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domingo, 19 de janeiro de 2014

Bento XVI - a Lei natural: faz o bem, evita o mal

Venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio
Estimados Professores
Ilustres Senhoras e Senhores


       É com particular prazer que vos recebo no início dos trabalhos congressuais, que nos próximos dias vos verão comprometidos no debate sobre um tema de importância relevante para o actual momento histórico, o da lei moral natural. Agradeço a D. Rino Fisichella, Magnífico Reitor da Pontifícia Universidade Lateranense, os sentimentos expressos no discurso com que desejou introduzir este encontro.
       Não há dúvida de que nós estamos a viver um momento de desenvolvimento extraordinário na capacidade humana de decifrar as regras e as estruturas da matéria e no consequente domínio do homem sobre a natureza. Todos nós vemos as grandes vantagens deste progresso, e vemos cada vez mais também as ameaças de uma destruição da natureza pela força da nossa acção. Existe outro perigo menos visível, mas não menos preocupante: o método que nos permite conhecer cada vez mais profundamente as estruturas racionais da matéria torna-nos cada vez menos capazes de ver a fonte desta racionalidade, a Razão criadora. A capacidade de ver as leis do ser material torna-nos incapazes de ver a mensagem ética contida no ser, mensagem que a tradição denomina lex naturalis, lei moral natural. Trata-se de uma palavra que hoje para muitos é incompreensível, por causa de um conceito de natureza já não metafísico, mas somente empírico. O facto de que a natureza, o próprio ser, já não é transparente para uma mensagem moral, gera um sentido de desorientação que torna precárias e incertas as opções na vida de todos os dias. Naturalmente, a confusão atinge de modo particular as gerações mais jovens, que neste contexto devem encontrar as opções fundamentais para a sua vida.

       É precisamente à luz destas verificações que se manifesta em toda a sua urgência a necessidade de reflectir sobre o tema da lei natural e de reencontrar a sua verdade, comum a todos os homens. Tal lei, à qual se refere também o Apóstolo Paulo (cf. Rm 2, 14-15), está inscrita no coração do homem e, por conseguinte, também hoje não é simplesmente inacessível. Esta lei tem como seu princípio primordial e generalíssimo o de "fazer o bem e evitar o mal". Trata-se de uma verdade cuja evidência se impõe imediatamente a cada um. Dela brotam os outros princípios mais particulares, que regulam o juízo ético sobre os direitos e os deveres de cada um. Trata-se do princípio do respeito pela vida humana, desde a sua concepção até ao seu termo natural, pois este bem da vida não é uma propriedade do homem, mas um dom gratuito de Deus. Trata-se também do dever de buscar a verdade, pressuposto necessário de toda o verdadeiro amadurecimento da pessoa.
       Outra exigência fundamental do sujeito é a liberdade. Todavia, tendo em consideração o facto de que a liberdade humana é sempre uma liberdade compartilhada com os outros, é claro que a harmonia das liberdades só pode ser encontrada naquilo que é comum a todos: a verdade do ser humano, a mensagem fundamental do próprio ser, precisamente a lex naturalis. E como deixar de mencionar, por um lado, a exigência da justiça, que se manifesta em dar unicuique suum e, por outro, a expectativa da solidariedade, que alimenta em cada um, especialmente se estiver em dificuldade, a esperança de uma ajuda por parte daquele que teve uma sorte melhor? Nestes valores expressam-se normas inderrogáveis e inadiáveis, que não dependem da vontade do legislador e nem sequer do consenso que os Estados lhes podem conferir. Com efeito, trata-se de normas que precedem qualquer lei humana: como tais, não admitem intervenções em derrogação por parte de ninguém.

       A lei natural é a nascente de onde brotam, juntamente com os direitos fundamentais, também imperativos éticos que é necessário respeitar. Na actual ética e filosofia do Direito são amplamente difundidos os postulados do positivismo jurídico. A consequência é que a legislação se torna com frequência somente um compromisso entre diversos interesses: procura-se transformar em direitos, interesses particulares ou desejos que contrastam com os deveres derivantes da responsabilidade social. Nesta situação, é oportuno recordar que cada ordenamento jurídico, tanto a nível interno como internacional, haure em última análise a sua legitimidade da radicação na lei natural, na mensagem ética inscrita no próprio ser humano. Em definitivo, a lei natural é o único baluarte válido contra o arbítrio do poder ou os enganos da manipulação ideológica. O conhecimento desta lei inscrita no coração do homem aumenta com o progredir da consciência moral. Portanto, a primeira preocupação para todos, e particularmente para quem tem responsabilidades públicas, deveria consistir em promover o amadurecimento da consciência moral. Este é o progresso fundamental, sem o qual todos os outros progressos terminam por ser não autênticos. A lei inscrita na nossa natureza é a verdadeira garantia oferecida a cada um, para poder viver livres e ser respeitado na própria dignidade.
       O que dissemos até agora tem implicações muito concretas, se se faz referência à família, ou seja, àquela "íntima comunidade conjugal de vida e de amor... fundada e dotada de leis próprias pelo Criador" (Constituição pastoral Gaudium et spes, 48). A este propósito, o Concílio Vaticano II reiterou oportunamente que a instituição do matrimónio recebe a sua "estabilidade do ordenamento divino" e, por isso, "este vínculo sagrado, por causa do bem tanto dos esposos e da prole, como da sociedade, está fora do arbítrio humano" (Ibidem). Portanto, nenhuma lei feita pelos homens pode subverter a norma escrita pelo Criador, sem que a sociedade seja dramaticamente ferida naquilo que constitui o seu próprio fundamento basilar. Esquecê-lo significaria debilitar a família, penalizar os filhos e também tornar precário o futuro da sociedade.

