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quinta-feira, 17 de maio de 2018

Alberto Mendes - CUIDADOS PALIATIVOS

MENDES, A.P.M. (2016). Cuidados Paliativos. Diagnóstico e intervenção espiritual. Lisboa: Multinova. 144 páginas.
       A vida é a raiz, o fundamento, o início de tudo o que tem a ver com o ser humano. Só depois vem o sofrimento, a morte, os conflitos, a desistência, a comodidade, a inveja, o egoísmo! Por conseguinte, para a Igreja, para os cristãos, mas também para cada pessoa de boa vontade, a vida deveria estar em primeiro lugar, a vida e o bem, a verdade e a beleza, a bondade e a ternura, a compaixão e o amor!
       Num tempo em que a comodidade é colocada em primeiro lugar, o sofrimento surge como um empecilho mortal, e aqueles que sofrem roubam-nos a tranquilidade de uma vida indolor! Com efeito, tudo devemos fazer para resistir ao mal e combater o sofrimento! Tudo, tudo o que nos humaniza e dá mais qualidade à nossa vida e das pessoas que estão à nossa beira. O sofrimento, a doença e a morte estão no horizonte da vida, mas deveria prevalecer a amizade, a empatia, a audácia de gastar a vida a favor dos outros.
       Aproximamo-nos perigosamente do fim, pois a vida parece deixar de ser mistério, dom, e de ser inviolável, para ser descartável, tal como as pessoas. A vida é manipulável desde o início até ao fim, logo que surjam dificuldades ou se vislumbre sofrimento. A resposta de alguns ou de muitos, e do Estado parece ser: acabe-se com a vida para acabar com o sofrimento! Depois da despenalização do aborto, da sua legalização e do financiamento do mesmo, em nome da modernidade, é agora tempo de discutir e propor a eutanásia e suicídio assistido, legalizando, promovendo e financiando a morte, quando, por todas as razões, se deveria apoiar, promover, proteger, financiar, celebrar a vida, dispensando recursos para tal!
       Neste contexto, pode ser incluído e recomendado um livro como este, que enfrenta as incompreensões do sofrimento, da doença e da morte inevitável, procurando ajudar, envolver e minorar o sofrimento dos doentes (terminais), apoiando também as suas famílias, reconhecendo-os como interlocutores, respeitando os seus ritmos, os silêncios.
       A proposta é abrangente, multidisciplinar, contemplado clínicos, psicólogos, capelão, atendendo aos aspetos físicos, psicológicos, espirituais, procurando uma permanente ligação à família. A diminuição da dor passa também por dignificar o mistério da pessoa, as suas dúvidas e anseios, os seus medos e os seus ritmos. 

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Pe. Tolentino Mendonça - O Hipopótamo de Deus

José TOLENTINO MENDONÇA. O Hipopótamo de Deus. Quando as perguntas que trazemos valem mais o que as respostas provisórias que encontramos. Paulinas Editora, 320 páginas.
       Mais um extraordinário livro que agrega várias reflexões de Tolentino de Mendonça, com a idiossincrasia bem portuguesa, madeirense, cristão, poeta. Em cada texto um olhar de esperança, de desassossêgo, de provocação, de desafio, numa prosa bem poética como nos tem habituado nas suas publicações e/ou intervenções. Uma linguagem simples, familiar, tocando realidades distintas, cultura, religião, fé e fado, raízes madeirenses, e raízes do poeta, família, vida e morte e sofrimento, pintura, literatura e religião, música, economia, imperfeição, Fátima, e o silêncio de Deus, Advento, Natal e Páscoa, Outono e Inverno, Verão e Primavera e as diferentes idades do ser humano, a vocação, ser padre e ser poeta, a cruz e a bondade, filosofia e filósofos...
       Desde logo a justificação do título deste conjunto de escritos, que acompanha a publicitação do livro:
"Um dos passos mais belos da Bíblia tem a ver com um hipopótamo. E não é propriamente um divertimento teológico, pois surge numa obra que explora muito seriamente a experiência do Mal. Falo do Livro de Job, claro. O que primeiro nos surge ali é o protesto de Job contra o Mal que se abate inexplicavelmente sobre a sua história, protesto que se estende até Deus. Mas depois vem o momento em que Deus se propõe interrogá-lo. E, nesse diálogo, desenvolve-se um raciocínio que não pode ser mais desconcertante. Job só consegue pensar nas suas dores e nos porquês com os quais, inutilmente, esgrime. Deus, porém, desafia-o a olhar de frente para… um hipopótamo. O método de Deus neste singular encontro com Job é abrir a medida do seu olhar, rasgá-lo imensamente a tudo o que é grande, a tudo o que não tem resposta, mostrando-lhe que se o Mal é um enigma que nos cala, o Bem é um mistério ainda maior".
       Muitas reflexões oportunas. Lido em diferentes ocasiões podem haver um texto que chame mais atenção. Curioso o título e o texto: Onde é a nossa casa?
       "Acho que foi Alberto Camus que disse que a questão mais premente do nosso tempo é cada homem descobrir onde é a sua casa... Dia a dia há uma rota que voltamos a trilhar sem especiais hesitações, entre a fadiga e a esperança, cruzando as paredes do tempo: esse é o caminho para a nossa casa. Cada um cumpre, mesmo sem especial reflexão, trajetórias e rituais que são seus: a estrada que escolhe para regressar (sempre a mesma, sempre a mudar...); a forma familiar que tem diariamente de rodar a chave; o modo (mais lento, mais repentino) de abrir para o que ali habita; aquela fração de segundo, absolutamente impressiva, antes da primeira palavra, em que a casa inteira parece que vem ao nosso encontro, ofegante ou em puro repouso...
       ... cada pessoa tem o irrecusável dever de descobrir-se, vivendo com paixão e sabedoria a construção de si, esse processo que, por definição, está em aberto e que ao longo da existência se vai efetivando. NÓS SOMOS A NOSSA CASA. E poder dizer isso, com simplicidade e verdade, equivale a perpetuar aquilo que Albert Camus também escreveu: «no meio de um inverno, finalmente aprendi que havia dentro de mim um verão invencível» (pp 141-142).

