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sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Solenidade da Imaculada Conceição - 8 de dezembro

       1 – «Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra».
       Não é preciso dizer muito mais. O Evangelho é Jesus Cristo. A Boa Notícia da Salvação. Nossa alegria e nossa esperança. Nossa Páscoa. É Ele que definitivamente rasga os céus. Enviado pelo Pai, entra na história e no tempo. Vivendo como verdadeiro homem, assume-nos por inteiro, no tempo e na finitude, na fragilidade e no sofrimento. Vive entre nós. Levado a um julgamento iníquo, carrega-nos até ao Calvário, obriga-nos a olhar para o alto, para além de nós, acima deste chão que nos irmana e nos faz mais iguais. Morre, mas volta, ressuscita, regressa para nós. Pelo Espírito Santo permanece connosco até ao fim dos tempos.
       Mas antes, antes de tudo, antes da criação e do mundo, desde sempre no pensamento de Deus, uma Mulher sonhada e criada para amar, para "facilitar" um caminho de liberdade e de respeito pela dignidade humana. Deus criou-nos com inteligência e vontade. Livres para amar ou para odiar. Livres para Lhe respondermos, ou para nos afastarmos d'Ele. Como os pais que querem o melhor para os filhos e, muitas vezes, têm ganas de os obrigar porque é para o bem deles... mas a vida é deles. Deus dá-nos a vida como dom e como tarefa. Cabe-nos viver.
       A história que deveria ser harmoniosa instala a discórdia, e às tantas, vem ao de cima o que nos separa e não o que nos liga e nos identifica como irmãos. Esquecemo-nos dos outros. Ou temos os outros como inimigos cuja vida parece estorvar a nossa. Deus não desiste nunca. Ainda que nos cansemos de O acolher. É nesta história de amor que Deus escolhe um povo. Envia mensageiros. Vem Ele próprio, como Deus e Senhor, não por cima impondo-se, mas debaixo, nascendo, vindo do mesmo pó da terra. Terra que se mistura com o sopro do Seu Espírito. Assim connosco, assim com Jesus. Respeitando a Sua obra criadora, Deus, para nascer como Homem precisa, melhor, quer precisar, de uma mulher. E a aí está Maria, a cheia de graça.
       2 – «Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra».
       Deus espera por nós, sempre espera, aguarda, pacientemente, como o Pai da parábola, cujo filho se prodigaliza. Criou-nos sem nós, diz Santo Agostinho, mas não nos salva contra a nossa vontade. Espera o nosso SIM mas não força. Quando o Anjo anuncia Aquele que está para vir há uma espera infinita: o Todo-poderoso fica a depender da vontade de uma Mulher, cujo coração desde sempre preparou, virginal e fiel, cheio de graça e de amor. O projeto inicial, que em Eva encontrou resistência, encontra agora um coração singelo. Deus não se enganou antes. Mas só a Nova Eva – Maria – é plena de graça.
       Deus não abandou o Homem à sua sorte mesmo quando este se quis independente e longe do Criador. O rumor dos passos de Deus fazem-se ouvir no jardim. Diante d'Ele não podemos estar vestidos, disfarçados, pois Ele contempla o nosso interior. Vem ao nosso encontro, ainda que nos escondamos. O mal maior não é o pecado mas aquilo que provoca em nós, a vergonha, o medo, a falta de confiança em Deus. Também a nós nos pergunta onde nos encontramos, em que situação vivemos, o que fazemos do tempo e dos dons que nos dá. Refira-se que o conhecimento não é, a priori, um bem ou mal em si mesmo, mas o que fazemos com o nosso saber e com a nossa vontade, com os caminhos que escolhemos seguir. Se o utilizamos com sabedoria, orientando-nos para o bem e para os outros, então o conhecimento é facilitador. Se o utilizamos para benefício próprio, por egoísmo, e contra os outros, então o conhecimento é nefasto.
       Por outro lado, neste texto é visível o respeito de Deus pela nossa autonomia e liberdade. Quer e procura o nosso convívio, mas permite que nos escondamos. Ao mesmo tempo mostra como é Pai, não tem vergonha de nós, não Se cansa de perdoar, nós é que nos cansamos de lhe abrir o coração e a vida, para que nos encontre e de novo nos transforme.
 
