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quarta-feira, 28 de abril de 2021

TOMÁŠ HALÍK - O TEMPO DAS IGREJAS VAZIAS

TOMÁŠ HALÍK (2021). O tempo das igrejas vazias. Prior Velho: Paulinas Editora. 152 páginas.


Há um ano, tal como em Portugal e em muitos países, também na República Checa, a necessidade de confinamento devido ao novo coronavírus levou à suspensão das celebrações comunitárias, com particular relevância para a Eucaristia dominical. Tomáš Halík, sacerdote checo e um dos teólogos em maior evidência na Igreja atual, optando por não transmitir a Eucaristia na paróquia universitária que lhe está confiada, São Salvador, preparou e divulgou, pela Internet, reflexões para cada Domingo da Quaresma até à solenidade de Pentecostes, incluída também a homilia da Quarta-feira de Cinzas, portanto, de todo o ciclo da Páscoa.
Este conjunto de homilias foram publicadas, neste livro que sugerimos, com o título de "O Tempo das Igrejas Vazias", sob a chancela das Paulinas Editoria. Trata-se de um convite à reflexão sobre a realidade da fé e da Igreja, do abandono de muitos cristãos, já antes da pandemia, mas que pode, agora, fazer soar mais alarmes pela debandada que se acentua. Só depois da pandemia se verá até que ponto alguns se acomodaram a uma nova realidade e deixaram de ser "praticantes". É tempo para a reflexão sobre a linguagem da Igreja, a pregação dos sacerdotes, o testemunho dos cristãos, a alegria do anúncio, a coerência de fé, a tradução viva da fé no quotidiano.
O autor viveu na clandestinidade, foi ordenado sacerdote às escondidas, durante anos celebrou Missa sozinho ou com mais uma pessoa ou com algumas famílias. Neste caso, celebravam à noite depois de as crianças adormecerem, crianças, nas famílias que as tinham, para não correrem riscos de denúncia, sabendo que as crianças podem facilmente dizer o que viram ou ouviram... A suspensão das celebrações comunitárias, do terceiro Domingo da Quaresma, em março, até ao Pentecostes, no final de maio, e o facto que voltar a celebrar quase sozinho, não o surpreendeu tanto assim. Antes, o comunismo e a perseguição à Igreja, agora a pandemia.
O tempo das Igrejas vazias é uma oportunidade para refletir a forma como somos Igreja. No caso do autor, oportunidade para dar lugar ao silêncio e à oração, à contemplação do mistério e à reflexão sobre o caminho percorrido, pela Igreja, e o caminho a percorrer, com as possibilidades que se abrem à Igreja e aos cristãos. A pandemia pode dar lugar à desolação ou à pregação apocalíptica. E, pelos vistos, alguns voltaram a pregações medievais, provocando o medo, como se o medo obrigasse as pessoas a regressarem à Igreja.
As Igreja vazias devem preocupar-nos? Sim. Mas são também um desafio a darmos maiores razões da nossa fé, não no anúncio de um deus vingativo, mas na certeza confiante de um Deus misericordioso, que é Pai e Mãe, e que em Jesus Cristo abraça a história e o sofrimento humano, caminhando connosco.
Teremos de dar razões da nossa fé, em todos os momentos, nas situações favoráveis e adversas. Deus faz-Se presente na oração - rezemos mais; na Palavra proclamada e meditada - sacudamos o pó das nossas Bíblias; na vivência da Eucaristia, como remédio e alento para o caminho – não desperdicemos este alimento; no cuidado do irmão, no serviço aos mais frágeis – o que fizerdes ao mais pequeno dos meus irmãos é a Mim que o fazeis. As Igrejas vazias são oportunidade para sermos Igreja onde quer que nos encontremos, e em tudo o que fizermos. A Eucaristia, vivida com autenticidade, é o primeiro passo para a caridade.

Algumas expressões de Tomáš Halík neste livro:

A vitalidade da (sua) comunidade paroquial assenta em três pilares que se interligam:
"Cultivar uma fé refletida capaz de um diálogo intelectual com uma sociedade predominantemente agnósticas, «apateística», anticlerical (contudo não ateísta); segundo, cultivar um constante crescimento espiritual, uma cultura de uma abordagem contemplativa à vida; terceiro, cultivar o compromisso dos cristãos na sociedade civil".