Dois lugares para visitar acerca deste livro:

(que publicou alguns dos textos agora coligidos,
por exemplo o que partilhamos aqui: "Onde é a nossa casa?".

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Tolentino Mendonça - noção de resto - resta sempre Deus

       Relativizada a cerca confessional, a religião torna-se um apetecível baldio para a produção científica e cultural mais diversa, num fenómeno aparentemente inesgotável de mediatização, onde todos têm alguma coisa a dizer: sociólogos, antropólogos, pensadores de teoria política, novelistas... Ao mesmo tempo, vão ganhando plausibilidade, aplicadas ao religioso, expressões que aos ouvidos de outros séculos pareceriam de todo insólitas, como «restrição de campo», «reconfiguração», «deslocação para a esfera intima», «mudança de papel social», «religião implícita», expressões que muito dizem do processo epocal em que estamos.
       Este é um processo que se percebe ser de longa duração e que não é apenas externo em relação às religiões. Também no interior destas se tem sentido equivalente reverberação. Para expressar o estremecimento interno ao religioso, Danièle Hervieu-Léger recorre à expressão «religião em movimento», entendendo-a como o complexo e diversificado processo de autorrecomposição em curso (particularmente no universo religioso cristão ocidental).
       Neste clima dominado por uma certa hesitação, há mesmo espaço para posições mais exasperadas, como as que defendem: «Será necessário um dia nos desembaraçarmos deste termo falacioso: a religião» (Régis Debray). Numa cena hilariante de um filme de Pedro Almodóvar, uma escritora de thrillers, a passar por uma turbulência criativa, diz: «Não é fácil desembaraçar-se de um cadáver.» Ora, no debate entre religião e modernidade, precisamente este embaraço ou, para dizer com maior rigor, esta impossibilidade radical de um polo excluir o outro tem sido um dos traços mais persistentes e porventura também mais portadores de futuro.
       Marcel Gauchet, por exemplo, apropria-se do sintagma «desencantamento do mundo» para uma marcante viagem pela paisagem da modernidade. A proposta de Gauchet não é anunciar o fim da religião, mas descrever sim as transformações que a época contemporânea regista. E fá-lo através de uma inusual categoria, que a meu ver ainda não tem colhido a atenção critica que merece: a noção de resto. Explicitando a dialética entre o declínio da religião como função social e a sua persistência no plano pessoal, o autor fala de «um resto, talvez inalienável», que pode detetar-se em determinadas vivências fundamentais. Veja-se, a título de ilustração, tanto a experiência estética como a experiência dilemática que somos para nós próprios. Para Marcel Gauchet, a nossa capacidade de emoção perante o desabalado espetáculo das coisas provém, de um modo vital e recôndito, da inscrição no ser, e através dessa inscrição nós comunicamos com isso que foi por milénios o sentido do sagrado. Isto que, sem dúvida, pode desencadear um interminável debate, é por ele sintetizado de um modo liminar: «A arte, no sentido específico em que nós modernos a compreendemos, é a continuação do sagrado por outros meios.»
       Por outro lado, se alguma coisa resume a consciência que vamos ganhando de nós mesmos é que constituímos um enigmático objeto de pensamento. Somos uma pergunta que se sobrepõe às respostas que existencialmente (e historicamente) vamos encontrando. As nossas sociedades tomaram-se psiquicamente extenuantes para os indivíduos e parece faltar um suporte para as difíceis questões que sopram com maior frequência: «Porquê a mim?»; «Que fazer da minha vida quando estou sozinho a decidir?»; «Para que serve ter vivido se devemos desaparecer sem deixar traço?» Um resto de religião é assim o que se observa nesta dor humana, nunca completamente resolvida. Por isso, mesmo quando parece que de Deus nada resta, persiste e insinua-se sempre mais do que julgamos.

