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quarta-feira, 2 de março de 2022

Marta Arrais - GUIA PARA UMA VIDA SIMPLES

MARTA ARRAIS (2022). Guia para uma vida simples. Lisboa: Planeta. 256 páginas.


A sugestão deste livro é mais que natural, como os vários textos-crónicas-reflexões de Marta Arrais que lemos com interesse e recomendamos vivamente. A autora tem o dom de escrever bem, escorreitamente, de forma simples e acessível, percetível. A erudição, as frases poéticas, facilitam a leitura e a sua compreensão. Por outro lado, vê-se bem que escreve com alma e com o coração, lançando pistas, desafios interpelando, fazendo-nos parar, sonhar, voar, mostrando como o ser humano é um mistério, em construção e a caminho e que existem aspetos na nossa vida que podem ser mudados, se não ao nível dos acontecimentos, pelo menos, ao nível da atitude que se assume perante os mesmos, perante a vida e diante dos outros. O convite é o de sempre: caminharmos juntos, não deixarmos ninguém para trás, sabermos dizer sim, mas também dizer não, largarmos as pessoas que trazem toxidade à nossa vida, não termos pressa de viver o dia seguinte, vivamos hoje com toda a intensidade que nos é possível!

Muitos dos textos aqui servidos foram escritos durante este longo tempo de invernia, deste tempo de pandemia, e, por conseguinte, fazem eco das preocupações, acolhem as frases feitas, transparecem as lágrimas, os sorrisos e as perdas, deixando claro que nada será como dantes, ainda que muitos o predissessem, que tudo ficaria bem, ou que o pós-pandemia seria uma oportunidade para um mundo mais justo e solidário, mais fraterno. Porém, ainda dentro deste embotamento, muitos sinais contraditórios de egoísmo, de aproveitamento, de esquecimento dos mais vulneráveis. Os chavões, muitos deles, não passaram de intenções que ficaram pelo caminho ou de expectativas, entretanto, goradas quando se voltou a algum tipo de normalidade.

Pelos títulos que encimam cada capítulo, ficamos com uma noção de algumas provocações e convites: 1) Optar pelo essencial; 2) Desligar; 3) Perdoar; 4) Estar disposto e disponível; 5) Aceitar sem compreender; 6) Ter só o que fizer falta; 7) Viver um momento de cada vez; 8) Ouvir (mais) o que é bom; 9) Deixar ir; 10) Desisti quando for preciso; 11) Ter calma e paciência.

A abrir, diz-nos Marta Arrais: “Este livro é um mapa. Um conjunto de páginas que querem sugerir sentidos, trilhos, caminhos, rotas e possibilidades. Antes de começares esta sugestão de viagem, convém que apagues as luzes de tudo o que te distrai e não te deixa pensar com clareza, com chama e fluidez. Não precisas de deixar o que é teu e o que te é querido. Também não é necessário que apagues nenhuma linha da tua história. A ideia é que encontres, nestas páginas, uma ponte que te ajude a encontrar um equilíbrio diferente, uma paz mais quieta, uma vida tranquila e menos atribulada… Está tudo a acontecer ao mesmo tempo? Deixa estar. Não sabes se vais conseguir lidar com a tempestade que já ouves ao longe? Deixa estar. Querem que faças demasiadas tarefas de uma vez só? Deixa estar. Não reconheces as pessoas que foram sempre tuas? Deixa estar. Não estás a conseguir vislumbrar os sonhos e os planos de sempre? Deixa estar. Sossega. Antes de começares, deixa tudo onde tiver que ficar. Não te preocupes. Ninguém consegue tomar decisões quando há demasiado ruído ou quando há demasiada turbulência. Suspende o mundo lá fora. Prende ao peito um ‘Volto já’ e volta quando puderes. Quando quiseres. Quando estiveres pronto. Vamos a isso?”


