Mostrar mensagens com a etiqueta Pobres. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Pobres. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

São Jerónimo Emiliano, Presbítero

Nota biográfica:
       Nasceu em Veneza no ano 1486. Caiu prisioneiro em Castelnuovo (1511) quando combatia contra a Liga de Cambrai. Fechado no castelo, teve ambiente e tempo para meditar sobre as coisas efêmeras e decidiu-se pelas eternas. Algo parecido com o que faria santo Inácio, dez anos mais tarde. Sentiu-se impelido ao serviço dos pobres e dos jovens, dos enfermos e das pecadoras arrependidas. Após algum tempo de preparação com João Pedro Carafa, o futuro Paulo IV, foi ordenado padre.
       Dez anos mais tarde uma terrível crise assolava a península; em seguida veio uma epidemia. Jerónimo vendeu tudo o que possuía para ajudar os indigentes. Prestou grande serviço aos órfãos e viúvas. O seu campo de trabalho foi extenso: Verona, Bréscia, Como e Bérgamo. No lugarejo de Somasca, em Bérgamo, teve início a Sociedade dos Clérigos Regulares que mais tarde foram chamados Padres Somascos. Dedicavam-se ao ensino gratuito com o revolucionário método dialogado, e a socorrer as crianças órfãs e os pobres.
       São Jerónimo Emiliano morreu em Somasca enquanto dava assistência aos doentes. Contraiu a peste e morreu do mesmo mal dos seus assistidos. Era o dia 8 de Fevereiro de 1537. Foi canonizado em 1767. Pio XI nomeou-o padroeiro dos órfãos e dos jovens abandonados.
Oração de coleta:
       Pai de infinita misericórdia, que em São Jerónimo Emiliano, protetor e pai dos órfãos, destes à vossa Igreja um sinal da vossa predilecção para com os pobres e os humildes, dai-nos, por sua intercessão, a graça de conservar sempre o espírito de adopção pelo qual nos chamamos e somos vossos filhos. Por Nosso Senhor Jesus Cristo que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
São Jerónimo Emiliano aos seus irmãos

Só no Senhor devemos confiar

Amados irmãos em Cristo e filhos da Ordem dos Servos dos pobres:
O vosso pobre pai vos saúda e vos exorta a que persevereis no amor de Cristo e na observância fiel da lei cristã, como mostrei por palavras e por obras enquanto estive convosco, de modo que o Senhor seja glorificado por meu intermédio no meio de vós.
O nosso fim é Deus, fonte de todos os bens, e devemos confiar só n’Ele e em mais ninguém, como dizemos na nossa oração. O nosso bom Senhor, querendo aumentar a vossa fé (sem a qual, como diz o Evangelista, Cristo não pôde realizar muitos sinais) e atender a vossa oração, decidiu servir-Se de vós assim: pobres, maltratados, aflitos, fatigados, desprezados por todos, e agora por fim privados até da minha presença física, se bem que não do espírito do vosso pobre e muito amado pai.
Porque vos trata Ele assim, só Ele o sabe. Mas podemos sugerir-vos três razões. Em primeiro lugar, o nosso bendito Senhor vos adverte que quer contar-vos entre o número dos seus filhos dilectos, contanto que persevereis nos seus caminhos: foi assim, na verdade, que Ele procedeu com os seus amigos e os fez santos.
Uma segunda razão é esta: o Senhor procura que cada vez mais confieis somente n’Ele e não nos outros; porque Deus como eu vos disse, não realiza as suas obras naqueles que se recusam a colocar só n’Ele toda a sua fé e toda a sua esperança, mas infunde sempre a plenitude da caridade nos que são dotados de grande fé e esperança, e com eles realiza grandes coisas. Portanto, se permanecerdes na fé e na esperança, Deus fará convosco grandes coisas e exaltará os humildes. E assim, quando Ele vos priva de mim e de qualquer outro que vós estimais, obriga-vos a escolher entre estas duas coisas: ou vos afastais da fé e voltais às coisas do mundo, ou permaneceis fortes na fé e sois aprovados por Deus.
E há uma terceira razão: Deus quer experimentar-vos como o oiro no crisol. As escórias do oiro, com efeito, são consumadas pelo fogo, mas o verdadeiro oiro permanece e o seu valor aumenta. Assim também procede o Senhor com o seu servo bom, que na tribulação permanece firme e espera n’Ele. Deus o levanta, e de todas as coisas que deixou por seu amor, receberá o cêntuplo neste mundo e a vida eterna no mundo que há-de vir.
Foi deste modo que Ele procedeu com todos os Santos. Assim procedeu com o povo de Israel depois de tanto ter sofrido no Egipto: não só o tirou de lá com grandes prodígios e o alimentou com o maná no deserto, mas por fim deu-lhe a terra prometida. Portanto, se no meio de tantas provações permaneceis firmes na fé, o Senhor vos dará paz e repouso, por um tempo neste mundo e para sempre no outro.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Maria Teresa Gonzalez - Um Lápis chamado Teresa

