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sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Solenidade da Imaculada Conceição - 8 de dezembro

       1 – «Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra».
       Não é preciso dizer muito mais. O Evangelho é Jesus Cristo. A Boa Notícia da Salvação. Nossa alegria e nossa esperança. Nossa Páscoa. É Ele que definitivamente rasga os céus. Enviado pelo Pai, entra na história e no tempo. Vivendo como verdadeiro homem, assume-nos por inteiro, no tempo e na finitude, na fragilidade e no sofrimento. Vive entre nós. Levado a um julgamento iníquo, carrega-nos até ao Calvário, obriga-nos a olhar para o alto, para além de nós, acima deste chão que nos irmana e nos faz mais iguais. Morre, mas volta, ressuscita, regressa para nós. Pelo Espírito Santo permanece connosco até ao fim dos tempos.
       Mas antes, antes de tudo, antes da criação e do mundo, desde sempre no pensamento de Deus, uma Mulher sonhada e criada para amar, para "facilitar" um caminho de liberdade e de respeito pela dignidade humana. Deus criou-nos com inteligência e vontade. Livres para amar ou para odiar. Livres para Lhe respondermos, ou para nos afastarmos d'Ele. Como os pais que querem o melhor para os filhos e, muitas vezes, têm ganas de os obrigar porque é para o bem deles... mas a vida é deles. Deus dá-nos a vida como dom e como tarefa. Cabe-nos viver.
       A história que deveria ser harmoniosa instala a discórdia, e às tantas, vem ao de cima o que nos separa e não o que nos liga e nos identifica como irmãos. Esquecemo-nos dos outros. Ou temos os outros como inimigos cuja vida parece estorvar a nossa. Deus não desiste nunca. Ainda que nos cansemos de O acolher. É nesta história de amor que Deus escolhe um povo. Envia mensageiros. Vem Ele próprio, como Deus e Senhor, não por cima impondo-se, mas debaixo, nascendo, vindo do mesmo pó da terra. Terra que se mistura com o sopro do Seu Espírito. Assim connosco, assim com Jesus. Respeitando a Sua obra criadora, Deus, para nascer como Homem precisa, melhor, quer precisar, de uma mulher. E a aí está Maria, a cheia de graça.
       2 – «Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra».
       Deus espera por nós, sempre espera, aguarda, pacientemente, como o Pai da parábola, cujo filho se prodigaliza. Criou-nos sem nós, diz Santo Agostinho, mas não nos salva contra a nossa vontade. Espera o nosso SIM mas não força. Quando o Anjo anuncia Aquele que está para vir há uma espera infinita: o Todo-poderoso fica a depender da vontade de uma Mulher, cujo coração desde sempre preparou, virginal e fiel, cheio de graça e de amor. O projeto inicial, que em Eva encontrou resistência, encontra agora um coração singelo. Deus não se enganou antes. Mas só a Nova Eva – Maria – é plena de graça.
       Deus não abandou o Homem à sua sorte mesmo quando este se quis independente e longe do Criador. O rumor dos passos de Deus fazem-se ouvir no jardim. Diante d'Ele não podemos estar vestidos, disfarçados, pois Ele contempla o nosso interior. Vem ao nosso encontro, ainda que nos escondamos. O mal maior não é o pecado mas aquilo que provoca em nós, a vergonha, o medo, a falta de confiança em Deus. Também a nós nos pergunta onde nos encontramos, em que situação vivemos, o que fazemos do tempo e dos dons que nos dá. Refira-se que o conhecimento não é, a priori, um bem ou mal em si mesmo, mas o que fazemos com o nosso saber e com a nossa vontade, com os caminhos que escolhemos seguir. Se o utilizamos com sabedoria, orientando-nos para o bem e para os outros, então o conhecimento é facilitador. Se o utilizamos para benefício próprio, por egoísmo, e contra os outros, então o conhecimento é nefasto.
       Por outro lado, neste texto é visível o respeito de Deus pela nossa autonomia e liberdade. Quer e procura o nosso convívio, mas permite que nos escondamos. Ao mesmo tempo mostra como é Pai, não tem vergonha de nós, não Se cansa de perdoar, nós é que nos cansamos de lhe abrir o coração e a vida, para que nos encontre e de novo nos transforme.
 
