Mostrar mensagens com a etiqueta São Marcos. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta São Marcos. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

O Filho do homem é Senhor do Sábado

       Passava Jesus através das searas num dia de sábado e os discípulos, enquanto caminhavam, começaram a apanhar espigas. Disseram-Lhe então os fariseus: "Vê como eles fazem ao sábado o que não é permitido". Respondeu-lhes Jesus: "Nunca lestes o que fez David, quando teve necessidade e sentiu fome, ele e os seus companheiros? Entrou na casa de Deus, no tempo do sumo sacerdote Abiatar, e comeu dos pães da proposição, que só os sacerdotes podiam comer, e também os deu aos companheiros". E acrescentou: "O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado. Por isso, o Filho do homem é também Senhor do sábado" (Mc 2, 23-28).
       Em continuidade com as leituras de ontem, o Evangelho para este dia motra como por vezes a religião e as suas radições podem ser usadas contra o outro. Jesus lembra-nos que o essencial está no coração, na conversão interior. A Lei, como todos os preceitos, valem enquanto estão ao serviço do ser humano e da sua dignidade. As leis devem ser elaboradas para favorecer a vida humana e o relacionamento saudável entre pessoas, e entre estas e as instiuições...

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Festa de São Marcos, Evangelista

Nota biográfica:
       Era primo de Barnabé. Acompanhou o apóstolo Paulo na sua primeira viagem, e depois também o acompanhou a Roma. Foi discípulo de Pedro, de cuja pregação se fez intérprete no Evangelho que escreveu. É-lhe atribuída a fundação da Igreja de Alexandria.

Oração de Coleta:
       Senhor, que confiastes ao evangelista São Marcos a missão de proclamar o Evangelho, fazei que aproveitemos de tal modo os seus ensinamentos que sigamos fielmente os passos de Cristo. Ele que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
Da Epístola de São Pedro:
       Revesti-vos de humildade, uns para com os outros, porque «Deus resiste aos soberbos e dá a graça aos humildes». Humilhai-vos sob a poderosa mão de Deus, para que Ele vos exalte no tempo oportuno. Confiai-Lhe todas as vossas preocupações, porque Ele vela por vós. Sede sóbrios e vigiai. O vosso inimigo, o diabo, anda à vossa volta, como leão que ruge, procurando a quem devorar. Resisti-lhe, firmes na fé, sabendo que os vossos irmãos espalhados pelo mundo suportam os mesmos sofrimentos. O Deus de toda a graça, que vos chamou para a sua eterna glória em Cristo, depois de terdes sofrido um pouco, vos restabelecerá, vos aperfeiçoará, vos fortificará e vos tornará inabaláveis. A Ele o poder e a glória pelos séculos dos séculos. Amen. Foi por meio de Silvano, a quem considero irmão de confiança, que vos escrevi estas breves palavras, para vos exortar e assegurar que é esta a verdadeira graça de Deus. Permanecei firmes nela. Saúda-vos a comunidade estabelecida em Babilónia, eleita como vós, e também Marcos, meu filho. Saudai-vos uns aos outros com o ósculo da caridade. Paz a todos os que estais em Cristo (1 Pedro 5, 5b-14)

FONTE: Secretariado Nacional da Liturgia
Para saber mais sobre este Evangelista e o seu Evangelho sugerimos:
Introdução ao Evangelho segundo Marcos, de D. Antonio Couto: AQUI.

domingo, 15 de março de 2015

D. António Couto: Introdução ao Evangelho de Marcos

D. ANTÓNIO COUTO (2015). Introdução ao Evangelho segundo Marcos. Lisboa: Paulus Editora. 136 páginas.
       Mais um excelente subsídio para preparar a Eucaristia de Domingo, para melhor compreender o Evangelho de São Marcos, colocando-se em atitude de seguimento, como discípulo em relação a Jesus Cristo, para melhor se entranhar na lógica de serviço, de doação, configurando a própria vida à vida de Jesus.
        O Evangelho seguido prevalentemente neste ciclo litúrgico do ANO B é São Marcos.
        Tal como havia feito para o Ano A, para o qual D. António Couto nos colocou nas mãos dois títulos: Quando Ele nos abre as Escrituras. Ano A, e Introdução ao Evangelho segundo Mateus, o Bispo da mui nobre Diocese de Lamego colocoa à nossa disposição mais dois títulos: Quando Ele nos abre as Escrituras: Ano B, com o comentário à liturgia de cada Domingo, e agora este sobre São Marcos.
        Como já nos habituou, D. António Couto coloca neste trabalho a sua fé, a experiência de vida, a dedicação ao Evangelho, valendo-se de conhecimentos diversos, ao nível da Sagrada Escritura, da história, da psicologia, da teologia, socorrendo-se dos Padres da Igreja e de outros estudiosos, mas sobretudo fazendo-nos mergulhar no texto de Marcos.
       São Marcos voltou à ribalta. Se antes era um texto considerado secundário, ficando quase no esquecimento, pois era entendido como uma espécie de resumo do Evangelho de São Mateus, ou de São Mateus e de São Lucas, a partir do século XIX começa a ser redescoberto, pois é reconhecido como o primeiro Evangelho a ser escrito e, por conseguinte, mais simples, direto, mais próximo cronologicamente de Jesus. Por outro lado, ainda que a linguagem seja diferente, com diferentes destinatários, segundo D. António Couto, os outros Evangelhos, Mateus, Lucas e mesmo São João, mantêm um esquema similar ao de Marcos.
       Sublinham-se no texto temas como chamamento, semente, pão e paixão de Jesus, discipulado. Com efeito o Evangelho de São Marcos faz-nos seguir como que no filme que passa diante de nós, em que a personagem principal é e deve ser o próprio Jesus, que Se aproxima, que chama, que diz, que faz, que nos envia. O discípulo é o que vai atrás.
       Este estudo divide-se em três capítulos:
  1. À porta do Evangelho de Marcos (quem é Marcos, onde e quando escreveu, para quem, estrutura do evangelho).
  2. Quem é Jesus? À procura da identidade de Jesus (Dizer Jesus, dizer do povo, de Pedro, do centurião; jornada de Carfarnaum: Parábola da semente / pão / paixão / ensinados e não compreendidos; na Barca sem Jesus, na Barca com Jesus.
  3. Quem é o discípulo de Jesus e como tornar-se discípulo de Jesus? À procura da identidade do discípulo de Jesus.
       D. António Couto, com mestria, faz-nos sentir discípulos de Jesus, ou melhor, coloca-nos na posição daqueles que se aproximam de Jesus ou de quem Jesus Se aproxima, mostrando que os Seus ditos são para nós, quando nos envolve, nos desafia, nos recrimina, quando nos lembra da nossa condição, quando nos faz passar para trás, como a Pedro e aos demais discípulos, quando nos relembra nossa nudez diante do mistério de Deus. Outro aspeto muito interessante, é a linguagem corrida e muitas vezes (quase) poética de D. António, bem como o estudo dedicado de alguns termos, a partir do grego, do hebraico ou do aramaico e até aqueles que não percebam estas línguas, ficam a perceber melhor o texto e o contexto do filme do Evangelho de Marcos.

