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quinta-feira, 17 de maio de 2018

VL – Passar da carne de Cristo para a carne dos irmãos

É o mistério da nossa fé, é a Páscoa de Jesus Cristo, é a Igreja, a Eucaristia.

A fé leva-nos à celebração do que professamos. Fazemos memorial, recordando o passado e tornando-o presente na nossa vida e no nosso tempo. Jesus deu-nos o Espírito Santo e o Espírito Santo dá-nos, na Igreja, nos Sacramentos, dá-nos Jesus no Seu mistério de entrega e de vida nova.

Por sua vez, a celebração do mistério pascal fixa-nos em Jesus Cristo, pois o que está em jogo é o Seu corpo, a Sua vida dada e recebida pelo Pai, dada e recebida pelos Seus seguidores. De uma vez para sempre, Jesus Se ofereceu até à morte na Cruz. Uma e outra vez, sempre, quando fazemos o mesmo que Ele faz, em comunidade, pela ação do Espírito Santo, anunciamos a Sua morte até que Ele venha, deixamos que a Sua ressurreição nos torne novas criaturas.

Isto vale para o Sacramento – a Eucaristia por excelência – vale para a vida. A instituição da Eucaristia e o Lava-pés surgem no mesmo contexto, a mesma entrega de Jesus que nos envolve no cuidado aos irmãos. Quem come a Sua carne, comungando-O, não pode deixar de comungar o Seu proceder, a Sua opção preferencial pelos mais frágeis. Não há Missa, bem celebrada, que não leve à missão. A Eucaristia eucaristia-nos!

Na última Audiência Geral das quartas-feiras (4 de abril), o Papa Francisco, culminando uma série de catequeses dedicadas à Eucaristia, evidenciava que «os cristãos não vão à missa para cumprir um dever semanal e depois se esquecer. Vão à missa para participar da ressurreição do Senhor e depois viver mais como cristãos… Participar na Eucaristia compromete-nos em relação aos outros, de maneira especial aos pobres, educando-nos a passar da carne de Cristo para a carne dos irmãos, onde Ele espera ser por nós reconhecido, servido, honrado e amado». A fé não nos espiritualiza, a fé encarna-nos na vida dos outros, pois também Jesus encarnou na nossa humanidade. Uma fé desencarnada não é, certamente, fé cristã!

Pode intuir-se que Tomé (cf. Jo 20, 19-31), e nós com ele, será mais feliz se tiver a capacidade de tocar as feridas dos irmãos e perceber que cuida das chagas dos irmãos.

Um jornalista disse a Santa Teresa de Calcutá que nem por um milhão dólares daria banho a um leproso. Ela respondeu-lhe que também não o faria, por preço nenhum, mas fazia-o por amor, lembrando que amar a Deus e amar os irmãos formam o mesmo mandamento de amor.

segunda-feira, 16 de abril de 2018

VL - Jesus Cristo, nossa Páscoa e nossa alegria

Jesus Cristo é a nossa Páscoa, a nossa esperança e alegria, e a Luz que nos conduz e nos envolve no Seu amor e na Vida nova que nos dá. Tão grande este mistério que guia, ilumina e dá forma à nossa vida como cristãos. Existimos para a Páscoa, porque dela nascemos. Somos o que somos por causa da Páscoa. Sem a Páscoa não seríamos cristãos, não seríamos Corpo de Cristo, que é Igreja. E caminhamos como peregrinos para a Páscoa (eterna), que é Jesus Cristo. 
Com efeito, quando batizados, mergulhámos neste mistério maior, morrendo com Cristo, ressuscitando com Ele, tornando-nos novas criaturas. Por outro lado, o mistério da Eucaristia configura-nos totalmente a Cristo, morto e ressuscitado, somos Corpo n'Ele e com Ele. 

