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quarta-feira, 12 de junho de 2019

Leituras: JEAN VANIER - OUVE-SE UM GRITO

JEAN VANIER (2018). Ouve-se um grito. O mistério da pessoa é um encontro. Prior Velho: Paulinas Editora. 200 páginas.
       Jean Vanier faleceu no passado dia 7 de maio, do ano corrente, de 2019. Na semana subsequente dedicamos-lhe o editorial. Hoje sugerimos como leitura este livro que pode ser visto como autobiografia e testamento espiritual do autor: "Ouve-se um grito. O mistério da pessoa é um encontro", com a colaboração do jovem poeta François-Xavier Maigre.
       Jean nasceu em Genebra, a 10 de setembro de 1928, filho de pais canadianos. Foi Oficial da Marinha, primeiro britânica, depois canadiense. Em 1950, desiste da carreira militar e começa a estudar teologia e filosofia. Sente-se atraído pelo Evangelho. Tornou-se professor na Universidade de Toronto, mas abandona a carreira universitária. Descobre que a sua verdadeira vocação é encontrar Jesus nas pessoas mais fracas e mais abandonadas. Em 1964 funda a Arca e em 1971 contribui para o nascimento do movimento "Foi et Lumiere" (Fé e Luz).
       Ao escrever estas páginas, o autor percorre a sua vida, da infância à descoberta do caminho que o realiza, ou por outras palavras, a vocação a que Deus o chama. "Este livro nasceu de uma urgência. Face ao triste espetáculo das divisões, dos medos, das guerras e das desigualdades que se espalham no nosso mundo, face à depressão e às desesperanças de tantos jovens, atrevo-me a partilhar convosco um caminho de esperança que se me abriu... Nada está perdido. Um caminho para a unidade, a fraternidade e a paz é possível. O futuro depende de cada um de nós... Graças à 'Arca', aprendemos que a vida com pessoas portadoras de uma deficiência é uma maneira de curar os nossos corações tantas vezes fechados e de ir ao encontro de todos aqueles que são atingidos pela exclusão e humilhação... os mais frágeis abrem-nos à esperança".
       O que fizerdes aos mais pequeninos é a Mim que o fazei. A revelação de Jesus está bem presente na vida, na vocação e na missão do autor. As pessoas portadoras de deficiência ajudam a libertar-se de comodismo, de certezas, da autocomiseração, da procura de poder e prestígio. Nestas pessoas, o encontro com Jesus. A descoberta da fé e das razões para a esperança e para a construção da paz.

Algumas frases e/ou parágrafos do autor:
"Os muros impedem-nos de encontrar o outro que é diferente, de o amar como Deus o ama. É uma luta diária".
"Nas nossas sociedades opulentas, procuramos muitas vezes livrar-nos dos mais frágeis, e até de os matar antes de nascer".
"Vim para aqui para viver o Evangelho, decidido a lutar pacificamente contra as injustiças por causa de Jesus"
Deus ama cada pessoa e chama cada uma a crescer no amor. Deus está escondido no coração dos mais pequeninos, dos mais sofredores, dos mais humilhados. Pouco a pouco, 'A Arca' torna-se sinal deste amor".
"As pessoas com deficiência mental não são uns pobrezinhos de quem é preciso tomar conta. Estas pessoas são mensageiras de Deus que nos aproximam de Jesus. São um caminho para Deus. Ao contactar com elas, elas transformam-nos e conduzem-nos até Deus".
"O amor implica o perdão. Crescer humanamente é aprender a perdoar sempre, trata-se de uma luta de cada dia. Uma luta na ternura consigo próprio e nas relações".
"Jesus ama-nos ao ensinar-nos a descer, a ajoelharmo-nos para lavar os pés dos outros. Sem lhes dar ordens de cima. Sem procurar ter influência".
"Apenas a descoberta da nossa frágil humanidade pode abrir um caminho de paz".
"Responder ao grito do pobre torna-se um apelo. O apelo torna-se atração. A atração tornar-se generosidade. A generosidade torna-se encontro. O encontro torna-se comunhão e presença de Deus".
       No livro o autor fala de muitos encontros marcantes, entre os quais se destacam o encontro com Madre Teresa de Calcutá, com o João Paulo II, com a comunidade de Taizé e com os Focolares, de Chiara Lubich. O Epílogo da obra é dedicado ao tempo que Jean passou em Fátima, a elaborar a tese de doutoramento para o Instituto Católico de Paris, sobre Aristóteles. Referência a Fátima também no capítulo 9.
       Refira-se ainda que na descoberta da vocação o autor ainda ponderou tornar-se padre, mas foi descobrindo que o Senhor o chamava a outra missão.

sábado, 25 de maio de 2019

Leituras: PRIMO LEVI - SE ISTO É UM HOMEM

PRIMO LEVI (2017). Se isto é um Homem. Alfragide: D. Quixote. 15.º Edição. 192 páginas.
Foi-nos sugerido, lemos e agora sugerimos a outros esta bela, pertinente e luminosa narrativa sobre os campos de concentração nazis, ou melhor, sobre a experiência vivida na primeira pessoa pelo autor, Primo Levi, judeu italiano deportado no campo de extermínio, onde a humanidade é questionada e onde a preocupação imediata não será a ética, a vida, a dignidade, o respeito, os valores, mas a sobrevivência ao frio e à fome, ao trabalho e às doenças.
Para compreendermos o pensamento de Primo Levi teríamos que ler vários (ou todos) livros e de preferência na língua original, segundo o Bispo de Lamego, D. António Couto, tal a profundidade e a relevância das suas reflexões.
Esta pode ser a leitura de entrada deste autor. É o testemunho pessoal, impressionante, lúcido sobre o tratamento desumano nos campos de extermínio, mas também da forma como as vítimas lidaram com a sobrevivência, havendo lugar a alguma solidariedade, mas prevalecendo a luta animalesca por sobreviver mais um dia.
Quando alguns tentam branquear aquela que foi uma das páginas mais negras da história europeia e mundial, com a eliminação de 6 milhões de judeus e de outros que se tornaram críticos do regime, ou simplesmente porque não se enquadraram no ideal da raça pura, este é mais uma obra provocante, que aviva a memória, que nos revela como, em situações degradantes, as pessoas são capazes das maiores barbaridades. Aqui e além há lampejos de humanidade e de alguma esperança, de alguma fé.
Levi foi detido pelas forças alemãs a 13 de dezembro de 1943, era então um jovem químico, membro da resistência. Tendo confessado a sua ascendência judaica, foi deportado para Auschwitz em fevereiro do ano seguinte, onde permaneceu até 27 de janeiro de 1945 quando o campo foi libertado.

Vale a pena reter algumas palavras:

“Todos descobrem, mas tarde ou mais cedo na vida, que a felicidade perfeita não é realizável, mas poucos se detêm a pensar na consideração oposta: que também uma infelicidade perfeita é, igualmente, não realizável. Os momentos que se opõem à realização de ambos os estados-limite são da mesma natureza: derivam da nossa condição humana, que é inimiga de tudo o que é infinito. Opõe-se-lhe o nosso sempre insuficiente conhecimento do futuro; e a isto se chama, num caso, esperança; no outro, incerteza do amanhã. Opõe-se-lhe a certeza da morte, que impõe um limite a qualquer alegria, mas também a qualquer dor. Opõem-se-lhe as inevitáveis preocupações materiais que, assim como poluem qualquer felicidade duradoura, também distraem assiduamente a nossa atenção da desgraça que paira sobre nós e tornam fragmentária, e, por isso mesmo, a consciência dela.
Foram precisamente as provações, as pancadas, o frio, a sede, que nos deixaram afundar no vazio de um desespero sem fim, durante a viagem e depois. Não a vontade de viver, nem uma resignação consciente: pois são poucos os homens capazes disso, e nós mais não éramos que uma vulgar amostra de humanidade”.

"A persuasão de que a vida tem uma finalidade está enraizada em todas as fibras do homem, é uma propriedade da substância humana. Os homens livres dão a essa finalidade muitos nomes, e sobre a sua natureza muito se debruçam e discutem; mas para nós a questão é mais simples. 
Agora e aqui, a nossa finalidade é chegar à Primavera. Neste momento, nada mais nos preocupa. Por detrás desta meta, neste momento, não há outra meta. De manhã, quando em fila na Praça da Chamada, esperamos durante um tempo interminável a hora de partir para o trabalho, e cada sopro de vento penetra por debaixo das nossas roupas e corre em arrepios violentos pelos nossos corpos sem defesa, e tudo em volta está cinzento, e nós estamos cinzentos; de manhã, ainda antes de o dia chegar, todos observamos o céu do lado do Oriente para espreitar os primeiros indícios da estação amena, e o nascer do Sol é todos os dias comentado: hoje foi um pouco mais cedo do que ontem; hoje está um pouco mais calor do que ontem; dentro de dois meses, dentro de um mês, o frio dar-nos-á tréguas e teremos um inimigo a menos. 
Hoje, pela primeira vez, o Sol nasceu vivo e nítido por cima do horizonte lamacento. É um sol polaco, frio, branco e longínquo e não consegue aquecer para além da epiderme; mas, quando se libertou das últimas neblinas, um murmúrio percorreu a massa descorada que somos e, quando também senti a tepidez através da roupa, compreendi como se pode adorar o Sol". 

