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segunda-feira, 10 de maio de 2021

João Manuel Duque - NO CORPO DO TEMPO

JOÃO MANUEL DUQUE (2021). No Corpo do Tempo. Teologia Breve I. Braga: Frente e Verso. 188 páginas.


O autor: João Manuel Duque Doutor em Teologia Fundamental pela Phil.-Theologische Hochschule Sankt Georgen, Frankfurt, com uma tese sobre Gadamer. Professor Catedrático da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa e Pró-Reitor da mesma Universidade, para o Centro Regional de Braga. Diretor da revista Ephata. Publicou, entre outras obras, Homo credens. Para um Teologia da Fé (UCE), Cultura contemporânea e cristianismo (UCE). É casado e pai de três filhos.

Conjunto de reflexões de fácil leitura, acessíveis, escritas ao longo do tempo na revista "Mensageiro do Coração de Jesus" e agora colocadas em livro, com diversas temáticas, percorrendo o tempo litúrgico: Natal... Quaresma... Páscoa... sobre o Espírito Santo... a vida eclesial.

"De facto, tendo sido elaborados ao longo de cada ano, os artigos iam correspondendo à época do ano em que se publicavam, sobretudo na sua relação com o ano litúrgico e com as principais celebrações do ano cristão — com grande insistência no Natal, na Quaresma e na Páscoa. Por isso, este volume organiza as suas partes segundo esse ritmo, permitindo uma leitura de acordo com o tempo anual correspondente.
É claro que a referência ao tempo evoca, também, a temporalidade da nossa existência. Essa dimensão tem impacto sobretudo no conteúdo dos textos, mais do que na forma. De facto, a perspetiva fundamental da abordagem corresponde a uma compreensão da experiência de Deus no presente da história quotidiana dos humanos, ou seja, no tempo que marca as suas vidas. Daí a escolha do outro termo do título: o corpo. Porque a experiência de Deus e a correspondente experiência de salvação acontece já na história humana, no dia a dia das suas realizações, nos corpos pessoais e comunitários que lhe dão corpo. Ainda que haja uma referência especial ao corpo eclesial, de modo nenhum se pretende que esse corpo possa isolar-se dos corpos pessoais e comunitários que constituem o tecido do mundo, de que a Igreja faz parte e ao qual se orienta. Os corpos são todos permeáveis, porque estão todos expostos uns aos outros. Pretensas imunizações são perversas, ou mesmo ilusórias".

O primeiro texto começa assim:
"'Deus é amor (O Theos agapê estínDeus caritas est) (1 João) – esta é, talvez, a mais condensada e mais completa «definição» de Deus. Corresponde, de modo pleno, à compreensão cristã de Deus, que resulta de um processo longo e complexo de revelação e de descoberta. Concluir que Deus é amor não é algo evidente, nem isento de consequências. Contudo, a palavra «amor» – e até a palavra «caridade» – sofreu uma forte erosão, sendo necessário algum esclarecimento sobre o seu significado no contexto da tradição bíblico-cristã.

Antes de tudo, amor é um modo de relação entre pessoas – ou entre seres pessoais. O que implica o esclarecimento de alguns elementos do conceito de pessoa. Em primeiro lugar, implica a afirmação da unidade e unicidade de cada pessoa. Isto é, implica que aquele ou aquela que está envolvido ou envolvida numa relação de amor seja único e irrepetível, e não apenas uma energia, um elemento num sistema englobante, um princípio lógico, uma aparência ou outra realidade qualquer. Como tal, não poderíamos considerar o amor como algo do género de uma energia contínua que flui entre os seres, como pontos ou nós numa rede eletrónica, sem que fosse considerada a unicidade pessoal de cada ser nele envolvido.

No mesmo sentido, cada ser único e irrepetível envolvido na relação amorosa é diferente de outro ser. Por isso, o amor é o contrário de uma fusão das identidades e das diferenças dos sujeitos envolvidos numa realidade que os englobasse e lhes anulasse as suas características pessoais. Só é possível amor entre pessoas diferentes – e, ao mesmo tempo, a realidade pessoal resultante da relação amorosa é sempre uma realidade inconfundível com outra.
Em Jesus Cristo, Deus revela plenamente quem é – mesmo que nós, humanos, ainda não o compreendamos completamente. E revela-se amando – dando a vida pelo outro; e revela-se sendo amado – acolhendo a vida como dádiva do Pai. Por isso, o amor de Deus, que se realiza no encontro com o humano, sendo plenamente humano em Jesus Cristo, é que revela o próprio Deus. É claro que, nas condições da nossa existência humana e das suas limitadas capacidades de compreensão, nós só podemos compreender o que seja esse amor de Deus pelos humanos de modo analógico – só a partir da limitada experiência que fazemos do nosso amor humano. Por isso, Deus revela-se, em Jesus Cristo, amando com amor humano – só assim conseguimos compreender e acolher esse amor. Mas, ao mesmo tempo, percebendo nós as limitações do amor humano, também percebemos a sua grandeza e, em certa medida, o facto de albergar, nessas limitações, algo que é maior do que ele mesmo. Por essa via, podemos acolher um amor que seja fonte do nosso amor humano – e, nesse sentido, infinitamente mais perfeito do que ele. Mais do que isso: podemos compreender que a nossa verdade – e a nossa salvação – reside na correspondência prática a esse amor primeiro e originário, pois ele é a fonte do nosso...

... Mas como se nos revela o amor de Deus – e Deus como amor? Precisamente na atuação de Jesus, enquanto ama, como humano. Assim, o amor de Deus que vem ao encontro do ser humano é o próprio Deus que, feito humano, ama humanamente, mostrando aos humanos que o amor humano é o caminho para corresponder ao amor de Deus, acolhendo a salvação. E o amor, que é caminho de salvação, é a capacidade de dar a vida pelo outro, fazendo-se servo do outro, o mais pequeno entre os pequenos, assumindo a debilidade humana – incluindo a condição mortal – como modo de amar, partilhando um modo de ser. É isso precisamente o que acontece no Natal".

