Quem Me vê, vê o Pai»" (14, 6-14).

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Permanecei no meu amor


       A expansão do Evangelho encontra, aqui e além, externa e internamente, algumas dificuldades. Paulo e Barnabé sobem a Jerusalém para se encontrarem com a comunidade original, com o grupo dos Apóstolos e com os Anciãos. A polémica incide sobre se os cristãos vindos do paganismo têm de cumprir as prescrições judaicas, se têm de manter as tradições próprias da Lei mosaica. Segundo os cristãos vindos do judaísmo, os cristãos vindos do paganismo têm de ser circuncidados e cumprir com outros requisitos judaicos. Depois de refletirem em comunidade, inspirados pelo Espírito Santo, os Apóstolos, em comunidade, respondem.
       Por aqui se vê como a comunidade é também um espaço de reflexão, de diálogo, de oração, de compreensão. Vê-se também a estrutura hierárquica. Tiago, o Bispo de Jerusalém, tem a última palavra sobre o assunto.
       O essencial não são as tradições mas a fidelidade a Jesus Cristo. Em todo o caso há algumas recomendações para que não haja confusão com a idolatria e para apaziguar a relação entre todos os cristãos.
Pedro: «Irmãos, vós sabeis que, desde os primeiros dias, Deus me escolheu do meio de vós, para que os gentios ouvissem da minha boca a palavra do Evangelho e abraçassem a fé. Deus, que conhece os corações, deu testemunho a favor deles, ao conceder-lhes o Espírito Santo como a nós; não fez qualquer distinção entre nós e eles, porque purificou os seus corações pela fé... toda a assembleia ficou em silêncio e começou a ouvir Barnabé e Paulo descrever os milagres e prodígios que Deus realizara por seu intermédio entre os gentios. Quando eles acabaram de falar, Tiago tomou a palavra e disse: «Irmãos, escutai-me. Simão contou como Deus, ao princípio, Se dignou intervir, para formar de entre os gentios um povo consagrado ao seu nome. Isto concorda com as palavras dos Profetas, como está escrito: ‘Depois disto, virei para reconstruir a tenda de David, que estava caída; reconstruirei as suas ruínas e erguê-las-ei de novo, para que o resto dos homens procurem o Senhor, com todas as nações consagradas ao meu nome. Assim fala o Senhor, que desde sempre dá a conhecer estas coisas’. Por isso, sou de opinião de que não se devem importunar os gentios convertidos a Deus. Digam-lhes apenas que se abstenham de tudo o que foi contaminado pela idolatria, das relações imorais, das carnes sufocadas e do sangue. Desde os tempos antigos, Moisés tem em cada cidade os seus pregadores e é lido todos os sábados nas sinagogas» (Atos 15, 7-21).
       No Evangelho encontramos a resposta dada pela comunidade de Jerusalém. Jesus diz o que é essencial para os Seus seguidores: amar como Ele nos amou. Deus é fonte de todo o amor. Deus ama o Filho. O Filho, Jesus Cristo, ama-nos com o mesmo amor que recebeu do Pai. O cristão, seguidor de Cristo, deverá amar do mesmo jeito. Dessa forma saberemos que permanecemos em Deus. Amar como Jesus, leva-nos a cumprir as Suas palavras. A finalidade: para que a Sua alegria esteja em nós.

«Assim como o Pai Me amou, também Eu vos amei. Permanecei no meu amor. Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como Eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai e permaneço no seu amor. Disse-vos estas coisas, para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja completa» (Jo 15, 9-11).

sábado, 6 de agosto de 2016

Transfiguração do Senhor - ano C

Nota Histórica:
       A festa da Transfiguração, celebrada no Oriente desde o século V e no Ocidente a partir de 1457, faz-nos reviver um acontecimento importante da vida de Jesus, com reflexos na nossa vida.
       Situada antes do anúncio da Paixão e da Morte, a Transfiguração foi uma manifestação da vida divina, que está em Jesus. A luz do Tabor é, porém, uma antecipação do esplendor, que encherá a noite da Páscoa. Por isso, os Apóstolos, contemplando a glória divina na Pessoa de Jesus, ficaram preparados para os dolorosos acontecimentos, que iriam pôr à prova a sua fé. Vendo Jesus na Sua condição de servo, já não poderão esquecer a Sua condição divina.
       Anúncio da Páscoa, a Transfiguração encerra também uma promessa – a da nossa transfiguração. Jesus, com efeito, fez transparecer na Sua Humanidade a glória de que resplandecerá o seu Corpo Místico, a Igreja, na Sua vinda final.
       A nossa vida cristã é, pois, um processo de lenta transformação em Cristo. Iniciado no nosso Baptismo, completa-se na Eucaristia, «penhor da futura glória», que opera a nossa transformação, até atingirmos a imagem de Cristo glorioso.

      Jesus tomou consigo Pedro, João e Tiago e subiu ao monte, para orar. Enquanto orava, alterou-se o aspecto do seu rosto e as suas vestes ficaram de uma brancura refulgente. Dois homens falavam com Ele: eram Moisés e Elias, que, tendo aparecido em glória, falavam da morte de Jesus, que ia consumar-se em Jerusalém. Pedro e os companheiros estavam a cair de sono; mas, despertando, viram a glória de Jesus e os dois homens que estavam com Ele. Quando estes se iam afastando, Pedro disse a Jesus: «Mestre, como é bom estarmos aqui! Façamos três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias». Não sabia o que estava a dizer. Enquanto assim falava, veio uma nuvem que os cobriu com a sua sombra; e eles ficaram cheios de medo, ao entrarem na nuvem. Da nuvem saiu uma voz, que dizia: «Este é o meu Filho, o meu Eleito: escutai-O» (Ano C: Lc 9, 28b-36). 