"Sucumbir é o mais simples: basta cumprir todas as ordens que se recebem, comer só a ração, obedecer à disciplina do trabalho e do campo. A experiência demonstrou que só em casos excecionais, desta forma, se pode durar para além dos três meses. Todos os ‘muçulmanos’ que vão para a câmara de gás têm a mesma história, ou, melhor dizendo, não têm história; seguiram o declive até ao fundo, naturalmente, como os rios vão desaguar no mar. Depois de terem ingressado no campo, por sua incapacidade essencial, ou por azar, ou por qualquer acidente banal, sucumbiram antes de poderem habituar-se; estão sempre atrasados... a sua vida é breve, mas o seu número é enorme... dentro deles apagou-se a centelha divina, já demasiado vazios para sofrer de verdade... eles povoam a minha memória com a sua presença sem rosto e, se pudesse resumir numa única imagem todo o mal do nosso tempo, escolheria esta, que me é familiar: um homem ressequido, com a testa baixa e os ombros curvados, em cujo rosto e em cujos olhos não se pode ler qualquer sinal de pensamento. E os que sucumbiram não têm história, e um só amplo é o caminho da perdição, os caminhos da salvação são, pelo contrário, muitos, difíceis e imprevisíveis". 

Na vida comum "não é frequente acontecer que um homem se perca, pois normalmente não está só e, no seu subir e descer, está ligado ao destino dos que o rodeiam; pelo que só excecionalmente acontece que alguém cresça sem limites ou desça continuamente de derrota em derrota até à ruína. Mais, cada um possui habitualmente recursos, espirituais, físicos e também económicos, capazes de tornar ainda menos provável a eventualidade de um naufrágio, de uma carência perante a vida. Acrescente-se ainda que uma sensível ação de amortecimento é exercida pela lei e pelo sentido moral, que é a lei interior; de facto, considera-se tanto mais civilizado um país quanto mais sábias e eficazes são as leis que impedem ao miserável ser demasiado miserável e ao poderoso demasiado poderoso... Mas no Lager tudo acontece de outra forma: aqui, a luta para sobreviver é sem remissão, porque cada um está desesperada e ferozmente só. Se um Null Achtzenh qualquer vacilar, não encontrará quem lhe estenda a mão, mas sim alguém que o deitará abaixo, pois ninguém está interessado em que um «muçulmano» (nome pelo qual são chamados os fracos, os ineptos, os votados à seleção para serem mortos) a mais se arraste todos os dias para o trabalho; e se alguém, com um milagre de paciência selvagem e astúcia, encontrar nova combinação para escapar ao trabalho mais duro, uma nova artimanha que lhe proporcione algumas gramas de pão, procurará manter secreta a forma como o conseguiu, e por isso será estimado e respeitado, e tirará um lucro exclusivo e pessoal; tornar-se-á mais forte, os outros terão medo dele e, por isso mesmo, será um candidato à sobrevivência". 

"As personagens deste livro não são homens. A sua humanidade está sepultada, ou eles mesmos a sepultaram, debaixo da ofensa que sofreram ou que infligiram a outrem... Mas Lorenzo era um homem; a sua humanidade era pura e incontaminada, estava fora deste mundo de negação. graças a Lorenzo, aconteceu-me não esquecer que também eu era um homem". 

Pobre e ingénuo Kraus. Se soubesse que… para mim também ele é nada, a não ser um breve momento, nada como aqui tudo é nada, a não ser a fome dentro de nós, e o frio e a chuva à nossa volta".

O livro começa com o seguinte poema:
«Vós que viveis tranquilos
Nas vossas casas aquecidas
Vós que encontrais regressando à noite
Comida quente e rostos amigos:
Considerai se isto é um homem
Quem trabalha na lama
Quem não conhece paz
Quem luta por meio pão
Quem morre por um sim ou por um não
Considerai se isto é uma mulher
Sem cabelos e sem nome
Sem mais força para recordar
Vazios os olhos e frio o regaço
Como uma rã no Inverno. 
Meditai que isto aconteceu:
Recomendo-vos estas palavras.
Esculpi-as no vosso coração.
Estando em casa andando pela rua,
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as aos vossos filhos.
Ou então que desmorone a vossa casa,
Que a doença vos entreve,
Que os vossos filhos vos virem a cara»

sábado, 20 de outubro de 2018

O Espírito Santo vos ensinará o que haveis de dizer

       Disse Jesus aos seus discípulos:
       «A todo aquele que Me tiver reconhecido diante dos homens também o Filho do homem o reconhecerá diante dos Anjos de Deus. Mas quem Me tiver negado diante dos homens será negado diante dos Anjos de Deus. E todo aquele que disser uma palavra contra o Filho do homem será perdoado; mas quem tiver blasfemado contra o Espírito Santo não será perdoado. Quando vos levarem às sinagogas, aos magistrados e às autoridades, não vos preocupeis com o que haveis de responder nem com o que haveis de dizer em vossa defesa. O Espírito Santo vos ensinará naquela hora o que haveis de dizer» (Lc 12, 8-12).
       O testemunho, pelas palavras e pela vida, é essencial na vida dos cristãos. A vida de Jesus é expressão, isto é, testemunho do amor de Deus por nós, pela humanidade inteira. É a vocação do cristão, o seu compromisso com Jesus Cristo: acolhê-l'O, vivê-l'O e dá-l'O a conhecer a todo o mundo. Ide e anunciai o Evangelho a todos os povos da terra. Eu estarei convosco até ao fim do mundo, em toda a parte, em todo o tempo.
       A garantia do nosso testemunho é a vida eterna, o testemunho que Jesus dará por nós junto do Pai. Ou por outras palavras, a certeza de que Jesus testemunhará a nosso favor, deverá ser desafio suficiente para nos comprometermos com os outros dando testemunho do amor de Deus por nós, em Jesus Cristo, pelo Espírito Santo, para que todos tenham possibilidade de conhecer, amar e viver do amor de Deus.

terça-feira, 3 de abril de 2018

Mulher, porque choras? A quem procuras?

       Liturgicamente celebramos a Páscoa durante 8 dias como se de UM só e grande DIA se trate. A Páscoa não é o fim de um ciclo, é início de vida nova. Também hoje, em terça feira da Páscoa, celebramos a vida nova da ressurreição que acontece em Cristo Jesus e em nós acontecerá... melhor, em nós deverá acontecer constantemente, num exercício de passarmos da quaresma das nossas vidas, da morte, para a Páscoa, para as páscoas que nos ligam aos outros e a Deus.
       No evangelho hoje proposto, de São João, vemos como Maria Madalena, junto ao sepulcro de Jesus, é por Ele surpreendido. A experiência de encontro com o Ressuscitado há de levar-nos ao anúncio da boa nova, à proclamação da ressurreição, ao testemunho. Maria Madalena vai jubilosa comunicar o viu e e ouviu.
Maria Madalena estava a chorar junto do sepulcro. Enquanto chorava, debruçou-se para dentro do sepulcro e viu dois Anjos vestidos de branco, sentados, um à cabeceira e outro aos pés, onde estivera deitado o corpo de Jesus. Os Anjos perguntaram a Maria: «Mulher, porque choras?» Ela respondeu- lhes: «Porque levaram o meu Senhor e não sei onde O puseram». Dito isto, voltou-se para trás e viu Jesus de pé, sem saber que era Ele. Disse-lhe Jesus: «Mulher, porque choras? A quem procuras?» Pensando que era o jardineiro, ela respondeu-Lhe: «Senhor, se foste tu que O levaste, diz-me onde O puseste, para eu O ir buscar». Disse-lhe Jesus: «Maria!» Ela voltou-se e respondeu em hebraico: «Rabuni!», que quer dizer: «Mestre!» Jesus disse-lhe: «Não Me detenhas, porque ainda não subi para o Pai. Vai ter com os meus irmãos e diz-lhes que vou subir para o meu Pai e vosso Pai, para o meu Deus e vosso Deus». Maria Madalena foi anunciar aos discípulos: «Vi o Senhor». E contou-lhes o que Ele lhe tinha dito (Jo 20, 11-18).
       O mesmo sucede com Pedro e os demais apóstolos. Fazem a experiência de encontro com o Ressuscitado, e tornam-se, agora sim, verdadeiros apóstolos, anunciadores da BOA NOTÍCIA, levando outros à conversão, ao batismo:
No dia de Pentecostes, disse Pedro aos judeus: «Saiba com absoluta certeza toda a casa de Israel que Deus fez Senhor e Messias esse Jesus que vós crucificastes». Ouvindo isto, sentiram todos o coração trespassado e perguntaram a Pedro e aos outros Apóstolos: «Que havemos de fazer, irmãos?» Pedro respondeu-lhes: «Convertei-vos e peça cada um de vós o Baptismo em nome de Jesus Cristo, para vos serem perdoados os pecados. Recebereis então o dom do Espírito Santo, porque a promessa desse dom é para vós, para os vossos filhos e para quantos, de longe, ouvirem o apelo do Senhor nosso Deus». E com muitas outras palavras os persuadia e exortava, dizendo: «Salvai-vos desta geração perversa». Os que aceitaram as palavras de Pedro receberam o Baptismo e naquele dia juntaram-se aos discípulos cerca de três mil pessoas (Actos 2, 36-41).