Em relação à opção da não transmissão das Missas na paróquia de São Salvador:

"A minha convicção de que a presença rela de Cristo na Eucaristia deve ser acompanhada da presença real dos fiéis à volta da mesa do banquete sagrado... a celebração da Eucaristia é um banquete em que a presença real de Cristo no sacramento está ligada à presença real (e não virtual) dos fiéis. É na Eucaristia que somos recebidos por Cristo e, ao mesmo tempo, recebemos os nossos irmãos e por eles e neles recebemos o próprio Cristo". 
"Quando a fé de alguns cristãos enfraquece, ao ver que o mundo não vai na direção por eles esperada, intensifica-se a tentação de substitui o Deus do amor, da fé e da esperança por um velho vingativo que do Além persegue os seus filhos com castigos cruéis, que levariam qualquer pai a ser justamente julgado".

Possibilidade de apanhar a Covid e morrer. O autor viria mesmo a apanhar a doença, mas foi curado. Diz-nos:

"Este pensamento sobre a possibilidade de uma morte iminente não provocou em mim medo, mas, sim, uma necessidade de recapitular, de prestar contas. Também nestas homilias se revelava a necessidade de estar consciente em que direção se move a nossa paróquia, a minha teologia, a minha vida, o que constitui, na verdade, o âmago da minha fé: o que significa para mim ser cristão".

Sobre as três virtudes teologais:
"A esperança é abertura para o futuro, a fé é abertura ao mistério de Deus e a caridade é abertura para o mistério do homem e de Deus ao mesmo tempo... A fé é remédio contra o pânico e o medo".
Uma das ideias que sobressai neste conjunto de homilias é o da ressurreição contínua. O mistério pascal está no centro da vida da Igreja e dos cristãos. É preciso morrer para muitas coisas, e para algumas imagens sobre Deus e sobre comportamentos eclesiais.
Sublinha-se também a dinâmica do ecumenismo num sentido mais abrangente, não apenas a outras Igrejas cristãs, mas também outras religiões (diálogo inter-religioso), bem como com agnósticos ou mesmo ateus, pessoas em busca...

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Será a ressurreição um final feliz?


       Tomáš Halík, comentando o encontro de Jesus Ressuscitado com Tomé, lança o repto: “A ressurreição não é, pois, nenhum «happy-end», mas um convite e um desafio: não devemos e não podemos capitular perante o fogo do sofrimento, mesmo se agora não conseguimos extingui-lo… Onde tu tocares no sofrimento humano, ficas a saber que Eu estou vivo, que «Eu sou». Encontras-me por toda a parte onde os homens sofrem. Não fujas de mim em nenhum destes encontros. Não tenhas medo. Não sejas incrédulo, mas crê!”
       Há uns anos em Salamanca, ouvi, com dois amigos sacerdotes, a voz castelhana de uma mulher a despertar os que, indiferentes, passavam ou se afastavam de uma zaragata entre dois homens: “matam um homem na praça maior e ninguém faz nada”. Assim era: cada pessoa seguia como se nada se estivesse a passar. Rapidamente as pessoas se voltaram e puseram fim àquela bulha.
       Esta tolerância pode matar. Passamos ao lado para não sermos incomodados no futuro. Não queremos "intrometer-nos" na vida dos outros, "entre marido e mulher ninguém meta colher", entre pais e filhos... eles que se entendam! É preferível não ver, não ouvir, não fazer nada... Passamos ao lado, porque não podemos corrigir todo o mal, todos os conflitos. Estes são cada vez mais e mais violentos. Abertura de telejornais, primeiras páginas de jornais e revistas: conflitos, guerras, guetos, violência doméstica, corrupção...
       Esta tolerância não respeita o outro, é indiferença que mata ou deixa morrer!
       Na sua primeira Mensagem para o Dia Mundial da Paz (2014), o Papa Francisco relembra-nos a fraternidade a construir, desejo inscrito no nosso coração. Contudo, lamenta a crescente globalização da indiferença perante o sofrimento alheio. Mais recentemente, na Mensagem para a Quaresma (2015), o Papa volta a insistir na globalização da indiferença que se acentua, remetendo-nos para o mistério da encarnação, morte e ressurreição de Jesus: «A Deus não Lhe é indiferente o mundo, mas ama-o até ao ponto de entregar o seu Filho pela salvação de todo o homem. Na encarnação, na vida terrena, na morte e ressurreição do Filho de Deus, abre-se definitivamente a porta entre Deus e o homem, entre o Céu e a terra».
       A ressurreição sanciona o compromisso preferente de Jesus com os mais frágeis. Como Seus discípulos, não a poderemos transformar num tónico analgésico, mas, num esforço renovado, teremos que levar a ressurreição a todos os recantos onde predominam as trevas, a morte, o sofrimento.

Texto publicado na Voz de Lamego, edição de 14 de abril de 2015