       A transfiguração é como um "rebuçado" dado por Jesus aos Apóstolos, para enfrentarem os momentos de dificuldade que se aproximam, quando o Mestre for perseguido, preso e levado à Cruz. Esta antecipação mostra a divindade de Jesus, para de novo assumir a nossa humanidade com toda a crueza que a limitação e a finitude podem envolver.
       Importa, em todas as situações, escutar a Sua voz. É a voz do Pai de entre as nuvens que ressoa por todo o universo.

sábado, 26 de setembro de 2015

XXVI Domingo do tempo Comum - ano B - 27-09.2015

       1 – "Há um «serviço» que serve aos outros; mas temos que guardar-nos do outro serviço cujo interesse é beneficiar os «meus», em nome do «nosso». Este serviço deixa sempre os «teus» de fora, gerando uma dinâmica de exclusão" (Papa Francisco, em Cuba). O contexto é o de domingo passado, em que Jesus diz claramente aos seus discípulos que quem quiser ser o primeiro seja o servo de todos. A tentação será servir-se, ou servir os seus, excluindo os que não fazem parte da minha família, do meu partido, da minha religião, do meu país, do meu grupo de amigos. Ora para Deus somos irmãos. Ele é Pai de todos. Todos são chamados a formar uma família feliz.
       Acolher os distantes, o estrangeiro, o pobre, o estranho, o refugiado, não nos dispensa de tratar bem os de casa e os da vizinhança.
       O Evangelho mostra os discípulos muito zelosos em relação ao grupo e aos próprios interesses. João diz a Jesus: «Mestre, nós vimos um homem a expulsar os demónios em teu nome e procurámos impedir-lho, porque ele não anda connosco». Não se põe em causa o bem mas quem o faz. Ou seja, se fizesse parte do grupo, acrescentaria prestígio e estava em sintonia com Jesus. Ora, se não faz parte do grupo não terá direito a fazer o que quer que seja relacionado com Jesus.
       Novamente a questão do protagonismo: quem é o maior?! Resposta clarificadora de Jesus: quem quiser ser o primeiro será o servo de todos. Os discípulos ainda precisam de caminhar muito mais. Veem alguém que lhes pode tirar o protagonismo e logo o afastam.
       2 – Novamente a delicadeza, o serviço, e a opção preferencial pelos mais frágeis. Sem Jesus fisicamente entre nós, Ele realmente Se faz presente pela Palavra proclamada, pelos Sacramentos, particularmente na Eucaristia, e muito especialmente Se faz presente nos pobres.
       Não há privilégios nem privilegiados. A haver discriminação será a favor dos excluídos, menosprezados, esquecidos. Partimos da mesma condição: fazer o bem em nome de Jesus. Homens ou mulheres, crianças ou idosos, europeus ou africanos, todos somos destinatários da recompensa, da salvação que Jesus nos traz. Basta fazer o bem. Em nome de Jesus, para que não nos tornemos vaidosos ao ponto de fazermos depender os outros de nós instrumentalizando-os.
       Responde-lhes Jesus: «Não o proibais; porque ninguém pode fazer um milagre em meu nome e depois dizer mal de Mim. Quem não é contra nós é por nós».
       Estamos habituados a diabolizar quem não pensa como nós. Pior, diabolizamos os que não fazem parte do nosso grupo, mesmo que tenham ideias semelhantes às nossas. Atente-se à campanha eleitoral: nós ou o caos. Combatem-se as pessoas e não os projetos. Ouvindo os diversos candidatos, todos defendem os pobres, a solidariedade social, o pelo emprego jovem, a inclusão dos idosos, a escola pública, dando prioridade à educação, à saúde, à justiça (e talvez à cultura), estarão ao lado das pequenas e médias empresas, combaterão as injustiças, a corrupção, a fuga ao fisco, para aliviar os sacrifícios dos portugueses. A Segurança Social é intocável. Os reformados, pelo menos os que recebem menos, verão um esforço por lhes ser aumentada a reforma. Haverá políticas de apoio às famílias e às empresas, promovendo dessa forma o crescimento económico e o emprego. Em relação às ideias políticas todos estamos de acordo…
       Jesus diz aos seus discípulos que o joio e o trigo crescem em simultâneo até à ceifa (cf. Mt 13, 24-30). Em vez de diabolizar há que integrar. Discutir ideias, mas acolher todas as pessoas. Nem tudo é branco e preto, há que procurar o bem em todos, a presença de Deus em cada um. O caminho de Jesus é o caminho do amor, da paixão, do serviço a todos, sem excluir, preferindo aproximar-se dos afastados. O caminho é amar. Amar sempre. Amar servindo. Não importa a quem. Não importa quem. Retomemos a parábola do Bom Samaritano (cf. Lc 10, 25-37). Para se ser bom não é preciso ser judeu, ou ser cristão, o que é preciso é fazer o bem sem olhar a quem.
       3 – «Quem vos der a beber um copo de água, por serdes de Cristo não perderá a sua recompensa. Se alguém escandalizar algum destes pequeninos que creem em Mim, melhor seria para ele que lhe atassem ao pescoço uma dessas mós e o lançassem ao mar».
       Os pequeninos – os pobres, a viúva, o órfão, o estrangeiro, o pecador, o refugiado, o doente – hão de merecer a máxima atenção, cuidado e diligência. O que fizerdes ao mais pequeno dos meus irmãos a Mim o fazeis. O que deixardes de fazer ao mais pequenino dos meus irmãos a Mim deixareis de o fazer (cf. Mt 25, 31-46).
       No dia em que se faz memória de São Vicente de Paulo, vale a pena meditar nas suas palavras: «O serviço dos pobres deve ser preferido a todos os outros e deve ser prestado sem demora… se tiverdes de deixar a oração… De facto não se trata de deixar a Deus, se é por amor de Deus que deixamos a oração: servir um pobre é também servir a Deus. A caridade é a máxima norma, e tudo deve tender para ela; é uma grande senhora: devemos cumprir o que ela manda».
       Os discípulos discutem lugares e protagonismo: qual de nós será o maior no Reino de Deus? E não satisfeitos, afastam os que possam ocupar um lugar especial no coração de Jesus ou agir em Seu nome. Ora Jesus não discute lugares, mas serviço. Não importa quem brilha! Importa quem faz transparecer Jesus e o Seu Evangelho de amor. No MEIO estará sempre Jesus, ainda que esteja no meio através dos mais pobres.