MARIA TERESA MAIA GONZALEZ (2016). Um lápis chamado Teresa. Prior Velho: Paulinas Editora. 72 páginas.
       Há livros pequenos em tamanho que são enormes pelo conteúdo e pelas marcas que podem deixar impressas, pelos desafios que nos lançam.
       É conhecida a afirmação da Santa Teresa de Calcutá sobre o trabalho a favor dos mais pobres dos pobres: Sou um lápis nas mãos de Deus. A Madre Teresa de Calcutá não se deixava engrandecer, mas remetia o louvor para Deus, pois é Ele que chama, que envia, dá força, compromete. Cuidar das feridas de alguém maltratado, abandonado, excluído, é cuidar das feridas de Jesus. O que fizerdes ao mais pequeno dos meus irmãos é a Mim que o fazeis.
       A autora torna fácil a biografia de Madre Teresa de Calcutá. Sentando-se como aluna nas cadeiras da escola, no quarto ano de escolaridade, quando a professora Maria do Carmo nos pediu para fazer um trabalho «se eu fosse...» A narradora relata que escreveu "Se eu fosse um lápis". O diálogo com a tia vai permitir-lhe conhecer a frase de Madre Teresa de Calcutá - Sou um lápis nas mãos de Deus. Três anos depois, na época em que está a escrever, a autora faz outro trabalho, agora específico sobre a Mãe dos Pobres.
       O professor de Português pediu uma mini-biografia sobre uma personagem importante e, de preferência, que tivesse o mesmo nome ou de um familiar. Como Teresa será sobre Teresa de Calcutá que a narradora fará o seu trabalho, surpreendo os outros, mas surpreendendo-se, pois no final, verifica que talvez os santos não estejam muito na moda... o mais importante talvez não seja a nota do trabalho, mas identificar-se com a biografada.
       A linguagem do livro é própria de um adolescente, mas cuidada, para ressalvar o realmente importante. No final do livro algumas frases conhecidas de Madre Teresa de Calcutá:
"Precisamos de dizer aos pobres que são alguém para nós. Que também eles foram criados pela mão de Deus, para amarem e serem amados"
"Todas as nossas palavras serão inúteis se não brotarem do fundo do coração. As palavras que não dão luz aumentam a escuridão"
"Façam algo de belo para Jesus (...) Desprendam-se dos vossos bens e do vosso tempo. Deem até doer"
"Não estamos no mundo apenas para existir. Não estamos só de passagem. A cada um de nós foi dada a capacidade de fazer algo maravilhoso!"
"Trabalhai por Jesus e Jesus trabalhará convosco".
"Jesus espera-nos sempre em silêncio. Escuta-nos em silêncio e no silêncio fala às nossas almas. No silêncio é-nos dado poder escutar a sua voz"
A vida é uma oportunidade, agarra-a.
A vida é beleza, admira-a.
A vida é felicidade, saboreia-a.
A vida é um sonho, faz dele uma realidade.
A vida é um desafio, enfrenta-o.
A vida é um dever, cumpre-o.
A vida é um jogo, joga-o.
A vida é preciosa, cuida dela.
A vida é uma riqueza, conserva-a.
A vida é amor, aprecia-o.
A vida é um mistério, penetra-o.
A vida é promessa, cumpre-a.
A vida é tristeza, vence-a.
A vida é um hino, canta-o.
A vida é um combate, aceita-o.
A vida é aventura, arrisca-a.
A vida é alegria, merece-a.
A vida é vida, defende-a.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Jesus fala com autoridade a partir da verdade

JESUS E O DINHEIRO. José Antonio Pagola:

"Jesus não separou Deus do Seu projeto de transformação do mundo. É possível um mundo diferente, mais justo, mais humano e feliz, precisamente porque Deus o quer assim" (p 19).
"Deus não pode ser Pai de todos sem reclamar justiça para aqueles que são excluídos de uma vida digna. Por isso não O podem servir os que, dominados pelo dinheiro, afogam injustamente os Seus filhos e filhas na miséria e na fome" (p 23).
"Este sistema faz-nos escravos da ânsia de acumular. A História organiza-se, move-se e dinamiza-se a partir desta lógica. Tudo é pouco para nos sentirmos satisfeitos" (p 25).
"Não deis a César o que é de Deus: os pobres. Jesus proclamou repetidamente esta mensagem. Os pequeninos sãos os prediletos do Pai; aos pobres pertence o Reino de Deus. Não se pode sacrificar a vida nem a dignidade dos indefesos a nenhum poder político, financeiro, económico ou religioso. Os humilhados pelos poderosos são de Deus. E de mais ninguém (p 29).
"Chegou o momento de recuperar a compaixão e a misericórdia como herança decisiva que Jesus deixou à humanidade, a força que há de impregnar a marcha do mundo, o princípio de ação que há de mover a história em vista de um futuro mais humano... A misericórdia é o modo de ser de Deus, a Sua maneira de olhar para o mundo e reagir perante as Suas criaturas (pp 33-34).
"O primeiro olhar de Jesus não se dirige ao pecado do ser humano, mas ao sofrimento... Para Jesus, a primeira preocupação foi o sofrimento das pessoas enfermas e subalimentadas da Galileia, a defesa dos aldeões explorados pelos poderosos donos das terras ou o acolhimento dos pecadores e prostitutas, excluídos da religião. Para Jesus, o grande pecado contra o projeto de Deus consiste sobretudo em resistirmos a tomar parte no sofrimento dos outros, fechando-nos no nosso próprio bem-estar" (p 35).
O "sofrimento injusto dos últimos do planeta ajuda-nos a conhecer a realidade do mundo que estamos a construir. Não se conhece o mundo a partir dos centros de poder, mas a partir das massas sem nome nem rosto dos excluídos, os únicos para os quais, paradoxalmente, não há lugar no nosso mundo globalizado. São as vítimas as que mais nos levam a conhecer aquilo que somos" (p 40).
"Os que nada importam são os que mais interessam a Deus. Os que sobejaram dos impérios construídos pelos homens têm um lugar privilegiado no Seu coração. Os que não têm uma religião que os defenda, têm a Deus como Pai (p 45).
"Ser compassivos como o Pai implica lutar contra o esquecimento das vítimas inocentes. Não é possível introduzir no mundo uma cultura da compaixão se não se refletir contra a cultura da amnésia e do esquecimento cruel de milhões de seres humanos que sofrem, vítimas do sistema que hoje conduz a história" (pp 46-47).
"O dinheiro, tendo sido inventado para tornar mais fácil o intercâmbio de bens, há de ser empregue, segundo Jesus, para facilitar a redistribuição, a solidariedade e a justiça fraterna. Só então começa o discípulo a estar em condições de seguir Jesus" (p 57).
"O lema do Governo é claro: «Sabemos o que temos de fazer e fá-lo-emos». Não há alternativa. Nada mais se tem em conta senão cumprir os objetivos económicos que nos são ditados pela troika: o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional. As decisões estão nas mãos dos tecnocratas. O decisivo é atender às exigência do sistema financeiro internacional. A atividade política, que deveria defender os direitos das pessoas e o bem da sociedade, dilui-se convertendo-se em instrumento dos poderosos do dinheiro" (p 59).
"Era necessária uma 'regulamentação fiscal' que pressiona fortemente os assalariados, mas não toca nas grandes fortunas e oferece uma amnistia injusta aos prevaricadores? (p 60).
"A partir da defesa dos últimos e da vontade de compaixão responsável e solidária, temos de defender e promover a defesa do bem comum exigindo, cuidando e desenvolvendo serviços públicos que garantam as necessidades mais básicas. devemos reagir contra a privatização do individualismo, que nos pode fechar no nosso bem-estar egoísta, deixando indefesos os mais fracos.
Temos de recuperar a importância do que é de todos, a responsabilidade do cuidado de uns pelos outros, a defesa da família como lugar por excelência de relações gratuitas, a comunidade cristã como espaço de acolhimento e de mútuo apoio acolhedor e fraterno" (p 66).
Jesus "fala com autoridade porque fala a partir da verdade" (p 67).
"É um disparate de desumanidade que as três pessoas mais ricas do mundo possuam ativos superiores a toda a riqueza dos quarenta países mais pobres, onde vivem seiscentos milhões de pessoas" (p 75)
"... as tecnologias da comunicação e a mobilidade da política humana torna cada vez mais difícil manter ocultas a fome e a miséria dos empobrecidos do mundo e a destruição progressiva do planeta" (p 76).
in JOSÉ ANTONIO PAGOLA (2014). Jesus e o dinheiro.