terça-feira, 9 de maio de 2017

Concerto Orante: MC 16, 15 e Mendigo de Deus

       Véspera do Dia da Mãe e do Dia Mundial de Oração pelas Vocações, 6 de maio de 2017, concerto orante com dois grupos os Mc 16, 15 - citação de São Marcos que corresponde no presente ano pastoral ao lema da Diocese de Lamego: Ide e anunciai o Evangelho a toda a criatura - e Mendigo de Deus, sob o patrocínio de São Francisco de Assis. De uma ou outra forma, o concerto orante envolveu-nos na alegria do evangelho e do testemunho, acentuando o chamamento de Deus e a reposta que cabe dar-nos, a alegria do serviço em Igreja, ao serviço de todas.
       Os Mc 16, 15 são originários da nossa Diocese de Lamego; o Mendigo de Deus são originários da Diocese de Vila Real e já têm trabalhos discográficos publicados. Para lá das belíssimas músicas, os intervenientes foram dando testemunho da sua vivência como cristãos.
O Pároco, no final do concerto orante agradeceu aos membros dos dois grupos, pela beleza e alegria das músicas, pela envolvência, pelo testemunho, pelo empenho e pela arte. Agradeceu também àqueles que ajudaram a preparar tudo para o concerto, sobretudo o Grupo de Jovens de Tabuaço (GJT) e membros do conselho Económico, bem assim como as pessoas que através do GJT contribuíram para o jantar dos membros dos dois grupos com o GJT.
       Algumas fotos de mais um concerto orante memorável:


Outras fotos disponíveis: Paróquia de Tabuaço no Facebook

quinta-feira, 30 de março de 2017

SUSAN SPENCER-WENDEL - ANTES DO ADEUS

SUSAN SPENCER-WENDEL, com Bret Witter (2013). Antes do Adeus. Lisboa: Editora Pergaminho. 384 páginas.
       Susan Spencer-Wendel é uma mulher adulta, 44 anos, jornalista reconhecida, satisfeita da vida, casada, mãe de três filhos. A vida é uma correria. A mão esquerda começa a ficar paralisada e começam as interrogações, os médicos, os exames e a negação do que começa a ser óbvio: esclerose lateral amiotrófica (ELA). O diagnóstico é uma sentença de morte, pois é uma doença terminal, três a cinco anos de vida, não há cura nem forma de retardar o seu avanço.
       Que fazer diante de uma notícia tremenda? A autora vai-nos dizendo. Uma fase de negação. Mas chega o momento que não há como fugir à inevitabilidade da doença. O corpo começa a deixar de funcionar, os comandos (cerebrais) não são correspondidos. Há consciência, mas os músculos vão atrofiando e deixando de obedecer e de funcionar. Até articular palavras se torna uma luta gigantesca.
É conhecida a expressão de Tolstoi: as famílias são iguais, as famílias tristes sofrem cada uma à sua maneira. Susan opta por viver e viver feliz, procurando criar memórias para os filhos, para o marido e para os amigos.
       O seguro de vida permite-lhe pagar a hipoteca da casa, viajar como sempre gostou de fazer, com a melhor amiga, Nancy, (para ver a aurora boreal), com o marido, numa espécie de segunda lua de mel, ir com a filha, de 14 anos, a Nova Iorque e vê-la provar um vestido de noiva, pois já não estará por cá quando ela casar, vai proporcionando aos filhos os seus pedidos.
       Entretanto decide escrever, enquanto é possível. Chega um momento que escreve apenas com um dedo num iphone, mas escreve, dedicando tempo. É um legado para os filhos, para o marido, para a família, para os amigos. Não se revolta. Procura viver cada momento, numa atitude zen, aceitando o que tem que ser, o que não está ao seu alcance modificar. Claro que sofre, chora, por ver o mundo avançar, os filhos a crescerem, certa que não estará cá para os ver crescer, querer fazer as coisas e não poder, a dependência de todos e em tudo. Chora. Mas não perde tempo a lamentar-se.
       Adotada, procura as suas raizes, para apaziguar o seu passado e ligar-se, ao marido e aos filhos, à família biológica, nomeadamente à sua ascendência grega.

"Antes do Adeus tem momentos profundamente tristes - trata-se, afinal, de uma despedida -, mas sem um traço de amargura ou de raiva. Em cada página, sente-se otimismo, a alegria de viver e o sentido de humor de uma mulher grata pela vida. Um livro sobre a morte, mas cheio de vida. Um livro que nos recorda que temos sempre a opção de sorrir. E que, como ensina a autora, «cada dia é melhor se for vivido com alegria»" (contracapa).
       Outro dos aspetos bem vincados ao longo de todo o livro, é a sua fé em Deus. Os pais (adotivos) são batistas, a autora nem por isso, mas acredita em Deus, acredita que se irá encontrar com o Pai biológico já falecido. E que o fim não será definitivo.
"Acenda uma vela em vez de amaldiçoar a escuridão".
"Acredito em Deus. Acredito em forças que nos transcendem de prodígios que escapam ao entendimento humano".
"Tomei a resolução de escrever sobre a força e não sobre a doença, sobre a alegria e não sobre o desespero".
"As minhas capacidades vão-se desprendendo do meu ser como uma medalha se desprende de um fio".
"Desde o diagnóstico, os estados depressivos tornaram-se menos frequentes. Desde que aceitei a minha condição, a angústia aproxima-se de mim ao de leve, como uma borboleta, e poisa silenciosamente como as borboletas poisam nas plantas à volta da cabana. Observo os seus rodopios, admiro a sua complexidade, sinto o seu peso por um breve instante, e depois... passa! Esa tristeza tem uma beleza intrínseca que me faz sentir sempre viva, e isso ainda me interessa, ainda é importante para mim".
"Regozija-te com o que tens e com a forma como as coisas são. Quando te deres conta de que não há nada em falta, o mundo inteiro será teu".
"Removendo a necessidade, removo também o sofrimento".
"Há que aceitar a vida conforme ela se desenrola. É importante que sonhemos e nos esforcemos por alcançar os nossos sonhos, mas também há que aceitar. Não faz sentido forçarmos o mundo a ser aquele que sonhámos. A realidade é muito melhor que isso".
"Não faz qualquer sentido ansiar por algo inalcançável, pois esse é o caminho direto para a loucura".
"Procurem-me nos vossos corações, meus filhos. Sintam-me aí e sorriam... procurem-me nos ocasos... sei que o meu fim está próximo, mas não desespero".
A autora terá morrido em 4 de junho de 2014.
Alguns vídeos disponíveis na Internet:

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Tabuaço: Magusto e Semana dos Seminários | 2016

       Sábado, 12 de novembro de 2016, um dia depois do São Martinho de Tours, a realização do Magusto Paroquial, proposto a partir da catequese, aberto à participação de toda a comunidade paroquial.
       Este ano dois motivos a relevar: a presença de três seminaristas, o Diogo Martinho, entre nós aos fins de semana, o Marcelo Moutinho, de São João da Pesqueira, e o João Miguel, de Freigil, em Resende, e o facto de mais pessoas terem respondido positivamente ao convite do pároco e das catequistas. Como habitualmente, a jornada iniciou com a celebração da Eucaristia, incluindo o testemunho vocacional do João, seguindo-se o magusto no Centro Paroquial.

       Algumas imagens para recordar e para guardar...