       4 – Deveríamos ficar felizes quando os outros prosperam! Mas por vezes o sucesso dos outros provoca-nos azia e inveja. Os outros não são, como diria Sarte, o inferno, pelo contrário, são um espelho no qual podemos descobrir a presença de Deus, e reconhecer-nos como irmãos.
       A primeira leitura mostra, como também o evangelho, que a inveja obscurece o olhar sobre os outros. Os líderes sábios e tementes a Deus fazem a diferença.
       Moisés só tem duas mãos e não pode resolver todos os problemas do povo. São escolhidos 70 anciãos para o ajudarem. O Espírito que estava em Moisés é "distribuído" também pelos 70 anciãos, que começam a profetizar. No acampamento ficaram dois homens que, embora estivessem inscritos, não compareceram na tenda. O Espírito também poisou sobre eles. E eles começaram a profetizar no acampamento. Entretanto um jovem correu a dizê-lo a Moisés: «Eldad e Medad estão a profetizar no acampamento». Josué, que mais tarde viria a suceder a Moisés e que estava ao seu serviço, aproveita a deixa: «Moisés, meu senhor, proíbe-os».
       Como se Eldad e Medad pudessem ofuscar a liderança de Moisés ou os padrões instituídos. Deus age além dos limites oficiais que possamos impor a partir dos nossos padrões religiosos. Moisés, que se poderia sentir diminuído, é taxativo: «Estás com ciúmes por causa de mim? Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta e que o Senhor infundisse o seu Espírito sobre eles!».
       O bem que os outros dizem e fazem deve incentivar-nos a fazer e a dizer bem.

       5 – Mais um domingo com São Tiago, cuja Epístola é uma chamada constante a assumirmos as consequências da fé professada. Todos sabemos, como diz o Apóstolo, que a fé sem obras é morta, mas não nos faz mal avivarmos a nossa consciência e o nosso compromisso.
       São Tiago concretiza com situações reais, recordando-nos que as nossas riquezas materiais e a nossa presunção espiritual nos fazem desviar de Jesus e da vivência do Evangelho.
«As vossas riquezas estão apodrecidas e as vossas vestes estão comidas pela traça. O vosso ouro e a vossa prata enferrujaram-se, e a sua ferrugem vai dar testemunho contra vós… Privastes do salário os trabalhadores que ceifaram as vossas terras. O seu salário clama; e os brados dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor do Universo… Condenastes e matastes o justo».
       Quem vive e enriquece à custa dos mais pobres há de dar contas a Deus. O ideal comunista-marxista era espoliar os ricos para enriquecer os pobres; a lógica do Evangelho é a partilha, o cuidar dos mais frágeis, venham de onde vierem. Privar o trabalhador do seu salário ou não o compensar justamente pelo trabalho realizado é um pecado que brada aos céus. Bem podemos verificar o longo caminho a percorrer. É com pesar que muitas empresas não sobrevivem. Com maior pesar quando não foram acautelados, com honestidade e justiça, os salários daqueles e daquelas que deram o corpo ao manifesto, cujo fruto do seu trabalho deveria ter sido canalizado para o pagamento dos ordenados, investindo na modernização da empresa e na formação dos seus trabalhadores. Não se exclui a justa remuneração dos proprietários e gestores, cujo trabalho e honestidade os faz merecer o seu salário.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (B): Num 11, 25-29; Sl 18 (19); Tg 5, 1-6; Mc 9, 38-43.45.47-48.

sábado, 5 de setembro de 2015

XXIII Domingo do Tempo Comum - ano B - 06.09.2015

       1 – Jesus Cristo vem para todos. O Reino de Deus não tem excluídos, a não ser aqueles que se autoexcluem. A opção preferencial pelos mais frágeis situa a urgência e a obrigação da inclusão. Não são os sãos que precisam de médico. As ovelhas que estão dentro do aprisco têm as ferramentas para se sentirem corresponsáveis pelas que estão fora, que merecem mais cuidado. Ainda que houvesse uma só ovelha, a responsabilidade do cristão será sair à sua procura!