       3 – «Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra».
       Inesperadamente, um Anjo entra na vida de Maria, saudando-A: Ave, ó cheia de graça, o Senhor está contigo. Irás ser Mãe do Filho de Deus. Maria, como pessoa inteligente e livre, com vontade própria, não se deixa iludir nem manipular. Logo questiona: como será isso se Eu não conheço homem? A resposta do Anjo encontra eco em toda a Palavra de Deus, no Antigo e Novo Testamento: não temas, Maria, «o Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra». Curioso, quantas vezes perscrutamos a voz de Deus a transmitir-nos confiança. Para tornar mais fácil a perceção do que está para a acontecer, o Anjo Gabriel informa Maria que a Sua prima Isabel, estéril, se encontra grávida. Os mistérios de Deus são insondáveis. Não queiramos escrutinar tudo. O mistério, por mais que se desvele, permanece mistério. Por conseguinte, não nos impõe nada que não acolhamos de livre vontade.
       Maria fica extasiada. Como é possível? Mas não faz perguntas indefinidamente, pergunta o essencial: como é que Deus pode nascer de uma mulher, de uma Virgem? Com a resposta do Anjo, Maria não hesita: realize-Se em Mim a Tua santa vontade.
       O sim de Maria altera para sempre a história da salvação e a relação de Deus com o ser humano, que não mais se fará por intermediários, do exterior para o interior, mas pelo próprio Filho, dentro da história e do tempo, dentro da humanidade, o único Mediador entre Deus e os homens. O sim de Maria é anterior à expressão dos lábios, é um Sim que Ela trazia no peito, no coração, um sim sempre pronto a dar-se, a perder a própria vida para que outros pudessem ter vida própria. Quando as palavras do Anjo se fazem ouvir no Seu coração, Ela exalta de alegria, não apenas por si, mas por se tornar morada do Deus Altíssimo, dando à humanidade a mesma possibilidade. Também agora podemos ser morada de Deus, templos do Espírito Santo. Mas atenção, o sim de Maria não é estático, mas dinâmico, logo que o Anjo ascende, Maria corre para a montanha para ajudar a Sua prima Isabel.
        4 – «Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra».
       O projeto de Deus é concretizável pela resposta humana, por esta primeira resposta de Maria. Concebida sem mancha, sem pecado, cheia de graça, salva, por antecipação e privilégio, em atenção à redenção que para todos vem da Cruz e da Ressurreição de Jesus, Maria acolhe a Palavra de Deus e fá-la crescer no seu ventre e na sua vida.
       Com Ela também nós podemos cantar um cântico novo, «pelas maravilhas que Ele operou. O Senhor deu a conhecer a salvação, revelou aos olhos das nações a sua justiça. Recordou-Se da sua bondade e fidelidade em favor da casa de Israel. Os confins da terra puderam ver a salvação do nosso Deus. Aclamai o Senhor, terra inteira, exultai de alegria e cantai».
       O Evangelho, a Boa Notícia que nos chega ao ouvido e ao coração, suscita Alegria e confiança. Alegra-Te Senhora, vais ser Mãe de Deus. Alegra-Te Maria que nos hás de dar o Salvador. Alegremo-nos nós também, ouvindo a Sua voz, exultemos de alegria, em altos brados. Façamos frutificar em nós, na nossa vida, Jesus. N'Ele «fomos constituídos herdeiros, para sermos um hino de louvor da sua glória, nós que desde o começo esperámos em Cristo... Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que do alto dos Céus nos abençoou com toda a espécie de bênçãos espirituais em Cristo. N’Ele nos escolheu, antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis, em caridade, na sua presença. Ele nos predestinou, a fim de sermos seus filhos adotivos, por Jesus Cristo, para louvor da sua glória e da graça que derramou sobre nós, por seu amado Filho».
       A condição para sermos morada do Deus altíssimo, para que em nós se realizem as maravilhas do amor e da paz, da justiça e do bem, é imitar Maria, em humildade e prontidão para servir: realize-se em mim a Tua vontade. Vem, nasce em mim, ilumina-me com a Tua bondade, dá-me o Teu perdão, guia-me para Ti, faz-nos reconhecer-te e a amar-te em cada irmão.

Textos para a Eucaristia: Gen 3,9-15.20; Sl 97 (98); Ef 1,3-6.11-12; Lc 1,26-38.

segunda-feira, 11 de março de 2019

Juízo final e as obras de misericórdia

       Disse Jesus aos seus discípulos: «Quando o Filho do homem vier na sua glória com todos os seus Anjos, sentar-Se-á no seu trono glorioso. Todas as nações se reunirão na sua presença e Ele separará uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos; e colocará as ovelhas à sua direita e os cabritos à sua esquerda. Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: ‘Vinde, benditos de meu Pai; recebei como herança o reino que vos está preparado desde a criação do mundo. Porque tive fome e destes-Me de comer; tive sede e destes-Me de beber; era peregrino e Me recolhestes; não tinha roupa e Me vestistes; estive doente e viestes visitar-Me; estava na prisão e fostes ver-Me’. Então os justos Lhe dirão: ‘Senhor, quando é que Te vimos com fome e Te demos de comer, ou com sede e Te demos de beber? Quando é que Te vimos peregrino e Te recolhemos, ou sem roupa e Te vestimos? Quando é que Te vimos doente ou na prisão e Te fomos ver?’. E o Rei lhes responderá: ‘Em verdade vos digo: Quantas vezes o fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes’. Dirá então aos que estiverem à sua esquerda: ‘Afastai-vos de Mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e os seus anjos. Porque tive fome e não Me destes de comer; tive sede e não Me destes de beber; era peregrino e não Me recolhestes; estava sem roupa e não Me vestistes; estive doente e na prisão e não Me fostes visitar’. Então também eles Lhe hão-de perguntar: ‘Senhor, quando é que Te vimos com fome ou com sede, peregrino ou sem roupa, doente ou na prisão, e não Te prestámos assistência?’ E Ele lhes responderá: ‘Em verdade vos digo: Quantas vezes o deixastes de fazer a um dos meus irmãos mais pequeninos, também a Mim o deixastes de fazer’. Estes irão para o suplício eterno e os justos para a vida eterna» (Mt 25, 31-46).
       É-nos apresentado hoje o evangelho do Juízo Final. É a fé que nos salva, mas uma fé vivida e autenticada pela relação com os outros, pelo compromisso com os nossos irmãos em situação mais frágil. Claramente Jesus nos diz que Ele está na pessoa, em todas as pessoas, mas de forma privilegiada nos mais pobres, nos mais pequeninos. Ele Se fez pobre, identificado-Se com as nossas pobrezas e fraquezas, para nos elevar. O início da transformação do mundo inicia no exato momento em que as pessoas afastadas da cultura, da política, da sociedade, da religião, são tidas em conta.
       O cristianismo não é um exercício meramente intelectual. Não é uma filosofia envolvente. O cristianismo não é um conjunto de regras e/ou de verdades. Pode ser tudo isso. Antes de mais, porém, é a história de um encontro, de uma pessoa, de Jesus Cristo, que Se oferece por nós.
       Ser cristão implica-nos com Jesus. Implica que em tudo sigamos a lógica de Jesus, do perdão, da caridade, do dar a vida. A fé liga-nos a Deus, mas não pode, em nenhum situação afastar-nos dos outros. Não amamos a Deus se desprezarmos ou ignorarmos os irmãos.
       Agora e no final, Deus pedir-nos-á conta dos nossos irmãos. A reposta de Caim não vale: acaso sou guarda do meu irmão? Jesus dá claramente uma resposta diferente. Também nós teremos que a dar. Somos responsáveis uns pelos outros, especialmente responsáveis pelos que têm mais necessidade do nosso cuidado.