LER a apresentação/sugestão do livro:

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Domingo V do Tempo Comum - ano B - 8.fev.2015

       1 – Pregar. Anunciar. Evangelizar. «Vamos a outros lugares, às povoações vizinhas, porque foi para isso que Eu vim». Ide e fazei discípulos. Ide e anunciai o Evangelho a toda a criatura. "O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres. Enviou-me a proclamar a redenção aos cativos e a vista aos cegos, a restituir a liberdade aos oprimidos, a proclamar o ano da graça do Senhor" (Lc 4, 16-30). Em diferentes momentos, nos quatro evangelhos, Jesus sublinha a MISSÃO de ANUNCIAR a Boa Nova. O chamamento dos Apóstolos tem como preocupação inicial "treiná-los" para os ENVIAR em missão, para que levam o Evangelho a toda a parte.
       Fazer a vontade do Pai é revelar o Seu Amor a toda a criatura. Quando Se encontra com as multidões, quando sente compaixão por aquelas pessoas, antes ou depois de realizar prodígios, Jesus ENSINA, parte para outras margens, vai a outras povoações. E como o Pai O envia também Ele envia os Seus discípulos (cf. Jo 20, 21).
       Paulo VI, na sobejamente conhecida Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, diz categoricamente: "Evangelizar constitui, de facto, a graça e a vocação própria da Igreja, a sua mais profunda identidade. Ela existe para evangelizar, ou seja, para pregar e ensinar, ser o canal do dom da graça, reconciliar os pecadores com Deus e perpetuar o sacrifício de Cristo na santa missa, que é o memorial da sua morte e gloriosa ressurreição" (n.º 14).
       Expressões e compromissos que os Seus sucessores acentuarão em diversas ocasiões e documentos. Um desafio constante no Pontificado de João Paulo II que compromete a Igreja com a Nova Evangelização. O Papa Francisco, partindo do Documento da Aparecida, e na Sua primeira Exortação Apostólica, sintoniza-nos com a urgência da Alegria do Evangelho, lembrando-nos que somos discípulos missionários. A Igreja encontrar-se-á na medida em que estiver em saída, levando Cristo, indo à procura de todas as ovelhas perdidas.
       2 – O anúncio do Evangelho – Palavra de Deus encarnada, Jesus Cristo – é acompanhado de libertação, de acolhimento, de inclusão, de vida nova. A Boa Notícia que Jesus nos traz – Deus ama-nos como filhos – faz-nos família, sara as nossas feridas, expulsa os demónios que nos atormentam, cura os nossos ódios e desejos de vingança, liberta-nos para nos amarmos uns aos outros, apostando no perdão e no serviço.
       Saindo da Sinagoga, Jesus faz-se acompanhar de Tiago e João e vai a casa de Simão e de André, que estão preocupados pois a sogra de Simão Pedro está doente, com febre. Logo lhe falam dela. Veja-se a dinâmica e a importância da intercessão. A delicadeza de Jesus é notória: toma-a pela mão e levanta-a. Como em outras situações, aqueles que se sentem salvos por Deus predispõem-se de imediato para o serviço. É o que faz a sogra de Pedro: curada, responde com serviço.
       Ao cair da tarde, já depois do sol-posto, isto é, quando se inicia um novo dia, como a vida em gestação no ventre materno até ser dia, trazem a Jesus todos os doentes e possessos, com a cidade inteira reunida para O ver e O ouvir. Jesus cura muitas pessoas e liberta os que são atormentados pelos demónios, para que vivam na claridade do amanhecer que vai surgir.
       São Marcos coloca-nos dentro deste filme, guia-nos ao encontro de Jesus.
       Sem muito tempo para descansar, ainda manhã cedo, Jesus levanta-se e retira-se para orar. A intimidade com o Pai – em diálogo permanente mas com tempos determinadas para melhor absorver o Espírito – é o Seu alimento. Quanto mais perto de Deus, mais perto dos homens. Quanto maior a intimidade com Pai, mais desprendimento para cuidar dos irmãos.
       Quando os discípulos despertam e se apercebem que Jesus já não está no meio deles, saem à procura d'Ele. Para nós: se nos apercebemos que Jesus não está no meio de nós há que O procurar, indo ao Seu encontro.
       3 – «Todos Te procuram» – dizem os discípulos a Jesus. Saliente-se, mais uma vez, a intercessão. Os discípulos levam a Jesus a preocupação das pessoas. Por outro lado, TODOS Te procuram, inclui-nos e reforça a necessidade da evangelização dos cristãos e da Igreja. O "todos" que os discípulos levam a Jesus refere-se por certo às pessoas daquela cidade e que se tinham juntado diante da casa de Pedro. Mas logo Jesus alarga a referência a "TODOS": «Vamos a outros lugares, às povoações vizinhas, a fim de pregar aí também, porque foi para isso que Eu vim».
       Jesus relembra o Seu propósito: IR a outros lugares PREGAR. E foram, por toda a Galileia. A Galileia é uma terra de passagem, uma via de comunicação, que gera encontro com pessoas de diversas nacionalidades, comerciantes e mendigos, judeus e gentios, sublinhando a universalidade da evangelização.
       São Paulo, na segunda leitura hoje proclamada, chão da Evangelii Nuntiandi, de Paulo VI, deixa claro qual a sua missão como Apóstolo, vivendo-a não como opção, mas como vocação, compromisso, identidade cristã:
«Anunciar o Evangelho não é para mim um título de glória, é uma obrigação que me foi imposta. Ai de mim se não anunciar o Evangelho! Desempenho apenas um cargo que me está confiado... Livre como sou em relação a todos, de todos me fiz escravo, para ganhar o maior número possível. Com os fracos tornei-me fraco, a fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, a fim de ganhar alguns a todo o custo. E tudo faço por causa do Evangelho, para me tornar participante dos seus bens».
       A sua e a nossa missão primeira: EVANGELIZAR. Em todo o tempo, em todas as ocasiões, oportuna e inoportunamente, como diz a Timóteo: "Proclama a palavra, insiste em tempo propício ou fora dele, convence, repreende, exorta com toda a compreensão e competência" (2 Tim 4,2). A pregação provoca movimento, ação, saída, ir ao encontro, procurar o outro e entrar em comunhão com ele. Por Cristo, "fiz-me tudo para todos".