quarta-feira, 10 de junho de 2020

ZACHARIAS HEYES - Como encontrar Deus

ZACHARIAS HEYES (2020). Como encontrar Deus... e porque nem é preciso procurá-l'O. Lisboa: Paulus Editora. 128 páginas
Jesus, com a Sua encarnação, vida, mensagem, com a Sua morte e ressurreição mostra-nos que Deus é um Deus tão próximo, tão próximo, que Se confunde com a humanidade. Em Jesus, Deus não apenas vem à procura da humanidade "perdida", mas faz-Se Ele mesmo humanidade, assumindo a nossa carne, a nossa fragilidade. Por conseguinte, se diz que o cristianismo não é tanto uma religião, mas um encontro, um acontecimento: Deus, Pai/Mãe, faz-Se ser humano, vem e faz a Sua morada em nós e no mundo que é a nossa casa, a casa de todos.
"Como encontrar Deus... e porque nem é preciso procurá-l'O". O título do livro faz-nos intuir o propósito do autor com estas reflexões. O Padre Zacharias Heyes é monge na Abadia de Münsterschwarzach, na Alemanha. Logo a abrir diz o que pretende. "Aquele que parte em busca de Deus não precisa de ficar constantemente no 'modo de procura', mas ter apenas a disposição interna de permitir que Deus o encontre e de O encontrar no meio das pessoas... em Jesus é evidente que Deus não só Se aproximou das pessoas, mas que Ele está nas pessoas, Ele mesmo tornou-Se homem e, como tal, pôde ser vivenciado pelos outros... O caminho leva à descoberta de Deus em mim e no outro, pois em Jesus evidencia-se que aquele que deseja encontrar Deus precisa de procurar o ser humano... se Deus está no meio da vida, no quotidiano das pessoas, então é exatamente aí que a Igreja precisa de estar".
A Encarnação de Jesus é o acontecimento decisivo. "Os cristãos acreditam que em Jesus o próprio Deus Se tornou homem. Ele viveu entre as pessoas, deu-lhes o seu amor, a sua amizade, curou-as e instruiu-as. As pessoas que conhecem Jesus recebem uma nova esperança e força através desse encontro. Deus encontrou o ser humano no homem Jesus. O desejo de Deus é estar presente entre as pessoas porque Ele ama os seres humanos".
A primeira parte do livro apresenta as experiências bíblicas essenciais e a certeza que Deus encontra o ser humano. O autor apresenta algumas personagens bem conhecidas: Adão e Eva, a certeza que não somos fruto do ocaso, mas somos criados pelo amor de Deus; Abraão, que Deus encontra através dos Seus mensageiros, revelando-Se como um Deus da partida e do caminho, num encontro que muda a sua vida e parte para outra terra; Moisés, salvo pelas águas e a certeza que "não existe lugar neste mundo que não seja lugar da presença de Deus, não existe lugar que não seja chão sagrado, não existe lugar em que não possamos encontrar Deus"; David, que Deus encontra para o ungir e tornar Rei do Seu povo; Maria, moça simples do Povo de Israel, que é surpreendida pelo Anjo Gabriel e se entrega à vontade de Deus, permitindo que n'Ela se realize a encarnação, tornando-Se a Mãe de Deus; José, a quem Deus Se comunica pelos sonhos, e que aceita o que lhe é pedido em sonho; Zaqueu, cobrador de impostos, é encontrado por Jesus, na sua banca, na certeza que Deus vem ao nosso encontro na nossa vida, antes de qualquer exigência moral, vem para ficar em nossa casa; a mulher junto ao poço: "Deus não está preso a nenhum lugar geográfico, as pessoas podem encontrá-l'O em qualquer sítio; os discípulos de Jesus: "ninguém deve acreditar que está sozinho e abandonado... a maneira mais simples de experimentar o amor de Deus é no amor de outra pessoa, porque esse amor é palpável", e Jesus, na certeza que "Deus não Se esconde. Ele deseja ser encontrado e redescoberto; nunca para de bater à porta, de chamar a nossa atenção para se relacionar connosco".
Num segundo momento - Não procures, encontra! - o autor conduz-nos a encontrar Deus em mim, partindo do facto de sermos imagem de Deus, aceitando Deus na nossa vida e no nosso corpo e com Ele tornando-nos cocriadores; a encontrar Deus nos outros - "Se eu quiser encontrar Deus no outro, o 'mapa do tesouro' que me leva até Ele é a conduta e as palavras de Jesus. Como ser humano, Ele viveu como todos os outros, entre os seres humanos. Ele amou, sofreu e zangou-se como todos não fazemos. Mas fez algumas coisas de modo diferente ao que as pessoas estavam acostumadas a fazer na época que não só surpreendeu mas também chocou aquelas que conviviam com Ele. Mas isso também significa encontrar Deus, e ás vezes pode ser incómodo... Deus pode ser experimentado no outro, no diálogo que aquece, fortalece, cura, edifica e que não julga nem condena"; a comunhão na Igreja - o encontro com Deus passa pelo encontro das pessoas umas com as outras, estamos vinculados uns aos outros, comungamos o mesmo corpo, o mesmo pão. "Eu encontro-me no outro". Solidariedade radical; o Deus em mim busca e encontra o Deus no outro, como João e Jesus, no encontro entre Isabel e Maria e todos são lugar para encontrar Deus, todos "são lugar da presença de Deus. são imagem de Deus; ou, por outras palavras, o outro é sarça ardente... o Ser humano é local da presença de Deus. Ele é a luz do mundo.. Deus deseja brilhar em cada um e por meio de cada um neste mundo". Jesus há de lembrar-nos, a propósito: o que fizerdes ao mais pequeno dos meus irmãos é a Mim que o fazeis. Entra aqui então o programa das obras de misericórdia... Na terceira parte: "Onde é a Igreja?" e obviamente que a Igreja é... a caminho, mosteiro, peregrinação, convívio, rituais, para o espírito do tempo, misericórdia. A Igreja é com cada um, em caminho e em comunhão, na busca e sobretudo na descoberta e no encontro de Deus em cada ser humano.

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Discípulos missionários do Deus desconhecido

LUÍS RAFAEL (2019). Discípulos missionários do Deus desconhecido. Um estudo exegético-pastoral de Atos 17, 16-34. Lamego: LIAM. 142 páginas.
(Foto: Pe. Hermínio Lopes)