       2 – A deficiência físico-motora e/ou mental é um handicap que tem excluído (injustamente) milhares de pessoas ao longo dos tempos. Continua a ser uma luta desigual mesmo quando se fala tanto de igualdade de oportunidades. É sabido que as pessoas portadoras de deficiência necessitam de uma discriminação positiva, pois tendo menos recursos, para estarem em igualdade perante as oportunidades, precisam de meios específicos para acederem aos seus direitos. Exemplo: uma criança com uma deficiência motora, com locomoção limitada, tem o mesmo direito à educação que outra que não tenha essa limitação. Tem direito mas não consegue subir umas escadas ou não consegue sequer deslocar-se pelo próprio pé, como é que pode ir à escola e frequentar as aulas?
       A sociedade atual pode ser mais tolerante. Mas em todos os grupos, na sociedade e na Igreja, continua a haver muitas discriminações negativas impedindo que pessoas portadoras de deficiência sejam tratadas com a mesma deferência, atenção e com as mesmas garantias.
       Tem havido esforços! Sim. Mas serão suficientes? Quando o controlo das contas públicas aperta os primeiros sacrificados são os pobres, os portadores de deficiência, crianças, jovens e adultos com necessidades educativas específicas, idosos, doentes crónicos.
       3 – Ao tempo de Jesus e naquele ambiente bíblico-judaico, com leis e preceitos muito avançados para a época, a doença, a pobreza, a morte prematura, a deficiência, eram vistas numa dinâmica religiosa de castigo e de maldição. São diversos os episódios do Evangelho que sustentam esta exclusão.
       A doença e a deficiência (mas também a pobreza material) facilitam a exclusão. Dos próprios, quando já não têm mais forças para lutar contra os obstáculos, impedimentos, quando não têm voz, desanimando, acabam por desistir. De todos, quando remetemos para outros a responsabilidade de ajudar ou não nos empenhamos porque não é connosco.
       Naquele tempo, um leproso, um coxo, um cego, um surdo, têm o mesmo tratamento que um publicano (cobrador de impostos a favor dos romanos), considerado traidor, pessoa abjeta, ou que um pecador público, uma mulher adúltera, ou uma prostituta. A exclusão é semelhante. Se estes podem ter alguma responsabilidade pessoal, aqueles não. De recordar o episódio em que Jesus cura um cego de nascença e conclui que nem ele nem os pais tiveram culpa alguma, recolocando a cegueira na perspetiva biológica e excluindo qualquer leitura moral (cf. Jo 9).
       No início da Sua vida pública, retomando a profecia de Isaías, Jesus revela a Sua missão: «Proclamar a redenção aos cativos e a vista aos cegos, a restituir a liberdade aos oprimidos, a proclamar o ano da graça do Senhor» (Lc 4, 16-30). Em resposta aos emissários de João Batista, Jesus responde-lhes: «Ide contar a João o que vistes e ouvistes: os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos ficam limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e aos pobres é anunciado o Evangelho; e feliz daquele que não encontrar em Mim ocasião de queda» (Lc 7, 19-23).
       Jesus vem de Deus para incluir, para salvar, para envolver. Não há nada que nos possa afastar do amor de Deus: nem a doença, nem a pobreza, nem o pecado, nem a raça ou a religião, nem a deficiência. Nada afasta Deus de nós.
       4 – A multidão por vezes é um empecilho, arrasta-nos para onde não queremos. Outras vezes é uma ajuda preciosa, guia-nos e ampara-nos. O mesmo se refira da comunidade, dos grupos e movimentos. Trouxeram a Jesus um surdo que mal podia falar. A surdez envolve a fala, tornando a comunicação mais difícil. Pedem-Lhe que imponha as mãos sobre ele.
       Jesus não se faz rogado. Não questiona. Faz o que está ao Seu alcance. Afasta-Se com ele da multidão, mete-lhe os dedos nos ouvidos e com saliva toca-lhe a língua, ergue os olhos para Deus (e o coração e a vida), e diz-lhe «Efatá», que quer dizer «Abre-te».
       Se fosse um político, ou um mágico, Jesus quereria que a multidão visse o milagre, o espetáculo, deixando todos de boca aberta. O que se vê, no entanto, é a discrição, no início e no fim, recomendando que não se conte nada a ninguém. Parece que este pedido, como quando se pede um segredo, não resultou o efeito pretendido, pois o feito é divulgado com assombro: «Tudo o que faz é admirável: faz que os surdos oiçam e que os mudos falem».
       Entramos no campo do mistério e do sobrenatural. Porém, Jesus usa os sentidos, mormente o toque. Aquela pessoa é surda e mal fala. Jesus aproxima-se dela ao máximo, tocando-lhe. Como que entra no Seu coração, com os dedos nos ouvidos e com a sua saliva toca-lhe a língua. Não é a magia a funcionar, é o toque humano que transforma, acolhendo, amando, salvando.
       O rito do “Effetha”, incluído no Batismo, era acompanhado pela unção dos ouvidos e pela areia de sal colocada na boca. Dois elementos da natureza retirados por questões de higiene e saúde, mas que sublinhavam esta ligação à terra.

       5 – A missão primeira de Jesus é o anúncio do Reino de Deus. As curas testemunham a Sua divindade. Porém, o grande milagre que Jesus opera, também naqueles e através daqueles que cura, é a conversão. Neste episódio vislumbra-se que o encontro com Jesus leva aquele homem a ser mais um discípulo, anunciando-O como Filho de Deus. Sublinhe-se também o olhar de Jesus voltado para o Céu, vocacionando-nos para a eternidade a partir do nosso mundo.
       Doenças, limitações, deficiências, a finitude, integram a humanidade. A cura deste surdo é um sinal do reino de Deus, previamente anunciado pelos profetas: «Aí está o vosso Deus; Ele próprio vem salvar-nos. Então se abrirão os olhos dos cegos e se desimpedirão os ouvidos dos surdos. Então o coxo saltará como um veado e a língua do mudo cantará de alegria. As águas brotarão no deserto e as torrentes na aridez da planície; a terra seca transformar-se-á em lago e a terra árida em nascentes de água». Jesus é Deus connosco, que vem salvar-nos da surdez que nos impede de escutar os outros, da cegueira que nos impede de reconhecer os outros como irmãos.
       Não é possível eliminar todo o mal, mas devemos eliminar o mal que nos é humanamente possível. Jesus não elimina todo o mal, de contrário nós deixaríamos de ser humanos, o mundo passaria a ser céu e o tempo passaria a ser eternidade. Lá chegaremos. Porquanto a limitação, a doença, o enfraquecimento pela idade e pelas canseiras, e a morte, acompanham-nos. Devemos lutar contra todas as expressões do mal. Se estamos a ver mal e podemos melhorar a visão, então façamos por isso, consultemos o oftalmologista e sigamos os seus conselhos. Se existir alguma limitação que não é possível superar, que tal não nos impeça de sermos lutarmos por sermos felizes. É também esta a mensagem de Jesus. Deus ama-nos, além das nossas limitações, do nosso pecado, das nossas insuficiências. Aceitar a nossa condição é meio caminho andado para a cura!

       6 – Vale a pena concretizar os gestos e as palavras de Jesus com as recomendações de São Tiago. A fé em Jesus não admite aceção de pessoas. Mais uma vez, o apóstolo dá um exemplo concreto: "Pode acontecer que na vossa assembleia entre um homem bem vestido e com anéis de ouro e entre também um pobre e mal vestido; talvez olheis para o homem bem vestido e lhe digais: «Tu, senta-te aqui em bom lugar», e ao pobre: «Tu, fica aí de pé», ou então: «Senta-te aí, abaixo do estrado dos meus pés». Não estareis a estabelecer distinções entre vós e a tornar-vos juízes com maus critérios? Escutai, meus caríssimos irmãos: Não escolheu Deus os pobres deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do reino que Ele prometeu àqueles que O amam?".
       Isto vale para a inclusão dos coxos, dos invisuais, dos surdos, das pessoas portadoras de deficiência. Lembremo-nos que nenhum de nós é perfeito. Não o somos nem física nem mentalmente e com o tempo vamos vendo menos, vamos ouvindo mal, vamos coxeando, vamos perdendo a memória. Por outro, há ou pode vir a haver alguém na nossa família com alguma deficiência. E sem esquecer que cada um de nós pode, de um momento para o outro, perder a visão, a audição, ficar paralíptico, perder "o tino".
       O gesto de inclusão de Jesus é um desafio para nós. Antes da nossa deficiência, dos nossos defeitos, antes das nossas limitações físicas e/ou espirituais, somos Filhos bem-amados de Deus.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (B): Is 35, 4-7a; Sl 145 (146); Tg 2, 1-5; Mc 7, 31-37.