       Enfim, sinto o dever de afirmar mais uma vez que nem tudo o que é cientificamente realizável é também lícito sob o ponto de vista ético. Quando reduz o ser humano a um objecto de ensaio, a técnica termina por abandonar o sujeito frágil ao arbítrio do mais forte. Confiar cegamente na técnica como a única garantia de progresso, sem oferecer ao mesmo tempo um código ético que mergulhe as suas raízes na mesma realidade que é estudada e desenvolvida, equivaleria a causar violência à natureza humana, com consequências devastadoras para todos.

       A contribuição dos homens de ciência é de importância primária. Juntamente com o progresso das nossas capacidades de domínio sobre a natureza, os cientistas devem contribuir também para nos ajudar a compreender profundamente a nossa responsabilidade pelo homem e pela natureza que lhe é confiada. Tendo isto como base, é possível desenvolver um diálogo fecundo entre crentes e não-crentes; entre filósofos, juristas e homens de ciência, que podem oferecer também ao legislador um material precioso para a vida pessoal e social. Por isso, faço votos a fim de que estes dias de estudo possam impelir não apenas a uma maior sensibilidade dos estudiosos em relação à lei natural, mas levem também a criar as condições para que, no que diz respeito a esta temática, se chegue a ter uma consciência cada vez mais plena do valor inalienável que a lex naturalis possui, para um progresso real e coerente da vida pessoal e da ordem social.

       Com estes bons votos, asseguro a minha lembrança na oração por vós e pelo vosso compromisso académico de investigação e de reflexão, enquanto concedo a todos vós a minha afectuosa Bênção Apostólica.
 
12 de fevereiro de 2007.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Vale mais um touro que um bébé!

Chegámos a isto. Ou se percebe ou não se percebe.
Lamentavelmente, parece que os Portugueses ainda não percebem.
1. O animal é um animal.
2. Uma pessoa é diferente.
Não há qualquer comparação.
É inadequada.
Deficiente.
Injusta.
Imprópria.
Imoral.
E, todavia, corre na net subscrita por milhares uma (falaciosíssima) petição para o Presidente da República, para o Primeiro – Ministro e para a Assembleia da República, afirmando, designadamente, que:
(...) as touradas ofendem a fé e o sentimento maioritariamente cristãos e católicos do povo português, pois a Bíblia apresenta os animais como criaturas de Deus (Génesis, 1, 24) e o Catecismo Católico declara ser “contrário à dignidade humana fazer com que os animais sofram ou morram desnecessariamente”, doutrina recentemente recordada pelos Papas João Paulo II e Bento XVI;

(...) o artigo 9.º da Constituição da República Portuguesa consagra como tarefa fundamental do Estado “promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo”;

(...) as touradas são uma das expressões de uma cultura da insensibilidade e da violência que degrada quem a pratica e promove, o que ofende o Artigo 1.º dos “Princípios fundamentais” da Constituição da República Portuguesa, que proclama Portugal como “uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana”;
(...) o progressivo abandono de tradições retrógradas, contrárias a um sentido humanista de cultura como aquilo que contribui para nos tornar melhores seres humanos, é o que caracteriza a evolução mental e civilizacional das sociedades e melhor corresponde à sensibilidade contemporânea;

(...) a abolição das touradas vem na linha humanista da abolição da pena de morte, em que Portugal foi pioneiro, e promoverá a imagem de Portugal em todo o mundo, sendo um contributo decisivo para o país mais ético que todos desejamos, esse “país mais livre, mais justo e mais fraterno” consagrado no “Preâmbulo” da Constituição da República Portuguesa;
Espantosamente (ou talvez não), esta petição pública corre contra outra denominada “DEFENDER O FUTURO”, que apela a verdades simples e essenciais como estas:
1. Portugal afunda-se hoje numa profunda crise económica e social, a que não é alheia a teia legislativa dos últimos seis anos de governação, destruidora dos pilares estruturantes da Sociedade.
2. (...) A reforma da Sociedade não deve ser realizada apenas na área económica e fiscal. Carece de uma intervenção mais profunda, designadamente no que diz respeito à Dignidade da Pessoa, em todas as etapas da sua vida, desde a concepção até à morte natural, à cultura da Responsabilidade, do compromisso no Casamento e na Família; por outras palavras, é necessária uma verdadeira cultura da Liberdade.
Efectivamente, desde o ano de 2007, já foram mortas por aborto em Portugal com o apoio activo e o financiamento do Estado, 85.000 crianças.
E é caso para perguntar:
Onde param a tal fé e o sentimento maioritariamente cristãos e católicos do povo português?
E a Bíblia?
E o Catecismo Católico?
E o sentido humanista de cultura?
Como se vê, em Portugal, continuamos a enganar-nos a nós próprios, a brincar com coisas sérias e a trocar tudo.