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Esforçai-vos por entrar pela porta estreita

       «Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, porque Eu vos digo que muitos tentarão entrar sem o conseguir. Uma vez que o dono da casa se levante e feche a porta, vós ficareis fora e batereis à porta, dizendo: ‘Abre-nos, senhor’; mas ele responder-vos-á: ‘Não sei donde sois’. Então começareis a dizer: ‘Comemos e bebemos contigo e tu ensinaste nas nossas praças’. Mas ele responderá: ‘Repito que não sei donde sois. Afastai-vos de mim, todos os que praticais a iniquidade’. Aí haverá choro e ranger de dentes, quando virdes no reino de Deus Abraão, Isaac e Jacob e todos os Profetas, e vós a serdes postos fora. Virão muitos do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul, e sentar-se-ão à mesa no reino de Deus. Há últimos que serão dos primeiros e primeiros que serão dos últimos» (Lc 13, 22-30)
        A Deus nada é impossível. Ele dá-nos a salvação. Introduz-nos, por meio do Seu Filho, Jesus Cristo, na Sua comunhão, nesta vida e na eternidade. A cada um de nós cabe acolher (ou não) o projeto de vida e de amor que nos é dado. A preocupação, porém, é darmos o melhor de nós, fazermos a nossa parte, esforçarmo-nos por entrar pela porta estreita, praticar o bem, procurar a conciliação e a paz, promover a justiça, comprometermo-nos, em concreto, com os outros e com a transformação do mundo. As obras devem traduzir as nossas palavras e a nossa profissão de fé.

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Ninguém coloca remendo novo num vestido velho...

       Os fariseus e os escribas disseram a Jesus: «Os discípulos de João Baptista e os fariseus jejuam muitas vezes e recitam orações. Mas os teus discípulos comem e bebem». Jesus respondeu-lhes: «Quereis vós obrigar a jejuar os companheiros do noivo, enquanto o noivo está com eles? Dias virão em que o noivo lhes será tirado; nesses dias jejuarão». Disse-lhes também esta parábola: «Ninguém corta um remendo de um vestido novo, para o deitar num vestido velho, porque não só rasga o vestido novo, como também o remendo não se ajustará ao velho. E ninguém deita vinho novo em odres velhos, porque o vinho novo acaba por romper os odres, derramar-se-á e os odres ficarão perdidos. Mas deve deitar-se vinho novo em odres novos. Quem beber do vinho velho não quer do novo, pois diz: ‘O velho é que é bom’» (Lc 5, 33-39).
       Todas as instituições, constituídas por pessoas, enquadram regras, ritos, tradições, que as identificam. As religiões não são excepção. Pelo contrário, é nos ritos e nas tradições que têm a sua força e a sua identidade. Mas para que a religião seja saudável e redentora não pode ser fixista e aprisionar as pessoas a tradições válidas no passado mas que na atualidade estão desajustadas.
       Jesus depara-se com as tradições judaicas. Os fariseus e os escribas chamam-n'O a atenção para o não cumprimento das normas religiosas por parte dos seus discípulos. Embora Jesus não se volte diretamente contra as tradições - importa sobretudo a vivência interior, a transformação de vida, o compromisso com a justiça e com a paz, e a coerência entre o que se exige aos outros e o que se vive -, ainda assim aproveita a ocasião para lembrar que os tempos são novos e se são novos não se encerram nas mesmas estruturas do passado.
       A salvação vai para lá de todas as estruturas, tradições, usos e costumes, normas e preceitos. A graça de Deus é maior, e não está prisioneira das nossas estruturas ou concepções.

quinta-feira, 12 de abril de 2018

Aquele que vem do alto está acima de todos...

       A Páscoa de Jesus reabilita e reúne os discípulos. O medo dá lugar à alegria, a dúvida cede à fé, o temor é assumido pela esperança. As portas e janelas antes fechadas abrem-se para o mundo e os discípulos apregoam Jesus vivo e o Seu Evangelho de compaixão em todos os lugares, ocasiões e oportunidades.
       O livro dos Atos dos Apóstolos, que nos acompanha em todo o tempo de Páscoa, mostra-nos como as primeiras comunidades assumem e testemunham o Evangelho e como os Apóstolos vão alargando o espaço e os mundos a que se dirigem para pregar.
       No Sinédrio, diante do tribunal judeu, no Templo ou na Sinagoga, os Apóstolos garantem que Jesus vive e só a Ele deverão obedecer, ainda que respeitem as autoridades dos judeus, dos gregos ou do romanos, por quem rezem.
       O Querigma, o primeiro anúncio, está bem sintetizado nas Palavras de Pedro e dos Apóstolos, como se pode ver na primeira leitura:
O comandante do templo e os guardas trouxeram os Apóstolos e fizeram-nos comparecer diante do Sinédrio. O sumo sacerdote interpelou-os, dizendo: «Já vos proibimos formalmente de ensinar em nome de Jesus; e vós encheis Jerusalém com a vossa doutrina e quereis fazer recair sobre nós o sangue desse homem». Pedro e os Apóstolos responderam: «Deve obedecer-se antes a Deus que aos homens. O Deus dos nossos pais ressuscitou Jesus, a quem vós destes a morte, suspendendo-O no madeiro. Deus exaltou-O pelo seu poder, como Chefe e Salvador, a fim de conceder a Israel o arrependimento e o perdão dos pecados. E nós somos testemunhas destes factos, nós e o Espírito Santo que Deus tem concedido àqueles que Lhe obedecem». Exasperados com esta resposta, decidiram dar-lhes a morte (Atos 5, 27-33).
       O Evangelho continua a trazer-nos o diálogo de Jesus com Nicodemos. A noite do encontro vai dando lugar à luz da fé, do esclarecimento, do testemunho.
       Disse Jesus a Nicodemos: «Aquele que vem do alto está acima de todos; quem é da terra, à terra pertence e da terra fala. Aquele que vem do Céu dá testemunho do que viu e ouviu; mas ninguém recebe o seu testemunho. Quem recebe o seu testemunho confirma que Deus é verdadeiro. De facto, Aquele que Deus enviou diz palavras de Deus, porque Deus dá o Espírito sem medida. O Pai ama o Filho e entregou tudo nas suas mãos. Quem acredita no Filho tem a vida eterna. Quem se recusa a acreditar no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus permanece sobre ele» (Jo 3, 31-36).
       Ouvíamos ontem no Evangelho Jesus dizer-nos claramente: "Deus não enviou o Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele". Hoje acentua-se a Mensagem de Jesus: Deus ama-nos, com amor eterno, criou-nos por amor, por amor nos dá o Seu Filho, Jesus Cristo, enviado ao mundo para que a humanidade seja salvo por Seu intermédio. A salvação é dom de Deus. Ele oferece-a de bom grado, gratuitamente. Aliás, dá-nos o melhor de Si mesmo, o Seu Filho Unigénito, que permanece no mundo através do Espírito Santo.
       Cabe-nos acreditar em Jesus, acolher a Sua mensagem de amor e de perdão, viver na/da Sua vida.