sábado, 29 de agosto de 2015

XXII Domingo do Tempo Comum - ano B - 30 de agosto

       1 – «Escutai-Me e procurai compreender. Não há nada fora do homem que ao entrar nele o possa tornar impuro. O que sai do homem é que o torna impuro; porque do interior do homem é que saem as más intenções: imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, cobiças, injustiças, fraudes, devassidão, inveja, difamação, orgulho, insensatez. Todos estes vícios saem do interior do homem e são eles que o tornam impuro».
       Jesus é perentório: não são as circunstâncias que nos circundam que moralizam as nossas ações, mas o nosso interior, as nossas escolhas. É célebre a expressão de Ortega Y Gasset: somos nós e as nossas circunstâncias. Verdade seja dita que tudo à nossa volta nos influencia, positiva e/ou negativamente. A nossa disposição altera-se se está sol ou chuva., se dormimos bem ou mal, se alguém nos chateou momentos antes, se o pequeno-almoço não nos caiu bem. Uma infinidade de circunstâncias pode alterar o nosso humor e fazer precipitar alguma atitude ou palavra. E ninguém se livra das circunstâncias.
       Contudo, as circunstâncias exteriores não fazem o carácter de uma pessoa. Somos mais que as nossas circunstâncias. Por outro lado, as nossas limitações colocam-nos em linha com as possibilidades de errar e/ou pecar. Por outro e como seres racionais, somos responsáveis por controlar/humanizar o que dizemos e o que fazemos. Um exemplo caricato: algumas pessoas bebem uns copos ou uns shots para depois dizerem "umas verdades" ou fazerem "umas maldades". Têm desculpa porque beberam?! Que não bebam!
       2 – A questão levantada por alguns fariseus e alguns escribas (doutores da Lei) não tem qualquer conotação moral, pelo menos para nós. À primeira vista não passa de uma questão de higiene. Lavar as mãos antes de comer é uma recomendação para todos. Os discípulos de Jesus devem ser exímios em tudo o que os torne mais saudáveis e mais humanos. 
       Para os judeus trata-se de uma tradição e de uma prática religiosa. Ao longo do tempo, os 10 mandamentos deram lugar a uma "catrefada" de preceitos. Quase tudo é revestido de preceito religioso. As leis habitualmente tem uma punição associada. No judaísmo as leis tem uma leitura religiosa, como garantia para ser cumpridas.
       “Os fariseus e os judeus em geral não comem sem ter lavado cuidadosamente as mãos, conforme a tradição dos antigos. Ao voltarem da praça pública, não comem sem antes se terem lavado. E seguem muitos outros costumes a que se prenderam por tradição, como lavar os copos, os jarros e as vasilhas de cobre".
       As questões legais sobre a pureza cultual escraviza as pessoas. As mulheres eram as mais sacrificadas, pois todos os meses tinham dias em que eram consideradas impuras e que não podiam conviver socialmente e muito menos aproximar-se do Templo. Após o parto, a mulher tinha que ir ao Templo para se purificar. A sua impureza cultural estende-se a todos os que com ela convivem diretamente. Faz impressão hoje avaliar assim uma tradição. Não nos passa pela cabeça que um acontecimento "natural" possa excluir, ainda que momentaneamente, as pessoas do convívio social e muito menos da prática religiosa.
       3 – Lavar ou não lavar as mãos antes das refeições?! É uma regra simples de higiene e de saúde. Os discípulos comem sem lavar as mãos! Quando muito poderia provocar algum retraimento ou asco daqueles que estavam à mesa com eles.
       Percebe-se bem que foi um pretexto, mais um, para alguns fariseus e escribas insinuarem acerca da conduta de Jesus e dos seus discípulos. Mesmo que fosse apenas uma questão higiénica, ao dizerem-Lhe que os discípulos não tinham esse cuidado, estariam a dizer-Lhe que eram uns foras-da-lei, uns maltrapilhos desleixados, que não faziam esforço para se integrarem na sociedade. E se são assim tão descuidados e não convivem bem em sociedade, como se pode esperar alguma coisa do Seu Mestre, que vê e nada diz, nada faz?
       Se pensarmos que só no séculos XIX é que alguns médicos começaram a lavar e a recomendar lavar as mãos por ocasião dos partos, dá para perceber como os judeus, também nesta questão, estavam muito à frente, sendo cuidadosos com a saúde.
       Acrescente-se outra nota de reflexão: ao entrarmos nas nossas Igrejas fazemos a ablução com a água benta. Partimos do dia-a-dia para evocar a nossa ligação à Deus, reconhecendo a nossa indigência e acolhendo a misericórdia de Deus. Também os judeus como os muçulmanos têm alguns gestos que acentuam o limite que os faz entrar num espaço sagrado. As abluções são comuns a diferentes religiões, antes de entrar no templo ou de ler os Escritos sagrados.
       4 – «Porque não seguem os teus discípulos a tradição dos antigos, e comem sem lavar as mãos?» Jesus não se faz rogado e diz-lhes: «Bem profetizou Isaías a respeito de vós, hipócritas, como está escrito: ‘Este povo honra-Me com os lábios, mas o seu coração está longe de Mim. É vão o culto que Me prestam, e as doutrinas que ensinam não passam de preceitos humanos’. Vós deixais de lado o mandamento de Deus, para vos prenderdes à tradição dos homens».
       Em diversas ocasiões, Jesus chamará à atenção para zelos que não convertem, preceitos que não humanizam, leis que não aproximam e que já perderam o sentido. Quantas vezes nos agarramos a tradições anquilosadas? Sempre foi assim, assim será sempre! E o porquê desta ou daquela tradição? Seja na Igreja ou na sociedade, um dos critérios para validar uma tradição é a bondade da mesma, e se aproxima pessoas e as humaniza.
       Na parábola do Bom Samaritano (cf. Lc 10, 25-37), Jesus coloca em causa a pureza cultual que esquece a caridade. O sacerdote e o levita que veem aquele homem meio-morto estendido na estrada e não o ajudam porque ficavam impuros ao tocarem-lhe. Para eles o mais importante era a pureza cultual, mesmo abandonando uma pessoa de carne e osso, lugar-tenente de Deus.
       5 – A lei tem a preocupação de regular comportamentos, protegendo as pessoas da lei do mais forte. A perspetiva será sempre proteger os mais frágeis.
       Moisés comunica ao Povo os preceitos de Deus, para que o povo viva como povo: «Agora escuta, Israel, as leis e os preceitos que vos dou a conhecer e ponde-os em prática, para que vivais e entreis na posse da terra que vos dá o Senhor, Deus de vossos pais. Não acrescentareis nada ao que vos ordeno, nem suprimireis coisa alguma... eles serão a vossa sabedoria e a vossa prudência aos olhos dos povos».
       A Lei tem um rosto e um fundamento. Moisés relembra que a Lei é sobretudo a presença próxima e amistosa de Deus: «Qual é, na verdade, a grande nação que tem a divindade tão perto de si como está perto de nós o Senhor, nosso Deus, sempre que O invocamos? E qual é a grande nação que tem mandamentos e decretos tão justos como esta lei que hoje vos apresento?».
       A justiça dos preceitos assenta precisamente na proximidade de Deus.