domingo, 11 de janeiro de 2015

Papa FRANCISCO - o dinheiro é um instrumento...

       "Uma ausência de poder económico significa irrelevância a nível político, social e até humano. Quem não possui dinheiro é apenas considerado na medida em que pode servir para outros objetivos. Há muitas pobrezas, mas a pobreza económica é a que é vista com mais horror.
       O dinheiro é um instrumento que de algum modo - como a propriedade - prolonga e acresce as capacidades da liberdade humana, consentindo-lhes atuar no mundo, agir e dar fruto. Em si próprio, é um instrumento bom, como quase todas as coisas de que o homem dispõe: é um meio que alarga as nossas possibilidades. Contudo, este meio pode virar-se contra o homem.
       "Na origem, o homem é pobre, é necessitado e indigente. Quando nascemos, para viver precisamos do cuidado dos nossos pais, e assim também em cada uma das épocas e etapas da vida nunca nenhum de nós se conseguirá libertar totalmente da necessidade e ajuda dos outros, nunca será capaz de erradicar de si próprio o lunute da impotência perante alguém ou alguma coisa. Também esta é uma condição que caracteriza o nosso ser 'criaturas': não nos fizemos a nós próprios e sozinhos, não podemos dar-nos tudo o que precisamos. O reconhecimento desta verdade convida-nos a permanecer humildes e a praticar com coragem a solidariedade, como uma virtude indispensável ao próprio viver.
       Em qualquer caso, dependemos de alguém ou de alguma coisa. Podemos viver isto como uma debilidade ou como uma possibilidade, como um recurso para ajustar contas com um mundo onde ninguém pode prescindir do outro, onde todos somos úteis e preciosos para todos, cada um a seu modo...
       Só quando o homem se concebe não como um mundo isolado, mas como alguém que, pela sua natureza, está ligado a todos os outros, originalmente tidos como 'irmãos', é possível uma práxis social onde o bem comum não seja uma palavra vazia e abstrata!

Prefácio do livro: GERARD-LUDWIG MÜLLER (2014).

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Gerhard-Ludwig Müller - POBRE PARA OS POBRES

GERARD-LUDWIG MÜLLER (2014). Pobre para os pobres. A Missão da Igreja. Apelação: Paulus Editora. 184 páginas.
       Um dos mais recentes livros publicados do Cardeal alemão Gerard Müller, um dos sucessores do Cardeal Joseph Ratzinger (Bento XVI) à frente a Congregação para a Doutrina da Fé, tendo escolhido precisamente por Bento XVI, em junho de 2012 e posteriormente confirmado pelo Papa Francisco. Eleito Papa, o Cardeal Ratzinger/Papa Bento XVI chamou o Cardeal norte-americano William Joseph Levada, que esteve como Prefeito desta Congregação de 2015 a junho de 2012, sucedendo-lhe então outro cardeal alemão, Gerard Müller.
       Não é o lugar que faz os homens. E certamente não têm a mesma sensibilidade. Foram escolhidos precisamente pela firmeza da doutrina, pela integridade da fé, pela capacidade de trabalho, pela humildade e abertura diante dos outros, pelo saber mas sobretudo pela fé. O mundo teve alguma dificuldade em conhecer o então Cardeal Ratzinger, com um Homem íntegro, homem de fé, homem de Deus, com uma enorme capacidade de tralhado humilde ao serviço da Igreja, ao serviço do Evangelho, respondendo com amizade ao agora Santo João Paulo II, estando sempre por perto, dialogando, insistindo, não desistindo às primeiras dificuldades, integrando opiniões e visões diferentes. E neste livro, evocativo da Teologia da Libertação, que voltou às primeiras páginas com a eleição do atual Papa, latinoamericano, vê-se como o Cardeal Ratzinger/ Papa Bento XVI soube acolher a sensibilidade da teologia preconicada por Gustavo Gutiérrez, tornando-se ouvinte e estudioso, como Prefeito e depois como Papa, com contributos extraordinários nas intervenções feitas, na Congregação, e mais recentemente na Assembleia da CELAM, em Aparecida, cuja leitura clarificadora o pai da Teologia da Libertação sublinha precisamente o contributo de Bento XVI e cujo texto se pode ler nesta obra de Gerard Müller.
       Além do texto principal do Cardeal Müller, dois textos de Gustavo Gutiérrez: A opção preferencial pelos pobres em Aparecida; A espiritualidade do Acontecimento conciliar - nestes textos Gutiérrez reflete no fundamento da Teologia da Libertação, a opção de Jesus, que encarna para redimir, para salvar, para libertar. É o que Jesus faz, é o que tem de fazer a Igreja. A opção preferencial é inclusiva, universal, não exclui ninguém, mas centra-se preferencialmente nos excluídos, desprezados, pobres, mendigos, explorados... exatamente como Jesus fazia. No segundo texto, a ambiência conciliar que compromete a Igreja com os pobres, com a transformação do mundo, num compromisso social efetivo. É um ambiente que se respira antes e no concílio ainda que depois encontre muitos obstáculos. Outro texto agrafado ao livro é da autoria de Josef Sayer que nos apresenta a história de encontro, de amizade e de reflexão conjunta do Cardeal Müller e de Gustavo Gutiérrez.
       O Prefácio ao livro é do Papa Francisco - simples, direto, desafiador. O Papa Francisco cresceu e comprometeu-se em concreto com o ambiente onde nasceu e floresceu a Teologia da Libertação, conhece os intervenientes, conhece as dificuldades dos pobres latino-americanos e as comunidades de base, movimentos, párocos e leigos que se comprometeram seriamente com o mundo da pobreza. Foi Relator da Assembleia de Aparecida.
       Este é mais um contributo generoso do cardeal alemão, atual Prefeito da Congregação da Doutrina da Fé, para a relfexão teológica. A amizade com Gustavo Gutiérrez levou à America latina, ao apostolado concreto no meio de populações pobres, dormindo entre eles, comendo como eles, vivendo nas mesmas condições. Desta forma, pôde aliar a curiosidade intelectual, a investigação e reflexão teológica, com o saber prático, real, concreto.
       Como é habitual, quando mais profundo, sábio, estudioso é um autor, mais acessível se torna para os seus leitores e/ou para os seus ouvintes. Como outros textos já citados deste autor, a sua leitura é acessível, envolvendo-nos na reflexão.