       4 – Em Job, o sofredor inocente, encontramo-nos com a nossa dor. Há tantas coisas que não compreendemos, desencontros, dúvidas, interrogações, há tantas noites mal dormidas, e tantos dias sem sol.
       Lido neste desabafo, Job merece-nos compaixão: «Como o escravo que suspira pela sombra e o trabalhador que espera pelo seu salário, assim eu recebi em herança meses de desilusão e couberam-me em sorte noites de amargura. Se me deito, digo: ‘Quando é que me levanto?’. Se me levanto: ‘Quando chegará a noite?’; e agito-me angustiado até ao crepúsculo. Os meus dias passam mais velozes que uma lançadeira de tear e desvanecem-se sem esperança. – Recordai-Vos que a minha vida não passa de um sopro».
       Bateu no fundo. Job, homem justo e piedoso, aos olhos dos homens e de Deus, come o pão que o diabo amassou. Mas no final sobrevém a justiça de Deus, a confiança n'Aquele que tudo pode e que não abandona aqueles que ama. O diálogo de Job com Deus é um grito lancinante que clama por justiça ou pelo menos pela resposta de Deus. Com ele aprendamos a levar a Deus tudo o que nos inquieta, o que nos faz bem e aquilo que nos desanima. Jesus assume o sofrimento de Job, carrega a Cruz para nos mostrar o abraço de Deus, que também no sofrimento nos atrai para Si. O Evangelho de Jesus liberta, traz-nos amor, presença, companhia, vida nova, afasta os demónios que nos dividem, expulsa de nós os instintos que criam divisão.
       Deixemos que Jesus nos tome pela mão, como fez à sogra de Pedro. E como ela, levantemo-nos para servir os irmãos, no anúncio do Evangelho e na prática da caridade.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano B): Job 7, 1-4. 6-7; Sl 146 (147); 1 Cor 9, 16-19. 22-23; Mc 1, 29-39.