A tratar os animais como pessoas.
E as pessoas como verdadeiros animais.

Esta história, se não se inverte rapidamente, acaba mal.
Miguel Alvim
Advogado, in POVO.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

... só se despreza a caridade cristã!

         Nos últimos 500 anos o Ocidente viveu o maior ataque cultural da história. Seguindo o magno processo contra a cultura cristã, nas suas três fases, entende-se a situação actual. Primeiro atacou-se a Igreja em nome de Deus. Depois descartou-se a divindade mantendo a moral cristã. Hoje desmantela-se a ética.
        A primeira fase seguiu dois passos. Primeiro, com Lutero, Calvino e outros reformadores, agrediu-se a estrutura eclesial conservando o Cristianismo. A fé em Cristo era preciosa, apesar dos perversos eclesiásticos. Depois, através de Hume, Voltaire e outros teístas, o cientifismo deísta rejeitou a doutrina e ritos, acenando à divindade longínqua e apática d'"O Grande Arquitecto" e distorcendo a História para apagar o papel da Igreja.
        A segunda fase do ataque dirigiu--se ao transcendente. Recusava-se Deus e a eternidade, pretendendo conservar as regras cristãs de comportamento social. O primeiro passo, de Feuerbach, Comte e outros ateus, quis demonstrar filosoficamente a inexistência formal de Deus na sociedade humanista ideal. O falhanço dos esforços teóricos levou Thomas Huxley, Bertand Russell e outros agnósticos ao ateísmo prático simplesmente desinteressado da questão religiosa.
        A fase actual é de ataque frontal à moral cristã. Primeiro, com Saint-Simon, Marx e outros revolucionários, visou-se uma moral exclusivamente humana. Mas, como Nietzsche e Sartre tinham explicado, eliminando a referência metafísica, vivemos "Para lá do Bem e do Mal".
        Para compreender os traços essenciais da atitude moral dominante é preciso lembrar o elemento novo e original que o Cristianismo trouxe à civilização há 2000 anos. Aí se situa o núcleo da luta moral da nossa era. Quando Cristo nasceu, a sociedade ocidental já possuía uma estrutura ética sofisticada. Homero, Zoroastro, Sócrates, Zenão, Epicuro e tantos outros tinham estabelecido um sistema complexo de virtudes, regras e comportamentos. No campo estrito da ética, a revelação cristã trouxe apenas um contributo: a misericórdia.
        Para Aristóteles e seus contemporâneos, o perdão era uma injustiça inaceitável. A visão cristã do mundo tornou-o indispensável: "todos pecaram e estão privados da glória de Deus. Sem o merecerem, todos são justificados pela Sua graça, em virtude da redenção realizada em Cristo Jesus" (Rm 3, 23-24).
        Aquilo que a moral de hoje perdeu é a misericórdia. Em jornais, novelas, televisão e cinema encontramos valores e atitudes elevados. Mantêm-se virtudes, guardam-se mandamentos, pululam os exemplos honestos, sensatos, equilibrados. Tolera-se tudo. Só se despreza a caridade cristã.
        Existem duas formas de destruir a misericórdia: eliminando o pecado e eliminando o perdão
       Estas são precisamente as duas atitudes mais comuns nos dias que correm. Numa enorme quantidade de situações não se vê nada de mal. Naquelas em que se vê, não há desculpa possível. As acções do próximo ou são indiferentes ou intoleráveis. O que nunca são é censuradas e perdoadas. O que nunca se faz é combinar o repúdio do pecado com a compaixão pelo pecador.
        O resultado está à vista. A moral oficial, em filmes, romances, séries e telejornais, é uma amálgama de regras, princípios e procedimentos, sem fundamento, coerência ou justificação. Do libertarismo mais acéfalo salta-se ao moralismo totalitário sem lógica ou razão. Aborto e adultério tornavam-se de crimes em direitos, enquanto tabaco e touradas passaram de hábitos a infâmias. Os enredos da moda exaltam os valores pagãos, mágicos, bárbaros, orientais, ocultistas, libertinos, vampiros. Todos, menos cristãos.
        Após 500 anos de ataques à Igreja, este é o estado do Ocidente. Qual a situação da fé, com cinco séculos de agressões? Está igual a si mesma. A moral cristã perdura, 100 anos depois de Nietzsche. A fé em Cristo mantém-se, 250 anos depois de Hume. A Igreja Católica permanece, cinco séculos após Lutero. O último meio milénio não foi mais duro para os discípulos de Cristo que os anteriores. Desde o Calvário, a Igreja é atacada. Ressuscitando ao terceiro dia.
João César das Neves, in (DN 5/09/2011) POVO.