Outros textos por aqui recomendados:
G. GUTIÉRREZ e G. MÜLLER. 
Cardeal Gerhard Müller - A verdade leva-nos aos pobres.
Gerhard-Ludwig Müller - A ESPERANÇA DA FAMÍLIA.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Leituras: D. MANUEL MARTINS - Pregões de esperança

D. MANUEL MARTINS (2014). Pregões de esperança. Prior Velho: Paulinas editora. 160 páginas.
"... que os nossos políticos façam, sim, uma cimeira, não para combinarem entre si a distribuição de cadeiras ou a alternância do poder; mas para descobrirem finalmente as necessidades do Povo, que são cada vez mais, e procurarem, inquietos, os melhores caminhos de as satisfazerem" (p. 29).
"Sem trabalho não há pão, nem dignidade, nem liberdade, nem progresso. Sem trabalho, devidamente compensado, perdem-se as razões de viver. E hoje, e Portugal, há imensa gente que quer trabalhar e não encontra onde nem como; há imensa gente que trabalha e não recebe salários. Mas também há imensa gente - e isto não se esqueça nem deixe de dizer-se bem alto - que não quer trabalhar e, o que é pior, não deixa trabalhar quem deseja trabalhar" (pp 39-40)
"O sepulcro é morte. A Páscoa é vida. Todo aquele que quer ser filho da Páscoa aposta na vida" (p 42).
O grito da Páscoa "... é um grito de esperança. Não fomos criados para o escuro, mas para a luz; não fomos criados para o sofrimento que nasce da fome, das guerras e das injustiças, mas para a fraternidade e para a paz; não fomos criados para a morte, mas para a vida. A Páscoa de tudo isto é sinal e apelo" (p 52).
"O grande mal que nos pode bater à porta é o da distração ou o da habituação. É fácil estarmos no mundo, passarmos pela vida, sem vermos o mundo, sem sermos tocados pela vida. E assim vivemos sós, chegamos ao fim sós" (p 101).
"Lembra-te que não és dono de nada. Tudo o que tens está hipotecado a favor dos que mais precisam, que são muitos, que são cada vez mais" (p 106)
       D. Manuel Martins, o primeiro Bispo da Diocese de Setúbal, nascido em 1927, em Leça do Balio, em Matosinhos. Em 1975 foi nomeado Bispo da recém criada Diocese de Setúbal. Resignou em 1998. Ficou conhecido como o Bispo Vermelho pelas numerosas intervenções na defesa dos mais desfavorecidos, numa Setúbal cheia de problemas sociais, famílias desestruturadas, problemas de toxicodependência, desemprego, trabalho precário, muitas greves.
       No dia da Ordenação Episcopal, contestação na rua pelo Bispo e o que significava. Na saída, o reconhecimento da maioria. Nunca foi um bispo de consensos. Nem de falas mansas. Como relembra o atual Presidente da Cáritas Portuguesa, Eugénio da Fonseca, que discordava com D. Manuel em muitas coisas, mas que foi amadurecendo e percebendo que a fé teria que ser interventiva a favor dos mais pobres, estes textos foram inicialmente recolhidos pela Cáritas Diocesana de Setúbal, em livro, e a maioria escritos para o jornal "A Seara". Esta reedição assume os textos anteriores e outros que D. Manuel Martins confiou à editora.

Os textos são agrupados por temas:
NATAL E PÁSCOA
AOS JOVENS
SER SOLIDÁRIOS
MARIA, MÃE
EM IGREJA
       Os textos de intervenção, digamos assim, brotam do compromisso batismal, cristão. A fé está ligada à vida, e ao compromisso. Seguir Jesus implica agir como Ele, fazendo-Se próximo dos mais necessitados de ajuda, material e espiritualmente falando. Em prosa, ou poesia, em contextos diversos, D. Manuel Martins utiliza uma linguagem simples, acessível, direta.

domingo, 13 de abril de 2014

José Antonio Pagola - JESUS E O DINHEIRO

JOSÉ ANTONIO PAGOLA (2014). Jesus e o dinheiro. Uma leitura profética da crise. Lisboa: Paulus Editora. 88 páginas.
       Para quem conhece este sacerdote e teólogo espanhol, sabe que é uma apaixonado por Jesus como fica explicita na contracapa deste livro. Centra-se sobretudo na figura de Jesus Cristo, inserindo-nos junto d'Ele naquele tempo, como seguidores, discípulos, apóstolos, medrosos e renitentes, outras vezes interesseiros e calculistas. Mas afabilidade de Jesus, a Sua compaixão pelos mais frágeis, as palavras carregadas de coerência e autoridade, inquietantes, provocadoras, continuam a ser um desafio para os nossos dias.
       A fé não está desligada da vida. Jesus mantém demasiado perto dos doentes, leprosos, surdos, mudos, invisuais, coxos, os mais pobres, viúvas, galileus, crianças, mulheres, dos pecadores públicos, publicados, mulheres de má vida. Nas suas fileiras tem de tudo e quando chegam as horas decisivas, acobardam-se, protegem-se, resguardam-se dos perigos.
       Este é mais um testemunho que procura trazer-nos Jesus e os Seus ensinamentos, a Verdade que nos salva, a opção clara e inequívoca pelos que são vítimas desta crise que uns criaram e que outros sofrem. A Igreja, seguidora de Jesus Cristo e, por conseguinte, imitadora, terá que ser um voz atenta e comprometida, do lado dos mais pobres, dos desvalidos, dos desempregados, das famílias endividadas, dos trabalhadores e reformados cada vez mais explorados, quando se protegem as finanças, os bancos, as grandes multinacionais, ainda que promotoras de emprego e riqueza. Teremos de viver mais pobres, mas nem por isso menos comprometidos com o vizinho, com os pobres cada vez em maior número.
       A situação que serve de ambiente a Pagola é Espanha, mas em Portugal, como sublinham os editoras, é em tudo idêntica. A intervenção da troika ajuda a equilibrar as contas públicas, financiando os bancos e o estado, mas há cada vez mais pobres, mais desempregados, com os jovens a serem  obrigados a sair do seu país, não podendo gerar riqueza nos países de origem.
       A crise económico-financeira é, antes de mais, uma crise da humanidade.