       6 – A segunda leitura, de São Tiago, que ora iniciamos, vai mostrar-nos com clareza a plenitude da Lei, o amor concretizado em obras, no compromisso com os mais desprotegidos. A fundamentação é a aventada já anteriormente: Deus.
       Diz-nos o apóstolo: "Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vêm do alto, descem do Pai das luzes… Foi Ele que nos gerou pela palavra da verdade… Sede cumpridores da palavra e não apenas ouvintes… A religião pura e sem mancha, aos olhos de Deus, nosso Pai, consiste em visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e conservar-se limpo do contágio do mundo".
       É Deus que nos gera pela palavra da verdade. Mais importante que conhecer a palavra, em nós plantada, é praticá-la. São Tiago dá exemplos concretos: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tripulações não se deixando arrastar pela corrente, qual "maria vai com as outras". Naquele tempo, as viúvas e os órfãos constituíam o grupo mais frágil, mais exposto, mais desfavorecido. Faziam parte das periferias existenciais com as quais os cristãos têm de estar comprometidos. 

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (B):
Deut 4, 1-2. 6-8; Sl 14 (15); Tg 1, 17-18. 21b-22. 27; Mc 7, 1-8. 14-15. 21-23.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Transfiguração do Senhor (Ano A)

Nota Histórica:
       A festa da Transfiguração, celebrada no Oriente desde o século V e no Ocidente a partir de 1457, faz-nos reviver um acontecimento importante da vida de Jesus, com reflexos na nossa vida.
       Situada antes do anúncio da Paixão e da Morte, a Transfiguração foi uma manifestação da vida divina, que está em Jesus. A luz do Tabor é, porém, uma antecipação do esplendor, que encherá a noite da Páscoa. Por isso, os Apóstolos, contemplando a glória divina na Pessoa de Jesus, ficaram preparados para os dolorosos acontecimentos, que iriam pôr à prova a sua fé. Vendo Jesus na Sua condição de servo, já não poderão esquecer a Sua condição divina.
       Anúncio da Páscoa, a Transfiguração encerra também uma promessa – a da nossa transfiguração. Jesus, com efeito, fez transparecer na Sua Humanidade a glória de que resplandecerá o seu Corpo Místico, a Igreja, na Sua vinda final.
       A nossa vida cristã é, pois, um processo de lenta transformação em Cristo. Iniciado no nosso Baptismo, completa-se na Eucaristia, «penhor da futura glória», que opera a nossa transformação, até atingirmos a imagem de Cristo glorioso.

      Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João seu irmão e levou-os, em particular, a um alto monte e transfigurou-Se diante deles: o seu rosto ficou resplandecente como o sol e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz. E apareceram Moisés e Elias a falar com Ele. Pedro disse a Jesus: «Senhor, como é bom estarmos aqui! Se quiseres, farei aqui três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias». Ainda ele falava, quando uma nuvem luminosa os cobriu com a sua sombra e da nuvem uma voz dizia: «Este é o meu Filho muito amado, no qual pus toda a minha complacência. Escutai-O». Ao ouvirem estas palavras, os discípulos caíram de rosto por terra e assustaram-se muito. Então Jesus aproximou-se e, tocando-os, disse: «Levantai-vos e não temais». Erguendo os olhos, eles não viram mais ninguém, senão Jesus. Ao descerem do monte, Jesus deu-lhes esta ordem: «Não conteis a ninguém esta visão, até o Filho do homem ressuscitar dos mortos» (Ano A: Mt 17, 1-9). 

       A transfiguração é como um "rebuçado" dado por Jesus aos Apóstolos, para enfrentarem os momentos de dificuldade que se aproximam, quando o Mestre for perseguido, preso e levado à Cruz. Esta antecipação mostra a divindade de Jesus, para de novo assumir a nossa humanidade com toda a crueza que a limitação e a finitude podem envolver.
       Importa, em todas as situações, escutar a Sua voz. É a voz do Pai de entre as nuvens que ressoa por todo o universo.