quarta-feira, 11 de abril de 2018

...para que o mundo seja salvo por Ele

       Disse Jesus a Nicodemos: «Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito, para que todo o homem que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus não enviou o Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. Quem acredita n’Ele não é condenado, mas quem não acredita já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho Unigénito de Deus. E a causa da condenação é esta: a luz veio ao mundo e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque eram más as suas obras. Todo aquele que pratica más acções odeia a luz e não se aproxima dela, para que as suas obras não sejam denunciadas. Mas quem pratica a verdade aproxima-se da luz, para que as suas obras sejam manifestas, pois são feitas em Deus» (Jo 3, 16-21).
       Em tempo pascal, Jesus explica a Nicodemos a Encarnação, a entrega do Filho do Homem à humanidade: o amor infinito e pleno ao ser humano, a toda a pessoa. Diz-nos claramente que vem para salvar-nos. E, se nos deixarmos iluminar pela Sua luz, entramos no reino de eternidade.
       Nicodemos era um dos chefes dos fariseus, sensível para escutar a Palavra vinda de Jesus. Jesus acentua a bondade de Deus para com a Humanidade. Deus criou-nos por amor e não desiste de nós, quer a nossa salvação.
       A vinda de Jesus ao mundo tem como fito principal a salvação da humanidade. Quem n'Ele acredita tem a vida eterna. Quem O recusa, e à Sua Palavra, exclui-se da salvação. Destarte, a condenação não é uma acção positiva de Deus, mas uma acção dependente da vontade e da liberdade da pessoa, que Deus respeita, mesmo que fira o Seu amor de Pai.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Lançar o pão dos filhos aos cachorrinhos?

       Entrou numa casa e não queria que ninguém o soubesse. Mas não pôde passar despercebido, pois logo uma mulher, cuja filha tinha um espírito impuro, ao ouvir falar d’Ele, veio prostrar-se a seus pés. A mulher era pagã, siro-fenícia de nascimento, e pediu-Lhe que expulsasse o demónio de sua filha. Mas Jesus respondeu-lhe: «Deixa primeiro que os filhos estejam saciados, pois não está certo tirar o pão dos filhos para o lançar aos cachorrinhos». Ela, porém, disse: «Senhor, também é verdade que os cachorrinhos comem debaixo da mesa as migalhas das crianças». Então Jesus respondeu-lhe: «Dizes muito bem. Podes voltar para casa, porque o demónio já saiu da tua filha». Ela voltou para casa e encontrou a criança deitada na cama. O demónio tinha saído (Mc 7, 24-30).
        Esta é mais uma página significativa e ilustrativa do Evangelho, da vida de Jesus. Entra em casa. A casa é lugar de encontro, de partilha, de afetos, é espaço de convívio, é lar, espaço da família. Na casa, a pessoa está recolhida, protegida contra as intempéries do tempo e sobretudo das outras pessoas. A casa é lugar de festa, de descanso, é o lugar da refeição fraterna. Jesus entra numa casa, certamente para descansar um pouco, não quer que ninguém o saiba, estará resguardado, protegido, pode descansar, retemperar forças. Mas a casa é também espaço para a cura do corpo - descansa, alimenta-se - e da alma - em com os da casa que se desabafa, se conversa, se criam laços de segurança. E eis que uma mulher, que anda em busca de Jesus, vai ao Seu encontro, intercedendo pela sua filha.
       O diálogo entre Jesus e esta mulher, desconhecida, estrangeira, siro-fenícia é também muito provocante. Na boca de Jesus os preconceitos da sociedade daquele tempo, mesmo dos seus discípulos. O Messias vinha para a casa de Israel, para salvar o povo judeu. Na boca da mulher, a universalidade da salvação vivida e anunciada por Jesus, que vem para todos e não apenas para um grupo ou elite. O Seu fito é que o Evangelho chegue aos confins da terra. E por conseguinte atende às preces daquela mulher estrangeira.