       O Pe. Luís Rafael, natural de Vila da Ponte, membro a Equipa Sacerdotal da Paróquia de Almacave, ligado há muitos anos aos Jovens Sem Fronteiras (JSF), lançou há algumas semanas a sua dissertação de mestrado: um estudo exegético-pastoral de At 17, 16-34. Em Lamego, a apresentação do Livro foi no Centro Pastoral de Almacave, no dia 20 setembro. Já demos nota na edição anterior do Jornal. Agora é a nossa leitura e consequente sugestão.
       O lema dos JSF é: “Estar perto dos que estão longe sem estar longe dos que estão perto”. E eu diria que por vezes temos dificuldade em valorizar o talento e o trabalho dos que nos são próximos e dos que estão por perto. A sugestão do livro é mais que merecida. Passou o o escrutínio dos avaliadores da Universidade Católica e chegou, com todo o mérito, à publicação assumida pela LIAM (Liga Intensificadora Missionária). 
       O texto em estudo é do livro dos Atos dos Apóstolos (17, 16-34), diz respeito à intervenção do Paulo no Areópago, em Atenas, perante uma plateia de homens livres, cultos, religiosos, que acreditavam haver pelo menos uns 3 mil deuses, um para cada situação da vida. O Apóstolo dir-nos-á que evangelizar para ele (e claro, para nós, discípulos missionários) não é uma escolha, mas uma obrigação, "ai de mim se não evangelizar" (1 Cor 9, 16). Recomenda a Timóteo: "proclama a palavra, insiste em tempo propício e fora dele, convence, repreende, exorta com toda a compreensão e competência" (2 Tim 4, 2). Ele próprio testemunha a sua vida missionária: "fiz-me servo de todos, para ganhar o maior número. Fiz-me judeu com os judeus, para ganhar os judeus; com os que estão sujeitos à Lei, comportei-me como se estivesse sujeito à Lei – embora não estivesse sob a Lei – para ganhar os que estão sujeitos à Lei; com os que vivem sem a Lei, fiz-me como um sem Lei – embora eu não viva sem a lei de Deus porque tenho a lei de Cristo – para ganhar os que vivem sem a Lei. Fiz-me fraco com os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para salvar alguns a qualquer custo. E tudo faço por causa do Evangelho, para dele me tornar participante" (1 Cor 9, 19-23).
       Paulo, uma vez convertido, procurou corresponder ao mandato de Jesus Cristo: “Ide e anunciai o Evangelho a toda a criatura” (Mc 16, 15).
       Tal como os demais apóstolos, também Paulo começou por se dirigir primeiramente aos judeus, até porque falavam a mesma língua, tinham a mesma base cultural e religiosa, mas cedo percebeu que o Evangelho não poderia ficar refém de um espaço, de um tempo, de uma cultura, mas abrir-se a todo o mundo. Não surpreende que Paulo procure outros mundos para também aí levar o Evangelho de Jesus Cristo. Na Sinagoga e na praça pública, Paulo não cessa de anunciar Jesus e de discutir com quem aparece. Na praça, aparecem também filósofos, epicuristas e estóicos, que o levam ao Areópago. Diante de atenienses e estrangeiros residentes em Atenas, Paulo procura ir ao encontro das suas discussões e anseios, para logo lhes anunciar Jesus Cristo: «Atenienses, vejo que sois, em tudo, os mais religiosos dos homens. Percorrendo a vossa cidade e examinando os vossos monumentos sagrados, até encontrei um altar com esta inscrição: ‘Ao Deus desconhecido.’ Pois bem! Aquele que venerais sem o conhecer é esse que eu vos anuncio».
       A partir do discurso de Paulo, o Pe. Luís Rafael meteu mãos à obra para nos desafiar, também a nós, a mim e a ti, a não recearmos os tempos nem os lugares, as dificuldades e os contratempos, mas, sem temor, vivermos, testemunharmos e anunciarmos o Evangelho, com alegria e criatividade.
       A dissertação divide-se em três movimentos principais: 1) Estudo sobre o texto e tudo o que o envolve, analisando os aspetos linguísticos-textuais, as circunstâncias histórico-geográficas, religiosas, socioculturais e filosóficas; 2) Análise exegética, os dilemas que o texto apresenta, as temáticas teológicas presentes e a ponte para a filosofia grega; 3) A atualização do relato, deixando-nos desafios, apresentando os novos areópagos e as oportunidades com que hoje nos deparamos para anunciar o Evangelho.
       O trabalho está bem fundamento, com recurso a diversas fontes e diferentes áreas da teologia e do saber. O terceiro capítulo coroa o caminho árduo do trabalho, numa dinâmica mais pessoal e escorreita, com cenários que nos convocam à esperança e ao compromisso com o Evangelho de Jesus. Os desafios são lançados depois do trabalho "árduo", que fundamentam, contextualizam e explicitam a sábia intervenção de São Paulo no Areópago, o maior evangelizador de todos os tempos.
       Eis os desafios que o Pe. Luís Rafael nos deixa, para sermos discípulos missionários do Deus a conhecer e sobretudo a viver: 

1) Religiosidade XXI. "A cidade repleta de ídolos" (Atos 17, 16b): 
"Quantas vezes os batizados trocam o encontro comunitário com Deus por uma simples ida a uma catedral desportiva ou por uma manhã de compras no centro comercial! Eis o despotismo da indiferença... já não se trata da negação de Deus, mas do Seu desconhecimento... Um evangelizador tem de se destacar pela diferença: ele não vende Deus, dá-O a conhecer, dá-O gratuitamente para saciar a sede de todos os que vivem perto e longe d'Ele, todos os que O amam ou O negam, e de modo especial a todos os que vivem atormentados com medo, subjugados a facilitismos cegos, guiados pela prevenção esotérica... aquelas pessoas que 'tateando', procuram na escuridão longínqua um Deus que, na verdade, está bastante próximo de cada um (cf. Atos 17, 27)". 

2) Lugares de proximidade. "De pé, no meio do Areópago" (Atos 17, 22a): 
"O anúncio do Evangelho também tem de ser feito em Braga, em Lamego, em Vila da Ponte, em nossa casa, no meio desta 'apostasia silenciosa', onde os próprios batizados vivem como se Deus não existisse... é necessário que sejamos corajosos e criativos... temos de ser nós a sair, a ir até às mais variadas periferias... As potencialidades dos novos meios comunicativos são imensas e, se soubermos aproveitar, podemos fazer com que os valores gravados nas páginas da Sagrada Escritura cheguem até às imensas pessoas que se servem deles, e que estão neles! Na verdade, mais que simples meios, eles também são em si mesmos um 'lugar de encontro e de testemunho da fé, são autênticas mediapolis". Por outro lado, "nesta missão, não existem pessoas que possam ser dispensadas, nem lugares a serem evitados... Impõe-se que estejamos online neste Areópago digital mundial, sem que isso nos faça perder a consciência de que o virtual não substitui o real! Na verdade, sempre que possível, o clique deve levar ao toque, à proximidade física, à reunião comunitária, porque acima de tudo, o Deus que anunciamos não está distante, mas 'inacreditavelmente próximo de nós', é n'Ele que 'vivemos, nos movemos e existimos' (Atos 17, 28a)". 

3) INculturação da Fé. "Aquele que venerais sem o conhecer é esse que eu vos anuncio" (Atos 17, 23b): 
"Jesus Cristo foi o primeiro agente e modelo de inculturação! Assumiu, verdadeiramente, a natureza humana com tudo aquilo que isso implicava: ser membro de um povo com hábitos e costumes, língua e religião, uma cultura humana concreta... O primeiro passo para uma evangelização fecunda assenta no escutar e compreender o modo de pensar das pessoas que estão diante de nós, fazer como Paulo em Atenas". 