       3 – «Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra».
       Inesperadamente, um Anjo entra na vida de Maria, saudando-A: Ave, ó cheia de graça, o Senhor está contigo. Irás ser Mãe do Filho de Deus. Maria, como pessoa inteligente e livre, com vontade própria, não se deixa iludir nem manipular. Logo questiona: como será isso se Eu não conheço homem? A resposta do Anjo encontra eco em toda a Palavra de Deus, no Antigo e Novo Testamento: não temas, Maria, «o Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra». Curioso, quantas vezes perscrutamos a voz de Deus a transmitir-nos confiança. Para tornar mais fácil a perceção do que está para a acontecer, o Anjo Gabriel informa Maria que a Sua prima Isabel, estéril, se encontra grávida. Os mistérios de Deus são insondáveis. Não queiramos escrutinar tudo. O mistério, por mais que se desvele, permanece mistério. Por conseguinte, não nos impõe nada que não acolhamos de livre vontade.
       Maria fica extasiada. Como é possível? Mas não faz perguntas indefinidamente, pergunta o essencial: como é que Deus pode nascer de uma mulher, de uma Virgem? Com a resposta do Anjo, Maria não hesita: realize-Se em Mim a Tua santa vontade.
       O sim de Maria altera para sempre a história da salvação e a relação de Deus com o ser humano, que não mais se fará por intermediários, do exterior para o interior, mas pelo próprio Filho, dentro da história e do tempo, dentro da humanidade, o único Mediador entre Deus e os homens. O sim de Maria é anterior à expressão dos lábios, é um Sim que Ela trazia no peito, no coração, um sim sempre pronto a dar-se, a perder a própria vida para que outros pudessem ter vida própria. Quando as palavras do Anjo se fazem ouvir no Seu coração, Ela exalta de alegria, não apenas por si, mas por se tornar morada do Deus Altíssimo, dando à humanidade a mesma possibilidade. Também agora podemos ser morada de Deus, templos do Espírito Santo. Mas atenção, o sim de Maria não é estático, mas dinâmico, logo que o Anjo ascende, Maria corre para a montanha para ajudar a Sua prima Isabel.
        4 – «Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra».
       O projeto de Deus é concretizável pela resposta humana, por esta primeira resposta de Maria. Concebida sem mancha, sem pecado, cheia de graça, salva, por antecipação e privilégio, em atenção à redenção que para todos vem da Cruz e da Ressurreição de Jesus, Maria acolhe a Palavra de Deus e fá-la crescer no seu ventre e na sua vida.
       Com Ela também nós podemos cantar um cântico novo, «pelas maravilhas que Ele operou. O Senhor deu a conhecer a salvação, revelou aos olhos das nações a sua justiça. Recordou-Se da sua bondade e fidelidade em favor da casa de Israel. Os confins da terra puderam ver a salvação do nosso Deus. Aclamai o Senhor, terra inteira, exultai de alegria e cantai».
       O Evangelho, a Boa Notícia que nos chega ao ouvido e ao coração, suscita Alegria e confiança. Alegra-Te Senhora, vais ser Mãe de Deus. Alegra-Te Maria que nos hás de dar o Salvador. Alegremo-nos nós também, ouvindo a Sua voz, exultemos de alegria, em altos brados. Façamos frutificar em nós, na nossa vida, Jesus. N'Ele «fomos constituídos herdeiros, para sermos um hino de louvor da sua glória, nós que desde o começo esperámos em Cristo... Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que do alto dos Céus nos abençoou com toda a espécie de bênçãos espirituais em Cristo. N’Ele nos escolheu, antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis, em caridade, na sua presença. Ele nos predestinou, a fim de sermos seus filhos adotivos, por Jesus Cristo, para louvor da sua glória e da graça que derramou sobre nós, por seu amado Filho».
       A condição para sermos morada do Deus altíssimo, para que em nós se realizem as maravilhas do amor e da paz, da justiça e do bem, é imitar Maria, em humildade e prontidão para servir: realize-se em mim a Tua vontade. Vem, nasce em mim, ilumina-me com a Tua bondade, dá-me o Teu perdão, guia-me para Ti, faz-nos reconhecer-te e a amar-te em cada irmão.