terça-feira, 16 de agosto de 2016

A Deus tudo é possível

       Disse Jesus aos seus discípulos: «Em verdade vos digo: Um rico dificilmente entrará no reino dos Céus. É mais fácil passar um camelo pelo fundo duma agulha do que um rico entrar no reino de Deus». Ao ouvirem estas palavras, os discípulos ficaram muito admirados e disseram: «Quem poderá então salvar-se?». Jesus olhou para eles e respondeu: «Aos homens isso é impossível, mas a Deus tudo é possível». Então Pedro tomou a palavra e disse-Lhe: «Nós deixámos tudo para Te seguir. Que recompensa teremos?». Jesus respondeu: «Em verdade vos digo: No mundo renovado, quando o Filho do homem vier sentar-Se no seu trono de glória, também vós que Me seguistes vos sentareis em doze tronos para julgar as doze tribos de Israel. E todo aquele que tiver deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos ou terras, por causa do meu nome, receberá cem vezes mais e terá como herança a vida eterna. Muitos dos primeiros serão os últimos e muitos dos últimos serão os primeiros» (Mt 19, 23-30).
        A salvação é dom de Deus. É Ele que toma a iniciativa: cria-nos por amor e por amor nos salva, enviando-nos Jesus Cristo, Seu Amado Filho, que pela Sua vida, morte e ressurreição nos abre as portas da ressurreição e da comunhão plena com Deus, na eternidade.
       Deste modo, a salvação não é um direito ou uma prerrogativa de alguém, de algum povo ou de alguma religião. A religião é um espaço privilegiado para a descoberta e o encontro com Deus, mas ainda assim o Espírito Santo sopra onde quer, como refere o próprio Jesus.
       ... e ainda bem que a salvação não é um direito de alguém, porque poderia ser usurpado, manipulado, usado em beneficio próprio...

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Os cachorrinhos comem das migalhas que caem...

       Uma mulher cananeia, vinda daqueles arredores, começou a gritar: «Senhor, Filho de David, tem compaixão de mim. Minha filha está cruelmente atormentada por um demónio». Mas Jesus não lhe respondeu uma palavra. Os discípulos aproximaram-se e pediram-Lhe: «Atende-a, porque ela vem a gritar atrás de nós». Jesus respondeu: «Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel». Mas a mulher veio prostrar-se diante d’Ele, dizendo: «Socorre-me, Senhor». Ele respondeu: «Não é justo que se tome o pão dos filhos para o lançar aos cachorrinhos». Mas ela insistiu: «É verdade, Senhor; mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa de seus donos». Então Jesus respondeu-lhe: «Mulher, é grande a tua fé. Faça-se como desejas». E, a partir daquele momento, a sua filha ficou curada (Mt 15, 21-28).
        A salvação que nos é trazida em Jesus é universal e não elitista. Jesus vem para todos, judeus e gregos, escravos e livres, homens e mulheres, idosos e crianças.
       No Evangelho proposto para este dia vemos a hesitação dos judeus, manifesta no diálogo entre Jesus e a cananeia. Nas palavras de Jesus, a ideia dos judeus em geral e dos discípulos em particular, pensando que o Messias viria apenas para libertar Israel, esquecendo que a eleição do Povo da Aliança é instrumental, isto é, foi sempre na perspectiva de ser instrumento de salvação e de bênção para todos os povos. Nas palavras da cananeia e dos discípulos, a visão de Jesus. Ele vem para todos. O diálogo está claramente invertido. Jesus vai levar algum tempo a fazer compreender aos seus discípulos que a salvação não é exclusiva (não exclui ninguém) mas é inclusiva (inclui toda a humanidade, basta a fé).
       Neste episódio, vê-se claramente, que a salvação não é uma conquista ou um direito de uma raça ou de uma religião, mas resulta da adesão firme ao Evangelho, da fé que se professa. Ela (mulher cananeia) é salva porque acredita. Isso mesmo lhe diz Jesus: faça-se como desejas. É a abertura do coração, a nossa fé que nos leva a Jesus, para n'Ele nos encontrarmos na salvação de Deus.
       O segredo está na humildade, na abertura ao mistério que vem de Jesus. Com a mulher não tenhamos medo de suplicar: «Socorre-me, Senhor».