Mais alguns pedaços de texto da autora:
Hoje eu não consigo perdoar-te. Amanhã tento outra vez.
Hoje eu não consigo encontrar bondade nas pessoas que estão comigo. Amanhã tento outra vez.
Hoje eu não consigo procurar a paz. Amanhã tento outra vez.
Hoje eu não consigo ser feliz. Amanhã tento outra vez.
Hoje eu não consigo não consigo avançar nem um passo. Amanhã tento avançar dois.
Hoje eu não consigo levantar a cabeça do chão. Amanhã tento outra vez.
Hoje eu não consigo encontrar sentido na minha vida. Amanhã tento outra vez”.
Quando não puderes fazer mais nada, ri-te. De ti. Dos tombos que a vida te fez dar. Das lições que tiveste de viver para aprender”.
Se eu não perdoar aquela pessoa que me retirou tempo, disponibilidade e estabilidade emocional, continuarei, na mesma, a deixá-la ficar na minha vida e a perpetuar a sua influência no meu dia a dia. Não vale a pena não perdoar a pessoas tóxicas”.
Viver cada coisa como quem sabe que não pode compreender tudo, entender tudo, fazer parte de tudo… Escolher mais vezes o silêncio. Argumentar menos e interiorizar mais. Não comprar guerras com quem não tem culpa das nossas. Vale mais a pena dividir a nossa guerra com alguém. Ter paciência quando nos faltar a paz”.
Nem sempre somos paz. Nem sempre somos capazes de não incendiar um rastilho que leve a uma ou outra guerra. Nem sempre conseguimos ser bons. Dizer bem dos outros. Não julgar. Nem sempre somos os que terminam as discussões. Muitas vezes, somos os seus protagonistas e os seus iniciadores. Nem sempre somos os primeiros a dar a mão a quem precisa. Muitas vezes somos os primeiros a deixar o barco à deriva”.
Não oiças vozes venenosas, manipuladoras ou demasiado queixosas. São veneno para a saúde da alma”.
A fé é saber que não estamos sozinhos. Que há alguém que nos acompanha, nos guarda e zela por nós. É saber que não estamos cá por uma razão aleatória ou por descuido do universo. Estamos cá porque precisamos. Porque temos de fazer do mundo um lugar único”.
“Não esperes que se resolva. Resolve.
Não esperes que mude. Muda.
Não guardes para depois. Hoje é o dia.
Não te afaste sem ninguém ver. Diz que vais. Por que vais.
Não te escondas nas entrelinhas. Fala.
Não fales quando estiveres furioso. Acalma-te primeiro.
Não sonhes com o céu. Voa e chega lá.
Não te agarres às coisas do mundo. Não queiras ser daqui.
Não saltes sem ver o chão. Vai devagar.
Não tenhas pressa de viver o que ainda não chegou. Cada passo a seu tempo.
Não culpes. Desliga-te da mágoa e passa à frente.
Não te culpes. Fizeste o que podias. Como sabias.
Não te rias do que não conheces. Observa primeiro, julga depois.
Não faças festas. Sê festa.”

Não te rendas quando o combate ainda vai a meio.
Não te rendas quando a luta for pelo bem.
Não te rendas ao que te contam. Pode não ser verdade.
Não te rendas ao que te assusta. O medo faz os melhores heróis.
Não te rendas, a vida ainda agora começou”.

Não te esqueças de agradecer o passado. Foi ele que te trouxe, pela mão, até aqui. Já cá estás. Agora, podes deixá-lo ir. De vez em quando, podes fazer-lhe uma visita, mas é melhor que resistas à tentação de viver com ele”.
“Não te esqueças: quando viveres algo terrível – espera. Com paciência. Com cuidado. Lá mais para a frente vais ser capaz de entender tudo”.

Não estamos cá para ser pouco. Estamos cá para ser tudo”.

domingo, 22 de agosto de 2021

Alberto Camus - A Peste

 ALBERTO CAMUS (2019). A Peste. Porto: Livros do Brasil. 264 páginas.