José Tolentino Mendonça, in Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Papa Francisco - sobre o idoso

Bergoglio:
       "São muitos os que abandonam quem lhes deu de comer, quem os educou, quem lhes limpou o traseiro. Dói-me, faz-me chorar por dentro. E nem vale a pena falar daquilo a que chamo eutanásia encoberta: o tratamento indevido dados aos idosos nos hospitais e nas instituições de assistência social, a quem não dão os medicamentos e a atenção de que necessitam. O idoso é o transmissor da história, que nos traz lembranças, a memória do povo, da nossa pátria, da família, de uma cultura, de uma religião...
       Com setenta e quatro anos estou prestes a começar a velhice. Não resisto. Estou a preparar-me e queria ser como o vinho envelhecido, não vinho passado. A amargura do idoso é pior do que qualquer outra, porque não tem retorno. O idoso é chamado à paz, à tranquilidade. peço essa graça para mim.
       ... Olhar para um idoso é reconhecer que esse homem fez o seu caminho até mim. Há um desígnio de Deus que caminha com esta pessoa, que começou com os seus antepassados e que continua com os seus filhos. Quando acreditamos que a história começa connosco, começamos a não honrar o idoso...

in JORGE BERGOGLIO e ABRAHAM SKORKA, Sobre o Céu e a Terra.

Papa Francisco e Skorka - sobre a MORTE

Bergoglio:
       "A morte é um despojamento, por isso se vive com angústia. Estamos agarrados à vida e não queremos ir, temos medo. E não há imaginação do além que nos liberte disso. Até o mais crente sente que o estão a despojar, que tem de abandonar parte da sua existência, da sua história. São sensações intransferíveis. Talvez aqueles que estiveram em coma tenham percebido alguma coisa. Nos Evangelhos, o próprio Jesus, antes da oração no Monte das Oliveiras, diz que a sua alma sente angústias de morte. Tem medo do que O espera, está escrito. Segundo os relatos evangélicos, morre recitando o salmo XXI: «Deus meu, Deus meu, porque me abandonaste». Disso ninguém se salva. Eu confio na misericórdia de Deus, que é benévolo. Digamos que não é uma angústia com anestesia, mas com capacidade para a suportar.
Skorka:
       "É muito angustiante saber que o tempo é limitado, e mais ainda não saber onde reside o limite. É terrível pensar que a nossa existência é um absurdo da natureza e nada mais, que tudo termina inexoravelmente na morte. Desta forma, a vida não teria sentido, nem os valores nem a justiça... Seria um pensamento extremo. Restam duas possibilidades: para aquele que não quer abordar o tema de Deus, a natureza humana tem um sentido intrínseco, a mensagem de bondade, de justiça, passa de geração em geração, e nós, que temos fé em Deus, evidentemente acreditamos que uma centelha de Dele está em nós e que a morte não é mais do que uma mudança numa situação.
Bergoglio:
       "... Caminhar é uma responsabilidade criativa no sentido de cumprir com o mandamento divino: crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra. Os primeiros cristãos associavam a imagem da morte à da esperança e usavam a âncora como símbolo. Então, a esperança era a âncora que mantínhamos cravada na margem, e com a corda íamo-nos agarrando para avançar, sem nos desviarmos. A salvação reside na esperança, que se nos irá revelar plenamente, mas, entretanto, mantemo-nos agarramos à corda e fazemos o que achamos que temos de fazer. São Paulo diz-nos «Em esperança, estamos salvos»...
       É a esperança que estrutura todo o nosso caminho. O perigo é apaixonarmo-nos pelo caminho e perdermos a meta de vista, e outro perigo é o quietisno: ficar a olhar a meta e não fazer nada pelo caminho...

in JORGE BERGOGLIO e ABRAHAM SKORKA, Sobre o Céu e a Terra.

domingo, 23 de junho de 2013

Abraham Skorka - sobre o fundamentalismo


Skorka:
       "Temos que honrar Deus através da liberdade e honrando o outro. Deus diz que tenho de respeitar o próximo como a mim mesmo. Quando um judeu reza todos os dias, a oração começa assim: «Deus nosso e Deus de nossos pais, Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacob...» Por que motivo é necessário repetir o vocábulo antes de cada Patriarca? Porque cada um deles se relacionou de maneira diferente com Ele. Ninguém pode impor uma verdade sobre o outro, arbitrariamente. Esta deve ser ensinada, induzida, e cada um expressará essa verdade à sua maneira, no seu sincero sentir, algo que o fundamentalismo rejeita.
       Como o outro não vive como eu acredito que Deus diz que terá de viver, então posso matá-lo. Este é o extremo do fundamentalismo...

in JORGE BERGOGLIO e ABRAHAM SKORKA, Sobre o Céu e a Terra.

Papa Francisco - sobre Deus e o homem com-criador

Bergoglio:
       ... transformar o tronco numa mesa...  o trabalho do homem face a Deus e face a si mesmo deve manter-se numa tensão constante entre a dádiva e a tarefa. Quando o homem fica apenas com a dádiva e não realiza a tarefa, não cumpre a sua ordem e permanece primitivo; quando o homem se entusiasma demasiado com a tarefa, esquece-se da dádiva, cria uma ética construtivista: pensa que tudo é fruto das suas mãos e que não há dádiva. É aquilo a que eu chamo a síndrome de Babel..