A cada ano, a festa das festas cristãs, a Páscoa anual, para recentrar a nossa fé, para imprimir a prioridade que deve habitar-nos, a essência do nosso crer, do nosso celebrar e do nosso agir. Vai e faz do mesmo modo. Como Eu vos fiz, fazei vós também. Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei. Lavei-vos os pés... para que assim o façais aos vossos irmãos. Dai-lhes vós mesmos de comer. Onde dois ou três estiverem reunidos em Meu nome aí estarei no meio deles. Estarei convosco até ao fim dos tempos. Não temais, Eu venci o mundo. Quem acreditar em Mim será salvo. Vinde a Mim todos vós que andais cansados e oprimidos e Eu vos aliviarei. Vinde benditos de Meu Pai. O que fizerdes ao mais pequeno dos irmãos é a Mim que o fazeis. Quem quiser ser o primeiro, seja o último e o servo de todos. Sede perfeitos e misericordiosos como o Vosso Pai do Céu. Nem um copo de água ficará sem recompensa. Perdoai, sempre, pois assim o Pai vos perdoará a vós. Ide reconciliar-vos com os irmãos. 

As palavras de Jesus são acompanhadas por gestos e vice-versa, os gestos são explicitados pelas palavras. Mas tudo é "sacralizado", fixado, elevado no mistério da Sua Páscoa que Ele nos deixa como memorial, para que também hoje, na minha e na tua, na nossa vida, Ele Se faça presente com a Sua vida e com o Seu amor sem fim. Ele vive, Ele está no meio de nós. A distância "ontológica" – Ele vive na dimensão do Pai – é contemporaneizada no mistério da Igreja, concentrado, vivido e celebrado no dom da Eucaristia em que Ele, Deus sempre connosco, Se faz presente nas espécies do vinho e do pão, novamente e sempre pela ação do Espírito Santo.

Publicado na Voz de Lamego, 27 de março de 2018

terça-feira, 6 de setembro de 2016

VL - Jesus Cristo é Luz que nos salva


       «Vós sois a luz do mundo. Não se acende uma lâmpada para a colocar debaixo do alqueire, mas sobre o candelabro, onde brilha para todos os que estão em casa. Assim deve brilhar a vossa luz diante dos homens, para que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai que está nos Céus» (Mt 5. 13-16) Jesus é esta luz que vem das alturas para iluminar toda a casa, o mundo inteiro.
       Habituados que estamos à eletricidade, quando falha logo ficamos desnorteados e procuramos resolver o problema com uma vela, uma lanterna, com a luz do telemóvel…
       Basta um lampejo de claridade e já nos orientamos. E se cada um de nós for essa pequena luz para os outros? E se juntarmos a nossa à luz do vizinho?
       Jesus é a Luz que elimina as trevas. O tempo do obscurantismo já era com a vinda de Jesus, ainda que muitos recusem esta luz. Luz que radica na verdade, no serviço, no amor. A ignorância, a superstição, o desconhecido, provocam temor. Muitos servem-se do conhecimento para “dominarem” os outros, escravizando-os pela ameaça, pelo medo, diante de forças poderosas, que exigem sacrifícios e subserviência.
       Ao longo da história muitos viveram à custa do medo alheio. Em terra de cegos, quem tem um olho é rei. A informação também é poder. Daqui também a relevância da educação, da cultura, da aprendizagem. O saber nunca é demais e nunca constitui um mal. Pelo contrário, pessoas bem informadas podem viver mais libertos.
       A preocupação de Jesus é libertar-nos de todos os demónios e espíritos impuros, para vivermos como filhos de um Deus que nos ama tanto ao ponto de nos confiar do Seu Filho amado.
       Perscrutando os sinais dos tempos, verifica-se que a informação, a evolução científica e tecnologia, a globalização do conhecimento, não redundou em mais humanidade. Nas palavras sábias de Bento XVI, a globalização tornou-nos vizinhos mas não irmãos.
       Uma pequena estória. Um jovem da aldeia foi para uma grande cidade. Arranjou trabalho e alugou uma divisão, numa cave. Com o primeiro ordenado mandou colocar eletricidade. Verificou então que as paredes que antes, à luz das velas, pareciam brancas, afinal estavam escurecidas e com algumas manchas! A eletricidade ia permitir arrumar melhor a casa, tirar as nódoas do chão e das paredes e, logo que oportuno, pintar as paredes.
       A luz expôs e tornou visível a sujidade, não a criou…