Para visitar o Álbum desta jornada,

sábado, 13 de agosto de 2016

VL – Etty Hillesum - a oração enraíza-nos em Deus

       Parafraseando Ortega Y Gasset, a pessoa é com as suas circunstâncias. Certamente. Tudo o que nos rodeia nos influencia. Tempo. As pessoas. As situações luminosas ou obscuras. Até a forma de acordar, ou a roupa que se veste, o descanso ou a falta dele. Uma palavra, um sorriso, a presença de alguém que estimamos, podem alterar positiva ou negativamente o nosso dia.
       Porém, o essencial é a atitude com que encaro a vida, as pessoas, os acontecimentos do tempo presente. Mudamos conforme as circunstâncias ou procuramos que as circunstâncias, ainda que contem, não definam, em definitivo, a nossa personalidade?
       Hillesum sabe que, mais dia, menos dia, será levada para o campo de extermínio, como outros judeus, para ser morta. Desabafa confiante: “Estamos em casa. Estamos em casa sob céu. Estamos em casa em qualquer lugar, se trouxermos tudo dentro de nós. Muitas vezes me tenho sentido, e ainda sinto, como um navio que transporta a bordo uma carga preciosa: os cabos são cortados e agora o navio parte, livre para navegar por toda a parte. Temos de ser a nossa própria pátria”.
        E quando não restar mais nada?
        “Quando a borrasca for demasiado forte, e eu já não souber como escapar, restar-me-ão sempre duas mãos juntas e um joelho dobrado. É um gesto que a nós, judeus, não foi transmitido de geração em geração. Tive de aprendê-lo a custo… Como é estranha a minha história – a história de uma rapariga que não se sabia ajoelhar. Ou, com uma variante: da rapariga que aprendeu a rezar. É o meu gesto mais íntimo”.
       A oração é a casa de Etty Hillesum. Onde se encontra e onde encontra Deus. “De repente, compreendi como uma pessoa, com o rosto escondido atrás das mãos juntas, pode deixar-se cair violentamente de joelhos e depois ter paz… Devo tornar-me mais simples, deixar-me viver um pouco mais. Agora sei qual a minha cura: acocorar-me a um canto e escutar aquilo que tenho dentro de mim própria”.
       E se o mundo conhecido desaparecer?
       “Falarei contigo, meu Deus. Posso? Como as pessoas vão desaparecendo, não me resta outra coisa senão o desejo de falar contigo. Amo assim tanto os outros porque em cada um deles amo o pedacinho de Ti, meu Deus. Procuro-Te em todos os homens e, frequentemente, encontro neles alguma coisa de Ti. E procuro desenterrar-Te do seu coração, meu Deus”.

Publicado na Voz de Lamego, n.º 4373, de 26 de julho de 2016

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

VL – Enraizados em Deus, para ver além do mal

       No dia 13 de fevereiro de 2013, Quarta-feira de Cinzas, dois dias depois de anunciar a renúncia ao pontificado, Bento XVI apresentava figuras cujas conversões são testemunho e interpelação. Uma dessas figuras proposta é “Etty Hillesum, uma jovem holandesa de origem judaica, que morrerá em Auschwitz. Inicialmente distante de Deus, descobre-o olhando em profundidade dentro de si mesma e escreve: «Dentro de mim existe um poço muito profundo. E naquele poço está Deus. Às vezes consigo alcançá-lo, mas na maioria das vezes está coberto por pedras e areia: então Deus está sepultado. É necessário que eu o volte a desenterrar» (Diário, 97). Na sua vida dispersa e inquieta, ela encontra Deus precisamente no meio da grande tragédia de Novecentos, o Shoah. Esta jovem frágil e insatisfeita, transfigurada pela fé, transforma-se numa mulher cheia de amor e de paz interior, capaz de afirmar: «Vivo constantemente em intimidade com Deus»”.
       Diante de tanto mal, poderia advir o desânimo. E se nos lembrarmos do extermínio de milhares de judeus, sob o império do mal perpetrado por Hitler e o nazismo, não será fácil sobreviver ao desencanto e a uma resignação destrutiva. Todavia, Etty Hillesum recorda que nenhum mal pode eliminar completamente o bem. O mal não tem futuro. O bem tem futuro. O mal, pela sua extensão, pode amedrontar-nos. Mas não é definitivo.
       Também o tempo atual parece sombrio: a crise económico-financeira, o Brexit, a crise dos refugiados, os atentados terroristas, a violência gratuita, xenófoba, racista, a falta de emprego e a insegurança quanto ao futuro, parecem destruir o sonho de um mundo seguro e onde todos se reconheçam como irmãos.
       Etty Hillesum desafia-nos a enraizar a vida em Deus, enfrentando assim a dor e o sofrimento. “É verdade que de vez em quando podemos estar tristes e abatidos por aquilo que nos fazem, é humano e compreensível. A vida é difícil, mas não é grave… Uma paz futura só o poderá ser verdadeiramente se antes tiver sido encontrada por cada um dentro de si próprio – se cada homem se tiver libertado do ódio contra o próximo de qualquer raça ou povo, se tiver superado esse ódio e o tiver transformado em algo diferente, talvez a longo prazo, em amor… É a única solução possível. Esse pedacinho de eternidade que trazemos dentro de nós… Meu Deus, ainda não se dão conta de que todas as coisas que existem são areias movediças, a não ser Tu”.
       Quanto mais em Deus, mais disponíveis para os outros.

Publicado na Voz de Lamego, n.º 4370, de 5 de julho de 2016

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

VL – Enraizados em Deus, olhar o sofrimento de frente

       Etty Hillesum, a holandesa judia, morta em Auschwitz, surpreendeu-me pela serenidade com que enfrentou o sofrimento, as adversidades, procurando, através da oração, de joelhos, da meditação e da própria escrita, olhar de frente o mal, mas sem se dar por vencida e sem dar a primazia ao mal. Apesar de todo o mal infligido, o bem está a germinar por toda a parte e há de vencer. Por ora é tempo de lutar para que as pessoas não enterrem Deus nos seus corações.
       O mundo parece desmoronar-se e a violência gratuita (sobretudo) contra os judeus acentua-se, apesar disso, Etty Hillesum continua a esperar em Deus. Para sermos felizes não nos permitimos simplesmente virar as costas ao sofrimento. “Somos sobretudo nós próprios que nos roubamos. Acho a vida bela e sinto-me livre. Os céus estendem-se tanto dentro como acima de mim. Creio em Deus e nos homens e atrevo-me a dizê-lo sem falso pudor. A vida é difícil, ma isso não é grave… Meu Deus, dou-te graças por me teres criado tal como sou. Dou-te graças porque às vezes me permites estar tão cheia de vastidão, daquela vastidão que não é senão o meu ser transbordante de Ti”.
       O poder da violência é por agora invencível, mas não nos podem roubar a vida, não podem entrar no nosso íntimo, lugar onde encontramos Deus. “Dentro de mim há uma nascente muito profunda. E nessa nascente está Deus. Por vezes, consigo alcançá-lo, a maior parte das vezes, está coberta de pedras e de areia: nessas alturas, Deus está sepultado. Então há que voltar a desenterrá-lo. Imagino que certas pessoas rezam com os olhos fixos no céu: elas procuram Deus fora de si. Há outras que inclinam a cabeça, escondendo-a entre as mãos: creio que estas procuram Deus dentro de si”.
       E se Deus não me ajudar? Então serei eu a ajudar Deus…
       “Prometo-te uma coisa, meu Deus: tentarei ajudar-Te para que Tu não sejas destruído dentro de mim… A única coisa que podemos salvar destes tempos, e também a única coisa que conta de verdade, é um pedaço de Ti em nós mesmos, meu Deus. E talvez também possamos contribuir para te desenterrar dos corações devastados dos outros homens… Eu não ponho em questão a tua responsabilidade, mais tarde serás Tu a declarar-nos responsáveis a nós… Tu não nos podes ajudar, mas cabe-nos a nós ajudar-te a Ti, defender até ao fim a tua casa em nós... acredita, não te expulsarei do meu território”.