4) Evangelização da Cultura. "Como também o disseram alguns dos vossos poetas" (Atos 17, 28b): 
"Uma fé que não se torna cultura é uma fé não plenamente acolhida, não totalmente pensada, não fielmente vivida" (João Paulo II). "Ciência e fé não são opostas, não se sobrepõem, não se confundem, mas completam-se... Se queremos ser autênticos discípulos missionários... temos de estar firmemente enraizados n'Aquele em Quem acreditamos e intelectualmente preparados para dialogar com os representantes das mais diversas áreas do mundo da cultura". 

5) Testemunho sem cálculos. "Concordaram com ele e abraçaram a fé" (Atos 17, 34a) 
"A nossa sociedade está a ser abalada por uma crise de esperança... se também nós cedermos ao pessimismo e nos tornarmos sócios da lamúria permanente, condenaremos o futuro à esterilidade... Eis-nos aqui, hoje, num tempo novo, numa conjuntura que deve ser encarada com prudência, realismo e ânimo... Não podemos ser escravos do medo! É verdade que nem sempre um evangelizador obtém os resultados esperados, mas a evangelização não é uma questão de multidões”. Devemos tornar-nos “sensíveis a cada realidade humana, fiéis à verdade, sem medo dos resultados, sempre disponíveis para mostrar o rosto de Deus... Não podemos ficar acomodados a ver o tempo passar".
      E para concluir com o autor, "o importante é não ficarmos parados, mas percebermos que a evangelização é uma ação teândrica, na qual se impõe que colaboremos com o DEuS-CONHECIDO para dar respostas às inquietações cruciantes do Homem contemporâneo".

sábado, 16 de março de 2019

Amai os vossos inimigos

       Disse Jesus aos seus discípulos: «Ouvistes que foi dito: ‘Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo’. Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem, para serdes filhos do vosso Pai que está nos Céus; pois Ele faz nascer o sol sobre bons e maus e chover sobre justos e injustos. Se amardes aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem a mesma coisa os publicanos? E se saudardes apenas os vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não o fazem também os pagãos? Portanto, sede perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito» (Mt 5, 43-48).
       O paradigma de Jesus é bem mais elevado e saudável que a nossa limitação. É certo que nós também sabemos que o perdão é muito mais eficaz e faz-nos melhor à saúde que o rancor, a inveja e o desejo de vingança. Mas quando nos fazem mal a nós, aí já se torna mais delicado perdoar. Mas, ainda que momentaneamente nos pareça humilhação, com o tempo perceberemos que é o único caminho que nos liberta, que nos faz sentir bem connosco, com o mundo e com Deus. Dar a outra face, amar até os inimigos, ser perfeitos como o Pai celeste é perfeito. É este o modelo de vida que Jesus nos propõe.
       Amar os nossos amigos é tarefa de fácil execução, não custa nada. Agora, amar os inimigos, aqueles de quem não gostamos, que nos fizeram mal ou a quem nós fizemos mal já é uma missão muito pesada, mas, garante Jesus, muito libertadora e que nos dignifica.
       Como é que podemos rezar por alguém que nos fez mal? Como é que podemos amar alguém que disse mal de nós? Como podemos nutrir sentimentos positivos por alguém que não vemos com bons olhos? Não é fácil, mas é o mandamento de Jesus. A referência é Deus Pai. O cristão não se fixa nos mínimos garantidos, mas almeja o máximo, a perfeição de Deus.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