Publicado na Voz de Lamego, n.º 4376, de 30 de agosto de 2016

terça-feira, 16 de agosto de 2016

VL – A luz que encadeia também ilumina

       Os tempos conturbados, sob ameaça constante do terrorismo, não trazem originalidade, a não ser pela extensão, pela globalização rápida da violência, pela generalização e visualização das agressões, das mortes… há desculpas e justificações que se repetem e há fundamentalismos que não olham a meios.
       O terrorismo é surpreendente. Atualmente é levado a cabo sem precisar de muita organização ou preparação. Acontece em qualquer lugar, a qualquer hora, sem qualquer suspeita. O vizinho do lado. Um membro da família. Alguém que frequenta os mesmos espaços culturais, sociais e lúdicos.
       Violência sempre existiu. Houve momentos na história em que as trevas fizeram perigar a luz e a esperança. Numa guerra convencional há algumas regras. Só se atacam os exércitos ou locais de armamento. Civis, mulheres, crianças são para proteger. Sabe-se quem são os beligerantes. O terrorismo não respeita ninguém, nenhuma regra, nenhuma conduta, nenhuma trégua.
       A desculpa da religião existiu no passado, por exemplo, nas Cruzadas, levadas a cabo pelos países católicos para “evangelizar” os países muçulmanos; a caça às bruxas nos países evangélico-protestantes. A luz que se queria impor afinal eram trevas que impediam a verdadeira luz, inclusiva, promotora da verdade, da paz, da justiça, do respeito pelos outros, pela sua cultura e pela sua idiossincrasia e bem longe da postura de Jesus.
        O Papa Francisco, por ocasião das Jornadas Mundiais da Juventude, voltou a insistir que as religiões promovem a vida, a paz e concórdia. Há grupos fundamentalistas islâmicos, como há grupos católicos fundamentalistas. Há que procurar a paz. Lutar pela justiça. Usar de misericórdia.
       A violência confunde. A ameaça constante traz insegurança e incerteza.
        A Europa continua a dizer-se cristã. Já pouco. Os símbolos cristãos foram escondidos, privatizados, disfarçados e assim muitas manifestações culturais que pudessem beber na fé, na religião, no evangelho. Deus morreu com Nietzsche, mas também com muitos líderes políticos, sendo substituído pelo relativismo, pela indiferença, pela igualdade de ideologias, de géneros, de religiões… uma mixórdia onde vale tudo. A Europa (e o Ocidente), cada vez menos cristã, foi uma civilização inclusiva, com muitos pecados ao longo dos tempos, mas que promoveu a inculturação. Hoje, em qualquer cidade, por mais pequena que seja, há pessoas de várias cores, religiões, etnias…
       É sempre necessário a vigilância e o cuidado para que prevaleça a vida, a verdade, a solidariedade, a inclusão de todos e especialmente dos mais frágeis. O medo que se está a implantar é contrário a uma civilização integradora, capaz de respeitar e até promover as diferenças, sem as anular ou esquecer.