Skorka:
       ... O Midrash diz que Deus se aborreceu pelo facto de os construtores se importarem mais por perder um tijolo do que por dessa altura poder cair um homem...

in JORGE BERGOGLIO e ABRAHAM SKORKA, Sobre o Céu e a Terra.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Papa Francisco - sobre o diálogo

Jorge Bergoglio:
       ... Por momentos, chegamos a identificar-nos mais com os construtores de muralhas do que com os de pontes. Faltam o abraço, o pranto e a pergunta pelo pai, pelo património, pelas raízes da pátria. Há falta de diálogo...
        O diálogo nasce de uma atitude de respeito pela outra pessoa, de uma convicção de que o outro tem algo de bom para dizer, pressupõe criar espaço no nosso coração para o seu ponto de vista, para a sua opinião e para a sua proposta. Dialogar implica uma receção cordial, e não de uma condenação prévia. Para dialogar teremos de saber baixar a guarda, abrir as portas de casa e oferecer calor humano.
       São muitas as barreiras que diariamente impedem o diálogo: a desinformação, a intriga, o preconceito, a difamação, a calúnia. Todas estas realidades constituem um certo azedume cultural, que sufoca qualquer abertura aos outros. E assim se trava o diálogo e o encontro.

in JORGE BERGOGLIO e ABRAHAM SKORKA, Sobre o Céu e a Terra.

domingo, 16 de junho de 2013

Papa Francisco - Deus encontra-nos no caminho

Bergoglio:
       "Excelente palavra «caminho»! Na experiência pessoal de Deus não posso prescindir do caminho. Diria que a Deus encontra-se caminhando, andando, quando O procuramos e deixamos que Ele nos procure. São dois caminhos que se encontram. Por um lado, o nosso, que O procura, impulsionado por este instinto que flui do coração. E depois, quando nos  encontramos, apercebemo-nos de que Ele já nos procurava, de que já nos precedeu. A experiência religiosa primordial é a do caminho: «Caminha até à terra que te irei indicar» (Gen 12,1). É uma promessa que Deus faz a Abraão. E, nessa promessa, nesse caminho, estabelece-se uma aliança que se vai consolidando ao longo dos séculos. Por isso digo que a minha experiência com Deus tem lugar no caminho, na procura, no deixar que me procurem. Pode ser por diversos caminhos: o da dor, o da alegria, o da luz, o da escuridão.

in JORGE BERGOGLIO e ABRAHAM SKORKA, Sobre o Céu e a Terra.
Sobre Deus: ver em Livraria FUNDAMENTOS

domingo, 2 de junho de 2013

Papa Francisco - sobre o Céu e a Terra

        Depois da Sua eleição, no passado dia 13 de março, tem surgido diversos escritos do atual papa Francisco. Era expectável, que muitos procurassem de imediato saber o que já disse, fez, o que escreveu, as mensagens mais emblemáticas, gestos mais relevantes, acontecimentos mais transformadores, e, claro, para outros, ver o que poderia gerar crítica ou escândalo.
       Começamos por sugerir uma primeira leitura, juntando as primeiras palavras de Francisco, com as últimas de Bento XVI: BENTO XVI, Embora me retire continuo unido a vós. Discursos de Bento XVI e SAVERIO GAETA. Papa Francisco. A vida e os desafios. Este constitui uma primeria abordagem biográfica de Jorge Bergoglio, agora Papa Francisco, com algumas citações de frases, intervenções, mensagens, homilias...
       Mais completo, quanto aos temas tratados, a célebre entrevista ao então Cardeal Jorge Bergoglio, assumindo o título "O Jesuíta", que recebeu nova edição: SERGIO RUBIN e FRANCESCA AMBROGETTI, Papa Francisco. Conversas com Jorge Bergoglio.
       Este título que agora apresentamos é um extraordinário encontro de um cristão e de um judeu, um cardeal e um rabino, num diálogo muito profícuo, com muitos pontos de contacto, de respeito, admiração, humildade, mostrando que a sabedoria leva à concórdia e a buscar o que verdadeiramente é ponte para os outros. Para haver diálogo é inevitável e necessário que cada um se apresente com os seus princípios, ideias, convicções, com abertura, não para desistir da sua identidade, mas para a enriquecer com as convicções dos outros. Se há pura cedência de uma das partes, não há diálogo. Se há imposição também não. Mas se existe humildade é possível encontrar pontos de contacto que ajuda a entender o mundo e a humanidade, procurando soluções ou pelo menos caminhos.
JORGE BERGOGLIO e ABRAHAM SKORKA, Sobre o Céu e a Terra. Clube do Autor. Lisboa 2013, 224 páginas.