TOMÁŠ HALÍK - DIANTE DE TI OS MEUS CAMINHOS

TOMÁŠ HALÍK (2018). Diante de Ti os meus caminhos. Prior Velho: Paulinas Editora. 384 páginas.
       Tomáš Halík nasceu a 1 de junho de 1948, em Praga, na Checoslováquia num ambiente e numa família ateia ou a-religiosa. Com efeito, os pais, batizados, pararam na Primeira Comunhão, e seguem aquilo que autor designa "humanismo secular". Batizam o filho, mas não têm mais ligações à Igreja. Por volta dos 18 anos, Halík encontra-se com a fé e, particularmente, com o cristianismo. Uma das leituras, que fazia parte da biblioteca do seu pai, que o ajudou no encontro com a fé, foi Cherston, com as suas dúvidas e questionamentos. O autor deixa-se provocar por tais interrogações, até que se vai aproximando da fé.
       Licenciou-se em Ciências Sociais e Humanas pela Faculdade de Filosofia da Universidade de Charles, em Praga e, clandestinamente, estudou teologia em Praga, tendo entretanto começado a frequentar a Igreja, a escutar os sermões, tornando-se acólito e sentindo a vocação ao sacerdócio, foi ordenado em Erfurt, em 1978. Mas terá que manter segredo deste facto.
       Durante o período comunista, considerado inimigo do regime, é impedido da docência universitária, o seu ambiente natural. Assume, então, a profissão de psicoterapeuta de toxicodependentes, situando-se na linha dos padres operários, pois não pode revelar a sua identidade eclesial. Em 1989, desafiado pelo Papa João Paulo II, tira um curso de pós-graduação na Universidade Pontifícia de Roma, Lateranense e outro na Faculdade Pontifícia de Teologia de Wroclaw, na Polónia..
       Trabalhou de perto com o futuro Presidente Václav Havel e, após 1989, tornou-se num dos seus conselheiros. Depois da queda do Comunismo, serviu como Secretário-geral da Conferência Episcopal da República Checa (1990-93).
       Hoje em dia, Halik é professor de sociologia na Universidade de Charles, em Praga (Departamento de Estudos Religiosos, Faculdade de Letras), pároco da Paróquia Académica e Presidente da Academia Cristã da República Checa. Desde 1989 tem proferido uma série de palestras em diversas universidades e comparecido em conferências internacionais na Europa, nos Estados Unidos da América, na Ásia, Austrália, Canadá e África do Sul.
       Os seus livros já foram publicados em várias línguas e diferentes países e recebeu diversos prémios literários nacionais e internacionais pelo diálogo intercultural e inter-religioso e pela defesa dos direitos humanos e pela liberdade espiritual. O seu livro “Paciência com Deus” recebeu o prémio do Melhor Livro Europeu de Teologia 2009/10 e, nos Estados Unidos da América, foi distinguido como “Livro do mês” em julho de 2010. Em 1992, o Papa João Paulo II nomeou-o conselheiro do Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-Religioso e, em 2009, o Papa Bento XVI concedeu-lhe o título de Monsenhor – Prelado Honorário de Sua Santidade.
       Os leitores de Tomáš Halík já conhecem a forma entusiasta como escreve, melhor, como testemunha a fé no tempo atual, no contexto da Europa, mas muito da Checoslováquia e depois República Checa, de onde é natural, do ambiente comunista, para lá da cortina de ferro, da perseguição e silenciamento da Igreja e como a fé sobreviveu num contexto árido, ainda que o país pareça continuar a ser um dos mais "descrentes".
       Há muitas formas para se conhecer uma pessoa e o seu mundo, ou pelo menos, para fazer uma aproximação, já que a pessoa é sempre um mistério, o que diz, o que faz, além das abordagens feitas por terceiros. É sempre preferível, penso, ler o próprio, deixar que nos abra a sua casa e sobretudo a sua vida, a sua história, com os seus sonhos, projetos, desencantos e desencontros. É o que faz com esta obra, esta autobiografia. O autor percorre a história da sua vida, a família, o encontro com a fé e com a Igreja, a clandestinidade, sacerdote sem o poder revelar (quase) a ninguém. A sua mãe morreu sem o saber, muitos, tal como o seu Bispo, só o souberam muito mais tarde.
       Se viver num terreno árido no que à fé diz respeito, sob o domínio ideológico, social, cultural e político do comunismo, não foi fácil, pois havia sempre o risco de ser descoberto, ser denunciado, sujeito a interrogatório infindáveis, perseguido, encarcerado, a transição para a democracia revelou-se difícil e conturbada, até pela convivência entre os que se estiveram distantes em relação ao regime e os que colaboraram de perto, havendo sacerdotes nos dois lados da barricada. Foi necessário sarar feridas, mas também não se acomodar. O João Paulo II, o papa polaco, pela proximidade geográfica, mas sobretudo pela proximidade na luta contra o comunismo, foi uma referência, sancionando a democracia com uma visita histórica à Checoslováquia. O autor esteve com João Paulo II em diferentes ocasiões, nomeadamente para preparar a visita. João Paulo II, como vimos, desafiou-o a estudar numa das Universidades de Roma, para aprofundar os seus estudos teológicos, mas também para conhecer melhor a realidade mundial. A Universidade, com efeito, foi, tem sido, o seu mundo, como Professor. O seu sonho e o seu projeto de vida. Outro sonho foi viajar por todo o mundo. Impedido durante a regência comunista, logo após a democratização do país voltou a viajar para diversos países, entre os quais se conta Portugal.
       É um autor de pontes, acolhendo o cristianismo como paradoxo que enquadra a fé e a descrença, a Sexta-feira Santa e a Páscoa, relevando um diálogo vivo e honesto entre a fé e o ateísmo, a Igreja e a sociedade, a vivência religiosa e a cultura, apostando no ecumenismo e no diálogo inter-religioso. As dúvidas e os desencantos (desencontros) também existiram na sua caminhada de fé, mas optou por inseri-los na sua pertença à Igreja. O cristianismo abarca o dia e a noite, a luz e as trevas, a morte e a ressurreição. Os questionamentos ajudam a clarificar a fé, a aprofundar as razões da nossa esperança, fazem-nos retomar a busca por Deus, nunca nos deixando totalmente satisfeitos, mas procurando sempre, prosseguindo caminho, até à eternidade.
       Porquê esta autobiografia de Halík:
«Os meus leitores e ouvintes têm o direito de conhecer não só o contexto exterior, mas também o contexto interior da minha criação, não só o contexto da época e do meio social e cultural, mas também o contexto da minha história de vida, do meu drama da procura e do amadurecimento espiritual. Se quiserem, encontrarão aqui a chave para uma compreensão mais profunda daquilo que lhes tento comunicar nos meus livros e nas minhas palestras... 
Quem sou, na verdade? “A questão que me tornei para mim mesmo”, diz Santo Agostinho. Sim, o nosso eu, tal como o nosso Deus, deve ser para nós objeto de perguntas, dúvidas e buscas constantes. Também procuramos o nosso Eu e o nosso Deus através da narração da nossa história e de não escondermos a nossa emoção ao narrá-la. Apenas o coração que não deixou de se emocionar com o desassossego santo pode, no final, descansar no mar da paz divina»
Para ler outros trechos:

sábado, 27 de outubro de 2018

... Talvez venha a dar fruto!

       Naquele tempo, vieram contar a Jesus que Pilatos mandara derramar o sangue de certos galileus, juntamente com o das vítimas que imolavam. Jesus respondeu-lhes: «Julgais que, por terem sofrido tal castigo, esses galileus eram mais pecadores do que todos os outros galileus? Eu digo-vos que não. E se não vos arrependerdes, morrereis todos do mesmo modo. E aqueles dezoito homens, que a torre de Siloé, ao cair, atingiu e matou? Julgais que eram mais culpados do que todos os outros habitantes de Jerusalém? Eu digo-vos que não. E se não vos arrependerdes, morrereis todos de modo semelhante.
       Jesus disse então a seguinte parábola: «Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha. Foi procurar os frutos que nela houvesse, mas não os encontrou. Disse então ao vinhateiro: ‘Há três anos que venho procurar frutos nesta figueira e não os encontro. Deves cortá-la. Porque há-de estar ela a ocupar inutilmente a terra?’ Mas o vinhateiro respondeu-lhe: ‘Senhor, deixa-a ficar ainda este ano, que eu, entretanto, vou cavar-lhe em volta e deitar-lhe adubo. Talvez venha a dar frutos. Se não der, mandarás cortá-la» (Lc 13, 1-9).
       Deus ama-nos pacientemente. Aliás, a paciência de Deus constrói, espera por nós, aguarda a nossa conversão, respeita a nossa liberdade, as nossas escolhas, mas não nos abandona, mesmo em situações em que nós o arredamos da nossa vida, em situações em que, tal como a figueira, não damos fruto. No entanto, Deus continua a esperar, a cuidar de nós, a tratar-nos como filhos. Mais dia menos dia poderemos dar fruto...

sábado, 20 de outubro de 2018

O Espírito Santo vos ensinará o que haveis de dizer

       Disse Jesus aos seus discípulos:
       «A todo aquele que Me tiver reconhecido diante dos homens também o Filho do homem o reconhecerá diante dos Anjos de Deus. Mas quem Me tiver negado diante dos homens será negado diante dos Anjos de Deus. E todo aquele que disser uma palavra contra o Filho do homem será perdoado; mas quem tiver blasfemado contra o Espírito Santo não será perdoado. Quando vos levarem às sinagogas, aos magistrados e às autoridades, não vos preocupeis com o que haveis de responder nem com o que haveis de dizer em vossa defesa. O Espírito Santo vos ensinará naquela hora o que haveis de dizer» (Lc 12, 8-12).
       O testemunho, pelas palavras e pela vida, é essencial na vida dos cristãos. A vida de Jesus é expressão, isto é, testemunho do amor de Deus por nós, pela humanidade inteira. É a vocação do cristão, o seu compromisso com Jesus Cristo: acolhê-l'O, vivê-l'O e dá-l'O a conhecer a todo o mundo. Ide e anunciai o Evangelho a todos os povos da terra. Eu estarei convosco até ao fim do mundo, em toda a parte, em todo o tempo.
       A garantia do nosso testemunho é a vida eterna, o testemunho que Jesus dará por nós junto do Pai. Ou por outras palavras, a certeza de que Jesus testemunhará a nosso favor, deverá ser desafio suficiente para nos comprometermos com os outros dando testemunho do amor de Deus por nós, em Jesus Cristo, pelo Espírito Santo, para que todos tenham possibilidade de conhecer, amar e viver do amor de Deus.