Publicado na Voz de Lamego, n.º 4375, de 9 de agosto de 2016

VL – A luz que ilumina também encandeia

       “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; habitavam numa terra de som­bras, mas uma luz brilhou sobre eles” (Is 9, 1). Este texto do profeta Isaías é lido e relido no Natal, sublinhando que Jesus é essa LUZ: “O Verbo era a Luz verdadeira, que, ao vir ao mundo, a todo o homem ilumina... E a Vida era a Luz dos homens. A Luz brilhou nas trevas, mas as trevas não a receberam” (Jo 1, 4-5.9). Jesus é Luz que ilumina todo o homem! Logo acrescenta São João: nem todos se abrem à Luz verdadeira.
       Jesus vem libertar-nos de toda a espécie de escravidão, das superstições, do medo em relação às forças da natureza e a um Deus-Juiz iníquo, pondo a descoberto também aqueles que em nome da política ou da religião usurpam o lugar de Deus e espezinham aqueles que deveriam ajudar e servir.
       Jesus traz esperança. Devolve a dignidade às pessoas. Dá coragem aos mais frágeis para não desistirem dos seus sonhos e lutarem pelos seus direitos. O obstáculo nunca poderá ser Deus, que é Pai. Deus não pode ser nem desculpa nem justificação para amordaçar, para controlar, para subjugar, para agredir, para matar. Jesus leva até ao fim este propósito. Morre por amor, para nos libertar, para nos devolver por inteiro à nossa filiação divina, com a força de nos irmanar.
       O mundo ocidental levou tempo a assimilar esta mensagem libertadora e luminosa. A cristandade viveu momentos de trevas, de preconceito, sob ameaças do inferno. Contudo, a revolução francesa como a globalização cultural, as democracias modernas como a luta pela igualdade entre os géneros foram possíveis num mundo amplamente cristianizado.
       Hoje convivem no mundo judaico-cristão pessoas de todas as cores, raças, culturas, religiões. Verificou-se, porém, que o chão que se tinha como cristão permitiu duas guerras mundiais, a crise económico-financeira, que tem sacrificado milhões de pessoas, a crise dos refugiados, os atos terroristas. Não a LUZ mas as trevas. A luz não leva ao mal, mas o mal pode querer de regresso as trevas, a desconfiança, o medo, o preconceito. É um medo que se espalha pela violência gratuita perpetrada por interesses encapotados, como sublinhou o Papa Francisco, a caminho das Jornadas Mundiais da Juventude, na Polónia: encontramo-nos em guerra, mas não de religiões, mas de interesses estranhos e egoístas.
       O mal não vem da LUZ. Esta pode erradicar as trevas. Todavia, pode encandear aqueles que vivem nas trevas. As obras das trevas desejam trevas.

Publicado na Voz de Lamego, n.º 4374, de 2 de agosto de 2016

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

VL - Paciência que gera vida. Paciência pró-ativa

       Temos pressa e queremos resultados imediatos. Bento XVI, no início do Seu pontificado, dizia de uma forma muito acessível, que a nossa pressa destrói, precipita-nos. A paciência de Deus, que brota do amor, da compaixão, da Sua misericórdia infinita, constrói. Deus é paciente, espera por nós. Sempre.
       Diante de situações complexas e difíceis, apela-se à paciência, à resignação, sugerindo-se que é uma atitude cristã. Resignação aqui entendida como demissão, indiferença, desistência. Porém, a paciência/resignação, em sentido cristão, exige força, persistência, luta. Sofrer com paciência as ofensas do próximo. Uma das obras de misericórdia. Criar distanciamento face a situações difíceis, não desistir à primeira contrariedade, não desistir das pessoas, tentar compreender quem é diferente e aceitar as próprias imperfeições para aprender a aceitar as falhas dos outros, sorrir quando não se tem uma resposta adequada, rir de si mesmo, não se levar demasiado a sério, como nos lembrava Bento XVI, pois isso pesa-nos e não nos deixa voar.
       A paciência é um dos qualificativos da caridade, segundo São Paulo. Somos pacientes não por desistência mas por amor, não por resignação passiva, mas por resiliência. Insistimos uma e outra vez. Lutamos contra o mal, a doença, o sofrimento, as injustiças, a corrupção, as situações de miséria provocadas pela prepotência; aprendemos a calar quando a nossa voz é ruído, para falarmos por quem não tem voz; calamo-nos, num sentido ainda mais cristão, para que fale Jesus Cristo.
       O mal, a doença e o sofrimento desafiam-nos e a resignação (passiva) nunca é uma opção. Só o será depois de termos feito tudo o que está ao nosso alcance para superar as adversidades. O mal deve ser combativo. Devemos procurar a cura, quando as doenças são curáveis. Devemos enfrentar o sofrimento, eliminando as suas causas ou minorando os seus efeitos. Uma resignação que nos demita da luta e do compromisso nem é humana e muito menos cristã.
       Posto isto, o reconhecimento de situações que nos escapam e para as quais não temos nem justificações nem soluções. Fazem parte da condição biológica e da fragilidade humana. Uma vida perfeita, imaculada, impassível, só seria possível se fôssemos Deus, que sofre por excesso de amor. Quem ama sofre. Sofre por se deparar com o sofrimento de quem se ama. A paciência de Deus faz-Se de dádiva, de presença, de compaixão. Olhando para o Seu povo, Deus não Se retira, não Se afasta, não fica indiferente. O pobre clamou e o Senhor ouviu a sua voz. Chegada a plenitude do tempo, dá-nos o Seu próprio Filho.