sábado, 24 de janeiro de 2015

Domingo III do Tempo Comum - ano B - 25 de janeiro

       1 – "A glória de Deus é o homem vivo; e a vida do homem é a visão de Deus". Esta afirmação pertence a Santo Ireneu, Bispo e Mártir (nasceu por volta do ano 130 e foi morto no ano 200). Quando nos confrontamos com a prática religiosa, com as vivências crentes, a partir de fora, vêm ao de cima exigências, sacrifícios, renúncias. "Porque vais à Missa? Vem daí, vamos tomar um café, deixa lá a Missa, podes ir noutros dias. Com este tempo, já viste o sacrifício que vais fazer?"
       Uma visão utilitarista da religião, num ambiente consumista, onde domina a liquidez de ideias e de convicções, o bem-estar a qualquer preço, eliminando tudo o que possa cheirar a esforço, a persistência, a paciência. Desde logo se diga que a vida é multicolor, e não apenas a preto e branco, luz e trevas, deserto e oásis, é uma paleta de cores, com matizes diferentes conforme as circunstâncias que nos envolvem. Até a chuva e o sol alteram a nossa interação com os outros.
       Hoje, a Palavra de Deus traz-nos, envolvendo-nos, provocando-nos, um forte apelo à conversão. A Bíblia faz assomar violências e ódios, conflitos e disputas, guerras e vinganças. E, no entanto, entrelaça-nos em histórias de bênção, de aliança, de amizade, histórias de luta, de compromisso, de vida e de esperança, de luz. Algumas tramas fazem-nos pensar que Deus é "vingativo" quando não cumprimos, quando nos desviamos e transviámos. A dualidade da aliança: Deus ama-nos se vivermos segundo as Suas leis. Numa leitura rápida e superficial somos levados a olhar para Deus como um Ser caprichoso, cioso, que nos castiga à primeira falta. É, aliás, uma conceção que ainda voga nas nossas comunidades, em muitos cristãos.
       Uma leitura mais atenta, generosa, abrangente da Bíblia, põe em evidência Deus como criador e redentor. Está presente em todos os momentos da nossa vida e da nossa história, sobretudo nas adversidades, na míngua, no exílio e até na morte. A Sua maior glória é o Homem vivo, feliz. Cumprir os Mandamentos é garantia que nos tornamos mais irmãos, mais próximos, mais felizes connosco e com os outros. Deus ama-nos primeiro e sem condições prévias ou reservas futuras.
       2 – Entremos agora no Evangelho de São Marcos que nos faz escutar as primeiras palavras de Jesus. Antes, a voz do Pai que dá testemunho acerca de Jesus. Depois, a voz de João Batista que nos aponta o Cordeiro de Deus. Hoje é Cristo que em definitivo assume a missão de evangelizar o mundo.
       Depois de João Batista ter sido preso, Jesus parte para a Galileia, a Galileia dos gentios, onde se cruzam crenças e nacionalidades, numa abertura original a todos os que buscam e se deixam interpelar. A salvação está agora acessível a todos, está ao nosso alcance. Jesus vem à nossa aldeia, à nossa vida. É para nós que Ele dirige a Sua pregação: «Cumpriu-se o tempo e está próximo o reino de Deus. Arrependei-vos e acreditai no Evangelho».
       Com Jesus, o tempo cumpre-se, chega ao seu fim. O reino está próximo, está no meio de nós, Jesus abre-nos os Céus. É Ele verdadeiramente o reino de Deus, a vida de Deus, a comunhão que nos enlaça para sempre. Podemos viver já sob o olhar amoroso de Deus, sob a Sua luz. Jesus vem porque Deus nos quer, Deus nos quer bem, nos quer vivos, nos quer verdadeiramente humanos, refletindo-O em nós, não por capricho Seu, mas para felicidade nossa.
       Caminhando junto de nós, junto do mar da Galileia, Jesus repara em nós. Vê-nos com olhos de ver, com o coração. Lançamos as redes ao mar! Quantas vezes andamos à pesca, à procura, sem saber onde encontraremos bom peixe, se a maré nos trará a fortuna ou a desgraça! A Simão e a André e a nós, Jesus lança o desafio: «Vinde comigo e farei de vós pescadores de homens».
       Eles deixam tudo, muito rapidamente, e seguem Jesus. Mais adiante, vê também Tiago e João, filhos de Zebedeu, que consertavam as redes. Jesus chama-os e também eles largam os seus afazeres e seguem-n’O. Serão pescadores de homens, preparam-se para ajudar a consertar o mundo, a história, a vida, contribuindo para que o tempo se cumpra para todos.
       3 – Página belíssima e luminosa nos traz o livro de Jonas. Também Jonas é chamado por Deus. A missão para o qual é enviado não se afigura muito fácil. É enviado a outra Galileia dos gentios, a uma nação estrangeira, a Nínive. Um povo que não é o seu, mas que Deus quer salvar: «Levanta-te, vai à grande cidade de Nínive e apregoa nela a mensagem que Eu te direi». Para Jonas o melhor seria que Deus fizesse o favor de quanto antes destruir a cidade. Recusa-se, inclusive, a dirigir-se àquela povoação para cumprir a missão que lhe está confiada. Jonas, contrafeito, engolido por uma baleia, desembarca em Nínive para que a vontade de Deus se realize.
       O autor dá-nos a informação preciosa de que Nínive era uma grande cidade, em extensão, mas sobretudo aos olhos de Deus. A mensagem é direta: «Daqui a quarenta dias, Nínive será destruída». Jonas intuiu a bondade de Deus e daí a recusa em anunciar o castigo. Percebe que se avisar os ninivitas estes podem ter tempo de se converter. Ainda assim não pôde fugir à sua missão.
       A pregação surte efeito, "Os habitantes de Nínive acreditaram em Deus, proclamaram um jejum e revestiram-se de saco, desde o maior ao mais pequeno. Quando Deus viu as suas obras e como se convertiam do seu mau caminho, desistiu do castigo com que os ameaçara".
       Vendo bem, o propósito de Deus, nesta como outras páginas da Escritura e da história, não é eliminar pessoas, mas eliminar o pecado, o mal, o que é diabólico, ou seja, o que nos afasta dos outros ou nos coloca contra eles. Há lugar para todos. O castigo é preparado por nós. Quando cada um só se preocupa com o seu umbigo, mais tarde ou mais cedo, a comunidade deixa de existir.
       No seguimento da leitura, vemos um Jonas revoltado, mal-humorado, levando-se demasiado a sério. Para Ele Deus deveria cumprir com o desiderato original e destruir a cidade, independentemente do número de pessoas que perecesse. "Por isso é que, precavendo-me, quis fugir para Társis, porque sabia que és um Deus misericordioso e clemente, paciente, cheio de bondade e pronto a renunciar aos castigos" (Jn 4, 2). Vendo que Deus não cumpre com (o que Jonas julgava ser) o prometido, manifesta-se desencantado e quer que Deus lhe dê a morte, já que a não deu aos ninivitas. A reposta de Deus é eloquente. Jonas descansa debaixo de um ricínio, que nasceu da noite para o dia, mas que morre do mesmo jeito. Jonas lamenta-se de novo. Chega a resposta de Deus: «E não hei de Eu compadecer-me da grande cidade de Nínive, onde há mais de cento e vinte mil pessoas, que não sabem distinguir entre a sua mão direita e a sua mão esquerda, e um grande número de animais?» (Jn 4, 11).

       4 – São Paulo segue de perto a missão do contrariado Jonas e sobretudo a missão do convicto Jesus. À comunidade de Corinto e às nossas comunidades:
"O que tenho a dizer-vos, irmãos, é que o tempo é breve. Doravante, os que têm esposas procedam como se as não tivessem; os que choram, como se não chorassem; os que andam alegres, como se não andassem; os que compram, como se não possuíssem; os que utilizam este mundo, como se realmente não o utilizassem. De facto, o cenário deste mundo é passageiro".
       O tempo é breve. Demasiado breve. É urgente que cumpramos o nosso tempo, preenchendo-o com o melhor de nós, com o que perdura para lá deste mundo, iniciando já a realeza de Jesus. Se é Ele que age em nós, é possível que todos os esforços valham a pena.
       A conversão é a condição de todos os que se abrem à graça de Deus, mendigando o amor de Deus, deixando-Se iluminar pela Sua benevolência.
       Na conclusão do Oitavário de Oração pela Unidade dos Cristãos (18 a 25 de janeiro), coincidindo com a conversão de São Paulo, a evidente certeza que todos precisamos de nos converter a Jesus Cristo, bebendo do mesmo caudal de água viva que jorra d’Ele e nos sacia até à eternidade.