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Quem é o meu próximo?

       Jesus, tomando a palavra, disse: «Um homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos dos salteadores. Roubaram-lhe tudo o que levava, espancaram-no e foram-se embora, deixando-o meio morto. Por coincidência, descia pelo mesmo caminho um sacerdote; viu-o e passou adiante. Do mesmo modo, um levita que vinha por aquele lugar, viu-o e passou também adiante. Mas um samaritano, que ia de viagem, passou junto dele e, ao vê-lo, encheu-se de compaixão. Aproximou-se, ligou-lhe as feridas deitando azeite e vinho, colocou-o sobre a sua própria montada, levou-o para uma estalagem e cuidou dele. No dia seguinte, tirou duas moedas, deu-as ao estalajadeiro e disse: ‘Trata bem dele; e o que gastares a mais eu to pagarei quando voltar’. Qual destes três te parece ter sido o próximo daquele homem que caiu nas mãos dos salteadores?». O doutor da lei respondeu: «O que teve compaixão dele». Disse-lhe Jesus: «Então vai e faz o mesmo» (Lc 10, 25-37).
       Um dos doutores da Lei pergunta a Jesus o que deve fazer para ter como herança a vida eterna. A resposta é óbvia, e por maioria de razão, para quem conhece a Sagrada Escritura: amar a Deus, em primeiro lugar, antes e acima de tudo, e ao próximo como a si mesmo. Quanto ao primeiro mandamento mas há dúvidas. Quanto ao segundo - o amor ao próximo - e talvez mais para se desculpar do que para tentar compreender, existem mais dúvidas. O doutor a Lei pergunta a Jesus: quem é o meu próximo?
       A resposta de Jesus vem em forma de parábola - conhecida parábola do Bom Samaritano -, tornando mais explícita a mensagem, mas respeitando a liberdade de aceitar ou não essa mensagem.
       Um homem foi assaltado. Passaram o sacerdote e o levita, mas querendo preservar-se da contaminação legal passam à frente, preferiam estar aptos a participar do culto, mesmo abandonando o homem caído na estrada. Prevalece, aparentemente, o primeiro mandamento, isto é, amar a Deus. A religião parece, nesse caso, opor-se à caridade. Jesus rectifica: o amor de Deus manifesta-se e concretiza-se no auxílio ao outro.
       Jesus vai mais longe. O próximo não é apenas aquele que precisa da minha ajuda, próximo sou eu quando me aproximo. É uma opção pro-activa, leva-me ao compromisso, a tomar a iniciativa de ir ao encontro do outro. Não basta passivamente esperar que o outro venha ao meu encontro ou que o outro me peça ajuda. É uma profunda revolução na mentalidade daquele e de todos os tempos. Amar a Deus nos outros. A própria imagem de Deus, como o Bom Samaritano, que não fica no seu canto, lá no alto do Céus, mas vem ao encontro, toma a iniciativa, não fica indiferente, cuida...

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

São Vicente de Paulo, presbítero

Nota biográfica:
       Nasceu na Aquitânia em 1581. Completados os estudos e ordenado sacerdote, exerceu o ministério paroquial em Paris. Fundou a Congregação da Missão, destinada à formação do clero e ao serviço dos pobres; com a ajuda de S. Luísa de Marillac instituiu também a Congregação das Filhas da Caridade. Morreu em Paris no ano 1660.
Oração de colecta:
       Senhor, Deus de bondade, que enriquecestes o presbítero São Vicente de Paulo com virtudes apostólicas para se entregar ao serviço dos pobres e à formação dos pastores do vosso povo, concedei-nos que, animados pelo mesmo espírito, amemos o que ele amou e pratiquemos o que ele ensinou. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
São Vicente de Paulo, presbítero

O serviço dos pobres deve ser preferido acima de tudo

A nossa atitude para com os pobres não se deve regular pela sua aparência externa nem sequer pelas suas qualidades interiores. Devemos considerá-los, antes de mais, à luz da fé. O Filho de Deus quis ser pobre e ser representado pelos pobres. Na sua paixão, quase perdeu o aspecto de homem; apareceu como um louco para os gentios e um escândalo para os judeus. Todavia, apresentou-Se a estes como evangelizador dos pobres: Enviou-Me para evangelizar os pobres. Também nós devemos ter os mesmos sentimentos de Cristo e imitar o que Ele fez: cuidar dos pobres, consolá-los, socorrê-los e recomendá-los.
Cristo quis nascer pobre, chamar para sua companhia discípulos pobres, servir os pobres e identificar se com os pobres, a ponto de dizer que o bem ou o mal feito a eles o tomaria como feito a Si mesmo. Deus ama os pobres, e por conseguinte ama também aqueles que os amam. Na verdade, quando alguém tem especial afecto a uma pessoa, estende também este afecto aos seus amigos e servos. Por isso temos razão para esperar que, por causa do nosso amor dos pobres, também nós seremos amados por Deus.
Quando os visitamos, procuremos compreender a sua pobreza e infelicidade para sofrer com eles e ter os sentimentos de que fala o Apóstolo, quando diz: Fiz-me tudo para todos. Esforcemo-nos por sentir profundamente as preocupações e misérias dos nossos semelhantes; peçamos a Deus que nos dê o espírito de misericórdia e compaixão e que conserve sempre em nossos corações estes sentimentos.
O serviço dos pobres deve ser preferido a todos os outros e deve ser prestado sem demora. Se durante o tempo de oração, tiverdes de levar um medicamento ou qualquer auxílio a um pobre, ide tranquilamente, oferecendo a Deus essa boa obra como prolongamento da oração. E não tenhais nenhum escrúpulo ou remorso de consciência se, para prestar serviço aos pobres, tivestes de deixar a oração. De facto não se trata de deixar a Deus, se é por amor de Deus que deixamos a oração: servir um pobre é também servir a Deus.
A caridade é a máxima norma, e tudo deve tender para ela; é uma grande senhora: devemos cumprir o que ela manda. Renovemos, portanto, o nosso espírito de serviço aos pobres, principalmente para com os mais abandonados. Esses hão de ser os nossos senhores e protetores.
Sobre São Vicente de Paulo, neste blogue, aqui!