sábado, 29 de setembro de 2012

XXVI Domingo do Tempo Comum - ano B - 30 de setembro

       1 – Todos, por certo, em alguma ocasião, ouvimos alguém a falar com satisfação do mal alheio, do que aconteceu a este ou aquele. Por um lado, é verdade, com o mal dos outros podemos nós bem. Por outro, mais cedo ou mais tarde, o que de mal acontece aos outros também nos pode bater à porta, ou de algum modo nos afetar, como na atual e persistente crise económico-financeira. Todo o cuidado é pouco. Arremessamos pedras e não nos damos conta que o nosso telhado também é frágil e talvez de vidro simples.
       Dizer mal só por dizer, ou para distrair, pode ser muito mais do que isso, pode ser revelador de inveja, de ciúme, ou ser uma forma de esconder os nossos medos e também as nossas insuficiências. Com efeito, se desviarmos a atenção dos que nos rodeiam para terceiros, ficamos nós com as costas em repouso. Há quem refira mesmo que o que criticamos nos outros é aquilo que não gostamos em nós. Também aqui vale a máxima, nos outros nos revemos a nós (e não apenas nas costas dos outros).
       A sabedoria e a humildade ensinar-nos-ão que os outros têm muitas qualidades que não nos fazem afronta, e que a “sorte” que os invade em nada nos prejudica ou diminui. Com mais ou menos esforço, o bem que vemos espelhado nos outros, pode ser um sinal de esperança para nós, ou o desafio para ultrapassarmos o que agora nos paralisa, ou, ao menos, a certeza que nem tudo vai mal neste reino.
       2 – No evangelho hoje proposto, deparamo-nos com a facilidade com que os apóstolos, com João à cabeça, ficam empertigados e enciumados porque viram alguém, que não andava com eles, a realizar coisas grandiosas: «Mestre, nós vimos um homem a expulsar os demónios em teu nome e procurámos impedir-lho, porque ele não anda connosco».
       Bem diferente é a visão de Jesus: «Não o proibais; porque ninguém pode fazer um milagre em meu nome e depois dizer mal de Mim. Quem não é contra nós é por nós. Quem vos der a beber um copo de água, por serdes de Cristo, em verdade vos digo que não perderá a sua recompensa».
       Jesus inverte o paradigma, pelo menos na versão genuína de Marcos, se não estão contra nós, já estão a nosso favor. A nossa divisão é mais limitativa: quem declaradamente não está por nós, está contra. Também aqui Jesus desafia a abrir a mente e o coração e a escolher a tolerância e o reconhecimento do bem que há nos outros.
     Na primeira leitura encontramo-nos com uma situação em tudo semelhante. Deus fala a Moisés e faz repousar sobre setenta anciãos parte do seu Espírito. Pelo meio, dois outros anciãos, também inscritos mas que não tinham comparecido na tenda, são beneficiados com o mesmo Espírito. Logo “um jovem correu a dizê-lo a Moisés: «Eldad e Medad estão a profetizar no acampamento». Então Josué, filho de Nun, que estava ao serviço de Moisés desde a juventude, tomou a palavra e disse: «Moisés, meu senhor, proíbe-os»”.
       O jovem e Josué, que virá a suceder a Moisés na liderança do povo eleito, entendem que aqueles dois anciãos podem ofuscar a importância do líder, usurpando o seu poder, e possivelmente poderão impedir que eles próprios possam vir a ter uma relevância maior nos afetos de Moisés e do povo.
       Bem diferente é a posição de Moisés: «Estás com ciúmes por causa de mim? Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta e que o Senhor infundisse o seu Espírito sobre eles!».
 
       3 – Essencial não é saber quem faz melhor, mas que todos façamos o bem, o melhor de nós, o que estiver ao nosso alcance. Não adiemos. Não fiquemos empertigados pelos dons que os outros possuem, ou pela beleza, pela alegria, pela riqueza de outros, pelo sucesso ou admiração que suscitam. Nem tudo é responsabilidade nossa. Não somos deuses. Somos seres humanos. Com limitações, e muitas qualidades. Façamos mais do que nos é pedido. O dia de amanhã constrói-se hoje, aqui e agora. E até a eternidade poderá ser antecipada e experimentada no tempo e na história atuais. Não passemos todo a responsabilidade para os outros, para amanhã, para os políticos ou para os líderes económicos. Há mais vida para lá da crise e da política e das notícias horripilantes que nos entram casa dentro.
        As palavras do apóstolo São Tiago, uma vez mais, são clarividentes e levadas a sério por muito boa gente poderão ajudar a ultrapassar a(s) crise(s). Sem paninhos quentes:
“As vossas riquezas estão apodrecidas e as vossas vestes estão comidas pela traça. O vosso ouro e a vossa prata enferrujaram-se, e a sua ferrugem vai dar testemunho contra vós e devorar a vossa carne como fogo. Acumulastes tesouros no fim dos tempos. Privastes do salário os trabalhadores que ceifaram as vossas terras. O seu salário clama; e os brados dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor do Universo. Levastes na terra uma vida regalada e libertina, cevastes os vossos corações para o dia da matança. Condenastes e matastes o justo e ele não vos resiste”.
       O clamor que se levantava ontem é o mesmo de hoje, contra as injustiças, contra a arrogância e a prepotência, contra a corrupção e a ganância. A partilha, a solidariedade, o compromisso social, a caridade, não são meramente “verbos de encher”, são forma e o jeito de ser cristão e de imitar o Mestre dos Mestres, Cristo Jesus. 

Textos para a Eucaristia (ano B): Num 11, 25-29; Tg 5, 1-6; Mc 9, 38-43.45.47-48.

sábado, 22 de setembro de 2012

XXV Domingo do tempo Comum - ano B - 23 de setembro

       1 – O anúncio da Cruz é uma evidência na vida de Jesus. Para os cristãos, o anúncio e a identificação com a Cruz de Jesus Cristo é um projeto de vida, a sua maneira de ser. 
       Depois da confissão de fé de Pedro – “Tu és o Messias” –, o anúncio progressivo, mas sem recuos, dos sofrimentos que o Mestre vai enfrentar. Em constante movimento, Jesus anuncia tempos novos, o reino de Deus em ebulição. São Marcos mostra que o Messias, o Ungido do Senhor, é verdadeiro Homem, com sentimentos e emoções, com necessidades (de comer, de beber, de descansar, de ser ouvido) e com sonhos (revolucionar a mente e sobretudo o coração das pessoas), atento a todos, fixando o Seu olhar nas pessoas mais frágeis, naquelas que se apresentam fatigadas, desiludidas, marginalizadas, sem esperança e sem futuro. Ele acolhe, desafia, compreende, ama, perdoa, cura, revoluciona a partir do interior.
       Chegados ao meio do evangelho de Marcos, o caminho do sucesso e da fama, que se vinha a espalhar e a consolidar, dá lugar rapidamente à desilusão (por parte dos discípulos), e ao abandono. O messianismo esperado pelo povo, e pelos discípulos, é político, imposto pela força, com um vendaval de violência e morte, e traduzir-se-ia pela substituição do poder imperial e colonizador por um poder nacional e religioso.
       É neste sentido que vemos Pedro a repreender Jesus por Ele anunciar o fracasso (humano e visível): «O Filho do homem vai ser entregue às mãos dos homens, que vão matá-l’O; mas Ele, três dias depois de morto, ressuscitará».
       A visão de Pedro, e dos demais apóstolos, corresponde à tentação de Satanás: o reino de Deus será do poder, de domínio e de violência sobre os outros. Daí a expressão contundente de Jesus: Afasta-te de mim Satanás. O caminho é outro.
 