Publicado na Voz de Lamego, n.º 4363, de 17 de maio de 2016

VL - Paciência que gera vida. Paciência pró-ativa - 2

       Na Exortação Apostólica «Amoris Laetitia», o Papa Francisco, fala da pressa e da ansiedade que destrói e da necessidade de educar a paciência, a espera. Tudo tem o seu tempo e seu lugar. Apressar não permite saborear a vida nem o caminho a percorrer. Ter tudo de mão beijada, sem esforço e sem sabor. Daí a vacuidade de tantas vidas, pois tudo acaba por não ter sentido. Rápido chega e rápido se perde. Já dizem os mais velhos, o que não custa a ganhar não custa a gastar! Assim também a vida, o que não exige esforço e dedicação logo se desvaloriza.
       «Na época atual, em que reina a ansiedade e a pressa tecnológica, uma tarefa importantíssima das famílias é educar para a capacidade de esperar. Não se trata de proibir as crianças de jogarem com os dispositivos eletrónicos, mas de encontrar a forma de gerar nelas a capacidade de diferenciarem as diversas lógicas e não aplicarem a velocidade digital a todas as áreas da vida».
       De forma ponderada, sem dogmatismos, mas firme e desafiador: «O adiamento não é negar o desejo, mas retardar a sua satisfação. Quando as crianças ou os adolescentes não são educados para aceitar que algumas coisas devem esperar, tornam-se prepotentes, submetem tudo à satisfação das suas necessidades imediatas e crescem com o vício do ‘tudo e súbito’. Este é um grande engano que não favorece a liberdade; antes, intoxica-a. Ao contrário, quando se educa para aprender a adiar algumas coisas e esperar o momento oportuno, ensina-se o que significa ser senhor de si mesmo, autónomo face aos seus próprios impulsos. Assim, quando a criança experimenta que pode cuidar de si mesma, enriquece a própria autoestima. Ao mesmo tempo, isto ensina-lhe a respeitar a liberdade dos outros. Naturalmente isto não significa pretender das crianças que atuem como adultos, mas também não se deve subestimar a sua capacidade de crescer na maturação duma liberdade responsável. Numa família sã, esta aprendizagem realiza-se de forma normal através das exigências da convivência».
       É conhecida a estória da laranja. Leva tempo até amadurecer. Pode ter o tamanho de uma laranja e ter uma cor aproximada do que será no final. Mas é insuficiente, se por dentro continuar verde. Será intragável. A laranja leva o seu tempo, a crescer, a amadurecer, precisa de sol e de chuva, como outros frutos, e de tempo. Mesmo que se expusesse a mais calor, não amadurecia nem produziria mais sumo. Há um tempo para tudo.