Algumas frases do autor que sustenta a argumentação e a militância dos cristãos:
"Jesus não separou Deus do Seu projeto de transformação do mundo. É possível um mundo diferente, mais justo, mais humano e feliz, precisamente porque Deus o quer assim" (p 19).
"Deus não pode ser Pai de todos sem reclamar justiça para aqueles que são excluídos de uma vida digna. Por isso não O podem servir os que, dominados pelo dinheiro, afogam injustamente os Seus filhos e filhas na miséria e na fome" (p 23).
"Este sistema faz-nos escravos da ânsia de acumular. A História organiza-se, move-se e dinamiza-se a partir desta lógica. Tudo é pouco para nos sentirmos satisfeitos" (p 25).
"Não deis a César o que é de Deus: os pobres. Jesus proclamou repetidamente esta mensagem. Os pequeninos sãos os prediletos do Pai; aos pobres pertence o Reino de Deus. Não se pode sacrificar a vida nem a dignidade dos indefesos a nenhum poder político, financeiro, económico ou religioso. Os humilhados pelos poderosos são de Deus. E de mais ninguém (p 29).
"Chegou o momento de recuperar a compaixão e a misericórdia como herança decisiva que Jesus deixou à humanidade, a força que há de impregnar a marcha do mundo, o princípio de ação que há de mover a história em vista de um futuro mais humano... A misericórdia é o modo de ser de Deus, a Sua maneira de olhar para o mundo e reagir perante as Suas criaturas (pp 33-34).
"O primeiro olhar de Jesus não se dirige ao pecado do ser humano, mas ao sofrimento... Para Jesus, a primeira preocupação foi o sofrimento das pessoas enfermas e subalimentadas da Galileia, a defesa dos aldeões explorados pelos poderosos donos das terras ou o acolhimento dos pecadores e prostitutas, excluídos da religião. Para Jesus, o grande pecado contra o projeto de Deus consiste sobretudo em resistirmos a tomar parte no sofrimento dos outros, fechando-nos no nosso próprio bem-estar" (p 35).
O "sofrimento injusto dos últimos do planeta ajuda-nos a conhecer a realidade do mundo que estamos a construir. Não se conhece o mundo a partir dos centros de poder, mas a partir das massas sem nome nem rosto dos excluídos, os únicos para os quais, paradoxalmente, não há lugar no nosso mundo globalizado. São as vítimas as que mais nos levam a conhecer aquilo que somos" (p 40).
"Os que nada importam são os que mais interessam a Deus. Os que sobejaram dos impérios construídos pelos homens têm um lugar privilegiado no Seu coração. Os que não têm uma religião que os defenda, têm a Deus como Pai (p 45).
"Ser compassivos como o Pai implica lutar contra o esquecimento das vítimas inocentes. Não é possível introduzir no mundo uma cultura da compaixão se não se refletir contra a cultura da amnésia e do esquecimento cruel de milhões de seres humanos que sofrem, vítimas do sistema que hoje conduz a história" (pp 46-47).
"O dinheiro, tendo sido inventado para tornar mais fácil o intercâmbio de bens, há de ser empregue, segundo Jesus, para facilitar a redistribuição, a solidariedade e a justiça fraterna. Só então começa o discípulo a estar em condições de seguir Jesus" (p 57).
"O lema do Governo é claro: «Sabemos o que temos de fazer e fá-lo-emos». Não há alternativa. Nada mais se tem em conta senão cumprir os objetivos económicos que nos são ditados pela troika: o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional. As decisões estão nas mãos dos tecnocratas. O decisivo é atender às exigência do sistema financeiro internacional. A atividade política, que deveria defender os direitos das pessoas e o bem da sociedade, dilui-se convertendo-se em instrumento dos poderosos do dinheiro" (p 59).
"Era necessária uma 'regulamentação fiscal' que pressiona fortemente os assalariados, mas não toca nas grandes fortunas e oferece uma amnistia injusta aos prevaricadores? (p 60).
"A partir da defesa dos últimos e da vontade de compaixão responsável e solidária, temos de defender e promover a defesa do bem comum exigindo, cuidando e desenvolvendo serviços públicos que garantam as necessidades mais básicas. devemos reagir contra a privatização do individualismo, que nos pode fechar no nosso bem-estar egoísta, deixando indefesos os mais fracos.
Temos de recuperar a importância do que é de todos, a responsabilidade do cuidado de uns pelos outros, a defesa da família como lugar por excelência de relações gratuitas, a comunidade cristã como espaço de acolhimento e de mútuo apoio acolhedor e fraterno" (p 66)
Jesus "fala com autoridade porque fala a partir da verdade" (p 67).
"É um disparate de desumanidade que as três pessoas mais ricas do mundo possuam ativos superiores a toda a riqueza dos quarenta países mais pobres, onde vivem seiscentos milhões de pessoas" (p 75)
"... as tecnologias da comunicação e a mobilidade da política humana torna cada vez mais difícil manter ocultas a fome e a miséria dos empobrecidos do mundo e a destruição progressiva do planeta" (p 76).
       »» Esta é uma ideia defendida por Gustavo Gutiérrez,que analisando os perigos da globalização, vê nesta uma possibilidade real de "contestação" aos modelos instituído, facilitando a visualização da pobreza e das injustiças cometidas, e da corrupção. Pode ler-se em "Ao lado dos Pobres".