sábado, 25 de agosto de 2018

Não imiteis as suas obras, eles dizem e não fazem

       No Evangelho para hoje, Jesus remete-nos para a necessidade das boas obras confirmarem o que professamos pelas palavras, procurando a correspondência entre o que nos exigimos e o que exigimos ao nosso irmão, optando por um caminho de humildade, e não de sobranceria. É no reconhecimento da nossa limitação, que podemos abrir-nos aos outros e a Deus.
       «Na cadeira de Moisés sentaram-se os escribas e os fariseus. Fazei e observai tudo quanto vos disserem, mas não imiteis as suas obras, porque eles dizem e não fazem. Atam fardos pesados e põem-nos aos ombros dos homens, mas eles nem com o dedo os querem mover. Tudo o que fazem é para serem vistos pelos homens: alargam as filactérias e ampliam as borlas; gostam do primeiro lugar nos banquetes e dos primeiros assentos nas sinagogas, das saudações nas praças públicas e que os tratem por ‘Mestres’. Vós, porém, não vos deixeis tratar por ‘Mestres’, porque um só é o vosso Mestre e vós sois todos irmãos. Na terra não chameis a ninguém vosso ‘Pai’, porque um só é o vosso pai, o Pai celeste. Nem vos deixeis tratar por ‘Doutores’, porque um só é o vosso doutor, o Messias. Aquele que for o maior entre vós será o vosso servo. Quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado» (Mt 23, 1-12).
       As nossas palavras devem levar-nos ao compromisso, a fazer o bem, a viver honesta e solidariamente. De que adianta ter uma fé imensa, se vejo alguém a quem deitar a mão e não o faço por preguiça, ou deixando que outros façam?
       Jesus diz claramente que devemos agir pela justiça, pelo amor, pelo bem, não para que outros vejam e nos elogiem, mas por ser bem e justo. E, por outro lado, e necessidade das nossas palavras não serem ocas, mas corresponderem à nossa prática

quinta-feira, 5 de julho de 2018

Os teus pecados estão perdoados! Levanta-te...

        Jesus subiu para um barco, atravessou o mar e foi para a cidade de Cafarnaum. Apresentaram-Lhe então um paralítico que jazia numa enxerga. Ao ver a fé daquela gente, Jesus disse ao paralítico: «Filho, tem confiança; os teus pecados estão perdoados». Alguns escribas disseram para consigo: «Este homem está a blasfemar». Mas Jesus, conhecendo os seus pensamentos, disse: «Porque pensais mal em vossos corações? Na verdade, que é mais fácil: dizer: ‘Os teus pecados estão perdoados’, ou dizer: ‘Levanta-te e anda’? Pois bem. Para saberdes que o Filho do homem tem na terra o poder de perdoar os pecados, ‘Levanta-te – disse Ele ao paralítico – toma a tua enxerga e vai para casa’». O homem levantou-se e foi para casa. Ao ver isto, a multidão ficou cheia de temor e glorificava a Deus por ter dado tal poder aos homens (Mt 9, 1-8).
        Por vezes o que nos paralisa tem pouco de físico como o medo, o pecado, o remorso, uma consciência pesada e culpabilizante. Jesus diz claramente que as doenças não são consequência do pecado, nem do próprio nem dos pais. Deus não castiga. Mas por vezes, nós castigamo-nos, adoecemos, tornamos físico o que era moral ou psicológico. E Jesus liberta-nos de todo o tipo de prisões.
       Só Deus pode perdoar os pecados. É uma verdade para o mundo judaico, mas também para o mundo cristão. Jesus perdoa os pecados. Conclusão: Jesus é Deus. Ou, na observação dos judeus que O ouviam, faz-Se passar por Deus e isso é blasfémia.
       A multidão dos simples, daqueles e daquelas que abrem o coração ao futuro de Deus, rejubila com as maravilhas operadas através de Jesus Cristo. Hoje, Jesus continua a agir na Igreja e no mundo, através de nós.

quinta-feira, 28 de junho de 2018

Santo Ireneu, Bispo e Mártir

Nota biográfica:
       Nasceu cerca do ano 130 e foi educado em Esmirna. Foi discípulo de S. Policarpo, bispo desta cidade. No ano 177 era presbítero em Lião (França) e pouco tempo depois foi nomeado bispo da mesma cidade. Escreveu várias obras para defender a fé católica contra os erros dos gnósticos. Segundo a tradição, recebeu a palma do martírio cerca do ano 200.

Oração (de colecta):
       Senhor, que concedestes ao bispo Santo Ireneu o dom de proclamar com firmeza a verdadeira doutrina e de fortalecer a paz na Igreja, por sua intercessão renovai-nos na fé e na caridade, para trabalharmos sem descanso pela união e concórdia entre os homens. Por Nosso Senhor Jesus Cristo...

Palavras de Santo Ireneu:

A glória de Deus é o homem vivo e a vida do homem é a visão de Deus.
Participam da vida os que veem a Deus, porque é o esplendor de Deus que dá a vida. Por isso, Aquele que é inacessível, incompreensível e invisível, torna-Se visível, compreensível e acessível para os homens, a fim de dar vida aos que O alcançam e veem. Porque é impossível viver sem a vida; e não há vida sem a participação de Deus, participação que consiste em ver a Deus e gozar da sua bondade.
Portanto, os homens hão de ver a Deus para poderem viver; por esta visão tornam-se imortais e chegam até à posse de Deus. Isto foi anunciado pelos Profetas, de modo figurado, como disse há pouco: Deus será visto pelos homens que possuem o seu Espírito e aguardam sempre a vinda do Senhor. Assim diz também Moisés no Deuteronómio: Nesse dia veremos, porque Deus falará ao homem e o homem viverá.
Deus, que realiza tudo em todos, é invisível e indescritível, quanto ao seu poder e à sua grandeza, para os seres por Ele criados. Mas não é desconhecido, porque todos sabemos, por meio do seu Verbo, que há um só Deus Pai que abrange todas as coisas e a tudo dá existência, como está escrito no Evangelho: Ninguém jamais viu a Deus; o Filho Unigénito que está no seio do Pai no-l’O deu a conhecer.
Quem desde o princípio nos dá a conhecer o Pai é o Filho, porque desde o princípio está com o Pai: as visões proféticas, a diversidade de graças, os ministérios, a glorificação do Pai, tudo isto, como uma sinfonia bem composta e harmoniosa, Ele o manifestou aos homens, no tempo próprio, para seu proveito. Porque onde há composição há harmonia; onde há harmonia tudo sucede no tempo próprio; e quando tudo sucede no tempo próprio, há proveito.
Por isso o Verbo tornou-Se o administrador da graça do Pai, para proveito dos homens, em favor dos quais Ele pôs em prática a sua tão sublime economia da graça, mostrando Deus aos homens e apresentando o homem a Deus. Manteve, no entanto, a invisibilidade do Pai, para que o homem se conserve sempre reverente para com Deus e tenha um estímulo para o qual deve progredir; mas, ao mesmo tempo, mostrou também que Deus é visível aos homens por meio da economia da graça, para não suceder que o homem, privado totalmente de Deus, chegasse a perder a sua própria existência. Porque a glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem é a visão de Deus. Com efeito, se a manifestação de Deus, através da criação, dá a vida a todos os seres da terra, muito mais a manifestação do Pai, por meio do Verbo, dá vida a todos os que veem a Deus.