Publicado na Voz de Lamego, n.º 4364, de 24 de maio de 2016

VL - Paciência que gera vida. Paciência pró-ativa - 3

       A paciência pró ativa procura o tempo mais favorável, na espera ou criando as condições necessárias para fazer a vida acontecer.
       É de todos conhecida a parábola de Jesus: «Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha. Foi procurar os frutos que nela houvesse, mas não os encontrou. Disse então ao vinhateiro: ‘Há três anos que venho procurar frutos nesta figueira e não os encontrou. Deves cortá-la. Porque há de estar ela a ocupar inutilmente a terra?’. Mas o vinhateiro respondeu-lhe: ‘Senhor, deixa-a ficar ainda este ano, que eu, entretanto, vou cavar-lhe em volta e deitar-lhe adubo. Talvez venha a dar frutos. Se não der, mandá-la-ás cortar no próximo ano».
       Deus ama-nos, infinita, pacientemente. A paciência de Deus constrói, espera por nós, aguarda a nossa conversão, respeita a nossa liberdade, as nossas escolhas, não nos abandona, mesmo em situações em que nós O arredamos da nossa vida, em situações em que não damos fruto. Deus continua a esperar, a cuidar de nós, a tratar-nos como filhos, a ver se damos fruto. Deus é lento para a ira e rico de misericórdia, "é um Deus clemente e compassivo, sem pressa para Se indignar e cheio de misericórdia e fidelidade" (Ex 34, 6).
       Noutra parábola, Jesus expressa a necessidade de esperar para não correr o risco de destruir juntamente o bem e o mal. «O reino dos Céus pode comparar-se a um homem que semeou boa semente no seu campo. Enquanto todos dormiam, veio o inimigo, semeou joio no meio do trigo e foi-se embora. Quando o trigo cresceu e começou a espigar, apareceu também o joio». Apercebendo-se do que está a acontecer logo os seus servos querem cortar o mal pela raiz. Então o senhor diz-lhes: "Não! Não suceda que, ao arrancardes o joio, arranqueis também o trigo" (Mt 13, 24-43).
       Escutemos o Papa Francisco: "Transitar em paciência implica aceitar que a vida é isso: uma aprendizagem contínua. Quando uma pessoa é nova, julga que pode mudar o mundo; e isso está certo, tem de ser assim. Mas, depois, quando procura, descobre a lógica da paciência na própria vida e na dos outros. Transitar em paciência é assumir o tempo e deixar que os outros façam a sua vida. Um bom pai, tal como uma boa mãe, é aquele que vai intervindo na vida do filho o suficiente para lhe marcar as pautas de crescimento, para o ajudar, mas que depois sabe ser espetador dos fracassos próprios e alheios, e os supera".

Publicado na Voz de Lamego, n.º 4366, de 7 de junho de 2016

domingo, 14 de agosto de 2016

VL - A nossa grande Alegria é Jesus Ressuscitado

       A Alegria do Evangelho centra-se na Pessoa de Jesus.
       Somos cristãos a partir do encontro pessoal e libertador com Jesus Cristo.
       Fomos batizados, na água e no Espírito Santo, a maioria de nós, quando ainda não sabíamos o que era a vida ou a fé, ou quem era Jesus. Fomos-Lhe apresentados e oferecidos, para ficarmos ao cuidado do Seu amor e da Sua bênção. Pelo batismo, os nossos pais e padrinhos e a comunidade crente assumiram a missão de nos educar na fé cristã, para amarmos a Deus e ao próximo como Ele nos ensinou. Tornámo-nos Corpo de Cristo, Ele a Cabeça, nós os membros. Pedras vivas do templo do Senhor que é a Igreja, novo Povo de Deus, convocado pela Palavra e pelos Sacramentos que nos sintonizam e agrafam com o mistério da morte e ressurreição de Jesus.
       A nossa infância foi validando, no ambiente familiar e na ligação à comunidade paroquial, a descoberta de Jesus, com fórmulas, orações, e as muitas histórias de Jesus e sobre Jesus.
        Quando termina o ano de catequese, em muitas das nossas comunidades paroquiais, voltam as inquietações e o tempo de avaliar o trabalho realizado. Será que conseguimos semear nas crianças e nos adolescentes o desejo de se encontrarem com Jesus? E nós, já nos encontrámos pessoalmente com Ele? Como vivemos e testemunhamos a nossa fé? Doutrinamos ou provocamos a procura de um Deus Misericordioso que Se envolve com a nossa história, com as nossas alegrias e tristezas, comprometendo-nos com os outros, na luta pela justiça, agindo solidariamente? Jesus vive entre nós? Sentimo-l’O no dia-a-dia das nossas escolhas? Ou ficou no passado da nossa história?
       Em Lisboa, no Terreiro do Paço, a 11 de maio, o Papa Bento XVI sublinhava que "o Ressuscitado oferece-Se vivo e operante, por nós, no hoje da Igreja e do mundo. Esta é a nossa grande alegria. No rio vivo da Tradição eclesial, Cristo não está a dois mil anos de distância, mas está realmente presente entre nós e dá-nos a Verdade, dá-nos a luz que nos faz viver e encontrar a estrada para o futuro... Para isso é preciso voltar a anunciar com vigor e alegria o acontecimento da morte e ressurreição de Cristo, coração do cristianismo, fulcro e sustentáculo da nossa fé, alavanca poderosa das nossas certezas, vento impetuoso que varre qualquer medo e indecisão, qualquer dúvida e cálculo humano. A ressurreição de Cristo assegura-nos que nenhuma força adversa poderá jamais destruir a Igreja".