Textos para a Eucaristia: Gen 3,9-15.20; Sl 97 (98); Ef 1,3-6.11-12; Lc 1,26-38.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Domingo IV do Advento - ano A - 18 de dezembro de 2022


1 - O sonho comanda a vida. Refrão bem conhecido da música portuguesa, da autoria de António Gedeão. "Eles não sabem, nem sonham, que o sonho comanda a vida. Que sempre que um homem sonha o mundo pula e avança". É também conhecida a máxima da Fernando Pessoa: "Deus quer, o homem sonha, a obra nasce".
Deus sonhou para nós um mundo belo e harmonioso, pleno de amor e de ternura, onde prevaleceriam a alegria e a fraternidade. Os desígnios de Deus mantiveram-se inalterados, respeitando sempre a vontade humana, mas fazendo-nos ver caminhos e opções que nos reconciliariam uns com os outros, possibilitando um mundo mais humano, mais acolhedor, mais casa de todos e para todos. Deus continua a sonhar-nos no Seu amor e a pensar para nós todo o bem, a abundância da graça. É neste plano salvador que preparar Maria para ser a Mãe do redentor, Deus connosco, o Emanuel.
O profeta Isaías comunica a Acaz e a todo o povo o sonho de Deus, uma promessa que há de cumprir-se a seu tempo: «Escutai, casa de David: Não vos basta que andeis a molestar os homens para quererdes também molestar o meu Deus? Por isso, o próprio Senhor vos dará um sinal: a virgem conceberá e dará à luz um filho e o seu nome será Emanuel».
Acaz recusa pedir um sinal, entendendo que não se deve pôr Deus à prova. No entanto, é o próprio Deus que, através do Profeta, quer revelar a Sua vontade, os seus sonhos a favor da humanidade. Desta forma se acalenta a esperança, mas simultaneamente é um aviso à navegação, o sinal deve produzir efeito de imediato, alterando o rumo de vida, a corrupção, a falta de respeito e de cuidado pelas pessoas, sobretudo as mais vulneráveis. As promessas de Deus são para cumprir, cabe-nos fazer o que está ao nosso alcance, para que se efetivem os Seus sonhos, permitindo um mundo habitável.

2 - Com o nascimento de Jesus, cumpre-se em plenitude a promessa de Deus, o Emanuel está connosco, vem para habitar no meio de nós e para nos habitar através do Seu Espírito de amor.
O relato do nascimento de Jesu, relatado por Mateus, sublinha o mistério da concepção. Maria engravida pela ação do Espírito Santo. Outro dado importantíssimo é o papel de José, esposo de Maria, que constata a gravidez sem que tivesse contribuído para tal.
O Evangelho mostra um José surpreendido, admirado, desprevenido, mas também ponderado. Homem bom e justo, como sublinham os evangelhos, José reflete sobre o que terá acontecido. Deve ter passado por momentos de grande dúvida, de revolta, sem saber o que pensar ou o que fazer. Não é fácil para ninguém sentir-se abandonado, traído, enganado. Para José, por certo, também o não foi. Todavia, não se deixou levar pelo momento, por um qualquer gesto repentino e impensado. Olha para a sua vida, mas coloca a de Maria em primeiro lugar, apesar da "traição". É a isso que chamamos amor: colocar a pessoa amada, colocar o outro, em primeiro lugar. Agir não em função do que nos é mais fácil, mais cómodo, mais favorável, mas em função das necessidades do outro.
No judaísmo, uma situação desta levaria à condenação, por apedrejamento, da mulher. Seria esse o destino de Maria. Com efeito, provando-se que José, a quem ela estava prometida, havendo um compromisso sólido e duradouro, já eram o que estavam destinados a ser, um casal, Maria ia estar em maus lençóis, não havia salvação possível. José encontra uma solução, iria abandoná-la em silêncio. Dessa forma, ele ficaria com as culpas de a ter desonrado e ela ficava protegida na família dele e dela, pois a ação e responsabilidade seria atribuídas a José.
Deus tem planos para nós que nem adivinhamos. No meio do caos, José foi capaz de parar e refletir e achar uma solução que protegesse Maria e o Menino, mas Deus não o deixou esperar mais e apareceu-lhe num sonho, através de um Anjo: «José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que nela se gerou é fruto do Espírito Santo. Ela dará à luz um Filho e tu pôr-Lhe-ás o nome de Jesus, porque Ele salvará o povo dos seus pecados». Tudo isto aconteceu para se cumprir o que o Senhor anunciara por meio do Profeta, que diz: «A Virgem conceberá e dará à luz um Filho, que será chamado ‘Emanuel’, que quer dizer ‘Deus connosco’». Quando despertou do sono, José fez como o Anjo do Senhor lhe ordenara e recebeu sua esposa.