Índice:
1. Apanhados por uma crise global | 2. Degradação sociopolítica da crise | 3. O impacto profético de Jesus | 4. É possível uma alternativa | 5. Não podeis servir a Deus e ao Dinheiro | 6. Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso | 7. Os últimos serão os primeiros | 8. Seguir Jesus em tempos de crise | 9. Manter viva a esperança de Jesus no meio da crise | 10. Jesus Cristo, nossa esperança.
Recomendado na Livraria Fundamentos

segunda-feira, 17 de março de 2014

Paróquia: territorialidade, humanidade e fé

       O que dá o seu verdadeiro rosto á realidade paroquial é o tipo de população, os fatores humanos, a herança do passado, as mudanças que se operaram. A relação com o solo (chão) vai unida à relação com as pessoas que tem nele as suas raízes. Há um fundamento da comunidade humana: a convivência. O ser humano é espírito encarnado; por isso enxerta a sua vida nas coordenadas espácio-temporais. Entra-se numa paróquia que existe antes de casa um, que acolhe o que chega, que vincula os que estavam antes, os mais velhos, também os defuntos. Essa base espacial que dizer que a territorialidade da paróquia não é simplesmente um facto geográfico convencional, um meio que se adota para promover as relações de vizinhança, mas que a Igreja está ao serviço das pessoas tal e como vivem num lugar. A missão da paróquia consistirá em assumir o que vive uma população para apresenta-lo diante de Deus e anunciar a todos o Evangelho do Reino.
       Compreende-se assim que a paróquia seja uma instituição internamente heterogénea e mais «lenta», porque leva sobre si a carga dos cristãos não praticantes, dos aleijados, dos que se não crentes mas que não rompem definitivamente a sua vinculação eclesial…

in JOAQUIN PEREIA. Otra iglesia es posible. p. 281

Corresponsabilidade, participação e sinodalidade...

       Os membros provenientes dos diversos grupos eclesiais, ainda que eleitos, não são «representantes» de tipo parlamentário, mas crentes que foram designados para testemunhar a fé e colaborar na missão da Igreja. O termo de representação no domínio eclesial deve traduzir-se por testemunho de fé.
       Esta perspetiva tem uma consequência importante. O voto no interior de um organismo eclesial de corresponsabilidade não tem o mesmo significado que no domínio secular. Na estrutura sinodal da Igreja, na qual o problema da unidade nunca pode resolver-se pela afirmação absoluta da maioria, o voto, não só consultivo, mas inclusivamente deliberativo, tem outro sentido. A votação não se pode entender como vitória do ponto de vista da maioria, nem é um compromisso ou acordo entre uma práxis autoritária e uma democrática (quer dizer, um instrumento para excluir o poder absoluto do bispo ou do pároco).
       A votação é um ato jurídico formal, sim, mas serve sobretudo para fixar a opinião dos crentes que dão testemunho da fé. Esse voto não é um ato de busca da vontade política, mas o reconhecimento de uma realidade. Expressa um componente constitutivo do processo de configuração comunitária do que chamamos um juízo eclesial de comunhão. Por isso corresponde-lhe uma específica força vinculante que expressa a unidade da fé da Igreja.

in JOAQUIN PEREIA. Otra iglesia es posible. p. 255

domingo, 16 de março de 2014

Joaquín Perea - Outra Iglesia es posible

JOAQUIM PEREA. Otra Iglesia es posible. Eclesiologia práctica para cristianos laicos. Edições HOAC. Madrid 2011. 3.ª edição. 336 páginas.
       O título deste livro não é uma pergunta, mas uma afirmação: é possível outra Igreja, isto é, que a Igreja sofra renovação, conversão, novos compromissos eclesiais. É possível uma nova evangelização, com novos métodos e novo ardor, com uma linguagem mais acessível, que resulte do testemunho, do compromisso concreto e efetivo com as pessoas que nos rodeiam.
       Formulado como pergunta, esta afirmação surge muitas vezes numa perspetiva de contestação, de oposição, de substituição de uma por outra Igreja. Não é o caso presente, até porque o autor é um sacerdote com experiência pastoral e empenhado em comunicar a beleza do Evangelho e a presença contagiante de Jesus.
       Partindo da realidade, a verificação que a renovação conciliar muitas vezes não passou de uma mera cartilha de intenções. O Vaticano II foi uma oportunidade para a Igreja, mas as consequências práticas não seguiram os desejos formulados pelos documentos, alguns dos quais terão restringido o que vinha a ser a sensibilidade pré-conciliar.
       Um dos elementos fundamentais foi a concepção da Igreja como Povo de Deus, Corpo de Cristo, acentuando-se a eclesiologia da comunhão, em que serviços e ministérios adquirem novo vigor, surgindo uma maior corresponsabilidade entre todos os membros da Igreja. A pirâmide que sustentava a definição da Igreja, com o clero no topo e os leigos na base, quase como meros espectadores, é alterada para uma fundamentação batismal. Há um POVO ao qual todos pertencemos pelo Batismo, participando na tríplice função de Cristo: sacerdote, profeta e rei. Os ministros ordenados fazem parte do Povo Deus, não estão por cima mas ao serviço.
       Na prática, muitas situações continuam como antes. Dum lado os que mandam, do outro os que obedecem. Por outro lado, embora o apelo à corresponsabilidade, à participação, à sinodalidade seja evidente, não tem concretização no ordenamento prático e jurídico da Igreja.
       A nossa Diocese de Lamego tem no plano pastoral para este ano a criação de Conselhos Pastorais Paroquiais, Arciprestais e Diocesano, perspetivando uma maior participação dos leigos, cuja legitimidade vem da condição de batizados. Sem ser democracia, a Igreja há de buscar formas mais democráticas para viver a fé, testemunhar a esperança, anunciar o Evangelho. Não se procuram maiorias quantitativas, mas a unanimidade de fé em Cristo Jesus. Instrumentos de participação e de corresponsabilidade, e sobretudo com o ensejo de uma Igreja mais sinodal, em que há lugar para os ministros ordenados, sem desprimor da missão laical.
       Também para esta reflexão é muito útil esta leitura. Trata do lugar da Paróquia e da Igreja local, das comunidades eclesiais, enxertadas na comunidade paroquial. Trata da catolicidade da Igreja na paróquia e na Diocese. Avança com propostas. Situa-nos no tempo, na cultura, na realidade dos nossos dias, onde a Igreja é dispensável ou onde se lhe concede um espaço ao lado de outras associações. Uma Igreja sem privilégios que tem de testemunhar a fé, a esperança e a caridade. Igreja pobre e dos pobres. Fala da coordenação do trabalho pastoral, das unidades pastorais, do repensar o papel das paróquias, como comunidades a evangelizar, não para destruir mas para englobar na pastoral da evangelização...
       O autor sublinha que a sensibilidade pré-conciliar aponta para uma reflexão aprofundada sobre a "Opção preferencial pelos pobres", acentuado por exemplo pelos padres operários, em França, dando lugar, durante do Concílio, à reflexão sobre a Igreja e a sua abertura ao mundo, relegando-se para segundo plano a reflexão e o compromisso com os pobres. Sublinha também o autor que só o episcopado latino-americano, onde se incluía o atual Papa, refletiu a opção pelos pobres, uma Igreja pobre para os pobres, produzindo documentos e efetivando práticas.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Papa Francisco - o hoje de Jesus é tempo de esperança