Publicado na Voz de Lamego, n.º 4372, de 19 de julho de 2016

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

VL – Enraizados em Deus, para viver a própria vida

       Há situações que nos deixam sem chão, sem palavras e cuja esperança quase desaparece. Etty Hillesum, como se pode descobrir no seu diário, nas suas cartas ou em livros sobre ela, como judia holandesa, viveu uma das tragédias do século XX. Viria a morrer, com 29 anos, no campo de extermínio de Auschwitz, como outros milhares de judeus. Foi um período negro para a humanidade, mas de onde surgiram figuras que continuam a iluminar o nosso tempo, pela perseverança e resiliência. Foram mortas mas não se deixaram matar pela história. Sobreviveram aos carrascos pelo testemunho que nos legaram.
       Diz-nos acerca dela Frei Michaeldavide (Etty Hillesum. Humanidade enraizada em Deus): é uma "mulher, cuja vida está prestes a ser violentamente despedaçada, ainda consegue acreditar… é uma jovem mulher que soube transfigurar a própria vida, deixando-a amadurecer até à plenitude, aprendendo a rezar e a meditar... Mediante a oração aprendeu a meditar sobre as trevas humanas através da luz de Deus, sem as negar, mas também sem as tornar mais densas... vive e abraça até ao fundo o contexto terrível de uma das páginas mais sombrias da humanidade – talvez a mais tenebrosa, por ter sido concebida e dada à luz pela civilização europeia enraizada na tradição do cristianismo”. Com efeito, “Etty Hillesum é mestra de total lucidez: na capacidade de atribuir um nome preciso àquilo que se pode verificar de negativo, sem esquecer que, no preciso momento em que qualquer coisa de terrivelmente negativo está a acontecer, continua a crescer o bem, que existe desde sempre e que é o futuro, enquanto o mal não tem futuro, mesmo quando parece tão tremendo que atrai toda a nossa atenção”.
       A dimensão do mal pode levar à desistência, ao lamento, à resignação (passiva). Com facilidade soçobramos ao mal que nos é infligido, gastando-nos, incendiando-nos o coração com trevas. Etty Hillesum tinha tudo para reclamar pelo infortúnio, mas opta pela esperança enraizada em Deus. “Entre a vida que recebemos e a vida que devemos receber oscila a nossa vida, aquela que, de momento, vivemos ou não vivemos… Se toda a dor não alargar os nossos horizontes e não nos tornar mais humanos, libertando-nos das mesquinhices e das coisas supérfluas desta vida, terá sido inútil… O homem ocidental não aceita a dor como parte desta vida: por isso, nunca consegue extrair forças positivas… Fomos marcados para sempre pela dor. Contudo, a vida é maravilhosamente boa... basta que façamos com que Deus, apesar de tudo, esteja em segurança nas nossas mãos".

Publicado na Voz de Lamego, n.º 4371, de 12 de julho de 2016

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

SOFIA LISBOA - NUNCA DESISTAS DE VIVER

SOFIA LISBOA, com Natália Heleno Pereira (2014). Nunca Desistas de Viver. Alfragide: Lua de Papel. 208 páginas.
       Sofia Lisboa era a vocalista dos Silence 4, banda cujo sucesso ainda lhes é reconhecido. Depois da banda terminar, tornou-se professora de fitness. Casou, engravidou, tinha tudo para ter a vida que sempre sonhou. Nova, bonita, realizada profissionalmente, com amigos. Mas eis que o telefonema lhe corta a vida em duas metades (antes e depois do telefonema): leucemia (um tipo dos mais graves). Tinha sobre si a sentença da morte.



       A pessoa que passa por uma grave doença, por um cancro, reage à sua maneira. Parafraseando Tolstoi,  as famílias felizes são iguais, as famílias tristes são originais, pois cada uma sofre à sua maneira, única, especial, irrepetível. Também as pessoas a quem a doença e/ou o sofrimento profundo bate à porta. Não há duas doentes iguais, ainda que a doença seja a mesma. A pessoa, com a sua predisposição, a sua educação, o seu otimismo ou o seu pessimismo, a família e os amigos que têm ou não tem. Tudo é diferente. Refira-se que quando a doença chega não leva em linha de conta se a pessoa é pobre ou rica, feliz ou infeliz, se é feia ou bonita, magra ou mais forte.
       Sofia Lisboa passou por diversas fases. Por momentos de esperança e otimismo, por momentos de tristeza e decepção. Não lhe faltaram os amigos. A família. O marido que a acompanhou intensamente durante o período mais difícil (viriam a separar-se, tão grande foi o desgaste da doença). Logo no início, a perda do bebé, consequência inevitável para iniciar os tratamentos. Foi a primeira grande perda, e com essa perda também a impossibilidade de ser novamente mãe (biológica).
       Vieram os tratamentos. Durante vários meses. Encontrou pelo caminho profissionais que eram amigos e competentes, mas também profissionais indispostos com a vida. A irmã deu-lhe uma segunda vida, já que a medula era compatível. O transplante trouxe a esperança, mas o combate ainda estava longe de ser bem sucedido, física e mentalmente. Para que o próprio organismo aceitasse a medula da irmã, foi submetida a intensos tratamentos, nomeadamente cortisona. Chegou um momento que dependia em tudo dos outros. Aumentou de peso, tinha pelos pelo corpo inteiro, usava fralda, não se podia levantar. Havia dias que o desejo era "partir", não fosse o peso que colocaria na família e nos amigos. Tinha perdido tudo: a beleza, a vida (de outrora), o filho, o marido...
       A família e os amigos fizeram-lhe "ver" que havia que viver não em função da vida anterior mas da que está pela frente. Como ela, como todos, é sempre mais fácil falar.
       Com a recuperação, também a possibilidade de fazer novas coisas, de começar a sair, ainda que com muitos cuidados. Outro dos propósitos era juntar o grupo Silence 4. A David Fonseca, o "razito" que teve o sonho de formar uma banda, apostada no som acústico e em duas vozes, uma masculina e outra feminina, pediu que voltasse a reunir o grupo. Se sobrevivesse então estaria lá para agradecer, cantar, vibrar, se morresse seria uma espécie de tributo e eternização. Uma parte da receita, como veio a acontecer, seria para a Liga Portuguesa contra o Cancro.
        Outro dos propósitos era escrever um livro sobre esta travessia, de forma a ajudar outros a enfrentar a doença com valentia, em lógica de "podemos ser derrotadas mas não desistentes", pois nem tudo depende de nós.
       O livro que ora propomos é precisamente este testemunho eloquente, este desafio, apesar de todas as dificuldades e do sofrimento atroz, é possível não desistir de viver.

Outras LEITURAS anteriormente recomendadas, que enfrentaram o cancro, sob diversas manifestações e com finais diferentes: (Manuel Forjaz, José Maria Cabral e Corbella faleceram pouco tempo depois dos emocionadas testemunhos)
  1. MANUEL FORJAZ: Não te distraias da vida
  2. Manuel Forjaz e JAC: 28 minutos e 7 segundos de vida
  3. José Maria Cabral: O desafio da Normalidade
  4. Fernanda Serrano: Também há finais felizes
  5. Chiara Corbella Petrillo: nascemos e jamais morremos

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Chiara Corbella Petrillo: nascemos e jamais morremos

Simone Triosi e Cristiana Paccini (2014). NASCEMOS E JAMAIS MORREREMOS. Vida de Chiara Corbella Petrillo. Braga: Editorial A.O., 168 páginas.
       Chiara viveu. Casou. Foi mãe de uma filha que morreu 30 minutos depois de ter nascido, foi mãe de um menino que morreu 37 minutos depois de ter nascido. Viu-os nascer para o Céu. Foi mãe do Francesco (Francisco), atrasando a intervenção médica, num carcinoma que se manifestou numa afta, na língua, mas optou por criar todas as condições para que o filho pudesse viver sem correr grandes riscos.
       Viveu com alegria cada momento. O namoro com Enrico Petrillo foi como qualquer namoro, com avanços e recuos, e discussões e separações. Como confessam mais tarde, Deus preparava-os para algo maior.
       Depois de experiências intensas de fé, de oração, de encontro, de reflexão, entregam-se nas mãos de Deus e contraem matrimónio. Em 2008. Em 2009, pouco mais de um ano depois, nasce a primeira filha. Os diagnósticos cedo revelam que Maria Grazia Letizia não tem cérebro. Alguns médicos aconselham o aborto dizendo que logo morrerá ao nascer. Chiara e o marido decidem que ela há de viver, mesmo que sejam alguns minutos. Nasce, é batizada, e, como sublinham, vai para junto de Deus. A anencefalia é um caso muito raro.
       Passado o tempo necessário, para o corpo de Chiara recuperar da gravidez, decidem que não divudam de Deus e que estão disponíveis para gerar uma nova filha. Depois do primeiro caso de anencefalia os riscos são maiores. Fazem todos os exames que lhes sugerem. Nova gravidez, de Davide Giovanni. As primeiras ecografias correm bem. Na terceira, o diagnóstico revela que lhe falta uma perna e na outra tem apenas um pequeno toco. "Para onde nos estás a levar?" Enrico queria ter filhos biológicos mas também ser responsável por uma casa de acolhimento de crianças com deficiência. Desta vez os médicos já nem colocam a pergunta sobre a possibilidade de aborto. O casal preparar-se para acolher o Davide.
       Quarta ecografia, ao Davide faltam também os rins e, por isso, também os pulmões não se poderão desenvolver o suficiente para respirar. Malformações múltiplas na pélvis (bexiga e rins), mostram por antecipação que também este menino viverá apenas alguns minutos. Chiara e Enrico celebram a vida do segundo filho, batizando-o logo depois de nascer para logo nascer para o céu.
       Uma situação não tem a ver com a outra. A situação do segundo filho nem tem nome tal é a raridade com que sucede.
       Recebem alguns conselhos "desinteressados" para não arriscarem nova gravidez. Mas de novo confiam em Deus. E passado pouco tempo, Chiara encontra-se grávida do terceiro filho. Pouco tempo antes da gravidez descobre uma afta na língua a que não liga, mas como vai piorando começa a consultar o dentista, o dermatologista, o otorrinolaringologista. O Francesco continua a crescer dentro da sua mãe.
       As biopsias revelam que é um carcinoma. A primeira intervenção com anestesia local, para não criar dificuldades ao menino, corre bem. Mas quanto antes deverá fazer nova intervenção, quimioterapia ou radioterapia. Os sintomas revelam que tem de ser intervencionada o quanto antes, o que implica um parto prematuro com inerentes perigos para o Davide. mas também aqui a opção é dar todas as garantias, humanamente possíveis, para que o filho possa nascer sem correr mais que os riscos normais.
       Para Chiara no entanto já era muito tarde. O "dragão" espalha-se muito rapidamente. Percebem que os tratamentos já adiantam, pelo que importa viver o tempo que resta com alegria, com intensidade, com fé. Chiara e Enrico dão uma testemunho de tal forma confiante que juntam cada vez mais pessoas para rezarem com eles e partilharem a sua vida de fé esclarecida e de confiança em Deus.
        Chiara morre a 13 de junho de 2012, com 28 anos de idade, com um testemunho de luz e de fé, de vida e de intensidade, de entrega a Deus, de testemunho. Deu tudo o que tinha por amor, a Deus, ao marido, aos filhos.
       Este livro é uma leitura impressionante, comovente, também um tributo do casal amigo que o escreveu. As vidas são todas diferentes, mas o amor de Deus é imenso para cada um de nós. Chega um tempo que a única esperança é CONFIAR em Deus e em tudo aquilo que Ele tem para nos dar. Até ao fim não deixa de rezar (sobretudo pelos outros), de agradecer, de cantar, de tocar violino...