3 - É tão grande o mistério da Encarnação, inserido no mistério pascal, da ressurreição de Jesus e da nossa redenção, que só uma fé madura poderá fazer-nos aproximar do mistério. Mais do que compreender, cabe-nos acolher Deus na nossa vida, deixar-nos amar por Ele, sentirmo-nos amados, para amarmos os outros, na certeza de que amando e cuidando dos outros estamos a responder ao amor de Deus por nós.
São Paulo assume-se como servo de Jesus Cristo, «apóstolo por chamamento divino, escolhido para o Evangelho que Deus tinha de antemão prometido pelos profetas nas Sagradas Escrituras, acerca de seu Filho, nascido, segundo a carne, da descendência de David, mas, segundo o Espírito que santifica, constituído Filho de Deus em todo o seu poder pela sua ressurreição de entre os mortos: Ele é Jesus Cristo, Nosso Senhor».
Se inicialmente o apóstolo fala da sua vocação e da sua missão, logo sublinha que tudo se inclui e tudo está envolvido no mistério pascal. É em Cristo Jesus que somos redimidos e preenchidos com a vida de Deus. Com efeito, «por Ele recebemos a graça e a missão de apóstolo, a fim de levarmos todos os gentios a obedecerem à fé, para honra do seu nome, dos quais fazeis parte também vós, chamados por Jesus Cristo». O mistério recebido, a graça que nos transforma, faz-nos apóstolos, anunciadores do Evangelho. Se o mistério nos encontrou, melhor, se nos deixamos surpreender pelo mistério, pelos sonhos de Deus, não podemos não transbordar de alegria, respondendo ao amor (de Deus) com amor (ao próximo). É, na verdade, o que acontece com todos os encontros. O encontro de José com Maria encheram-nos de alegria, mas, sucessivamente, o deixaram desiludido, exigindo uma escolha, um caminho. O envolvimento no sonho de Deus apazigua o seu coração e altera para sempre a sua decisão.
Quando Paulo é surpreendido por Deus e envolvido no Seu mistério (e no Seu sonho), não mais deixará de viver e anunciar a Boa Nova.

4 - Deixemo-nos encontrar por Deus. Ele procura-nos. Ele vem ao nosso encontro. Nas origens, Adão e Eva esconderam-se, envergonhados. Aprendamos com eles, ou com os seus erros. Como poderíamos ter vergonha do nosso Pai, que é mais Mãe? É certo que, por vezes, nos distanciamos, brigando com os irmãos, ou sentindo-os adversários, mas Deus, que é Pai, poderia recusar ver-nos, poderia recusar o nosso olhar?
Peçamos-Lhe confiantes: «Infundi, Senhor, a vossa graça em nossas almas, para que nós que, pela anunciação do anjo, conhecemos a encarnação de Cristo, vosso Filho, pela sua paixão e morte na cruz alcancemos a glória da ressurreição».
O conhecimento que nos vem da fé, que se cimenta na oração, é relação com Deus, que nos escuta para que escutemos a Sua Palavra e concretizemos a Sua vontade.
O salmista reza a grandeza de Deus e a bênção que experimentamos quando não nos fechamos no nosso orgulho ou no nosso egoísmo. «Do Senhor é a terra e o que nela existe, o mundo e quantos nele habitam. Ele a fundou sobre os mares e a consolidou sobre as águas. / Quem poderá subir à montanha do Senhor? Quem habitará no seu santuário? O que tem as mãos inocentes e o coração puro, que não invocou o seu nome em vão nem jurou falso. / Este será abençoado pelo Senhor e recompensado por Deus, seu Salvador. Esta é a geração dos que O procuram, que procuram a face do Deus de Jacob».
Procuremos a face do Senhor que nos procura com amor.