       Hoje pedimos ao Senhor a graça de cuidar como Ele da fragilidade do nosso povo; no ano passado pedimos-lhe para sairmos à procura do nosso povo com audácia apostólica...
       A Igreja vive no Hoje de Jesus...
       Fora desse hoje - fora do tempo do Reino, tempo da graça, de boas notícias, de liberdade e de misericórdia -, os outros tempos, o tempo da política, o tempo da economia, o tempo da tecnologia, tendem a converter-se em tempos que devoram, que nos excluem, que nos oprimem. Quando os tempos humanos perdem a sua sintonia e tensão com o tempo de Deus, tornam-se estranhos: repetitivos, paralelos, demasiado curtos ou infinitamente longos. Tornam-se tempos cujos prazos não são humanos, os prazos da economia não têm em conta a fome ou a falta de escola para as crianças, nem a aflitiva situação dos idosos; o tempo da tecnologia é tão instantâneo e carregado de imagens que não deixa o coração e a mente dos jovens amadurecer; o tempo da política parece, às vezes, ser circular, como o de um carrossel em que são sempre os mesmos que apanham o anel. Pelo contrário, o hoje de Jesus, que à primeira vista pode parecer aborrecido e pouco emocionante, é um tempo em que se escondem todos os tesouros da sabedoria e da caridade, um tempo rico em amor, rico em fé e riquíssimo em esperança.
       O hoje de Jesus é um tempo com memória, memória de família, memória de povo, memória de Igreja em que está viva a recordação de todos os santos.
       A liturgia é a expressão desta memória sempre viva. O hoje de Jesus é um tempo carregado de esperança, de futuro e de céu, do qual já temos os sinal, e vivemo-lo adiantadamente em casa consolação que o Senhor nos dá. O hoje de Jesus é um tempo em que o presente é um constante chamamento e um renovado convite à caridade concreta do serviço quotidiano aos mais pobres que enche o coração de alegria. Nesse hoje queremos sair ao encontro do nosso povo, todos os dias.
       No hoje de Jesus não há lugar para o medo dos conflitos nem para a incerteza, nem para a angústia. Não há lugar para o medo dos conflitos, porque no hoje do Senhor «o amor vence o medo». Não há lugar para a incerteza, porque «o Senhor está em nós 'todos os dias' até ao fim do mundo. Não há lugar para a angústia, porque o hoje de Jesus é o hoje do Pai que «sabe muito bem do que necessitamos» e nas suas mãos sentimos que «a casa dia basta o seu cuidado». Não há lugar para ainquietação, porque o Espírito nos faz dizer e fazer o que é preciso no momento oportuno"
Missa Crismal 2005
in Jorge Bergoglio/Papa Francisco, O Verdadeiro poder é servir, pp 211-212

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Papa Francisco - abertura ao Senhor para os outros...

       "Uma bela imagem para examinar a nossa abertura é a nossa casa. Há casas que são abertas porque «estão em paz», que são hospitaleiras porque têm o calor do lar. Nem tão ordem que sintamos temor até de nos sentarmos (para não mencionar fumar ou comer alguma coisa), nem tão desarrumadas que envergonhem. O mesmo se passa com o coração: o coração que tem espaço para o Senhor também tem espaço para os outros. Se não há lugar nem tempo para o Senhor, então o lugar para os outros reduz-se à medida dos próprios nervos, do próprio entusiasmo ou do próprio cansaço. E o Senhor é como os pobres: aproxima-Se sem que O chamemos e insiste um pouco, mas não fica se não O retivermos. É fácil tirá-l'O de cima de nós. Basta estugar um pouco o passo como com os mendigos, ou olhar para o outro lado como quando as crianças nos tentam vender as suas pagelas no metro.
       Sim, a abertura aos outros está a par da nossa abertura ao Senhor. É Ele, o de coração aberto, o único que pode abrir espaço de paz no nosso coração, essa paz que nos torna hospitaleiros para com os outros..."

in Jorge Bergoglio/Papa Francisco, O Verdadeiro poder é servir.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Papa Francisco - a missão cumpre-se «hoje»...

        "A missão cumpre-se «hoje» porque o Senhor não dá só o pão, mas Ele mesmo Se faz pão. Essa libertação que Ele faz dos oprimidos cumpre-se «hoje» porque o Senhor não só perdoa «limpando as manchas» em vestidos alheios, mas Ele mesmo «Se faz perdão», se suja, fica com as chagas... e assim se coloca nas mãos do Pai que O aceita. Essa boa notícia cumpre-se «hoje» porque o Senhor não só faz anúncios de que vai tomar medidas mas Ele mesmo é a medida que nos faz ver com a luz que tem cada palavra sua..."

in Jorge Bergoglio/Papa Francisco, O Verdadeiro poder é servir.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Papa Francisco - rebaixamento de Deus

       "... Esse é o sinal: o rebaixamento total de Deus. O sinal deu-se quando, nessa noite, Deus amou a nossa pequenez e se fez ternura; ternura para toda a fragilidade, para todo o sofrimento, angústia, procura e limite. O sinal é o amor de Deus. A mensagem que esperavam todos os que pediam sinais a Jesus, os desorientados e os seus inimigos, era esta: procurem o amor de Deus, Deus feito amor, Deus acalma a nossa miséria e que ama a nossa pequenez".

in Jorge Bergoglio/Papa Francisco, O Verdadeiro poder é servir.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Papa Francisco - o amor alimenta-se da esperança