       5 – Jonas, Jesus, São Paulo, mostram-nos a conversão como caminho para Deus, cientes da Sua misericórdia infinita, mas que promove a nossa liberdade, as nossas escolhas.
       Do mesmo jeito, o salmista nos convoca à oração, respondendo à Palavra de Deus:
"Mostrai-me, Senhor, os vossos caminhos, / ensinai-me as vossas veredas. / Guiai-me na vossa verdade e ensinai-me, / porque Vós sois Deus, meu Salvador. / Lembrai-Vos, Senhor, das vossas misericórdias / e das vossas graças, que são eternas. / Lembrai-Vos de mim segundo a vossa clemência, / por causa da vossa bondade, Senhor".
       A oração é-nos favorável, inicia com a certeza confiante da bondade de Deus. Cabe-nos, no seguimento, a predisposição para nos convertermos a Ele de todo o coração, para que a nossa vida prossiga até à eternidade, comunhão plena com Ele e com os irmãos, visualizável na partilha solidária e na comunhão fraterna.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano B): Jonas 3, 1-5. 10; Sl 24 (25); 1 Cor 7, 29-31; Mc 1, 14-20.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

PAGOLA - O CAMINHO aberto por JESUS - Marcos

       "O Caminho aberto por Jesus - Marcos", é o título de um interessantíssimo livro de José António Pagola, cuja publicação em Portugal é da responsabilidade da Gráfica de Coimbra 2 (Coimbra 2012).
       O evangelista que nos acompanha, no ciclo de leituras do Ano B, que termina com a solenidade de Cristo Rei, é São Marcos, o primeiro, e talvez por isso, o mais rudimentar, mais genuíno, mais direto, mais acessível, e mais perto (cronologicamente) de Jesus.
       Nesta obra, o autor apresenta o texto do evangelho, contextualizado, procurando situar-nos no tempo de Jesus, no ambiente da época, deixando vir ao de cima a delicadeza de Jesus, a sua bondade, a atenção aos mais desvalidos, a inversão de todos os estereótipos sociais e religiosos, interessando-se pelas pessoas mais insignificantes. O autor procura lançar questões à Igreja e aos cristãos, à sociedade deste tempo e desafiar a uma atitude que assume a Mensagem cristã, em definitivo, sem preconceitos, e sem receio, abrindo para a esperança de Deus.
       Veja-se a apresentação feita pelo próprio autor:

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Frei Filipe - Arrependei-vos e acreditai no Evangelho

FREI JOSÉ FILIPE RODRIGUES, op (2014). Arrependei-vos e acreditai no Evangelho. Homilias para o Ano B. Cascais: Lucerna. 168 páginas.
       Há pouco tempo publicado, em novembro, bem a tempo de com este trabalho se entrar no novo ano litúrgico B, com o ciclo de leituras de domingos e dias santos que privilegia o Evangelho de São Marcos a quem o autor pede emprestado o título para agregar estas homilias, originalmente proferidas há três anos, isto é, no mesmo ciclo de leituras do Ano B, maioritariamente na Paróquia de Campo Grande, onde o Frei Filipe, da Ordem dos Pregadores (op), dominicano, colabora regularmente.
        O livro viria a ser apresentado na Paróquia de Almacave, Diocese de Lamego, no dia 15 de dezembro, tendo como orador principal D. António Couto, que recomendou a leitura a todos, particularmente aos que têm a responsabilidade de preparar as homilias, os sacerdotes, apresentando o texto como uma trabalho diligente, que tem muito trabalho escondido, oração, leitura, meditação. São homilias, propriamente ditas, ainda que a oralidade do seu autor, neste como em outros casos, ultrapasse as linhas escritas. São homilias simples, de leitura fácil, acessível e que se centram sobretudo nos três textos principais da Liturgia da Palavra, primeira e segunda leituras, e Evangelho. A indicação das respetivas Leituras, salmo incluído, surgem referenciadas no início de cada homilia.
        A amizade e a ligação virtual, por esta rede, esta aldeia global, com pontos de contacto, tendo em conta as raízes do frei Filipe, que sublinhou na apresentação da sua obra, levaram-me à cidade de Lamego para encontrar pessoal o seu autor, tomando contacto mais direto com este trabalho meritório. Como acompanho as suas reflexões, litúrgicas e/ou pastorais, dia a dia, culturais, sociais, já sabia, antes participar nesta apresentação ou de ler/meditar o Livro, que se lê com agrado, é acessível, faz diversas pontes que nos levam aos dominicanos, mas também a outros autores, outras andanças, poetas, escritores, pinturas, quadros... acontecimentos, monumentos.
       Anteriormente recomendámos aqui RETALHOS DA VIDA DE UM PADRE. É uma leitura envolvente, a vida de um frade/padre, inquietações, meditações, encontros com a alegria e com o sofrimento, com a vida e com o mistério da morte.
       Desta feita, recomendámos agora este livro de Homilias, que publica o trabalho rezado, meditado, escrito, proferido. A leitura pode fazer-se pelo menos de duas formas: como leitura espiritual, de fio a pavio. Foi o que fizemos, ainda que com a preocupação de o recomendarmos. só o poderíamos fazer depois de o lermos. Neste caso dá-nos também uma visão de conjunto de todo o ano litúrgico. A segunda forma: a fim de preparar cada Eucaristia de domingo seguinte, ler e meditar o texto correspondente. Dessa forma, a disponibilidade para participar na Eucaristia será mais motivadora e mais consciente.
       Lê-se com agrado. Ajuda a refletir. Faz-nos entrar nas narrações do Evangelho. Faz-nos ver melhor Jesus, acolhê-l'O, senti-l'O mais próximo. Por outro lado, a abertura para este tempo, com acontecimentos e o clima social e cultural atuais, nos quais a Palavra de Deus se reflete para converter. Como tinha referido o Frei Filipe, na apresentação em Lamego, a leitura atempadamente,, no domingo à noite para o domingo seguinte, ajuda a ajuntar acontecimentos, reflexões e outras leituras. Em algumas Homilias, o Frei Filipe presenteia-nos com pérolas de pensadores, poetas, escritores, ou com quadros artísticos, outros tempos e lugares e outras sensibilidades: um coral de Bach; uma resposta de Gandhi; um ou outro poema de Sophia de Melo Breyner; um comentário do Papa Leão Magno; reflexão de São Máximo de Turim; uma ou outra intervenção do Papa Bento XVI; o aggiornamento do Vaticano II; o tempo de Jesus e dos apóstolos e o nosso tempo.
       Do primeiro Domingo do Advento ao último domingo do tempo Comum - Solenidade de Cristo Rei, passando pelas comemorações mais importantes, Natal e Páscoa, Pentecostes, Corpo de Deus, Todos os Santos, Assunção de Nossa Senhora, Imaculada Conceição.
       Aí está um subsídio importante, acessível, de agradável leitura, envolvente, que nos pode ajudar a preparar homilias, se for o caso, ou a preparar cada domingo.
"O Evangelho de hoje diz-nos que não devemos contornar as situações desagradáveis, não devemos fingir que elas não aconteceram. O Evangelho diz-nos que Aquele que tudo pode, Aquele que tem poder sobre tudo e sobre todos, o nosso Deus está na nossa barca. Com Ele o vento acalma, as ondas deixaram de ser perigosas e a nossa barca viaja no sossego e na alegria da Sua presença" (p. 100).