Leituras para a Eucaristia (ano A): Is 7, 10-14; Sal 23 (24), 1-2. 3-4ab. 5-6 L2: Rom 1, 1-7 Ev: Mt 1, 18-24

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Domingo IV do Advento - C - 19 de dezembro de 2021


1 – O Evangelho de São Lucas abre praticamente com visitação do Anjo Gabriel a Zacarias e a Maria, uma virgem desposada com um homem chamado José. Cada uma das visitações traz um anúncio. Zacarias e Isabel vão ser pais, apesar da idade avançada. Para eles, a idade de serem pais já tinha passado, já se tinham conformado com essa “maldição”. Apesar disso, são tementes a Deus, justos e cumpridores da Lei, procedendo irrepreensivelmente segundo os mandamentos e preceitos do Senhor. A Deus nada é impossível. Deus opera para além dos nossos limites racionais e torna viável o que é inalcançável, favorecendo-nos com a Sua benevolência. É inacreditável. Zacarias fica sem palavras. Não há palavras que possam expressar o inaudito que nos chega de Deus. Estamos longe de nos apercebermos de quanto bem Deus faz por nós ou coloca ao nosso alcance!

2 – A visitação do Anjo a Maria tem um propósito que alterará para sempre a história da humanidade. Mesmo para os que não acreditam, contestam ou se manifestam indiferentes, Aquele que está para vir ao mundo deixará marcas na pequena cidade de Nazaré, em Belém, em Jerusalém e no mundo inteiro. Nada, nunca será como antes. “Salve, cheia de graça, o Senhor está contigo… conceberás e darás à luz um filho, e chamá-lo-ás Jesus. Ele será grande e será chamado Filho de Deus Altíssimo”. Sim, como é possível! Deus a nascer de uma jovem, humilde, campónia, como será isso? Diante de tão grande assombro, Maria confia no anúncio que lhe é feito e predispõe-se a ser parte do mistério salvífico: “Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra”. Deus chama, desafia, espera por nós, confiando no nosso discernimento! Maria responde e confia na fé que A liga a Deus. O seu “sim” assenta na intimidade com o Senhor. Ela alimenta-se de oração, é cheia de graça!

3 – A palavra de Deus desinstala-nos, inquieta-nos, põe-nos em movimento. Mau será quando a Palavra de Deus já não nos inquietar, quando nos deixar ficar como antes e/ou sentadinhos à espera que a vida aconteça. A palavra de Deus é viva e eficaz! Mas a sua eficácia também depende do nosso sim, da nossa vontade em Lhe respondermos. Esta resposta tem duas direções: Deus e próximo.
A Virgem Maria mostra-nos como se faz!
Depois de tão grandes novas, Ela podia fazer-se grande, orgulhar-se de ter sido a escolhida, mas continua ser serva, disposta, em tudo, a ser prestável. Não reserva tempo para refletir, para festejar, para medir as consequências, as dificuldades que possam vir pela frente. Não pensa no futuro. Sabe que pode confiar. Confia absolutamente em Deus. Maria levantou-se, diz-nos o Evangelho, e foi apressadamente para a montanha, em direção a uma cidade de Judá (Ein-Karim, seis quilómetros a oeste de Jerusalém), e entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel.
Maria levanta-se e parte apressadamente, como mulher da caridade, vai ajudar Isabel nos últimos tempos de gravidez, e como mulher missionária, transportando a Alegria que contagia aqueles que encontra. Isabel fica cheia do Espírito Santo: “Eis que quando a voz da tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança soltou de júbilo no meu ventre”.
Como Maria, levantemo-nos e vamos apressadamente anunciar o Evangelho, com a voz e com a vida.