       O então cardeal Jorge Bergoglio e Abraham Skorka já se tinha encontrado em diversas ocasiões, tornando-se amigos, abordando diversos temas da fé, da vida, da política. Inclusive, já tinham escrito prefácios para livros um do outro. Por que não colocar por escrito os diálogos entre ambos.
       Este livro nasce dessa vontade comum de partilhar com outros as conversas tidas ao longo dos anos, sinalizando desde logo que é possível, e até necessário, que pessoas de diferentes credos, comungarem o essencial da vida.
       São variados os temas: sobre Deus, o Diabo, a oração, a culpa, a morte, a eutanásia, o aborto, a mulher, os idosos, o fundamentalismo, o divórcio, a política, a educação, o dinheiro, a pobreza, sobre o holocausto, sobre o casamento de pessoas do mesmo sexo, sobre o conflito israel-árabe, ou sobre a evolução política e social da Argentina.
       Muito clarificador. Mais um livro que se lê com muito agrado, quer nas intervenções do atual Papa, quer nas palavras do rabino Skorka. Com sabedoria e simplicidade, numa abordagem que desafia, e envolve, pois traz a experiência de vida de cada uma dos intervenientes.
       Por outro lado, e no que diz respeito ao Papa Francisco, pode constatar-se que a mensagem que tem chegado ao mundo inteiro é genuína, não surge de repente, é fruto da vida, da experiência, do estudo, da oração, de milhentas situações concretas. Lendo o Jesuíta, ou lendo este (bom seria ler os dois títulos - já há outros) fica-se a conhecer bem melhor o pensamento de Francisco, os seus gestos e as suas mensagens sobre humildade, serviço, pobreza, diálogo, pontes em vez de muros.

       No Youtube podem encontrar-se outras conversas, do Papa com Abrahm Skorka:

sexta-feira, 8 de março de 2013

Igualdade: a preservação das diferenças

O elogio da igualdade acontece pela valorização do que é distinto. Apresentando o tema que preside às actividades do Secretariado da Pastoral da Cultura durante o ano 2010, D. Manuel Clemente sublinhou a necessidade de, nas sociedades actuais, salvaguardar o que é diferente para que seja possível construir a igualdade entre as pessoas.
       “O género ou a raça não são necessariamente limites à igualdade a realizar, mas a possibilidade de se ser com os outros, dando e recebendo”. Para D. Manuel Clemente, “a igualdade só pode acontecer entre seres distintos”. “Entre seres absolutamente idênticos, não haveria campo para a igualdade” porque, referiu o Presidente da Comissão Episcopal da Cultural, Bens Culturais e Comunicações Sociais, a igualdade “pressupõe relação”.

Masculino e feminino:
       Para D. Manuel Clemente, hoje “temos de considerar um certo tropeço da ‘indistinção’ a surgir no caminho da igualdade. O que se deve à aceleração que a Europa conheceu no domínio da ciência e da técnica, com a “mentalidade conexa”.
       “Trazidas do campo da natureza para a pessoa humana, começou esta a ser encarada mais como algo a produzir do que simplesmente a reproduzir”, referiu D. Manuel Clemente.
       Mais do que como produto da natureza, o ser homem ou ser mulher começou a ser encarado com escolha livre. Para o Bispo do Porto, escolhe-se “o que se queira ou o que se sinta ser, alterando a fisiologia pela tecnologia”.
       Para D. Manuel Clemente, a igualdade garante especificidades: geográficas e de género. Ideias que desafiam a acção dos referentes da pastoral da cultura porque a norma dos tempos actuais sugere “vontade de ser tudo, sem limites naturais ou institucionais de qualquer espécie”.
       Culturalmente, andará por perto o tempo da “deriva libertária do liberalismo”. Ou seja, “a liberdade sem referência”, como um sentimento individual “sem relação”.

Desafios aos Referentes da Pastoral da Cultura:
       Aos participantes no VI Encontro de Referentes da Pastoral da Cultura, D. Manuel Clemente desafiou a “ligar propostas evangelizadoras e realidades locais valorizando, ou seja distinguindo positivamente, lugares, tradições e modos e potenciando-os para o futuro como identidades intercambiadas”.
       Por outro lado, o Bispo do Porto alertou para a oportunidade de aprofundar os “modos feminino e masculino”, dos autóctones e dos imigrados que vêm de outras culturas. Para D. Manuel Clemente, esse aprofundamento deverá ser feito nas dimensões bíblica, antropológica e cultural.

Elogio da igualdade:
       No VI Encontro, os Referentes da Pastoral da Cultura apresentaram as iniciativas a decorrer ou programadas nas instituições que representam. Foi também uma oportunidade para lançar as actividades para 2010, que este ano, quer propor “um novo elogio da igualdade”.
       “Dedicámos o ano passado a pensar os novos caminhos da liberdade”. Depois da igualdade, o próximo ano será para analisar temáticas sobre a fraternidade.
       O Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura assinala assim o Centenário da República, “não como acontecimento do passado mas como realidade presente”. O Pe. José Tolentino Mendonça, Director deste Secretariado, referiu que esta é uma forma de “revisitar, em chave cristã, a herança tricolor de liberdade, igualdade e fraternidade”.