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

LEITURAS: Gabriel Magalhães - Espelho meu

GABRIEL MAGALHÃES. Espelho meu. A leitura diária do Evangelho pode mudar a vida. Paulinas Editora. Prior Velho 2013. 128 páginas.
       Mais um título da coleção "Poéticas do viver crente", coordenada pelo Pe. Tolentino Mendonça.
É um testemunho contado na primeira pessoa. O autor partilha a sua experiência de fé, mostrando como a leitura diária do Evangelho, ainda que um pequeno trecho, pode revolucionar a vida cristã e o compromisso com os outros. Também aqui há conversão e vida nova. O Evangelho, como a participação na Missa, pode passar quase indiferente. Faz parte da tradição. Escuta-se mas sem entrar, sem fazer mossa.
       O autor, como refere, pertence à geração daqueles que  achavam que a Igreja e o cristianismo pertenciam à menoridade, como que paralisando o desenvolvimento lúcido do pensamento e da vida. Aos 24 anos, mais ou menos, revolveu ter o Novo Testamento e lê-lo a partir da sua "perspectiva arrogante", sobretudo como forma de aumentar a cultura geral, já que não passaria disso. Mas a leitura revolucionou a sua vida e a forma de ver o Evangelho, como enriquecimento, como descoberta, como encontro. "Aquele livro era a vida, e a vida era aquele livro... Os Evangelho criam com a realidade uma relação de total fraternidade: de comunhão e de identidade... Os Evangelho são capazes desta transparência por causa da presença de Jesus. Ele é o cristal de amor, através do qual a verdade passa. O que há de mais absoluto nestes textos sagrados são as palavras de Jesus".
       Leitura partilhada do Evangelho. Momentos da vida de Jesus nos quais podemos rever-nos e encontrar-nos.
       Esta é uma reflexão muito interessante. Transparece a vivência quotidiana. Não são palavras de um erudito ou do professor universitário, mas as palavras de um crente cristão que se deixou transformar pelas palavras de Jesus e nos contagia com o seu testemunho. Claramente, a fé não obscurece a vida, pelo contrário e apesar das dificuldades que a todos afetam a fé ilumina, aponta mais para além, justifica e dá sentido à existência.

domingo, 2 de junho de 2013

Francisco - Jesus, Oração, Testemunho, pobreza, caridade

Respostas do Papa Francisco, na Vigília do Pentecostes, na praça de São Pedro, no dia 18 de maio:
Boa tarde a todos!
        É uma alegria para mim encontrar-vos! Juntamo-nos, todos nós, nesta Praça [de São Pedro] para rezar, estar unidos e esperar o dom do Espírito Santo. Eu já conhecia as vossas perguntas e pensei nelas; não se trata, portanto, duma improvisação! A verdade, acima de tudo! Tenho-as aqui, escritas.

       A primeira – «na sua vida, como pôde alcançar a certeza a respeito da fé; e que estrada nos indica para podermos, cada um de nós, vencer a fragilidade da fé? – é uma pergunta de história, pois refere-se à minha história, à história da minha vida.

        Tive a graça de crescer numa família onde se vivia a fé de forma simples e concreta; mas foi sobretudo a minha avó, mãe do meu pai, que marcou o meu caminho de fé. Era uma mulher que nos explicava, falava de Jesus, ensinava o Catecismo. Lembro-me sempre que, na Sexta-Feira Santa, ela nos levava à noite à procissão de velas; no final desta procissão, passava o «Cristo jacente», e a avó fazia-nos – a nós crianças – ajoelhar e dizia-nos: «Olhai! Morreu, mas amanhã ressuscita». Recebi o primeiro anúncio cristão precisamente desta mulher, da minha avó! Tudo isto é muito belo! O primeiro anúncio em casa, com a família! Isto faz-me pensar no carinho que põem tantas mães e tantas avós na transmissão da fé. São elas que transmitem a fé. O mesmo acontecia nos primeiros tempos, porque São Paulo diz a Timóteo: «Recordo a fé da tua mãe e da tua avó» (cf. 2 Tm 1, 5). Oh vós todas, mães e avós que estais aqui, pensai nisto! A transmissão da fé… É que Deus coloca ao nosso lado pessoas que nos ajudam no nosso caminho de fé. Não encontramos a fé no indefinido, não! Mas há sempre uma pessoa que prega, que nos diz quem é Jesus, nos transmite a fé, nos dá o primeiro anúncio. E assim foi a primeira experiência de fé que tive.
       Para mim, porém, há um dia muito importante: 21 de Setembro de 1953 (tinha quase 17 anos); celebrava-se o «Dia do Estudante», sendo, para nós, o início da Primavera, ao passo que, para vós, é o início do Outono. Antes de ir para a festa, passei pela paróquia que habitualmente frequentava: encontrei um padre, que não conhecia, e senti necessidade de me confessar. Esta foi para mim uma experiência de encontro: achei que alguém me esperava. Eu não sei o que se passou, não me lembro; não sei sequer por que motivo estivesse lá aquele padre que eu não conhecia, não sei porque senti aquela vontade de me confessar, mas a verdade é que alguém estava à minha espera. Esperava-me há muito tempo. Depois da confissão, senti que qualquer coisa tinha mudado; eu não era o mesmo. Tinha ouvido como que uma voz, uma chamada: fiquei convencido de que devia tornar-me sacerdote. Na fé, é importante esta experiência. Dizemos que devemos procurar Deus, ir ter com Ele para pedir perdão… Mas, quando chegamos, já Ele está à nossa espera, Ele chega primeiro! Em espanhol, temos uma palavra que explica bem isto: «O Senhor sempre nos primerea», é o primeiro, está à nossa espera! E esta é uma graça mesmo grande: encontrar alguém que te espera. Tu vais pecador, e Ele está à tua espera para te perdoar. Esta é a experiência que os Profetas de Israel descreviam ao dizer que o Senhor é como a flor da amendoeira, a primeira flor da Primavera (cf. Jr 1, 11-12). Antes da chegada das outras flores, aparece ela: é ela que espera. O Senhor espera por nós. E, quando O procuramos, deparamos com esta realidade: é Ele que está à nossa espera, para nos acolher, para nos dar o seu amor. E isto infunde no teu coração uma maravilha tal que nem acreditas, e assim vai crescendo a fé… no encontro com uma pessoa, no encontro com o Senhor. Alguém poderá dizer: «Não, eu prefiro estudar a fé nos livros». É importante estudá-la, mas olhai que isso não basta! O mais importante é o encontro com Jesus, o encontro com Ele; é isto que te dá a fé, porque é precisamente Ele quem te la dá.
       Na pergunta, faláveis também da fragilidade da fé: Como se pode vencê-la? O maior inimigo que tem a fragilidade é o medo. Curioso, não é!? Mas eu digo-vos: Não tenhais medo! Somos frágeis – bem o sabemos –, mas o Senhor é forte! Se tu caminhas com Ele, não há problema. Uma criança – hoje vi tantas! – é fragilíssima, mas, estando com o pai, com a mãe, sente-se segura! Com o Senhor, estamos seguros. A fé cresce com o Senhor, precisamente a partir da mão do Senhor; isto faz-nos crescer e torna-nos fortes. Às vezes, porém, pensamos que podemos arranjar-nos sozinhos; mas não! Pensemos no que aconteceu a Pedro: «Senhor, eu nunca te negarei» (cf. Mt 26, 33-35), mas, quando o galo cantou, já ele O tinha negado três vezes! (cf. vv. 69-75). Pensemos bem nisto: quando temos demasiada confiança em nós mesmos, somos mais frágeis; sim, mais frágeis. Sempre com o Senhor! E quando digo com o Senhor, pretendo dizer com a Eucaristia, com a Bíblia, com a oração..., mas também em família, também com a mãe, também com ela, porque é quem nos leva ao Senhor; é a mãe, é aquela sabe tudo. Por conseguinte, rezar também a Nossa Senhora e pedir-lhe que, como mãe, me faça forte. Isto é o que penso sobre a fragilidade; pelo menos, é a minha experiência. Uma coisa que me faz forte todos os dias é rezar o Terço a Nossa Senhora. Sinto uma força tão grande, porque vou ter com ela e sinto-me forte.