4 – O que nos faz correr é a fé revelada, vivida e comunicada em Jesus Cristo, que vem da eternidade para entranhar no mundo o amor do Pai e nos fazer participantes da vida divina. Deus sempre está perto de quantos o invocam de coração sincero. Não está apenas nos bons momentos como uma ideia vaga de Alguém que cuida de nós e nos protege, mas está em todo o tempo, também ou sobretudo nos momentos de aflição, cuidando de nós. É, com efeito, nesses momentos que a nossa oração terá que ser mais intensa, mais amadurecida, mais confiante e mais despojada.
A vinda do Messias, o Emanuel, Deus connosco, insere-se nas promessas de Deus e na certeza que Ele não abandona a obra das Suas mãos, do Seu amor. «De ti, diz o Senhor, Belém-Efratá, pequena entre as cidades de Judá, de ti sairá aquele que há de reinar sobre Israel... Deus os abandonará até à altura em que der à luz aquela que há de ser mãe. Então voltará para os filhos de Israel o resto dos seus irmãos. Ele se levantará para apascentar o seu rebanho pelo poder do Senhor, pelo nome glorioso do Senhor, seu Deus. Viver-se-á em segurança, porque ele será exaltado até aos confins da terra. Ele será a paz».
Entenda-se, Deus não Se afasta, o povo é que O coloca à margem, procurando, como Adão e Eva, e Caim, viver como se Ele não existisse ou como se fosse um adversário da nossa afirmação e da nossa felicidade. Temos que caminhar, rezar, para fazermos, novamente, a experiência da Sua presença entre nós.

5 – Não havendo muitos dados sobre Nossa Senhora, nos Evangelhos, como em todo o Novo Testamento, há os suficientes para nos dizerem que Maria é uma mulher de fé, simples, dócil, atenta aos sinais de Deus, talvez mística, a viver num ambiente pacífico, orante, numa família fiel aos preceitos da Lei de Moisés.
Só num ambiente orante é possível ser-se místico, escutar a voz de Deus, perceber a Sua presença e reconhecer a Sua vontade. Por conseguinte, neste tempo de Advento, que nos prepara para o Natal e nos faz viver, sempre, inseridos no mistério pascal, a oração há de ser o combustível que alimenta a nossa fé, clarifica a nossa esperança e fortalece o nosso cuidado pelos irmãos.
A abrir a celebração, suplicamos: "Infundi, Senhor, a vossa graça em nossas almas, para que nós, que pela anunciação do Anjo conhecemos a encarnação de Cristo, vosso Filho, pela sua paixão e morte na cruz alcancemos a glória da ressurreição". A glória da ressurreição está reservada, não apenas para a eternidade, para o momento da nossa morte, mas para o presente histórico, aqui e agora, concretizável em todo o bem que façamos em nome de Jesus Cristo.
Com o salmista, pedimos que o Senhor venha em nosso auxílio. Por outras palavras, que deixemos que o Senhor Deus aja em nossos corações, na nossa vida e no mundo, tornando-nos seus mensageiros e ativando o Seu amor em nós e na terra que habitamos. "Pastor de Israel, escutai... Despertai o vosso poder e vinde em nosso auxílio... Deus dos Exércitos, vinde de novo, olhai dos céus e vede, visitai esta vinha; protegei a cepa que a vossa mão direita plantou, o rebento que fortalecestes para Vós... Estendei a mão sobre o homem que escolhestes, sobre o filho do homem que para Vós criastes".
A nossa prece é acompanhada de um compromisso: "Nunca mais nos apartaremos de Vós, fazei-nos viver e invocaremos o vosso nome".

6 – Há oito dias, a multidão, os soldados, os publicanos perguntavam a João Batista o que deveriam fazer para mudar de vida, para efetivarem a conversão. São João Batista responde com recomendações concretas e realizáveis, como a opção pela justiça, pela verdade e pela não violência, o usar a profissão, não para explorar, mas para ajudar, vivendo honestamente.
Hoje visualizamos a postura de Nossa Senhora: levanta-se e vai apressadamente, a anunciar a Boa Nova e a assegurar-se que a sua prima Isabel tem a ajuda que precisa. Para isso, Maria deixa a comodidade da casa e da terra e parte sem calcular perigos nem dificuldades.
Na segunda leitura, Jesus é-nos apontado como modelo de filho e de "discípulo" do Pai. Jesus vem para nos redimir e para nos ensinar a viver segundo a vontade do Pai, que nos quer bem e a viver harmoniosamente, sendo auxiliares uns dos outros.
«Não quiseste sacrifícios nem oblações, mas formaste-Me um corpo. Não Te agradaram holocaustos nem imolações pelo pecado. Então Eu disse: ‘Eis-Me aqui; no livro sagrado está escrito a meu respeito: Eu venho, ó Deus, para fazer a tua vontade’».
A verdadeira transformação opera-se a partir do interior, mesmo que os sinais e situações exteriores possam despertar-nos para essa conversão interior. No mistério pascal, "fomos santificados pela oblação do corpo de Jesus Cristo, feita de uma vez para sempre". Cabe-nos colocar a render os dons e os talentos e ativar a vida nova que recebemos do Senhor.