sábado, 22 de setembro de 2012

XXV Domingo do tempo Comum - ano B - 23 de setembro

       1 – O anúncio da Cruz é uma evidência na vida de Jesus. Para os cristãos, o anúncio e a identificação com a Cruz de Jesus Cristo é um projeto de vida, a sua maneira de ser. 
       Depois da confissão de fé de Pedro – “Tu és o Messias” –, o anúncio progressivo, mas sem recuos, dos sofrimentos que o Mestre vai enfrentar. Em constante movimento, Jesus anuncia tempos novos, o reino de Deus em ebulição. São Marcos mostra que o Messias, o Ungido do Senhor, é verdadeiro Homem, com sentimentos e emoções, com necessidades (de comer, de beber, de descansar, de ser ouvido) e com sonhos (revolucionar a mente e sobretudo o coração das pessoas), atento a todos, fixando o Seu olhar nas pessoas mais frágeis, naquelas que se apresentam fatigadas, desiludidas, marginalizadas, sem esperança e sem futuro. Ele acolhe, desafia, compreende, ama, perdoa, cura, revoluciona a partir do interior.
       Chegados ao meio do evangelho de Marcos, o caminho do sucesso e da fama, que se vinha a espalhar e a consolidar, dá lugar rapidamente à desilusão (por parte dos discípulos), e ao abandono. O messianismo esperado pelo povo, e pelos discípulos, é político, imposto pela força, com um vendaval de violência e morte, e traduzir-se-ia pela substituição do poder imperial e colonizador por um poder nacional e religioso.
       É neste sentido que vemos Pedro a repreender Jesus por Ele anunciar o fracasso (humano e visível): «O Filho do homem vai ser entregue às mãos dos homens, que vão matá-l’O; mas Ele, três dias depois de morto, ressuscitará».
       A visão de Pedro, e dos demais apóstolos, corresponde à tentação de Satanás: o reino de Deus será do poder, de domínio e de violência sobre os outros. Daí a expressão contundente de Jesus: Afasta-te de mim Satanás. O caminho é outro.
 
       2 – A Cruz é símbolo da entrega total, dádiva por inteiro da Sua vida a favor de todo o povo. É necessário que UM morra por todos. É consequência lógica da Sua vida. Não é um momento. Não se trata de desprezar a VIDA, como dom, mas de recusar o egoísmo e todas as formas de vida que signifiquem destruição dos outros.
       Jesus coloca-Se do lado do pedinte, do órfão e da viúva, do estrangeiro e do perseguido, do pobre e do doente, coloca-Se do lado dos mais frágeis. Segue o caminho da Cruz como serviço. A Cruz não vale e não serve por si mesmo. O cristão acolhe a vida como dádiva, protege-a, ama-a e celebra-a; vida que se partilha e se aprofunda na relação com o próximo. Em Jesus, a Cruz é o desembocar de um caminho permanente de fidelidade a Deus e aos homens. Quem assume a defesa dos mais pobres, cedo sofrerá o desprezo e a perseguição dos mais fortes, dos que vivem pela violência. Jesus sabe isto. Não o esconde. Não faz campanha. Não diplomatiza para ter mais seguidores. Não disfarça o desfecho que se irá impor. Anuncia a paixão, a perseguição, sob o poder das autoridades, incomodando com as palavras mas muito mais com o Seu jeito de viver, de se relacionar, de servir.
       Para Jesus, dar a outra face, deixar-se machucar, é mais humano do que agredir, morrer é muito mais humano do que matar. Ao egoísmo contrapõe o serviço, o amor e o perdão. Ao poder contrapõe a humildade: «Quem quiser ser o primeiro será o último de todos e o servo de todos». E, tomando uma criança, colocou-a no meio deles, abraçou-a e disse-lhes: «Quem receber uma destas crianças em meu nome é a Mim que recebe; e quem Me receber não Me recebe a Mim, mas Àquele que Me enviou».
 
