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quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Pe. Tolentino Mendonça - O Hipopótamo de Deus

José TOLENTINO MENDONÇA. O Hipopótamo de Deus. Quando as perguntas que trazemos valem mais o que as respostas provisórias que encontramos. Paulinas Editora, 320 páginas.
       Mais um extraordinário livro que agrega várias reflexões de Tolentino de Mendonça, com a idiossincrasia bem portuguesa, madeirense, cristão, poeta. Em cada texto um olhar de esperança, de desassossêgo, de provocação, de desafio, numa prosa bem poética como nos tem habituado nas suas publicações e/ou intervenções. Uma linguagem simples, familiar, tocando realidades distintas, cultura, religião, fé e fado, raízes madeirenses, e raízes do poeta, família, vida e morte e sofrimento, pintura, literatura e religião, música, economia, imperfeição, Fátima, e o silêncio de Deus, Advento, Natal e Páscoa, Outono e Inverno, Verão e Primavera e as diferentes idades do ser humano, a vocação, ser padre e ser poeta, a cruz e a bondade, filosofia e filósofos...
       Desde logo a justificação do título deste conjunto de escritos, que acompanha a publicitação do livro:
"Um dos passos mais belos da Bíblia tem a ver com um hipopótamo. E não é propriamente um divertimento teológico, pois surge numa obra que explora muito seriamente a experiência do Mal. Falo do Livro de Job, claro. O que primeiro nos surge ali é o protesto de Job contra o Mal que se abate inexplicavelmente sobre a sua história, protesto que se estende até Deus. Mas depois vem o momento em que Deus se propõe interrogá-lo. E, nesse diálogo, desenvolve-se um raciocínio que não pode ser mais desconcertante. Job só consegue pensar nas suas dores e nos porquês com os quais, inutilmente, esgrime. Deus, porém, desafia-o a olhar de frente para… um hipopótamo. O método de Deus neste singular encontro com Job é abrir a medida do seu olhar, rasgá-lo imensamente a tudo o que é grande, a tudo o que não tem resposta, mostrando-lhe que se o Mal é um enigma que nos cala, o Bem é um mistério ainda maior".
       Muitas reflexões oportunas. Lido em diferentes ocasiões podem haver um texto que chame mais atenção. Curioso o título e o texto: Onde é a nossa casa?
       "Acho que foi Alberto Camus que disse que a questão mais premente do nosso tempo é cada homem descobrir onde é a sua casa... Dia a dia há uma rota que voltamos a trilhar sem especiais hesitações, entre a fadiga e a esperança, cruzando as paredes do tempo: esse é o caminho para a nossa casa. Cada um cumpre, mesmo sem especial reflexão, trajetórias e rituais que são seus: a estrada que escolhe para regressar (sempre a mesma, sempre a mudar...); a forma familiar que tem diariamente de rodar a chave; o modo (mais lento, mais repentino) de abrir para o que ali habita; aquela fração de segundo, absolutamente impressiva, antes da primeira palavra, em que a casa inteira parece que vem ao nosso encontro, ofegante ou em puro repouso...
       ... cada pessoa tem o irrecusável dever de descobrir-se, vivendo com paixão e sabedoria a construção de si, esse processo que, por definição, está em aberto e que ao longo da existência se vai efetivando. NÓS SOMOS A NOSSA CASA. E poder dizer isso, com simplicidade e verdade, equivale a perpetuar aquilo que Albert Camus também escreveu: «no meio de um inverno, finalmente aprendi que havia dentro de mim um verão invencível» (pp 141-142).

Dois lugares para visitar acerca deste livro:

(que publicou alguns dos textos agora coligidos,
por exemplo o que partilhamos aqui: "Onde é a nossa casa?".

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Por vezes luto com Deus, por vezes danço (III)

       Quando se dança, diz-se a verdade. Quando se ora também se diz a verdade. É impossível haver fingimento na oração.
       O verdadeiro encontro com Deus, se por vezes é tão difícil, é porque nos pede essa nudez. Pede-nos a aceitação da pobreza, que com frequência é o mais difícil de alcançar; a aceitação do nosso limite, do que não podemos, do que não sabemos, do que não conseguimos, do que não fomos, do que não quisemos, e que, contudo, nos foi dado e temos de viver.
       Na terceira e última parte da conferência "Por vezes luto com Deus, por vezes danço", o P. José Tolentino Mendonça cruza os caminhos da dança com os da espiritualidade cristã:

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Por vezes luto com Deus, por vezes danço (II)

       O Batismo não é a entrada num estado de isenção, de neutralidade. O viver crente está a fazer-se, é sempre inacabado, é sempre o lugar da turbulência, da agitação.
       Lutando com Deus, também dançamos com ele. A fé uma dança, e Abraão mostra-nos isso. Quando já não tinha grandes expectativas acerca da vida, Deus convoca-o para uma forma de nomadismo singular que é a fé. Abraão vai viver na viagem, e essa é a dimensão da própria fé.
       Com o movimento da fé, sabemos de onde partimos mas, ao contrário dos caminhos que habitualmente percorremos, tantas vezes estreitos e utilitários, desconhecemos para onde vamos. Com a fé, viajamos sem mapas para lá de tudo o que se pode prever.
       Segunda parte da conferência "Por vezes luto com Deus, por vezes danço", pelo P. José Tolentino Mendonça:

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Por vezes luto com Deus, por vezes danço (I)

       O silêncio e a ausência são sinais que, misteriosamente, insinuam uma presença.
       A aceitação do silêncio é um trabalho preparatório para a escuta. A disciplina de fazer silêncio no coração, calar os pensamentos e as imagens, as maledicências e superficialidades.
       O silêncio ainda não é Deus, mas é também a possibilidade de abrir a vida ao Outro, deixando que a possibilidade do Outro nos habite.
       A fé vive como hipótese, como lugar contínuo de expectativa, vive de um combate: nunca nada está acabado, nunca nada é completamente conhecido.
       Primeira parte da conferência "Por vezes luto com Deus, por vezes danço", pelo P. José Tolentino Mendonça:



domingo, 22 de julho de 2012

Vejo um ramo de amendoeira e outras palavras em flor

D. ANTÓNIO COUTO, Vejo um ramo de amendoeira e outras palavras em flor. Paulus Editora, Apelação 20012.


       O LEMA episcopal de D. António Couto, Bispo de Lamego, é a resposta dada por Jeremias ao Senhor e à pergunta: o que vês? - Vejo um ramo de amendoeira. Como tem sublinhado o nosso Bispo, a amendoeira é a única flor que germina em pleno inverno, quando ainda não se vislumbra a primavera, é um sinal de fé e de esperança, que vai muito além da visibilidade.
       Neste livrinho (80 páginas), são-nos apresentados "três textos iguais e diferentes. O primeiro, intitulado «O Evangelho, Jesus, Paulo e Eu», vê-se bem que é como um espelho onde quotidianamente me revejo e me deixo atravessar por algumas pérolas bíblicas adquiridas também por figuras incontornáveis do Cristianismo. O segundo, intitulado «Vejo um ramo de amendoeira», é como uma profissão de fé, uma maneira de ver, de viver, um lema gravado a fogo na alma de Jeremias e na minha. O terceiro, intitulado «Daqui, desta planura: leitura do tempo em que vamos, constitui uma travessia pensada e prensada deste tempo que Deus me Deus".
Esta é a apresentação que o próprio autor faz dos textos.
       Lê-se com muito agrado, leve e profundo, com a sensibilidade dos poetas, com o desafio dos profetas.
"A amendoeira é uma das poucas árvores que floresce em pleno inverno. Ao responder: «Vejo um ramo de amendoeira», Jeremias já ergueu os olhos da invernia e da tempestade e do lodo e da lama e da catástrofe e da morte que tinha pela frente, e já os fixou lá longe, ou aqui tão perto, na frágil-forte-vigilante flor da esperança que a amendoeira representa. É de presumir que, se Jeremias tivesse respondido: «Vejo a tempestade, a ruína, a morte, a crise», que era que que tinha mesmo diante dos olhos, em vez de «Viste bem, Jeremias, viste bem!», Deus tê-lo-ia reprovado, dizendo: Viste mal, Jeremias, viste mal».

Senhor, afina o meu olhar pela flor que Tu quiseres.
Faz-me ver sempre bem, belo e bom.
Faz-me ver com olhar com que me vês,
e com que olhas a tua criação.
Contemplação."

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Nunca mais servirei quem morre

Nunca mais
A tua face será pura limpa e viva
Nem o teu andar como onda fugitiva
Se poderá nos passos do tempo tecer.
E nunca mais darei ao tempo a minha vida.