Pe. Manuel Gonçalves

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Domingo III do Advento - ano C - 12 de dezembro de 2021


1 – “Alegrai-vos sempre no Senhor. Novamente vos digo: alegrai-vos. Seja de todos conhecida a vossa bondade. O Senhor está próximo. Não vos inquieteis com coisa alguma; mas em todas as circunstâncias, apresentai os vossos pedidos diante de Deus, com orações, súplicas e ações de graças. E a paz de Deus, que está acima de toda a inteligência, guardará os vossos corações e os vossos pensamentos em Cristo Jesus”.
Belíssimo este pensamento do apóstolo São Paulo. Sobressai de imediato o desafio à alegria, que não é mero contentamento exterior, mas a paz e a confiança que brotam do coração do crente e do facto de se saber amado por Deus, salvo por Jesus Cristo. É simultaneamente um compromisso com a bondade. O apóstolo fala da segunda vinda de Jesus, mas partindo da primeira, encarnação, vida, missão, morte e ressurreição de Cristo Jesus. Estamos dentro de uma inclusão cristológica e salvífica, encontramo-nos na plenitude dos tempos.
A este propósito vale a pena recordar a reflexão do apóstolo, em diversas ocasiões, em que sublinha que a vinda de Jesus não está remetida (somente) para o fim dos tempos mas acontece agora, connosco, no tempo presente. Daí a importância da oração – que nos liga a Deus e n’Ele aos outros – e do bem que possamos fazer – expressão de uma fé autêntica –, procurando a configuração a Jesus Cristo, antecipando para a nossa vida a eternidade de Deus.
A alegria assenta na certeza que Deus atende às nossas súplicas, com prontidão em socorrer-nos em todos os momentos da nossa existência e lança-nos ao encontro daqueles que peregrinam ao nosso lado, pela história e pelo tempo fora.

2 – O terceiro domingo do Advento é precisamente conhecido como o Domingo da Alegria. Razões não faltam aos cristãos para viverem na ALEGRIA do Deus que vem e que permanece. Não estamos isentos de contratempos, de dificuldades, é algo de incontornável, faz parte da nossa fragilidade e finitude humanas. Não somos deuses, estamos a caminho e sujeitos às circunstâncias do tempo que corre, do mundo, das pessoas que nos rodeiam, da nossa identidade biológica e da nossa inserção social.
A alegria, como anteriormente ficou insinuado, vem de dentro, da nossa identidade – somos herdeiros/filhos de Deus –, da nossa pertença – irmãos em Jesus Cristo – e da salvação que Ele nos traz. Não somos prisioneiros nem do pecado nem da morte. Estamos configurados, pelo batismo, à morte e ressurreição de Jesus Cristo. Ele veio, Ele vem, Ele virá, para a todos elevar para Deus, para todos salvar, não no fim mas a partir da Cruz e para sempre.
Nesta tensão, entre a celebração festiva do Natal, que nos coloca no presépio junto a Deus que Se faz criança, e a vinda definitiva de Jesus, no dia-a-dia, e no final, quando Deus fizer regressar a Si toda a criação, saboreamos já a salvação de Deus.
A profecia de Sofonias faz um apelo semelhante ao de São Paulo: «Clama jubilosamente, filha de Sião; solta brados de alegria, Israel. Exulta, rejubila de todo o coração, filha de Jerusalém. O Senhor revogou a sentença que te condenava, afastou os teus inimigos. O Senhor, Rei de Israel, está no meio de ti e já não temerás nenhum mal. Naquele dia, dir-se-á a Jerusalém: 'Não temas, Sião, não desfaleçam as tuas mãos. O Senhor teu Deus está no meio de ti, como poderoso salvador. Por causa de ti, Ele enche-Se de júbilo, renova-te com o seu amor, exulta de alegria por tua causa, como nos dias de festa'».
O que Sofonias profetiza para o futuro, São Paulo vive-o como experiência, testemunhando a presença constante de Jesus na sua vida e na via das comunidades cristãs.