Notícia desenvolvida pela Agência Ecclesia.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Editorial Agência Ecclesia - No labirinto da crise

«A Humanidade só pode crescer como um todo» e «esse todo não é apenas material, mas sobretudo espiritual e cultural»
       Procuram-se soluções. Desejam-se certezas sobre o amanhã. É grande a vontade de ter respostas, de saber, sem rodeios nem enganos, o que fazer e com o que contar.
       Poucas vezes, porém, se murmuram interrogações sobre o sentido das coisas e da vida, sobre o ser pessoa neste tempo, as razões para ser mais e melhor todos os dias.
       Os problemas sociais e económicos, individuais e da sociedade, parecem fazer esquecer o essencial da existência, aquilo que não se contabiliza em folhas de cálculo ou em listagens de estatísticas.
       Sem esquecer a necessária luta pela justiça social e pela conquista da dignidade de vida para todas as pessoas, é preciso primeiro clarificar as questões que derivam da procura do sentido da vida, do valor dado a cada momento e das motivações imediatas e últimas. Só posteriormente se podem encontrar soluções para os problemas de âmbito económico e social.
       José Mattoso, na recolha de artigos e conferências em torno do tema da sabedoria, publicados no livro “Levantar o Céu – Os labirintos da Sabedoria”, responde a estes dois grupos de questões. Este volume, fundamentado na investigação da História e na profundidade espiritual do autor, oferece um quadro interpretativo do momento presente, informa sobre as opções civilizacionais que lhe deram origem e aponta para as necessárias mudanças de rumo. Nestas páginas, sim, encontram-se as soluções para os problemas do amanhã, aqueles que todas as pessoas anseiam ver resolvidos. Mas com surpresas.
       “A Humanidade só pode crescer como um todo” e “esse todo não é apenas material, mas sobretudo espiritual e cultural”, sustenta o autor.
       Para “encontrar a saída do labirinto em que a vida nos coloca”, José Mattoso sugere a procura do “desenvolvimento espiritual, cultural e solidário, orientado para o progresso integral do homem e não apenas para o benefício de uma minoria egoísta, irresponsável e predadora”.
       Como o conseguir? – a resposta é do historiador: “Creio que a perspetiva meramente ética, cívica e laica acerca do valor do princípio da cidadania como fator de desenvolvimento humano é ineficaz. Encerra os cidadãos num plano limitado e material, e este torna-se inoperante para neutralizar a tendência egoísta e gananciosa do homem. Se queremos manter a esperança num futuro melhor para a Humanidade temos de recuperar a noção do sagrado”.
       A celebração do Ano da Fé pode oferecer uma ocasião de excelência para essa recuperação da “noção do sagrado” na procura de um futuro melhor para a Humanidade.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

DEUS, incómodo?

        De há muito tempo a esta parte, Deus parece ser um incómodo para a Europa e para muitos europeus.
       Pensam (as instituições e as pessoas) que seria bem melhor – ou, pelo menos mais prático, se Ele não existisse. E muitos nem sequer pensam. Simplesmente vivem como se Ele não existisse: no fundo, para quê preocupar-nos se, depois, Deus não protesta, não nos acusa em tribunal, não nos faz perder dinheiro ou fama? Pelo contrário, parece antes que viver como se Ele não existisse é mais proveitoso: podemos levar a vida que nos é possível, que queremos ou sonhávamos. Podemos viver dando largas à nossa imaginação e, com ela, “fintar” a própria justiça humana – no fundo, “o problema não é roubar: é ter roubado e ser apanhado!”
       Porque, se Deus não existe, então a justiça é aquela que eu determino para mim mesmo, ainda que, depois, exista a justiça dos homens e das leis (a tal que convém iludir, ultrapassar, ou manipular a meu proveito); se Deus não existe, eu posso fazer de deus e comprar a vida dos outros, desde que tenha dinheiro, ou poder, ou simplesmente que tenha “charme” para tal; se Deus não existe, mesmo que diante de todos eu diga que desejo a paz e a harmonia entre pessoas e nações, então posso bem promover a guerra e a discórdia, dividir para reinar.
       O facto é que, mesmo que me esforce por viver assim, fingindo de deus, há sempre a possibilidade de que Ele exista de verdade, e que eu e a minha vida não lhe sejamos indiferentes – nem a minha vida nem a de todos os outros que vivem à minha volta. E, se Deus existe, então pode bem ser o defensor dos mais fracos diante dos mais fortes; pode bem ser o que garante a justiça perante todos os crimes que sejam realizados contra a dignidade humana; pode bem ser aquele que, de uma qualquer forma, garanta, como última instância, que não sou eu, nem o poder que eventualmente possa ter adquirido, a possuir a última palavra.
       E, o que é mais grave, existem os cristãos, e existe a Igreja a afirmar que Deus existe; que não é uma invenção humana mas Alguém muito concreto, com quem falam e a quem mostram. E, recordando constantemente a existência e a presença de Deus na história dos homens, olham para bem mais longe que a mera duração terrena da vida humana.
       Mas não valerá a pena, mesmo para aqueles que ainda não tenham encontrado Deus no seu caminho, viver como se Ele existisse e, desse modo, deixar que a justiça dos homens e o seu modo de viver seja moldada por aquela outra, afinal muito mais “humana”, que parte da presença de Deus na história e do seu interesse por cada ser humano a que deu a vida, por muitos incómodos que isso possa trazer?