       "Para falar d'Ele temos de falar de nós. Somente se o deixarmos estar connosco, como fizeram Maria e José, se torna possível uma cultura do encontro, na qual ninguém é excluí do e todos nos vemos como irmãos. Porque é precisamente na aproximação e no encontro que nasce Jesus, o amor. Esse amor que nasceu de uma ideia: «Nasceu o Salvador e vão vê-lo envolto em panos» (Lc 2, 11). O amor alimenta-se da esperança comum, cuja melhor imagem é a da partilha do pão.

in Jorge Bergoglio/Papa Francisco, O Verdadeiro poder é servir.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Papa Francisco - pobreza, crianças e responsabilidade

       "O caminho é árduo mas o mandato é indelegável. Está na hora de assumirmos as nossas próprias responsabilidades perante as crianças e os jovens, como cristãos, como cidadãos, como homens e mulheres de boa vontade. Está na hora de as instituições que se preocupam com a infância e a juventude serem ouvidas e tidas em conta. Está na hora de o Estado, como garante do bem comum, assumir a sua responsabilidade e a sua obrigação na defesa da vida, na proteção do seu crescimento e desenvolvimento; na promoção humana e social das pessoas, famílias e instituições; implementar rapidamente políticas destinadas ao desenvolvimento das famílias de escassos recursos.
       O orçamento da cidade deve contemplar, prioritariamente, a adjudicação de parcelas especiais destinadas ao fomento do emprego e ao crescimento económico, de tal maneira que os seus habitantes obtenham trabalho e que este seja digno....

in Jorge Bergoglio/Papa Francisco, O Verdadeiro poder é servir.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Papa Francisco - a transcendência e a esperança

       "É parte da dignidade transcendente do homem a sua aberta à esperança... a esperança é uma dinâmica que nos torna livres de todo o determinismo e de todos os obstáculos para construir um mundo de liberdade, para livrar esta história das conhecidas cadeias do egoísmo, inércia e injustiça nas quais tende a cair com tanta facilidade. É uma determinação de abertura ao futuro. Diz-nos que há sempre um futuro possível. Permite-nos descobrir que as derrotas de hoje não são completas nem definitivas, libertando-nos assim do desalento; e que os êxitos que podemos obter também não o são, salvando-nos da esclerose e do conformismo...
       A transcendência que a fé nos revela diz-nos além disso que esta história tem um sentido e um termo. A ação de Deus que começou com uma Criação em cujo topo está a criatura que podia corresponder-lhe à sua imagem e semlehança, com a qual estabelece uma relação de amor e que alcançou o seu ponto de maturidade com a Encarnação do Filho, tem de culminar na plena realização dessa comunhão de modo universal...
       A certeza na acção escatológica de Deus que instaurará o seu reino no fim dos tempos tem um efeito direto sobre a nossa forma de viver e atuar no seio da sociedade. Proíbe-nos de qualquer tipo de conformismo, retira-nos desculpas para as meias-tintas, deixa sem justificação todos os pactos ou deslealdades. Sabemos que há um Juízo, e esse Juízo é o triunfo da justiça, do amor, da fraternidade e da dignidade de cada um dos seres humanos, começando pelos mais pequenos e humilhados; então não temos forma de nos fazermos de distraídos. Sabemos de que lado temos de estar entre as alternativas que se nos apresentam entre cumprir as leis e esquivar-nos com «esperteza saloia», entre dizer a verdade ou manipulá-la para nossa conveniência, entre dar resposta ao necessitado que encontramos na vida ou fechar-lhe a porta na cara, entre buscar e ocupar o lugar que corresponde á luta pela justiça e o bem comum, segundo as possibilidades e as competências de cada um, ou «estar olimpicamente nas tintas» construindo a nossa bolha; entre um e outra opção, em cada encruzilhada quotidiana, sabemos de que lado temos de estar. E isto, nos tempos que correm, não é pouca coisa..."

in Jorge Bergoglio/Papa Francisco, O Verdadeiro poder é servir.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Papa Francisco - a terra é o nosso corpo

       Nós, as pessoas, temos uma relação complexa com o mundo em que vivemos, precisamente pela nossa dupla de filhos da terra e filhos de Deus. Somos parte da natureza; atravessam-nos os mesmos dinamismos físicos, químicos e biológicos que os outros seres que partilham o mundo connosco. Embora se trate de uma afirmação banalizada e tantas vezes mal-entendida, «somos parte do todo», um elemento do admirável equilíbrio da Criação.
        A terra é a nossa casa. A terra é o nosso corpo. Também nós somos terra. Contudo, para a civilização moderna, o homem está harmoniosamente dissociado do mundo. A natureza acabou por se converter numa bela pedreira para o domínio, para a exploração económica. E assim se degrada a nossa casa, o nosso corpo, algo de nós. A civilização moderna comporta em si uma dimensão biodegradável....

in Jorge Bergoglio/Papa Francisco, O Verdadeiro poder é servir.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Papa Francisco - escutar para amar, para responder...

       Escutar é também a capacidade de partilhar perguntas e de procurar, de fazer o caminho juntos, de nos distanciarmos de todo o complexo de omnipotência para nos unirmos no trabalho comum que se faz peregrinação, pertença, povo. Nem sempre é fácil escutar. Às vezes é mais cómodo fingir-se surdo, pôr os phones para não ouvir ninguém. Com facilidade trocamos o escutar pelo email, o SMS ou o chat, e assim privamos a escuta da realidade de rostos, olhares e abraços. Podemos também pré-selecionar a escuta e escutar alguns, logicamente os que nos convêm. Nunca faltam nos nossos ambientes eclesiais aduladores que nos dirão exatamente o que queremos escutar. Escutar é atender, querer entender, valorizar, respeitar, saudar a opinião alheia… Há que tomar medidas para escutar bem, para que todos possam falar, para que se tenha em conta o que cada um quer dizer. Há — no escutar — algo de martírio, um pouco de morrer ao mesmo tempo que recria o gesto sagrado do Êxodo: Tira as sandálias, anda com cuidado, não atropeles. Cala-te, é terra sagrada; há alguém que tem uma coisa para te dizer! É um dom que se deve pedir e treinar.
       Escutar para amar, escutar para dialogar e responder; «escutar e pôr em prática a Palavra de Deus», dirá Ele noutras ocasiões para falar sobre o chamamento e a resposta ao amor de Deus. Escutar e comover-se será a sua atitude permanente perante o que sofre. Não há possibilidade de amor a Deus e ao próximo sem esta primeira atitude: escutar.

in Jorge Bergoglio/Papa Francisco, O Verdadeiro poder é servir.