A Peste, do filósofo Alberto Camus, é um romance que bem poderia ter sido escrito para a pandemia, ou resultante da pandemia do novo coronavírus, que se transforma em doença, Covid-19. A Peste descreve, com grande exatidão, o que sucedeu e o que está a acontecer com este surto pandémico atual.
Na cidade de Orão, na Argélia, em 1940, surge a peste. Aparece um rato ensanguentado, do nada, e morre, como que rebentando. Multiplicam-se os ratos mortos. Um bairro, rapidamente se espalha por outros bairros e por toda a cidade. Ativa-se uma plano para desinfestar a cidade, para recolher os ratos mortos e tentar que não invadam nem as ruas nem as casas. Tenta desvalorizar-se o fenómeno que não se percebe, procurando que os jornais não dramatizem.
Entretanto, surge um homem, doente, com febre, com falta de ar, com pequenos caroços na pele, que rebentam e expelem sangue. Surgem outros casos. A preocupação das autoridades é controlar a peste, agir com cautela, procurando não gerar pânico, controlando, de algum modo, a informação. Os primeiros dias são de reserva, de dúvidas, não falando em peste e não assumindo claramente tal doença. Adia-se ao máximo falar de peste para evitar situações de alarme, até ao ponto de ser inevitável. "A opinião pública é sagrada: nada de pânico. Sobretudo, nada de pânico". A partir de então traçam-se as medidas a adotar, isolar as pessoas que têm peste, retirando-as do ambiente familiar, criando espaços de quarentena, recolher obrigatório, evitar aglomerações e festas, fechar as fronteiras - ninguém pode sair e só podem entrar os que são residentes em Orão, aos funerais só podem assistir familiares próximos, e com o avançar da peste, abrem-se valas comuns e são sepultados sem a presença de familiares, o culto é suspenso, a economia para e favorece a economia paralela."A peste é a ruína do turismo". O número de mortos vai aumentando, organizam-se equipas para recolher as pessoas com peste, para assistência nos hospitais, para os funerais; prepara-se e testa-se um soro de forma a salvar os contaminados, com momentos de elevada expetativa e com desilusões sucessivas.
A falta de meios mas também a falta de pessoas para lutar contra a peste.
À peste junta-se o medo, o anseio de contactar familiares e amores, vai-se perdendo a esperança, vive-se um dia de cada vez, com um certo embotamento que se vai gerando, vive-se em suspenso, quase anestesiado. O risco de loucura aumenta progressivamente. A separação é uma das consequências mais nefasta da peste e do fechar das fronteiras. Até a correspondência é suspensa, com medo que as cartas possam provocar contágio.
Como na pandemia atual, também em Orão se percebe que estão todos no mesmo barco. "uma vez fechadas as portas, aperceberam-se de que estavam todos, até o próprio narrador, metidos no mesmo saco e que era necessário arranjarem-se". E mais à frente: "É claro que as coisas não estão melhor. Mas, ao menos, toda a gente está metida nos mesmos lençóis".
Produzem-se crenças erradas, como acontece também com a pandemia, como por exemplo, o álcool preservar das doenças infeciosas, pelo que aumenta o número de bêbados todas as noites. É interessante o diálogo do médico, Rieux, ateu, com o Padre, Tarrou: "O que eu odeio é a morte e o mal, bem sabe. E, quer queira quer não, estamos juntos para os sofrer e combater. Bem vê, nem mesmo Deus pode agora separar-nos". E por falar em crenças, a religião é substituída pela superstição, com uso de amuletos e medalhas protetoras, bem como profecias, como de Nostradamus, ajustando-as aos tempos presentes.
Coisa curiosa também, em paralelo com a pandemia pelo novo coronavírus, também em relação à peste, as autoridades contam com a sazonalidade. No caso da pandemia, contavam com o tempo quente; no caso da peste, contavam com o tempo frio para deter o avanço da mesma. "À força de esperar, não se espera já, e a nossa cidade vivia sem futuro".
Quando se aproxima o Natal... para eles "o Natal, nesse ano, foi mais a festa do Inferno do que do Evangelho. As lojas desertas, privadas de luz... as igrejas estavam cheias de lamentos, mais do de ações de graças...."
Coloca-se também a questão da normalidade e do futuro após a peste. "Cottar não sorria. Queria saber se se podia pensar que a peste nada mudaria na cidade e que tudo recomeçasse como dantes, ou seja, como se nada se tivesse passado. Tarrou pensava que a peste mudaria e não mudaria a cidade, que, bem entendido, o mais forte desejo dos nossos concidadãos era e seria fazer como se nada tivesse mudado e que, portanto, em certo sentido, seria mudado, mas que, noutro sentido, não se pode esquecer tudo, mesmo com a vontade necessária, e a peste deixaria vestígios, pelo menos nos corações".
"Em Orão, como no resto do mundo, por falta de tempo e de reflexão, é-se obrigado a amar sem o saber...