D. Nuno Brás, in Voz da Verdade.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Vale mais um touro que um bébé!

Chegámos a isto. Ou se percebe ou não se percebe.
Lamentavelmente, parece que os Portugueses ainda não percebem.
1. O animal é um animal.
2. Uma pessoa é diferente.
Não há qualquer comparação.
É inadequada.
Deficiente.
Injusta.
Imprópria.
Imoral.
E, todavia, corre na net subscrita por milhares uma (falaciosíssima) petição para o Presidente da República, para o Primeiro – Ministro e para a Assembleia da República, afirmando, designadamente, que:
(...) as touradas ofendem a fé e o sentimento maioritariamente cristãos e católicos do povo português, pois a Bíblia apresenta os animais como criaturas de Deus (Génesis, 1, 24) e o Catecismo Católico declara ser “contrário à dignidade humana fazer com que os animais sofram ou morram desnecessariamente”, doutrina recentemente recordada pelos Papas João Paulo II e Bento XVI;

(...) o artigo 9.º da Constituição da República Portuguesa consagra como tarefa fundamental do Estado “promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo”;

(...) as touradas são uma das expressões de uma cultura da insensibilidade e da violência que degrada quem a pratica e promove, o que ofende o Artigo 1.º dos “Princípios fundamentais” da Constituição da República Portuguesa, que proclama Portugal como “uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana”;
(...) o progressivo abandono de tradições retrógradas, contrárias a um sentido humanista de cultura como aquilo que contribui para nos tornar melhores seres humanos, é o que caracteriza a evolução mental e civilizacional das sociedades e melhor corresponde à sensibilidade contemporânea;

(...) a abolição das touradas vem na linha humanista da abolição da pena de morte, em que Portugal foi pioneiro, e promoverá a imagem de Portugal em todo o mundo, sendo um contributo decisivo para o país mais ético que todos desejamos, esse “país mais livre, mais justo e mais fraterno” consagrado no “Preâmbulo” da Constituição da República Portuguesa;
Espantosamente (ou talvez não), esta petição pública corre contra outra denominada “DEFENDER O FUTURO”, que apela a verdades simples e essenciais como estas:
1. Portugal afunda-se hoje numa profunda crise económica e social, a que não é alheia a teia legislativa dos últimos seis anos de governação, destruidora dos pilares estruturantes da Sociedade.
2. (...) A reforma da Sociedade não deve ser realizada apenas na área económica e fiscal. Carece de uma intervenção mais profunda, designadamente no que diz respeito à Dignidade da Pessoa, em todas as etapas da sua vida, desde a concepção até à morte natural, à cultura da Responsabilidade, do compromisso no Casamento e na Família; por outras palavras, é necessária uma verdadeira cultura da Liberdade.
Efectivamente, desde o ano de 2007, já foram mortas por aborto em Portugal com o apoio activo e o financiamento do Estado, 85.000 crianças.
E é caso para perguntar:
Onde param a tal fé e o sentimento maioritariamente cristãos e católicos do povo português?
E a Bíblia?
E o Catecismo Católico?
E o sentido humanista de cultura?
Como se vê, em Portugal, continuamos a enganar-nos a nós próprios, a brincar com coisas sérias e a trocar tudo.

A tratar os animais como pessoas.
E as pessoas como verdadeiros animais.

Esta história, se não se inverte rapidamente, acaba mal.
Miguel Alvim
Advogado, in POVO.

domingo, 13 de novembro de 2011

Pontos Cardeais (PC) - Tabuaço

       Uma visita guiada pelo Concelho de Tabuaço, pela história, tradições, pelos monumentos, por paisagens deslumbrantes:

PC-Tabuaço from Luisdemar Rodrigues on Vimeo.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Hotel Livre Trânsito

       Com Hotel Livre Trânsito, terminou o II Encontro de Teatro Amador de Tabuaço, que decorreu no auditório do Centro de Promoção Social de Tabuaço, durante os meses de Maio, Junho e Julho, promovido pelo TEATRAÇO.
       Com a sala cheia, o Teatraço apresentou mais uma peça de teatro, dirigida e encenada por Beto Covville, com duas horas de muito humor, boa diposição e interpretações magníficias. Parabéns a todo o grupo por esta belíssima prestação.
       Recorde-se que o grupo de Teatro "Teatraço", já apresentou três outras peças: "Precisa-se de um cadáver", "Preciosas Redículas" e "Fantasminha". Em todas as actuações o público saiu maravilhado.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Saramago e as respostas finais