3 – Nestes ou noutros tempos, a alegria dos cristãos não significa a resignação com as situações do mal, pelo contrário, a alegria manifesta a certeza que o bem vencerá, Deus terá a última palavra. Nem a espada, nem a perseguição, nem a vida, nem a morte, prevalecerão à força do amor que nos vem de Deus. Esta certeza inunda o nosso coração de alegria, renova as nossas energias, compromete-nos com a justiça, com a paz, com a harmonia, com a construção da casa da Fé e do Evangelho, casa de todos e para todos.
Sem a fé, sem a certeza da salvação, muitos dos projetos não fariam sentido, far-nos-iam morrer na desilusão, na incerteza permanente, na resignação perante o mal. Se existe o mal e não há forma de o vencer não adianta o compromisso, o esforço, a luta. Se Ele vence o mundo, isto é, as forças do mal, então também nós podemos, com Ele, com a Sua graça, contribuir para vencer o a injustiça, o medo, o egoísmo, a intolerância e todas as manifestações malévolas.
O anúncio de João Batista traz a iminência do Messias, a alegria por O sabermos próximo, mas igualmente o envolvimento com o bem e com a verdade. As pessoas percebem que o anúncio de João leva a mudar de vida. João responde em concreto: «quem tiver duas túnicas reparta com quem não tem nenhuma; e quem tiver mantimentos faça o mesmo»; aos publicanos diz «não exijais nada além do que vos foi prescrito»; aos soldados, «não pratiqueis violência com ninguém nem denuncieis injustamente; e contentai-vos com o vosso soldo».

4 – Estamos a poucos dias do Natal, expressão da Encarnação, Deus que Se faz homem, assumindo a nossa humanidade. O Advento convoca-nos a entrar no presépio com Maria e com José, para acolhermos Jesus que está mesmo a chegar. Aí residirá a nossa alegria, a nossa esperança e que se multiplicará em caridade. A fé reveste-se de esperança, de alegria, funda-se em Deus que é Pai e nos ama com amor e coração de Mãe. Não é uma fé aérea, algo vago, efémero, mas assenta na omnipotência e misericórdia do Senhor Deus. Sendo Deus e sendo Pai responsabiliza-nos uns pelos outros, pois n’Ele somos irmãos. É essa a revelação de Jesus. A fé não nos desliga, não nos afasta, não faz de nós melhores que outros, em sentido de sobranceria, dá-nos a responsabilidade de sermos santos. É fé é para manusear, para colocar mãos à obra, a fé conduz-nos, fortalece-se e madurece na prática da caridade.
Os contemporâneos de João Batista alegram-se com o anúncio da vinda do Messias. Querem estar preparados. João anuncia-lhes a Boa Nova, mas esclarece: «Eu batizo-vos com água, mas está a chegar quem é mais forte do que eu, e eu não sou digno de desatar as correias das suas sandálias. Ele batizar-vos-á com o Espírito Santo e com o fogo. Tem na mão a pá para limpar a sua eira e recolherá o trigo no seu celeiro; a palha, porém, queimá-la-á num fogo que não se apaga».
Deixemo-nos contagiar pelas suas palavras e com Isaías rezemos: “Cantai ao Senhor, porque Ele fez maravilhas, anunciai-as em toda a terra. Entoai cânticos de alegria, habitantes de Sião, porque é grande no meio de vós o Santo de Israel”.
A oração predispõe-nos a acolher a vontade de Deus e a fazermos o que nos compete para realizar a Sua santa vontade. A alegria que transborda em nós é comunicável e partilhável. Uma pessoa triste e melancólica tende a afastar-se, a isolar-se, a dobrar-se sobre si própria. Uma pessoa alegre, confiante, convicta das suas raízes e consciente da meta para onde se dirige, contagia os outros, trasvaza nas palavras e nos gestos, torna-se generosa. Uma alegria tão grande, fundada em Deus, faz com que nem as adversidades sejam obstáculo para viver. Pelo contrário, se sabemos Deus connosco, então caminhamos seguros e saberemos que nada nos poderá separar desse amor e dessa vida.

Pe. Manuel Gonçalves