sábado, 16 de julho de 2016

Domingo XVI do Tempo Comum - ano C - 17 de julho

       1 – Seguir Jesus é a vocação primeira do cristão. Não de qualquer jeito, mas segui-l'O imitando-O. Por conseguinte, para seguirmos Jesus precisamos de estar muito perto d'Ele, escutando-O, sentindo o bater do Seu coração, cruzando o nosso com o Seu olhar, fazendo com que o Seu sorrir passe para o nosso rosto, que as Suas palavras saiam dos nossos lábios, para multiplicarmos os Seus gestos de ternura e de compaixão, de perdão e de amor, de proximidade e delicadeza, de misericórdia e de serviço.
       A oração, a escuta da Palavra de Deus e a meditação da mesma, a envolvência nos sacramentos, a vivência das obras de misericórdia, são essenciais para O seguir a Ele e não a qualquer imitação. Porém, poderemos deixar-nos contagiar por aqueles que ao longo do tempo foram seus imitadores, pelo testemunho de vida, pelo compromisso social, pela identificação com os mais pobres, mostrando-nos como Jesus continua vivo no presente. Não é um Homem do passado, mas Deus a encarnar em cada um de nós. Para isso precisamos de nos tornar transparentes como São Francisco, Madre Teresa de Calcutá, como Santa Teresa de Jesus e Santa Teresinha do Menino Jesus, como São João da Cruz ou Padre Américo.
       2 – Jesus entrou em certa povoação e uma mulher chamada Marta recebeu-O em sua casa. Ela tinha uma irmã chamada Maria, que, sentada aos pés de Jesus, ouvia a sua palavra. Entretanto, Marta atarefava-se com muito serviço. Interveio então e disse: «Senhor, não Te importas que minha irmã me deixe sozinha a servir? Diz-lhe que venha ajudar-me». O Senhor respondeu-lhe: «Marta, Marta, andas inquieta e preocupada com muitas coisas, quando uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada».
       3 – Nos domingos anteriores, o evangelho familiarizou-nos com a vocação, o seguimento, o envio e as condições ou exigências para sermos autênticos discípulos de Jesus. Vamos amadurecendo, é certo. O tempo dirá da nossa maturidade e persistência, da nossa fidelidade e propósito, da nossa conversão permanente e adesão a Cristo e ao Seu Evangelho de amor. Como o ouro no crisol, também nos vamos moldando para fazermos emergir em nós a imagem e a presença de Cristo Jesus.
       No evangelho de hoje, se dúvidas houvesse, Jesus deixa claro a prioridade do discípulo: a proximidade e a escuta. É necessário não perder Jesus de vista, por nenhum instante. Segui-l'O, deixando que Ele nos guie e não o contrário. Para O anunciarmos não nos podemos colocar à frente, como quereria Pedro, sob risco de provocarmos um eclipse. Somos mais lua do que sol, mas é o sol que havemos de refletir. Somos discípulos e não mestres. A luz não é a nossa. É Cristo. A palavra não é a nossa. É Cristo. A projeto não é nosso. É o reino de Deus, visualizado na pessoa de Jesus Cristo. A vontade a realizar não é a nossa, mas a de Cristo, a de Deus.
       D'Ele aprendemos a afabilidade, o cuidado e a atenção a cada pessoa. Ele desafia-nos a viver no melhor de nós, dando-nos, cuidando uns dos outros, auxiliando os mais frágeis. A única lei do cristão é o amor. Amor a Deus que se traduz no serviço ao nosso semelhante. É a lei que nos liberta de nós e dos nossos egoísmos. É a caridade que nos irmana. É a misericórdia que nos filia em Deus. Como Ele faz, façamos nós também. “Eu que Sou Mestre e Senhor, lavei-vos os pés... como Eu vos fiz fazei vós também”. “Dai-lhes vós de comer”. Não passeis adiante pu ao largo. Há alguém caído, ferido... dai-lhe alento, tratai-o, curai-o, ressuscitai-o. Restituiu-o à vida.
       4 – “Faz isso e viverás”. “Vai e faz o mesmo”. São respostas de Jesus ao doutor da Lei. O mandato é para agir em conformidade com o que se sabe, com o que se diz.
       Marta anda atarefada. E bem. Para acolher bem Jesus. Para Lhe agradar e aos seus discípulos, fazendo com que se sintam em casa. Maria faz o mesmo, fica sentada a ouvir Jesus. Oração e trabalho (ora et labora – a máxima de São Bento, Padroeiro da Europa e que celebramos a 12 de julho). Completam-se. A oração implica-nos com seriedade no trabalho. O trabalho pode tornar-se uma forma de oração, quando nos aproxima dos outros e nos faz transformar positivamente o mundo.
       Se agimos sem a ligação a Jesus Cristo corremos o risco de instrumentalizar os outros e de desanimar diante das dificuldades.
       Há tantas situações na vida em que não precisamos senão de um abraço, um sorriso, um olhar. Há momentos em que não precisamos que nos respondam mas tão-somente que nos escutem e nos sosseguem com o seu olhar. Não precisamos de mais. Jesus certamente precisava de se alimentar e de descansar. Mas precisava muito de se sentir em casa e não ser mais uma peça de mobília. Há tanta coisa que nos dispersa. Por vezes nem temos tempo de cumprimentar com tempo e disponibilidade, de olhos nos olhos, acolhendo. Alguém chega e a azáfama continua. E quem chega sente que está a dar trabalho como convidado ou até estranho e não como membro da casa e da família.
       Tantos afazeres. Parece que se não fizermos fica por fazer. Parece que o mundo vai acabar e temos que nos desembaraçar. Os outros vieram acelerar-nos. Devemos dar o melhor de nós mesmos, mas lembrando-nos da prioridade. A prioridade é a pessoa que nos visita ou que visitamos. O tempo pára, porque nos é dado gratuitamente por Deus. A não ser em situações específicas, é ali que temos de estar, com aquela pessoa. Fazermos o que temos a fazer com dedicação.
       Marta anda de um lado para o outro, como uma barata tonta. Não está concentrada nem no trabalho nem em Jesus. Está incomodada com o que os outros não fazem. Quer a atenção só para ela e para o que está a fazer. O centro é Cristo, que chegou e que importa acolher e amar. Mais que se empenhar em fazer bem o que está a fazer, Marta incomoda-se por ver que sua irmã não ajuda. Maria está embebecida a escutar Jesus. A casa é de Marta. Quer despachar tudo para que os convidados possam ter tudo o que precisam. Certamente que Jesus aprecia o trabalho e a dedicação de Marta. Também nós reagimos como Jesus quando vemos que alguém faz o trabalho a contragosto. Nem rende. Percebemos que nos tornamos um estorvo, ainda que a pessoa não o faça por mal.
       Maria faz-se casa para Jesus. Mais importante que o espaço é o tempo que se dedica e a qualidade do mesmo. Há lugar para Marta e para Maria em nós, na Igreja e na sociedade. Como cristãos sabemos a primazia para vivermos e darmos Jesus Cristo: primeiro há que O acolher, pela oração, pela escuta e meditação da Palavra de Deus. Não podemos dar o que não temos. A luz que há em nós é Jesus. Se nos distanciamos d'Ele, escurecemos e Ele fica esbatido em nós e para os outros.