       3 – As palavras da Sabedoria são clarificadoras sobre o justo e a forma como denuncia o mal e os poderosos instalados em seus palácios e a viver à custa do povo.
“Disseram os ímpios: «Armemos ciladas ao justo, porque nos incomoda e se opõe às nossas obras; censura-nos as transgressões à lei e repreende-nos as faltas de educação. Vejamos se as suas palavras são verdadeiras, observemos como é a sua morte. Porque, se o justo é filho de Deus, Deus o protegerá e o livrará das mãos dos seus adversários».
       O justo não procura aniquilar-se, não parte em busca de problemas, ou provocando os outros para a guerra. No entanto, a sua existência é já um atentado a quem pratica declaradamente o mal. Se todos passam indiferentes às injustiças, sobretudo aqueles que pelo seu ofício ou relevância social e religiosa deveriam proteger os mais fragilizados, ou se vivem na mesma corrente de pecado, às tantas até parece que só há um caminho, ou é a forma mais certa de se viver, pois se todos vivem assim! Ora o justo é provocador pelas palavras, denunciando, e muito pela vida de retidão, de justiça e de verdade.
       Quando faltam razões ou vontade para mudar de vida, a melhor maneira, para acabar com o incómodo de quem perturba o nosso descanso e o nosso cinismo, é acabar com a reputação e vida desses que tais, expondo, levantando falsos testemunhos, perseguindo, usando da violência. Foi assim que muitos profetas foram exilados, vitimados pelo boato e pela maledicência, e mortos. É a sorte dos justos. Será o desenlace da escolha de Jesus.
 
       4 – “Como Eu vos fiz, fazei-o vós também”. Estas são as palavras de Jesus quando se coloca de joelhos diante dos apóstolos para lhes lavar os pés, consagrando o serviço como única forma de chegar perto de Deus. Ele que era Mestre e Senhor não Se valeu da Sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se, tornou-Se servo, humilhou-Se em obediência até à morte, até à cruz, como se reza e poetisa na Epístola aos Filipenses. Ele não vem para ser servido, mas para servir e dar a vida pela vida de muitos.
       Pode até doer, levar-nos à Cruz, mas não há outro caminho que nos leve a Deus que não seja o da caridade, do serviço, da verdade, do perdão (ainda e sempre expressão da caridade). O cristão ama a vida que Deus lhe dá em abundância. A vida em qualidade não dispensa o convívio, a festa com os outros, a "ligação" aos demais. Só há luz em nós se estivermos ligados à corrente. A corrente é o Espírito de Deus em nós, que Se torna mais luminosa e consistente se ligada aos outros. Não nos salvamos sozinhos. Não seguimos pela estrada de ninguém. A nossa estrada é aberta para que possamos seguir juntos.
       A Cruz guia-nos pela caridade, pela paz, pela justiça.
       Pelo contrário, como insiste São Tiago,
“onde há inveja e rivalidade, também há desordem e toda a espécie de más ações. Mas a sabedoria que vem do alto é pura, pacífica, compreensiva e generosa, cheia de misericórdia e de boas obras, imparcial e sem hipocrisia. O fruto da justiça semeia-se na paz para aqueles que praticam a paz... Cobiçais e nada conseguis: então assassinais. Sois invejosos e não podeis obter nada: então entrais em conflitos e guerras. Nada tendes, porque nada pedis. Pedis e não recebeis, porque pedis mal, pois o que pedis é para satisfazer as vossas paixões”.
       Voltemos a ler este pedaço da Epístola. À inveja, ao egoísmo, à injustiça, à guerra, opõe-se como purificação e cura o serviço, o amor, o diálogo, o perdão, e a oração, para que a corrente de Deus nos mantenha vigilantes e atentos e prontos para nos ajudarmos.
       A lógica do reino de Deus é a lógica que leva à CRUZ, quem quiser ser o primeiro de todos seja o servo de todos.


Textos para a Eucaristia (ano B): Sab 2, 12.17-20; Tg 3, 16 – 4, 3; Mc 9, 30-37.