Nunca mais servirei senhor que possa morrer.
A luz da tarde mostra-me os destroços
Do teu ser. Em breve a podridão
Beberá os teus olhos e os teus ossos
Tomando a tua mão na sua mão.

Nunca mais amarei quem não possa viver
Sempre,
Porque eu amei como se fossem eternos
A glória, a luz e o brilho do teu ser.
Amei-te em verdade e transparência
E nem sequer me resta a tua ausência.
És um rosto de nojo e negação
E eu fecho os olhos para não te ver.
Nunca mais servirei senhor que possa morrer.
Sophia de Mello Breyner (postado a partir do POVO)

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Deus costuma usar a solidão para nos ensinar sobre a convivência

Deus costuma usar a solidão
para nos ensinar sobre a convivência.
Às vezes, usa a raiva para que possamos
compreender o infinito valor da paz.
Outras vezes usa o tédio,
quando quer nos mostrar
a importância da aventura e do abandono.
Deus costuma usar o silêncio para nos ensinar
sobre a responsabilidade do que dizemos.
Às vezes usa o cansaço, para que possamos
compreender o valor do despertar.
Outras vezes usa a doença, quando quer
nos mostrar a importância da saúde.
Deus costuma usar o fogo,
para nos ensinar a andar sobre a água.
Às vezes, usa a terra, para que possamos
compreender o valor do ar.
Outras vezes usa a morte, quando quer
nos mostrar a importância da vida“.

Fernando Pessoa

terça-feira, 13 de abril de 2010

Poema do Menino Jesus

Num meio-dia de fim de primavera eu tive um sonho como uma fotografia: eu vi Jesus Cristo descer à Terra.
Ele veio pela encosta de um monte, mas era outra vez menino, a correr e a rolar-se pela erva, a arrancar flores para deitar fora, e a rir de modo a ouvir-se de longe.
Ele tinha fugido do céu. Era nosso demais pra fingir-se de Segunda pessoa da Trindade.
Um dia que DEUS estava dormindo e o Espírito Santo andava a voar, Ele foi até a caixa dos milagres e roubou três. Com o primeiro Ele fez com que ninguém soubesse que Ele tinha fugido; com o segundo Ele se criou eternamente humano e menino; e com o terceiro Ele criou um Cristo eternamente na cruz e deixou-o pregado na cruz que há no céu e serve de modelo às outras. Depois Ele fugiu para o Sol e desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje Ele vive na minha aldeia, comigo.
É uma criança bonita, de riso natural. Limpa o nariz com o braço direito, chapinha nas poças d'água, colhe as flores, gosta delas, esquece. Atira pedras aos burros, colhe as frutas nos pomares, e foge a chorar e a gritar dos cães. Só porque sabe que elas não gostam, e toda gente acha graça, Ele corre atrás das raparigas que levam as bilhas na cabeça e levanta-lhes a saia.
A mim, Ele me ensinou tudo. Ele me ensinou a olhar para as coisas. Ele me aponta todas as cores que há nas flores e me mostra como as pedras são engraçadas quando a gente as tem na mão e olha devagar para elas. Damo-nos tão bem um com o outro na companhia de tudo que nunca pensamos um no outro. Vivemos juntos os dois com um acordo íntimo, como a mão direita e a esquerda. Ao anoitecer nós brincamos as cinco pedrinhas no degrau da porta de casa. Graves, como convém a um DEUS e a um poeta. Como se cada pedra fosse todo o Universo e fosse por isso um perigo muito grande deixá-la cair no chão. Depois eu lhe conto histórias das coisas só dos homens. E Ele sorri, porque tudo é incrível. Ele ri dos reis e dos que não são reis. E tem pena de ouvir falar das guerras e dos comércios.
Depois Ele adormece e eu o levo no colo para dentro da minha casa, deito-o na minha cama, despindo-o lentamente, como seguindo um ritual todo humano e todo materno até Ele estar nu. Ele dorme dentro da minha alma. Às vezes Ele acorda de noite, brinca com meus sonhos. Vira uns de perna pro ar, põe uns por cima dos outros, e bate palmas, sozinho, sorrindo para os meus sonhos.
Quando eu morrer, Filhinho, seja eu a criança, o mais pequeno, pega-me Tu ao colo, leva-me para dentro da Tua casa. Deita-me na tua cama. Despe o meu ser, cansado e humano. Conta-me histórias caso eu acorde para eu tornar a adormecer, e dá-me sonhos Teus para eu brincar.
(Fernando Pessoa)