       5 – Na primeira leitura, Abraão ensina-nos a acolher os estranhos como visitas de Deus. Sara e os criados tratam de cozinhar o pão e um vitelo tenro, de trazer água para os peregrinos lavarem os pés e se refrescarem. Vislumbra-se um certo paralelismo com o Evangelho. Sara e os criados correspondem a Marta. Abraão, tal como Maria, irmã de Marta, fica junto dos visitantes, ainda que se perceba que é ele quem coordena os trabalhos. No final a hospitalidade de Abraão com os visitantes não ficará sem recompensa.

       6 – São Paulo, na segunda leitura, testemunha a confiança em Deus que nos salva em Cristo. Como Ele também nós experimentamos a finitude e a fragilidade, o sofrimento e a morte. Em absoluto. Mas também na especificidade do seguimento. Seguirmos Jesus implica que nos predisponhamos a abraçar a Cruz, não pelo gosto de sofrer, mas na opção pelo bem, pela verdade, pelo amor.
       Quando os pais se esforçam pelos filhos, sacrificando-se por eles, não ficam a reclamar da vida. Estão comprometidos com a felicidade dos filhos que amam mais que tudo. Quando sofremos por amor de Cristo, se estivermos convictos da nossa salvação, certos de agirmos em conformidade com o Evangelho, sofremos confiantes na misericórdia de Deus, sabendo que a provisoriedade do sofrimento será vencida pela esperança definitiva da salvação em Deus.
       "Agora alegro-me com os sofrimentos que suporto por vós e completo na minha carne o que falta à paixão de Cristo, em benefício do seu corpo que é a Igreja... Cristo no meio de vós, esperança da glória. E nós O anunciamos, advertindo todos os homens e instruindo-os em toda a sabedoria, a fim de os apresentarmos todos perfeitos em Cristo".
       Como seres humanos, estamos em processo de maturação. Sempre. Vamos lapidando a nossa vida, comprometidos em comunidade, para nos identificarmos cada vez mais com Jesus Cristo.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): Gen 18, 1-10a; Sl 14 (15); Col 1, 24-28; Lc 10, 38-42.

sábado, 4 de junho de 2016

Domingo X do Tempo Comum - ano C - 5 de junho

       1 – "O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista; a mandar em liberdade os oprimidos, a proclamar um ano favorável da parte do Senhor" (Lc 4, 18-19). "O Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido" (Lc 19, 10).
       No início da Sua vida pública, na sinagoga de Nazaré, e no encontro com Zaqueu, vem ao de cima o propósito e a missão de Jesus: salvar, redimir, curar, ungir, recuperar, libertar. São dois exemplos, mas o evangelho está repleto de encontros, de gestos e de palavras de Jesus que assomam a misericórdia de Deus. Por aqui se compreende também a opção preferencial pelos mais pobres.

       2 – Um dos movimentos mais vivos, sobretudo depois do Vaticano II, na América Latina, de onde é originário o atual Papa Francisco, é a Teologia da Libertação que consagra precisamente a opção preferencial pelos pobres. Se é preferencial, não é excludente. A teologia como a pastoral procura responder às situações reais de pobreza e exclusão social, com o empenhamento prático na vida das pessoas. Um dos riscos maiores é reduzir a fé a um puro marxismo, com recurso aos mesmos instrumentos que qualquer estrutura político-partidária, criando novas divisões.
       Na Argentina, e assim também o Papa Francisco, adquiriu uma acentuação diferente, reconhecida como Teologia do Povo, com forte influência do Papa de então, Paulo VI. Os pobres são parte da solução, não se trabalha para eles mas com eles. O Beato Óscar Romero, de São Salvador, perfilha a opção preferencial pelos mais pobres, mas sempre em lógica de libertação integral, na abertura ao transcendente. Não se podem mudar as estruturas sem a conversão, sem mudar os corações. Prefere a Teologia da Salvação. Cristo, pela Sua cruz, redime o homem todo.
       Em Aparecida, 5.ª Assembleia Geral dos Bispos da América Latina e Caribe, o então Cardeal Jorge Mario Bergoglio (Papa Francisco) coordenou o Documento Final, fixando-se uma vez mais o compromisso social, com a alegria e força do Evangelho, na transformação da realidade, com os excluídos, pobres, escravos, prostitutas, crianças de rua, explorados e espoliados, mulheres, toxicodependentes, procurando envolver os próprios na solução dos seus problemas, vivendo na realidade concreta, entreajudando-se, partilhando as alegrias e tristezas, empenhando-se solidariamente uns com os outros, lutando pela justiça, pela libertação integral, pelos direitos fundamentais, procurando viver ao jeito de Jesus, anunciando-O em todas as situações.
       O Papa Bento XVI, na abertura da Assembleia de Aparecida, em 2007, e como outrora havia feito como Prefeito para a Doutrina da Fé, fundamentou a opção preferencial pelos pobres (e a teologia da libertação) com a sua dimensão cristológica. Cristo vem salvar a humanidade e libertar-nos de todas as amarras da escravidão. O modo de ser e de agir de Jesus funda e fundamenta o compromisso dos cristãos, discípulos missionários para este tempo.