segunda-feira, 25 de junho de 2018

Não julgueis e não sereis julgados

       Disse Jesus aos seus discípulos: «Não julgueis e não sereis julgados. Segundo o julgamento que fizerdes sereis julgados, segundo a medida com que medirdes vos será medido. Porque olhas o argueiro que o teu irmão tem na vista e não reparas na trave que está na tua? Como poderás dizer a teu irmão: ‘Deixa-me tirar o argueiro que tens na vista’, enquanto a trave está na tua? Hipócrita, tira primeiro a trave da tua vista e então verás bem para tirar o argueiro da vista do teu irmão» (Mt 7, 1-5).
        É tão fácil olharmos para os outros. Desde logo por uma razão biológica, estão à nossa volta, vemos e/ouvimos, formulamos juízos de valor e nem sempre (e talvez muitas vezes não são) positivos. Por vezes, como nos recordam vários autores como Augusto Cury, o que detestamos nos outros é aquilo que detestamos em nós, mas é mais simples observá-lo nos outros. Contudo, já o desafio de Sócrates (filósofo grego que viveu antes de Jesus Cristo) nos envidava a que cada um se conhecesse a si mesmo, para depois conhecer os outros e o mundo.
       Jesus é peremptório, o nosso juízo de valor sobre os outros deve ser muito cuidadoso, usando para com eles a medida que gostaríamos que usassem connosco. Ou como nos lembra um ditado popular, não atiremos pedras aos telhados vizinhos quando nós temos telhados de vidro, é um perigo, poderemos ficar sem telhado...

sábado, 9 de junho de 2018

Imaculado Coração da Virgem Santa Maria

"Os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém, pela festa da Páscoa. Quando Ele fez doze anos, subiram até lá, como era costume nessa festa. Quando eles regressavam, passados os dias festivos, o Menino Jesus ficou em Jerusalém, sem que seus pais o soubessem. Julgando que Ele vinha na caravana, fizeram um dia de viagem e começaram a procurá-l’O entre os parentes e conhecidos. Não O encontrando, voltaram a Jerusalém, à sua procura. Passados três dias, encontraram-n’O no templo, sentado no meio dos doutores, a ouvi-los e a fazer-lhes perguntas. Todos aqueles que O ouviam estavam surpreendidos com a sua inteligência e as suas respostas. Quando viram Jesus, seus pais ficaram admirados; e sua Mãe disse-Lhe: «Filho, porque procedeste assim connosco? Teu pai e eu andávamos aflitos à tua procura». Jesus respondeu-lhes: «Porque Me procuráveis? Não sabíeis que Eu devia estar na casa de meu Pai?». Mas eles não entenderam as palavras que Jesus lhes disse. Jesus desceu então com eles para Nazaré e era-lhes submisso. Sua Mãe guardava todas estes acontecimentos em seu coração" (Lc 2, 41-51).
       Ontem celebrámos o Sagrado Coração de Jesus. Hoje, o Imaculado Coração de Maria. Do Coração de Maria o SIM a Deus, o SIM à humanidade. Maria responde com amor, cheia de graça diante de Deus. É no amor que acolhe Jesus e pela vida fora muitas vão ser as vezes que Nossa Senhora guarda no Seu coração as palavras, os gestos de Jesus e os acontecimentos ligados ao Seu filho.
       O CORAÇÃO de Maria é cheio de AMOR, por Jesus e por nós. Quando Jesus está na CRUZ, dá-nos Maria por Mãe e Ela recebe-nos como filhos. É a última vontade do Filho antes de morrer. É um desejo para cumprir naquele momento e pelos tempos fora. Maria continua a acolher-nos como filhos e a recomendar-nos a Jesus.
       É um coração de Mãe, que ama, que acolhe, que está disponível para o Filho e para os filhos, que intercede (junto de Deus Pai e junto de Seu Filho), que vive em função do bem de seus amados filhos. Maria é um coração que escuta, que reza, que medita, que guarda o que vem do Filho, mesmo quando não compreende tão bem. É modelo de discípulo, disponível para escutar, para se abrir ao mistério de Deus.

Leituras e orações: Secretariado Nacional da Liturgia.

terça-feira, 15 de maio de 2018

Eu já não estou no mundo, mas eles estão...

       Jesus ergueu os olhos ao Céu e disse: «Pai, chegou a hora. Glorifica o teu Filho, para que o teu Filho Te glorifique e, pelo poder que Lhe deste sobre toda a criatura, Ele dê a vida eterna a todos os que Lhe confiaste. É esta a vida eterna: que Te conheçam a Ti, único Deus verdadeiro, e Aquele que enviaste, Jesus Cristo. Eu glorifiquei-Te sobre a terra, consumando a obra que Me encarregaste de realizar. E agora, Pai, glorifica-Me junto de Ti mesmo com aquela glória que tinha em Ti, antes que houvesse mundo. Manifestei o teu nome aos homens que do mundo Me deste. Eram teus e Tu mos deste e eles guardam a tua palavra. Agora sabem que tudo quanto Me deste vem de Ti, porque lhes comuniquei as palavras que Me confiaste e eles receberam-nas: reconheceram verdadeiramente que saí de Ti e acreditaram que Me enviaste. É por eles que Eu rogo; não pelo mundo, mas por aqueles que Me deste, porque são teus. Tudo o que é meu é teu e tudo o que é teu é meu; e neles sou glorificado. Eu já não estou no mundo, mas eles estão no mundo, enquanto Eu vou para Ti» (Jo 17, 1-11a).
       Jesus aproxima-Se da Sua hora, de ser glorificado pela morte e ressurreição.
       Antes e como faz em todos os momentos cruciais, esta magnífica oração, conhecida como Oração Sacerdotal, uma vez que Jesus surge como verdadeiro Mediador entre Deus Pai e os Apóstolos, em Deus e a humanidade inteira.
       É uma oração riquíssima, repleta de ensinamentos. Por lado, mostra a soberania de Deus e de Jesus sobre toda a criação. Por outro, a finalidade da vinda de Jesus: a vida eterna para todos os que acreditarem. A mediação: pelos que estão no mundo, para que não se percam mas sejam salvos pela oração de Jesus.
       Ficamos conscientes do que é importante também para nós: acreditar em Deus e n'Aquele que Ele enviou Jesus Cristo. É o ponto de partida e o ponto de chegada...