       Passemos à segunda pergunta: «Penso que todos nós aqui presentes sentimos fortemente este desafio – o desfio da evangelização – que está no centro das nossas experiências. Por isso, gostaria de lhe pedir, Santo Padre, que me ajudasse, a mim e a todos nós, a compreender o modo como viver este desafio no nosso tempo. Na sua opinião, qual é a coisa mais importante para a qual todos nós – movimentos, associações e comunidades – devemos olhar para realizar esta tarefa a que somos chamados? Como podemos hoje comunicar, de maneira eficaz, a fé?»

       Só vou dizer três palavras. A primeira: Jesus. Qual é a coisa mais importante? Jesus. Se pretendemos avançar com mais organização, com outras coisas – coisas certamente boas –, mas sem Jesus, não avançamos, não resulta. O mais importante é Jesus. Deixai-me fazer-vos aqui uma pequena advertência, mas fraternalmente, cá entre nós. Todos vós gritastes na Praça: «Francisco, Francisco, Papa Francisco». E Jesus, onde estava? Eu teria gostado que vós gritásseis: «Jesus, Jesus é o Senhor, e está verdadeiramente no meio de nós». Daqui para diante, não digais «Francisco», mas «Jesus»!

       A segunda palavra é: oração. Olhar o rosto de Deus, mas sobretudo – e isto está ligado com o que disse antes – sentir-se olhado. O Senhor olha-nos: é o primeiro que olha. A minha experiência é aquilo que sinto diante do Sacrário quando vou rezar, à noite, diante do Senhor. Às vezes cabeceio um pouco, é verdade! O cansaço do dia faz adormecer. Mas Ele compreende-me. E sinto grande consolação, ao pensar que Ele me olha. Nós pensamos que devemos orar, falar, falar, falar... Não! Deixa-te olhar pelo Senhor. Quando Ele olha para nós, dá-nos força e ajuda-nos a testemunhá-lo. A pergunta era sobre o testemunho da fé, não era? Pois bem; primeiro «Jesus», depois «oração»: sentimos que Deus nos leva pela mão. Sublinho a importância disto: deixar-se guiar por Ele. Isto é mais importante do que qualquer um dos nossos cálculos. Somos verdadeiros evangelizadores, quando nos deixamos guiar por Ele. Pensemos neste caso de Pedro: estava ele talvez a fazer a sesta, quando teve uma visão – a visão da toalha com todos os animais – e ouviu Jesus que lhe dizia qualquer coisa, mas ele não entendia. Naquele momento, chegaram alguns não-judeus chamando-o para ir a certa casa; ele foi e viu como o Espírito Santo estava lá. Pedro deixou-se guiar por Jesus para chegar àquela primeira evangelização dos gentios, que não eram judeus; uma coisa então impensável (cf. Act 10, 9-48). E o mesmo se deu em toda a história… toda a história! Deixar-se guiar por Jesus. O líder é precisamente Ele; o nosso líder é Jesus.

       E terceira: testemunho. Jesus, oração – a oração, este deixar-se guiar por Ele - e depois testemunho. Mas há mais qualquer coisa que gostava de dizer. Este deixar-se guiar por Jesus é abandonar-se às surpresas de Jesus. Pode-se pensar que devemos programar em pormenor a evangelização, pensando nas estratégias, fazendo planos. Mas isto são instrumentos, pequenos instrumentos. O importante é Jesus e deixar-se guiar por Ele. Então podemos fazer as estratégias, mas isso é secundário.

       Finalmente, o testemunho: a comunicação da fé pode-se fazer unicamente através do testemunho; e este é o amor. Não com as nossas ideias, mas com o Evangelho vivido na própria existência, que o Espírito Santo faz viver no nosso íntimo. É como uma sinergia entre nós e o Espírito Santo; e isto leva ao testemunho. Quem faz avançar a Igreja são os Santos, porque são precisamente eles que dão este testemunho. Como disseram João Paulo II e também Bento XVI, o mundo de hoje tem tanta necessidade de testemunhas; precisa mais de testemunhas que de mestres. Devemos falar menos, mas falar com a vida toda: a coerência de vida. Precisamente, a coerência de vida! Uma coerência de vida que seja viver o cristianismo como um encontro com Jesus que me leva aos outros, e não como um facto social. Socialmente aparecemos assim: somos cristãos, cristãos fechados em nós mesmos. Isto não! O testemunho!

       A terceira pergunta: «Deixe-me perguntar-lhe, Santo Padre: Como podemos, eu e todos nós, viver uma Igreja pobre e para os pobres? Como é que o doente é uma interpelação à nossa fé? Que contribuição podemos nós todos, enquanto movimentos e associações laicais, dar concreta e eficazmente à Igreja e à sociedade para enfrentar esta crise que toca a ética pública» – isto é importante! – «o modelo de desenvolvimento, a política, em suma, um novo modo de ser homens e mulheres?»

       Recomeço do testemunho... Antes de mais nada, viver o Evangelho é a principal contribuição que podemos dar. A Igreja não é um movimento político, nem uma estrutura bem organizada. Não é isso! Não somos uma ONG, e quando a Igreja se torna uma ONG perde o sal, não tem sabor, não passa de uma organização vazia. Neste ponto sede sagazes, porque o diabo nos engana; há o perigo do eficientismo. Uma coisa é pregar Jesus, outra é a eficácia, ser eficientes. Isto, não; aquela é outro valor. Fundamentalmente, o valor da Igreja é viver o Evangelho e dar testemunho da nossa fé. A Igreja é sal da terra, é luz do mundo; é chamada a tornar presente na sociedade o fermento do Reino de Deus; e fá-lo, antes de mais nada, por meio do seu testemunho: o testemunho do amor fraterno, da solidariedade, da partilha. Quando se ouve alguns dizerem que a solidariedade não é um valor, mas uma «atitude primitiva» que deve desaparecer... é errado! Está-se a pensar na eficácia apenas mundana. Quanto as momentos de crise, como este que estamos vivendo… Antes tinhas dito que «estamos num mundo de mentiras». Atenção! A crise actual não é apenas económica; não é uma crise cultural. É uma crise do homem: o que está em crise é o homem! E o que pode ser destruído é o homem! Mas o homem é a imagem de Deus! Por isso, é uma crise profunda! Neste tempo de crise, não podemos preocupar-nos só com nós mesmos, fecharmo-nos na solidão, no desânimo, numa sensação de impotência face aos problemas. Não se fechem, por favor! Isto é um perigo: fecharmo-nos na paróquia, com os amigos, no movimento, com aqueles que pensam as mesmas coisas que eu... Sabeis o que sucede? Quando a Igreja se fecha, adoece, fica doente. Imaginai um quarto fechado durante um ano; quando lá entras, cheira a mofo e há muitas coisas que não estão bem. A uma Igreja fechada sucede o mesmo: é uma Igreja doente. A Igreja deve sair de si mesma. Para onde? Para as periferias existenciais, sejam eles quais forem…, mas sair. Jesus diz-nos: «Ide pelo mundo inteiro! Ide! Pregai! Dai testemunho do Evangelho!» (cf. Mc 16, 15). Entretanto que acontece quando alguém sai de si mesmo? Pode suceder aquilo a que estão sujeitos quantos saem de casa e vão pela estrada: um acidente. Mas eu digo-vos: Prefiro mil vezes uma Igreja acidentada, caída num acidente, que uma Igreja doente por fechamento! Ide para fora, saí! Pensai também nisto que diz o Apocalipse (é uma coisa linda!): Jesus está à porta e chama, chama para entrar no nosso coração (cf. Ap 3, 20). Este é o sentido do Apocalipse. Mas fazei a vós mesmos esta pergunta: Quantas vezes Jesus está dentro e bate à porta para sair, ir para fora, mas não O deixamos sair, por causa das nossas seguranças, por estarmos muitas vezes fechados em estruturas caducas, que servem apenas para nos tornar escravos, e não filhos de Deus que são livres? Nesta «saída», é importante ir ao encontro de…; esta palavra, para mim, é muito importante: o encontro com os outros. Porquê? Porque a fé é um encontro com Jesus, e nós devemos fazer o mesmo que Jesus: encontrar os outros. Vivemos numa cultura do desencontro, uma cultura da fragmentação, uma cultura na qual o que não me serve deito fora, a cultura das escórias. A propósito, convido-vos a pensar – e é parte da crise – nos idosos, que são a sabedoria de um povo, nas crianças... a cultura das escórias. Nós, pelo contrário, devemos ir ao encontro e devemos criar, com a nossa fé, uma «cultura do encontro», uma cultura da amizade, uma cultura onde encontramos irmãos, onde podemos conversar mesmo com aqueles que pensam diversamente de nós, mesmo com quantos possuem outra crença, que não têm a mesma fé. Todos têm algo em comum connosco: são imagens de Deus, são filhos de Deus. Ir ao encontro de todos, sem negociar a nossa filiação eclesial.