       2 – A Cruz é símbolo da entrega total, dádiva por inteiro da Sua vida a favor de todo o povo. É necessário que UM morra por todos. É consequência lógica da Sua vida. Não é um momento. Não se trata de desprezar a VIDA, como dom, mas de recusar o egoísmo e todas as formas de vida que signifiquem destruição dos outros.
       Jesus coloca-Se do lado do pedinte, do órfão e da viúva, do estrangeiro e do perseguido, do pobre e do doente, coloca-Se do lado dos mais frágeis. Segue o caminho da Cruz como serviço. A Cruz não vale e não serve por si mesmo. O cristão acolhe a vida como dádiva, protege-a, ama-a e celebra-a; vida que se partilha e se aprofunda na relação com o próximo. Em Jesus, a Cruz é o desembocar de um caminho permanente de fidelidade a Deus e aos homens. Quem assume a defesa dos mais pobres, cedo sofrerá o desprezo e a perseguição dos mais fortes, dos que vivem pela violência. Jesus sabe isto. Não o esconde. Não faz campanha. Não diplomatiza para ter mais seguidores. Não disfarça o desfecho que se irá impor. Anuncia a paixão, a perseguição, sob o poder das autoridades, incomodando com as palavras mas muito mais com o Seu jeito de viver, de se relacionar, de servir.
       Para Jesus, dar a outra face, deixar-se machucar, é mais humano do que agredir, morrer é muito mais humano do que matar. Ao egoísmo contrapõe o serviço, o amor e o perdão. Ao poder contrapõe a humildade: «Quem quiser ser o primeiro será o último de todos e o servo de todos». E, tomando uma criança, colocou-a no meio deles, abraçou-a e disse-lhes: «Quem receber uma destas crianças em meu nome é a Mim que recebe; e quem Me receber não Me recebe a Mim, mas Àquele que Me enviou».
 
       3 – As palavras da Sabedoria são clarificadoras sobre o justo e a forma como denuncia o mal e os poderosos instalados em seus palácios e a viver à custa do povo.
“Disseram os ímpios: «Armemos ciladas ao justo, porque nos incomoda e se opõe às nossas obras; censura-nos as transgressões à lei e repreende-nos as faltas de educação. Vejamos se as suas palavras são verdadeiras, observemos como é a sua morte. Porque, se o justo é filho de Deus, Deus o protegerá e o livrará das mãos dos seus adversários».
       O justo não procura aniquilar-se, não parte em busca de problemas, ou provocando os outros para a guerra. No entanto, a sua existência é já um atentado a quem pratica declaradamente o mal. Se todos passam indiferentes às injustiças, sobretudo aqueles que pelo seu ofício ou relevância social e religiosa deveriam proteger os mais fragilizados, ou se vivem na mesma corrente de pecado, às tantas até parece que só há um caminho, ou é a forma mais certa de se viver, pois se todos vivem assim! Ora o justo é provocador pelas palavras, denunciando, e muito pela vida de retidão, de justiça e de verdade.
       Quando faltam razões ou vontade para mudar de vida, a melhor maneira, para acabar com o incómodo de quem perturba o nosso descanso e o nosso cinismo, é acabar com a reputação e vida desses que tais, expondo, levantando falsos testemunhos, perseguindo, usando da violência. Foi assim que muitos profetas foram exilados, vitimados pelo boato e pela maledicência, e mortos. É a sorte dos justos. Será o desenlace da escolha de Jesus.
 
       4 – “Como Eu vos fiz, fazei-o vós também”. Estas são as palavras de Jesus quando se coloca de joelhos diante dos apóstolos para lhes lavar os pés, consagrando o serviço como única forma de chegar perto de Deus. Ele que era Mestre e Senhor não Se valeu da Sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se, tornou-Se servo, humilhou-Se em obediência até à morte, até à cruz, como se reza e poetisa na Epístola aos Filipenses. Ele não vem para ser servido, mas para servir e dar a vida pela vida de muitos.
       Pode até doer, levar-nos à Cruz, mas não há outro caminho que nos leve a Deus que não seja o da caridade, do serviço, da verdade, do perdão (ainda e sempre expressão da caridade). O cristão ama a vida que Deus lhe dá em abundância. A vida em qualidade não dispensa o convívio, a festa com os outros, a "ligação" aos demais. Só há luz em nós se estivermos ligados à corrente. A corrente é o Espírito de Deus em nós, que Se torna mais luminosa e consistente se ligada aos outros. Não nos salvamos sozinhos. Não seguimos pela estrada de ninguém. A nossa estrada é aberta para que possamos seguir juntos.
       A Cruz guia-nos pela caridade, pela paz, pela justiça.
       Pelo contrário, como insiste São Tiago,
“onde há inveja e rivalidade, também há desordem e toda a espécie de más ações. Mas a sabedoria que vem do alto é pura, pacífica, compreensiva e generosa, cheia de misericórdia e de boas obras, imparcial e sem hipocrisia. O fruto da justiça semeia-se na paz para aqueles que praticam a paz... Cobiçais e nada conseguis: então assassinais. Sois invejosos e não podeis obter nada: então entrais em conflitos e guerras. Nada tendes, porque nada pedis. Pedis e não recebeis, porque pedis mal, pois o que pedis é para satisfazer as vossas paixões”.
       Voltemos a ler este pedaço da Epístola. À inveja, ao egoísmo, à injustiça, à guerra, opõe-se como purificação e cura o serviço, o amor, o diálogo, o perdão, e a oração, para que a corrente de Deus nos mantenha vigilantes e atentos e prontos para nos ajudarmos.
       A lógica do reino de Deus é a lógica que leva à CRUZ, quem quiser ser o primeiro de todos seja o servo de todos.


Textos para a Eucaristia (ano B): Sab 2, 12.17-20; Tg 3, 16 – 4, 3; Mc 9, 30-37.