quarta-feira, 28 de abril de 2021

TOMÁŠ HALÍK - O TEMPO DAS IGREJAS VAZIAS

TOMÁŠ HALÍK (2021). O tempo das igrejas vazias. Prior Velho: Paulinas Editora. 152 páginas.


Há um ano, tal como em Portugal e em muitos países, também na República Checa, a necessidade de confinamento devido ao novo coronavírus levou à suspensão das celebrações comunitárias, com particular relevância para a Eucaristia dominical. Tomáš Halík, sacerdote checo e um dos teólogos em maior evidência na Igreja atual, optando por não transmitir a Eucaristia na paróquia universitária que lhe está confiada, São Salvador, preparou e divulgou, pela Internet, reflexões para cada Domingo da Quaresma até à solenidade de Pentecostes, incluída também a homilia da Quarta-feira de Cinzas, portanto, de todo o ciclo da Páscoa.
Este conjunto de homilias foram publicadas, neste livro que sugerimos, com o título de "O Tempo das Igrejas Vazias", sob a chancela das Paulinas Editoria. Trata-se de um convite à reflexão sobre a realidade da fé e da Igreja, do abandono de muitos cristãos, já antes da pandemia, mas que pode, agora, fazer soar mais alarmes pela debandada que se acentua. Só depois da pandemia se verá até que ponto alguns se acomodaram a uma nova realidade e deixaram de ser "praticantes". É tempo para a reflexão sobre a linguagem da Igreja, a pregação dos sacerdotes, o testemunho dos cristãos, a alegria do anúncio, a coerência de fé, a tradução viva da fé no quotidiano.
O autor viveu na clandestinidade, foi ordenado sacerdote às escondidas, durante anos celebrou Missa sozinho ou com mais uma pessoa ou com algumas famílias. Neste caso, celebravam à noite depois de as crianças adormecerem, crianças, nas famílias que as tinham, para não correrem riscos de denúncia, sabendo que as crianças podem facilmente dizer o que viram ou ouviram... A suspensão das celebrações comunitárias, do terceiro Domingo da Quaresma, em março, até ao Pentecostes, no final de maio, e o facto que voltar a celebrar quase sozinho, não o surpreendeu tanto assim. Antes, o comunismo e a perseguição à Igreja, agora a pandemia.
O tempo das Igrejas vazias é uma oportunidade para refletir a forma como somos Igreja. No caso do autor, oportunidade para dar lugar ao silêncio e à oração, à contemplação do mistério e à reflexão sobre o caminho percorrido, pela Igreja, e o caminho a percorrer, com as possibilidades que se abrem à Igreja e aos cristãos. A pandemia pode dar lugar à desolação ou à pregação apocalíptica. E, pelos vistos, alguns voltaram a pregações medievais, provocando o medo, como se o medo obrigasse as pessoas a regressarem à Igreja.
As Igreja vazias devem preocupar-nos? Sim. Mas são também um desafio a darmos maiores razões da nossa fé, não no anúncio de um deus vingativo, mas na certeza confiante de um Deus misericordioso, que é Pai e Mãe, e que em Jesus Cristo abraça a história e o sofrimento humano, caminhando connosco.
Teremos de dar razões da nossa fé, em todos os momentos, nas situações favoráveis e adversas. Deus faz-Se presente na oração - rezemos mais; na Palavra proclamada e meditada - sacudamos o pó das nossas Bíblias; na vivência da Eucaristia, como remédio e alento para o caminho – não desperdicemos este alimento; no cuidado do irmão, no serviço aos mais frágeis – o que fizerdes ao mais pequeno dos meus irmãos é a Mim que o fazeis. As Igrejas vazias são oportunidade para sermos Igreja onde quer que nos encontremos, e em tudo o que fizermos. A Eucaristia, vivida com autenticidade, é o primeiro passo para a caridade.