         Outro ponto importante são os pobres. Se sairmos de nós mesmos, encontramos a pobreza. Hoje… – dizê-lo faz doer o coração - hoje encontrar um sem-tecto morto de frio não é notícia. Hoje é notícia, talvez, um escândalo. Um escândalo: ah, isso é notícia! Hoje pensar que muitas crianças não terão que comer não é notícia. Isto é grave; sim, grave! Não podemos ficar tranquilos! Bem! As coisas estão assim. Não podemos tornar-nos cristãos engomados, aqueles cristãos demasiado educados que falam de coisas teológicas enquanto tomam o chá, tranquilos. Isto não! Devemos tornar-nos cristãos corajosos e ir à procura daqueles que são precisamente a carne de Cristo, aqueles que são a carne de Cristo! Quando vou confessar – não aqui; aqui ainda não posso, porque sair para confessar... daqui não se pode sair, mas isso é outro problema – quando, na diocese anterior, ia confessar, vinham as pessoas e eu sempre lhes fazia esta pergunta: «Dá esmolas?» «Sim, padre!» «Muito bem!» Mas fazia-lhe mais duas: «Diga-me, quando dá esmola, fixa nos olhos aquele ou aquela a quem dá a esmola?» «Bem, não sei, não me dou conta». Segunda pergunta: «E quando dá esmola, toca a mão da pessoa a quem dá a esmola ou lança-lhe a moeda?» Este é o problema: a carne de Cristo, tocar a carne de Cristo, assumir este sofrimento pelos pobres. A pobreza, para nós cristãos, não é uma categoria sociológico, filosófica ou cultural. Não! É uma categoria teologal. Diria que esta é talvez a primeira categoria, porque aquele Deus, o Filho de Deus, humilhou-se, fez-se pobre para caminhar connosco ao longo da estrada. E esta é a nossa pobreza: a pobreza da carne de Cristo, a pobreza que nos trouxe o Filho de Deus com a sua Encarnação. A Igreja pobre para os pobres começa pelo dirigir-se à carne de Cristo. Se nos fixarmos na carne de Cristo, começamos a compreender qualquer coisa, a compreender o que é esta pobreza, a pobreza do Senhor. E isso não é fácil! Mas aos cristãos apresenta-se-lhes um problema que não lhes faz bem: o espírito do mundo, o espírito mundano, a mundanidade espiritual. Isto faz-nos sentir autónomos, viver o espírito do mundo, e não o de Jesus.

        Quanto à pergunta que me fazíeis: como se deve viver para enfrentar esta crise que toca a ética pública, o modelo de desenvolvimento, a política? Pensar que esta é uma crise do homem, uma crise que destrói o homem, uma crise que despoja o homem da ética. Na vida pública, na política, se não houver a ética, uma ética de referimento, tudo é possível e tudo se pode fazer. E, quando lemos os jornais, vemos como a falta de ética na vida pública causa tanto dano à humanidade inteira.

       Gostaria de contar-vos uma história. Já o fiz duas vezes esta semana, mas farei uma terceira convosco. É a história que narra um midrash bíblico de um rabino do século XII. Ao contar a história da construção da Torre de Babel, diz ele que, para construir a Torre de Babel, era necessário fazer os tijolos. Que significa isto? Ir, empastar o barro, trazer a palha, misturar tudo, e depois… forno. E quando o tijolo estava pronto tinha de ser carregado lá para cima, para a construção da Torre de Babel. Enfim, o tijolo era um tesouro, considerando todo o trabalho que se requeria para o fazer. Quando caía um tijolo, era uma tragédia nacional e o trabalhador culpado era punido; era tão precioso um tijolo que, se caísse, era um drama. Mas, se caía um trabalhador, não sucedia nada; era um caso completamente diverso. O mesmo sucede hoje: se os investimentos em bancos caem um pouco, é uma tragédia! Que havemos de fazer? Mas, se as pessoas morrem de fome, se não têm que comer, se não têm saúde, isso não importa! Esta é a nossa crise de hoje! E o testemunho de uma Igreja pobre para os pobres vai contra essa mentalidade.

       A quarta pergunta: «Vendo estas situações, parece-me que a minha confissão, o meu testemunho seja tímido e desajeitado. Gostaria de fazer mais, mas o quê? E como ajudar estes nossos irmãos? Como aliviar o seu sofrimento, não tendo possibilidade de fazer nada, ou pelo menos muito pouco, para mudar o seu contexto político e social?»

       Para anunciar o Evangelho, são necessárias duas virtudes: a coragem e a paciência. Eles [os cristãos que sofrem] estão na Igreja da paciência. Eles sofrem e há mais mártires hoje do que nos primeiros séculos da Igreja. Sim, mais mártires! Irmãos e irmãs nossos, que sofrem! Levam a fé até ao martírio. Mas o martírio nunca é uma derrota; o martírio é o grau mais alto do testemunho que devemos dar. Nós estamos a caminho do martírio, de pequenos martírios: ao renunciar a isto, ao fazer aquilo... vamos a caminho. E eles, coitados, dão a vida, mas dão-na – acabámos de ouvir a situação no Paquistão – por amor de Jesus, testemunhando Jesus. Um cristão deve ter sempre esta atitude de mansidão, de humildade; precisamente a atitude que têm eles, confiando em Jesus, confiando-se a Jesus. É preciso notar que, muitas vezes, estes conflitos não têm uma origem religiosa; frequentemente há outras causas de tipo social e político, e infelizmente as filiações religiosas acabam por ser utilizadas como gasolina sobre o fogo. Um cristão sempre deve ser capaz de responder ao mal com o bem, ainda que muitas vezes seja difícil. A estes irmãos e irmãs, procuremos fazer-lhes sentir que estamos profundamente unidos à sua situação, que sabemos que são cristãos «entrados na paciência». Quando Jesus vai ao encontro da Paixão, entra na paciência. Eles entraram na paciência: há que fazê-lo saber a eles, mas também fazê-lo saber ao Senhor. Deixai que vos faça uma pergunta: Rezais por estes irmãos e estas irmãs? Rezais por eles, na oração de todos os dias? Eu não vou pedir agora que levantem a mão aqueles que rezam. Não o pedirei... Mas tende-o bem em conta. Na oração de cada dia, digamos a Jesus: «Senhor, olha este irmão, olha esta irmã que sofre tanto, tanto!» Eles fazem a experiência do limite, precisamente do limite entre a vida e a morte. E esta experiência deve levar-nos também a promover a liberdade religiosa para todos, para todos! Cada homem, cada mulher deve ser livre na sua própria confissão religiosa, seja ela qual for. Porquê? Porque aquele homem e aquela mulher são filhos de Deus.

       E, assim, creio ter respondido de algum modo às vossas perguntas. Peço desculpas se fui demasiado longo. Muito obrigado! Obrigado a todos vós! E não esqueçais: não queremos uma Igreja fechada, mas uma Igreja que sai, que vai às periferias da existência. Que o Senhor nos guie nelas! Obrigado!