       3 – O Evangelho hoje proclamado mostra-nos a sensibilidade e o agir de Jesus, sobressaindo a compaixão e a ternura como marcas constantes do Seu ministério de salvação.
       Jesus prossegue com o anúncio do Evangelho, por aldeias e cidades. O destino é uma cidade chamada Naim, nome que retemos por causa deste encontro de Jesus com uma viúva que chora pelo seu filho único. Além da profunda tristeza pela morte do seu filho, também o desamparo em que se encontra, por ser viúva. Naquele tempo não havia segurança social ou outro tipo de apoio instituído. Poderia ter a dita de ser acolhida pela família do marido ou por algum dos seus irmãos, já que a esperança média de vida leva a supor que já não teria pais ou os teria por pouco tempo e cujo património passaria para os irmãos. O filho garantiria a sobrevivência, a proteção, o património. A viuvez, sem descendência, expõe-se à pobreza e à mendicidade.
       "Ao vê-la, o Senhor compadeceu-Se dela". Esta não é uma atitude isolada, mas o sentir constante de Jesus perante situações de pobreza, doença, isolamento social. Dirigindo-se a ela, diz-lhe: «Não chores». Aproxima-se e toca no caixão, dizendo: «Jovem, Eu te ordeno: levanta-te». O morto sentou-se e começou a falar; e Jesus entregou-o à sua mãe.
       Imaginemos que estamos com Jesus junto daquela Mãe. Que sentimos quando a vemos chorosa, a torcer-se de sofrimento? Como nos sentimos com os gestos e as palavras de Jesus? Que poderíamos dizer ou fazer para aliviar o sofrimento daquela Mãe? Como lidamos com o sofrimento de alguém que nos é próximo? Aproximamo-nos e ajudamos o outro a levantar-se? Tocamos-lhe a alma para o resgatar ao medo de ficar sozinho? Com Jesus, Deus visita o seu povo! Como podemos agir para que através de nós Deus possa visitar a nossa família, os nossos colegas de trabalho, os nossos amigos?

       4 – A misericórdia de Deus não Se manifesta apenas com a vinda de Jesus. Com Ele chega à plenitude, os céus abrem-se por inteiro, Deus vem em Pessoa, um de nós, um connosco. Mas ao longo das gerações vai-nos falando através dos acontecimentos, dos Patriarcas, Juízes, Sacerdotes, Profetas e Reis, até nos enviar o Seu próprio Filho.
       Na primeira Leitura encontramos outra viúva, pobre, visitada por Deus através de Elias. Repare-se que é uma estrangeira, intuindo-se que a benevolência de Deus não se reduz a um grupo, a uma elite ou a um povo! Mais que o lugar ou a religião, importa o coração, a alma, a disponibilidade para acolher, amar e servir. É aqui que se decide a vida e a felicidade!
       É enternecedor o diálogo de Elias com Deus. Elias sente-se agradecido pelo acolhimento da viúva com o seu filho. Elias fez tudo conforme Deus lhe sugerira. Mas o filho da viúva de Sarepta adoeceu gravemente e morreu, abalando a sua fé. Descarrega em Elias a frustração, o medo, a tristeza: «Que tens tu a ver comigo, homem de Deus? Vieste a minha casa lembrar-me os meus pecados e causar a morte do meu filho?».
       É a vez de Elias fazer o que deve ser feito e o que está ao seu alcance. Reza insistentemente a Deus, lembrando todo o bem que aquela viúva fez: «Senhor, meu Deus, quereis ser também rigoroso para com esta viúva, que me hospeda em sua casa, a ponto de fazerdes morrer o seu filho?».
       Deus escutou a voz de Elias e devolveu a vida ao menino. Deus sempre nos ouve, ainda que nem sempre nos responda da forma que estávamos à espera ou que mereceríamos, sabendo que a fragilidade do corpo e da vida se vão manifestando ao longo do tempo, umas vezes com maior benevolência outras com maior agressividade.
       É então que definitivamente aquela mulher reconhece quem a visita «Agora vejo que és um homem de Deus e que se encontra verdadeiramente nos teus lábios a palavra do Senhor».
       Elias é instrumento da vontade de Deus que nos quer vivos. Com Jesus, chega à plenitude o amor de Deus para connosco, não alijando o sofrimento, mas enfrentando-o e englobando-o na vida, com as suas alegrias e tristezas, para que nada nos impeça de amar, servir, perdoar, ajudar os outros, abrindo-nos, em esperança, as portas da eternidade.

       5 – São Paulo escreve às Igrejas da Galácia com o intuito de zelar pelo Evangelho e pela fé em Jesus Cristo, crucificado e ressuscitado. Não vale tudo. Nem todos os caminhos levam a Cristo, nem todas as opções são benfazejas para congregarem e formarem a Igreja como Corpo, como família. Víamos anteriormente que a desencarnação da fé, a espiritualização da religião, a idealização do Evangelho, é uma traição a Jesus que encarnou, assumindo a nossa natureza humana, sujeitando-se às coordenadas do espaço e do tempo. Jesus mostra Deus e a Sua misericórdia infinita, com gestos concretos, palavras e obras. Nem tanto à terra nem tanto ao mar. A certeza da eternidade não nos permite enlevar-nos, pelo contrário, mais nos compromete com a transformação do mundo.
       Por um tempo podemos pregar um evangelho feito à nossa medida, mas será uma mentira. A Igreja não é minha, não é nossa, é de Cristo, como bem sublinhava Bento XVI no anúncio da renúncia ao ministério petrino.
       O Apóstolo Paulo lembra-nos que o Evangelho não é negociável nem está sujeito ao critério de cada um, ainda que em cada tempo tenhamos que procurar o sensus fidei, a fé vivida em cada contexto social e humano, procurando que o Evangelho ilumine a vida.
       "O Evangelho anunciado por mim não é de inspiração humana, porque não o recebi ou aprendi de nenhum homem, mas por uma revelação de Jesus Cristo... Quando Aquele que me destinou desde o seio materno e me chamou pela sua graça, Se dignou revelar em mim o seu Filho para que eu O anunciasse aos gentios, decididamente não consultei a carne e o sangue". Paulo revela que a primeira coisa que fez após a conversão foi retirar-se para o deserto, ao jeito de Jesus, para que fosse mais forte a ligação a Deus, pela oração. Depois subiu a Jerusalém para estar com Simão Pedro, tendo encontrado também Tiago, irmão do Senhor. Apesar das convicções resolutas do Apóstolo, a ligação e a comunhão com a Igreja na pessoa de São Pedro.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): 1 Reis 17, 17-24; Sal 29 (30); Gal 1, 11-19; Lc 7, 11-17.