Algumas expressões de Tomáš Halík neste livro:

A vitalidade da (sua) comunidade paroquial assenta em três pilares que se interligam:
"Cultivar uma fé refletida capaz de um diálogo intelectual com uma sociedade predominantemente agnósticas, «apateística», anticlerical (contudo não ateísta); segundo, cultivar um constante crescimento espiritual, uma cultura de uma abordagem contemplativa à vida; terceiro, cultivar o compromisso dos cristãos na sociedade civil".

Em relação à opção da não transmissão das Missas na paróquia de São Salvador:

"A minha convicção de que a presença rela de Cristo na Eucaristia deve ser acompanhada da presença real dos fiéis à volta da mesa do banquete sagrado... a celebração da Eucaristia é um banquete em que a presença real de Cristo no sacramento está ligada à presença real (e não virtual) dos fiéis. É na Eucaristia que somos recebidos por Cristo e, ao mesmo tempo, recebemos os nossos irmãos e por eles e neles recebemos o próprio Cristo". 
"Quando a fé de alguns cristãos enfraquece, ao ver que o mundo não vai na direção por eles esperada, intensifica-se a tentação de substitui o Deus do amor, da fé e da esperança por um velho vingativo que do Além persegue os seus filhos com castigos cruéis, que levariam qualquer pai a ser justamente julgado".

Possibilidade de apanhar a Covid e morrer. O autor viria mesmo a apanhar a doença, mas foi curado. Diz-nos:

"Este pensamento sobre a possibilidade de uma morte iminente não provocou em mim medo, mas, sim, uma necessidade de recapitular, de prestar contas. Também nestas homilias se revelava a necessidade de estar consciente em que direção se move a nossa paróquia, a minha teologia, a minha vida, o que constitui, na verdade, o âmago da minha fé: o que significa para mim ser cristão".

Sobre as três virtudes teologais:
"A esperança é abertura para o futuro, a fé é abertura ao mistério de Deus e a caridade é abertura para o mistério do homem e de Deus ao mesmo tempo... A fé é remédio contra o pânico e o medo".
Uma das ideias que sobressai neste conjunto de homilias é o da ressurreição contínua. O mistério pascal está no centro da vida da Igreja e dos cristãos. É preciso morrer para muitas coisas, e para algumas imagens sobre Deus e sobre comportamentos eclesiais.
Sublinha-se também a dinâmica do ecumenismo num sentido mais abrangente, não apenas a outras Igrejas cristãs, mas também outras religiões (diálogo inter-religioso), bem como com agnósticos ou mesmo ateus, pessoas em busca...

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

PAPA FRANCISCO - VIDA APÓS A PANDEMIA

PAPA FRANCISCO (2020). Vida após a pandemia. Prior Velho: Paulinas Editora. 56 páginas.
Será impossível alguém falar em 2020 sem falar na pandemia do novo corona vírus e na respetiva doença que provoca, a Covid-19. Desde a primeira hora, a Igreja respondeu à chamada, quer a dar o exemplo no confinamento, suspendendo celebrações, quer na reflexão sobre o momento e sobre as consequências devastadoras sobretudo nos povos e nas pessoas mais vulneráveis, e na ajuda solidária e concreta a pessoas mais desfavorecidas, através de diversos organismos presentes no terreno, quer com a multiplicação de donativos para hospitais, distribuindo por várias países, em todos os continentes, e lançado outras campanhas de angariação de fundos em prol de hospitais ou de países que vivem situações verdadeiramente aflitivas.
O Santo Padre, o Papa Francisco, sentiu o distanciamento físico dos fiéis e a aflição dos serviços públicos para tentar preservar a vida e a saúde das pessoas. A praça de São Pedro espelhou bem o confinamento, esvaziando-se. No dia 27 de março, vimo-lo, pesaroso, alquebrado, subindo a praça de São Pedro, para um momento extraordinário de oração, com a Bênção Urbi et Orbi (sobre a cidade e o mundo). Na sua reflexão, o Papa partiu do texto de São Marcos (4, 35-41), seguindo com uma espécie de refrão: "Porque sois tão medrosos?". Pergunta feita por Jesus aos apóstolos, a atravessar uma tempestade. A partir deste trecho do Evangelho, o Papa enquadra a pandemia, a tempestade, o medo, mas também a confiança em Deus que age por todos aqueles que estão envolvidos.