(16 de Novembro de 1922 - 18 de Junho de 2010)
       José Saramago morreu hoje, com 87 anos.
       Ainda que se discorde de muitos pontos de vista, o certo é que Saramago é um nome incontornável da literatura e da cultura portuguesa e mundial. Pessoalmente, lemos vários dos seus livros, com agrado. Tinha uma imaginação muito fértil. Nos dois mais relacionados com a religião, achámos sempe que foi sobretudo uma oportunidade de negócio. Um não crente, faz um texto sobre outros textos que tem a ver com os crentes. Quem compra, crentes e não crentes. Tudo o que leve a palavra religião, fé, polémica, vende certamente.
       Mas se muitas dúvidas José Saramago tinha sobre o fim último, sobre o que advinha para lá da morte, hoje sabe mais que nós, muito mais. Tem muitas mais respostas. Deus lhe dê o eterno descanso. E as certezas que agora tem, que nós um dia também possamos ser iluminados pela presença de Deus.
       Um conto ilustrado de José Saramago, "A Maior Flor do Mundo":

segunda-feira, 7 de junho de 2010

A ponte...

Interessa potenciar esta visita como “surpresa” para os que estão perto e longe do Evangelho. Foi aberta uma nova ponte com o mundo laico


       É natural que da visita do papa Bento XVI a Portugal fique mais o “acontecimento” no seu todo que o conjunto de 17 “discursos” que proferiu entre saudações, preces, entrevistas e homilias. Mas as suas palavras foram, de si, acontecimento. Se algumas foram circunstanciais e de protocolo outras, as principais, foram fruto de reflexão e proposta à Igreja e ao mundo em Portugal. Pena seria se, tanto a nossa sociedade civil, como a comunidade eclesial reduzissem tudo a um encontro de cortesia dum chefe de Estado ou duma apoteose simpática do “chefe” da Igreja.
       O todo da mensagem do Papa foi repassado duma reflexão que terá acontecido dentro da nossa própria Igreja nas sugestões que de Portugal foram enviadas a Roma mas que, meditadas e assumidas pelo Sumo Pontífice, se transformaram em acto de magistério para o tempo que vivemos e o país que somos.
       Será por isso de suma importância que as comunidades cristãs, no novo ano pastoral, cruzem os planos diocesanos, de paróquia, movimento, com a palavra mais actual do sucessor de Pedro sobre a nossa realidade humana e eclesial. Importa não desperdiçar em vagos considerandos este “testamento” riquíssimo que nos deixou Bento XVI que tem a ver com a nossa dignidade histórica, o diálogo com a cultura do nosso tempo, a importância do empenhamento social, a espiritualidade como fonte inspiradora das nossas vidas, a consagração vivida em fraternidade profunda, Fátima como uma mensagem inacabada, a evangelização como proposta e não imposição. E, à cabeça, a magistral entrevista concedida no avião, de improviso, com a fluência e a limpidez literária dum compêndio de sabedoria longamente meditado. Assim, iremos mais longe que a hospitalidade lusíada, o entusiasmo de multidões, as celebrações vivas de participação, a beleza e interioridade dos grandes momentos litúrgicos. Interessa potenciar esta visita como “surpresa” para os que estão perto e longe do Evangelho. Foi aberta uma nova ponte com o mundo laico. Não se pede que seja escrito um novo catecismo ou compêndio de pastoral, espiritualidade, evangelização ou moral. Mas podemos dizer que esta é a palavra da Igreja mais próxima no tempo e incarnada na realidade concreta do nosso país.
       E que a esperança de que foi portador vá muito além duma alegria vaga e reverencial. E se alicerce nas razões profundas da nossa esperança que continuamente redescobrimos. A razão e a fé de Bento XVI vieram ajudar-nos a uma colocação harmoniosa do nosso crer e do amar o nosso mundo. Não podemos, seja a que pretexto for, desperdiçar este sinal que nos foi enviado.

António Rego, Editorial da Agência Ecclesia.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Boa Sentença

Um homem rico, mas avarento, tinha perdido dentro dum alforge uma quantia em oiro bastante avultada. Anunciou que daria cem mil réis de alvíssaras a quem lha trouxesse. Apresentou-se-lhe em casa um honrado camponês levando o alforge. O nosso homem contou o dinheiro, e disse:
— Deviam ser oitocentos mil réis, que foi a quantia que eu perdi; no alforge encontro apenas setecentos; vejo, meu amigo, que recebeste adiantados os cem mil réis de alvíssaras: estamos pagos por conseguinte.»
O bom camponês, que nem por sombras tocara no dinheiro, não podia nem devia contentar-se com semelhantes agradecimentos. Foram ter com o juiz, que, vendo a má fé do avarento, deu a seguinte sentença:
— Um de vós perdeu oitocentos mil réis; o outro encontrou um alforge apenas com setecentos: Resulta daí claramente que o dinheiro que o último encontrou não pode ser o mesmo a que o primeiro se julga com direito. Por consequência tu, meu bom homem, leva o dinheiro que encontraste, e guarda-o até que apareça o indivíduo que perdeu somente setecentos mil réis. E tu, o único conselho que passo a dar-te, é que tenhas paciência até que apareça alguém que tenha achado os teus oitocentos mil réis.

Guerra Junqueiro, Contos para a Infância