Publicado na Voz de Lamego, n.º 4368, de 21 de junho de 2016

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

VL - A misericórdia de Deus reabilita-nos

       O Jubileu da Misericórdia alimenta-se da liturgia, permitindo acolher a Palavra de Deus ao longo do ano, refletindo-A e renovando propósitos que nos levam a ser misericordiosos como o Pai.
       Nos últimos três domingos (IX, X, XI, do Tempo Comum, ano C) fomos surpreendidos pela ternura, compaixão e proximidade de Jesus, que nos reabilita do pecado e da morte, “contaminando-Se” com a nossa fragilidade, deixando-nos contaminar com a Sua santidade.
       No primeiro episódio (Lc 7, 1-10), um centurião intercede por um dos seus servos, revelando uma grande humildade e uma grande fé, que o próprio Jesus testemunha. A compaixão do centurião leva-O a Jesus, cuja compaixão devolve a saúde ao servo. Atente-se à disponibilidade para partir. Nós temos que ver a agenda. Jesus parte e vai ao encontro de quem precisa da Sua ajuda! Sem hesitar.
       Num segundo momento (Lc 7, 11-17), Jesus, ao entrar na cidade de Naim, depara com um funeral. Uma pobre Mãe, viúva, leva o seu filho único a sepultar. Uma desgraça. A perda de um filho, arrasa qualquer pai. Acrescente-se o facto de ser filho único e a mãe ser viúva! O Evangelho mostra a comoção de Jesus. “Ao vê-la, o Senhor, compadeceu-Se dela”. Jesus não se fica pela contemplação da dor. Diz àquela mãe: “Não chores”. Aproxima-Se. Toca no caixão. E ordena: «Jovem, Eu te ordeno, levanta-te». Jesus levanta-nos, ressuscita-nos dos caixões que nos aprisionam, dos medos, do sofrimento e da perda e diz-nos que a última palavra não é da morte mas da vida.
       Neste último domingo (Lc 7, 36-50), uma mulher, pecadora, aproxima-se de Jesus, banha-lhe os pés com as lágrimas, derrama um vaso de alabastro, perfume de alto preço, enxuga-lhe os pés com os cabelos. Gestos que ressalvam a sua humildade e a predisposição para mudar de vida. Sente-se impelida por Jesus. Não tem muito a perder. Comprada às escondidas, rejeitada às claras. Vive e alimenta-se da escuridão. Não tem vida pessoal. Os afetos comprados não são afetos, são comércio que não tocam a alma, a não ser para a destruir. Quem a vê (de dia) desvia-se, com medo de ser contaminado e/ou que os outros levantem alguma suspeição. Se é pecadora pública, reconhecida como tal, outros contribuem para o seu pecado, comprando-a, expondo-a, promovendo a maledicência.
        Jesus deixa-Se tocar por esta mulher. Não Se desvia. Atrai-a para a Sua Luz. O amor tudo alcança. «A tua fé te salvou. Vai em paz». Os seus muitos pecados são-lhe perdoados porque muito amou.