"«Ao entardecer…» (Mc 4, 35): assim começa o Evangelho, que ouvimos. Desde há semanas que parece o entardecer, parece cair a noite. Densas trevas cobriram as nossas praças, ruas e cidades; apoderaram-se das nossas vidas, enchendo tudo dum silêncio ensurdecedor e um vazio desolador, que paralisa tudo à sua passagem: pressente-se no ar, nota-se nos gestos, dizem-no os olhares. Revemo-nos temerosos e perdidos". Uma reflexão tocante, assomando a dor partilhada, mas também a firmeza da fé. "O Senhor interpela-nos e, no meio da nossa tempestade, convida-nos a despertar e ativar a solidariedade e a esperança, capazes de dar solidez, apoio e significado a estas horas em que tudo parece naufragar. O Senhor desperta, para acordar e reanimar a nossa fé pascal. Temos uma âncora: na sua cruz, fomos salvos. Temos um leme: na sua cruz, fomos resgatados. Temos uma esperança: na sua cruz, fomos curados e abraçados, para que nada e ninguém nos separe do seu amor redentor. No meio deste isolamento que nos faz padecer a limitação de afetos e encontros e experimentar a falta de tantas coisas, ouçamos mais uma vez o anúncio que nos salva: Ele ressuscitou e vive ao nosso lado. Da sua cruz, o Senhor desafia-nos a encontrar a vida que nos espera, a olhar para aqueles que nos reclamam, a reforçar, reconhecer e incentivar a graça que mora em nós. Não apaguemos a mecha que ainda fumega (cf. Is 42, 3), que nunca adoece, e deixemos que reacenda a esperança... Desta colunata que abraça Roma e o mundo desça sobre vós, como um abraço consolador, a bênção de Deus. Senhor, abençoa o mundo, dá saúde aos corpos e conforto aos corações! Pedes-nos para não ter medo; a nossa fé, porém, é fraca e sentimo-nos temerosos. Mas Tu, Senhor, não nos deixes à mercê da tempestade. Continua a repetir-nos: «Não tenhais medo!» (Mt 14, 27). E nós, juntamente com Pedro, «confiamos-Te todas as nossas preocupações, porque Tu tens cuidado de nós» (cf. 1 Ped 5, 7)".

Este é apenas um dos textos incluído neste livrinho. Claro que há forma de ler as intervenções do Papa nas plataformas do Vaticano, mas reunir as reflexões num livro, permite-nos voltar a ler e sublinhar algumas passagens mais tocantes. Vejamos como os títulos atribuídos às intervenções do Papa falam deste momento, mas procuram, já, lançar desafios: "A preparação para o depois é importante", "Como uma nova chama", "Um exército invisível", "Um plano para ressurgir", "O egoísmo: um vírus ainda pior", "Para os jornais de rua", e "Superar os desafios globais".

Na mensagem Urbi et Orbi, no dia de Páscoa, mais uma enxurrada de fé e confiança, e desafio: "Este não é tempo para a indiferença, porque o mundo inteiro está a sofrer e deve sentir-se unido ao enfrentar a pandemia... Este não é tempo para egoísmos, pois o desafio que enfrentamos nos une a todos e não faz distinção de pessoas... Este não é tempo para divisões. Cristo, nossa paz, ilumine a quantos têm responsabilidades nos conflitos, para que tenham a coragem de aderir ao apelo a um cessar-fogo global e imediato em todos os cantos do mundo. Este não é tempo para continuar a fabricar e comercializar armas, gastando somas enormes que deveriam ser usadas para cuidar das pessoas e salvar vidas... Este não é tempo para o esquecimento. A crise que estamos a enfrentar não nos faça esquecer muitas outras emergências que acarretam sofrimentos a tantas pessoas".