sábado, 15 de setembro de 2012

XXIV Domingo do Tempo Comum - ano B - 16 de setembro

       1 – A Epístola de São Tiago, segunda leitura, lavra a ligação íntima e fundamental entre a fé e a vida. O apóstolo exemplifica com situações concretas, reais e exequíveis.
       A religião e a fé em Cristo Jesus compromete-nos com as pessoas que vivem à nossa beira. Assim, o serviço aos mais desfavorecidos (aos órfãos e às viúvas) é inevitável na vivência autêntica da fé, assim como a “não aceção” de pessoas. Hoje, o apóstolo remete para mais uma situação clarificadora. Vale a pena ler atentamente: 
“De que serve a alguém dizer que tem fé, se não tem obras? Poderá essa fé obter-lhe a salvação? Se um irmão ou uma irmã não tiverem que vestir e lhes faltar o alimento de cada dia, e um de vós lhe disser: «Ide em paz. Aquecei-vos bem e saciai-vos», sem lhes dar o necessário para o corpo, de que lhes servem as vossas palavras? Assim também a fé sem obras está completamente morta. Mas dirá alguém: «Tu tens a fé e eu tenho as obras». Mostra-me a tua fé sem obras, que eu, pelas obras, te mostrarei a minha fé”.
       A fé autêntica, a que recebemos de Jesus Cristo, conduz-nos aos outros. Todos somos irmãos. Somos todos filhos de Deus. Quando mais estivermos vinculados a Deus, na oração, na escuta e reflexão da palavra de Deus, tanto mais estaremos ligados e comprometidos com aqueles que Deus colocou na nossa vida, para os servirmos como irmãos, para os acolhermos como presença de Deus.
       2 – Tudo começa n'Ele. A nossa vida. A nossa fé. A nossa conversão. Em Jesus Cristo, Deus vem ao nosso encontro, entra na nossa história, abre-nos as portas do Céu, reconcilia-nos com Ele, com os outros, com o mundo. Jesus clarifica o CAMINHO para Deus, precisamente com o serviço caritativo aos outros. Não vamos sós. Não estamos sós. Não nos salvamos sozinhos. Ele precede-nos. Dá o exemplo. Vive connosco no meio de nós. Atrai-nos com as palavras e com o pão, com a voz e com a Sua vida feita oração ao Pai e oferenda à humanidade.
       Não há compromisso social puro, autêntico, libertador, se antes não se der um encontro transformador com Jesus Cristo. A fé é DOM recebido, acolhido e aprofundado na partilha. A fé há de levar-nos a imitá-l'O, pelo que nos compromete nas obras, como expressão, visualização, e comprovação da nossa adesão firme a Jesus e ao Seu Evangelho de caridade.
       Tudo se inicia em Jesus. Ele desce de Deus e traz-nos Deus. Mas não Se impõe. Cabe-nos acolher a nossa vocação, o Seu chamamento. Cabe-nos escolher o caminho que nos guia ao CAMINHO. Cabe-nos, livremente, aceitar a salvação que Ele nos dá, deixarmos que a nossa vida se transforme por inteiro, interior e exteriormente, e sermos portadores desta boa notícia em nós, pelas palavras, pela profissão de fé, pela vida, pelas obras que resultam da nossa conversão a Jesus e do amor que nos habita, pelo Seu Santo Espírito.
       3 – É nesta lógica que Jesus exige de nós uma clara decisão. Não Se impõe mas propõe um caminho. Confronta-nos com a nossa escolha. Ainda que sejamos peregrinos, em conversão permanente, somos impelidos a responder por nós e com a nossa vida.
       Pergunta-nos Jesus, como o fez aos discípulos daquele tempo: «E vós, quem dizeis que Eu sou?»
       Não basta a opinião dos outros. Não vale responder com o que ouvimos dizer, ou com a opinião corrente. Jesus pergunta-lhes e pergunta-nos: «Quem dizem os homens que Eu sou?» As respostas podem ser variadas: João Baptista; Elias; um dos profetas…
       Mas chega um momento em que se tornam insuficientes as respostas dos outros, precisamos de responder por nós. Quem é Jesus para mim? Que importância tem na minha vida? De que forma influencia as minhas escolhas na minha relação com os outros, com o mundo e comigo mesmo? Toca a minha alma? Mobiliza-me para a comunhão e para a comunidade? Posso dizer com Pedro: «Tu és o Messias», o enviado de Deus? És Deus para mim? És a minha salvação, a minha vida, o meu conforto e o meu descanso? És a minha bússola, o meu norte?
       É a nós que Jesus interroga – E vós quem dizeis que Eu sou? –. Que resposta dar? Não assobiemos para o lado como se não fosse nada connosco. É connosco que Jesus está a falar.
       “Deixai fazer, deixai ir, deixar passar” (laissez faire, laissez aller, laissez passer), pode valer para a economia de mercado, na não (ou na pouca) intervenção do Estado, e que pelos vistos não está a ter grande sucesso, mas definitivamente não vale na economia da Salvação. Deus age, vem, coloca-Se à nossa disposição e pede-nos uma resposta ao Seu projeto de salvação, conta connosco.
       4 – Jesus conta connosco mas não contemos com a vida facilitada. Aliás, sublinhe-se desde logo, quem segue um caminho de honestidade e de trabalho cedo descobrirá escolhos e inimigos. Não se pode agradar a toda a gente. «Se alguém quiser seguir-Me, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me. Na verdade, quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; mas quem perder a vida, por causa de Mim e do Evangelho, salvá-la-á».
       Jesus anuncia tempos conturbados: o Filho do homem terá sofrer muito, será rejeitado pelos anciãos, pelos sumos-sacerdotes e pelos escribas; será morto e ressuscitará três dias depois. O sucesso da Sua missão não se vê claramente. Com clareza vê-se que o prosseguimento da Sua missão, do Seu amor, O levará muito rapidamente à morte.
       A contestação de Pedro é expressiva. Depois da sua confissão de fé, não entende que o desfecho não seja de todo positivo e atraente. É o fim das expetativas dos discípulos. E eles que pensavam que o reino de Deus seria imposto sem baixas e sem sofrimento, sem custo e sem esforço! E afinal vai custar pelo menos a vida do Mestre.
       E para que não restem dúvidas, as palavras de Jesus a Pedro são clarificadoras: «Vai-te, Satanás, porque não compreendes as coisas de Deus, mas só as dos homens»...

       5 – Perante as palavras de Jesus, não cabem respostas evasivas. Importa responder com a nossa vida. O caminho pode apresentar dificuldades, mas Ele está do nosso lado. E se está por nós, ninguém nos poderá separar do Seu amor. No sofrimento, na doença, na fragilidade, o que precisamos, muitas vezes, não é que sofram por nós ou nos tirem todas as dores, ou anulem a nossa sensibilidade, mas que possamos contar com um olhar confiante e confidente e nos garantam que não estamos sós, que não nos abandonam, que nos compreendem e que sabem da nossa vulnerabilidade e a aceitam como caminho.
       A Palavra de Deus não promete vida fácil, mas promete a presença permanente de Deus. O Seu olhar não se desviará do nosso, como na Cruz não se desprendeu da Mãe e não se desprendeu do Pai e não se desprendeu de nós. Por isso Ele nos dá Maria por Mãe, para que no seu olhar maternal descubramos e encontremos o olhar confiante e confidente de Deus e a certeza que nem a morte destruirá a nossa vida. Como rezamos com o salmo: “Livrou da morte a minha alma, das lágrimas os meus olhos, da queda os meus pés. Andarei na presença do Senhor, sobre a terra dos vivos... O Senhor guarda os simples: estava sem forças e o Senhor salvou-me”.
       Ou como visualiza o profeta Isaías:
“O Senhor Deus abriu-me os ouvidos e eu não resisti nem recuei um passo. Apresentei as costas àqueles que me batiam e a face aos que me arrancavam a barba; não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam. Mas o Senhor Deus veio em meu auxílio e por isso não fiquei envergonhado… O meu advogado está perto de mim. Pretende alguém instaurar-me um processo? Compareçamos juntos. Quem é o meu adversário? Que se apresente! O Senhor Deus vem em meu auxílio. Quem ousará condenar-me?”
       A certeza que Deus vem salvar-nos, anima-nos a caminhar, conforta-nos, atrai-nos, puxa-nos para a frente e para cima. Compromete-nos. Abre-nos a Céu. Ilumina o nosso esforço e o nosso olhar. Não nos deixa desistir.


Textos para a Eucaristia (ano B): Is 50,5-9a; Sl 114 (116); Tg 2,14-18; Mc 8,27-35.