Publicado na Voz de Lamego, de 14 de junho de 2016

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

VL - O que não se dá perde-se

       Há mais alegria em dar do que em receber. Garante-nos Jesus.
       A vida como o pão, se não se consome, estraga-se. Por melhor que se acondicione, acaba por perder propriedades que nos fazem saboreá-lo mesmo sem nada a acompanhar. Também a vida, se se guarda, desperdiça-se.
       A vida só será plena e abundante no gastar-se a favor dos demais (cf. Lc 9, 18-24). Quem guarda tempo e dons para si, para o futuro, para ocasiões eventualmente mais favoráveis, não é discípulo de Jesus. O discípulo há de imitar Jesus, gastando-se em prol dos outros. Quem acumula para si, perde-se, porque se prende ao efémero e ao finito; quem se dá acumula tesouros para a eternidade. A vida é verdadeiramente minha quando a vivo na relação com os outros e com o mundo. A psicologia moderna lembra-nos que precisamos de gostar de nós para podermos gostar dos outros. Como podemos gostar dos outros se não gostamos de nós mesmos?
       O Papa Francisco sublinha a opção de Cristo que nos leva a centrar-nos nos outros e não em nós. Gostarmos e servimos os outros ajuda-nos a gostar de nós e a sentirmo-nos melhor connosco mesmos, mais úteis e mais felizes.
       Quem se centra demasiado em si mesmo, por mais qualidades que possua, acabará por se perder, se destruir e, fechando-se na sua concha, ficará humanamente raquítico, quando não paranoico, subserviente do aplauso constante dos outros como se fora o centro do Universo. A alegria do Evangelho liberta-nos do mofo para vivermos saudavelmente, caminhando com os outros. Como não lembrar mais uma vez o desejo do Papa Francisco: prefiro uma Igreja acidentada por sair, do que estagnada, doente, por se fechar, centrando-se em si própria.
       Esta semana assistimos, com o Brexit, a um reino unido desligando-se da União Europeia, colocando em causa o propósito das seis nações europeias que sonharam uma unidade entre os diferentes países, fortalecendo laços entre pessoas e povos, garantindo a paz, a prosperidade e o desenvolvimento. A crise económico-financeira, primeiro, e a crise dos refugiados, depois, colocou em causa o sonho de uma Europa solidária. Sobreveio a incapacidade de olhar além das fronteiras, reavivando egoísmos, nacionalismos. Uma Europa aparentemente a desintegrar-se, mas que pode tornar-se numa nova oportunidade, voltando (talvez) aos propósitos que estiveram na sua base. Também aqui vale o desafio de Jesus: quem guarda a sua vida, perde-a, quem a perde a favor dos outros, ganha-a agora e no futuro.

Publicado na Voz de Lamego, de 28 de junho de 2016

terça-feira, 31 de maio de 2016

Deixar que a Alegria de Maria nos visite

       Chegamos ao fim do mês de maio especialmente dedicado a Maria. Um pouco por todo o lado, romarias, procissões, peregrinações, recitação do terço em família, em comunidade, por ruas ou por bairros, a caminhar, de casa em casa. Em todo o mundo (católico)! Os portugueses espalhados pelo mundo não esquecem a Padroeira de Portugal e, em diferentes ocasiões, mas sobretudo em maio, fazem sobressair a sua devoção. O altar do mundo, Fátima, é um centro centrípeto e centrifugo da devoção mariana. Mas há muitos santuários marianos espalhados pelo território nacional. Na nossa Diocese destacam-se os Santuários dos Remédios e da Lapa. Mas existem muitos outros e as zonas pastorais têm em maio as suas peregrinações conjuntas.

       O último dia do mês faz-nos revisitar a Visitação de Nossa Senhora à sua prima Isabel (Lc 1, 39-56), o segundo dos mistérios gozosos ou da alegria. Logo que acolhe a missão de ser a Mãe do Salvador do mundo, tendo sabido que Isabel se encontra grávida, Maria parte para a montanha, para levar a grande alegria de ser Mãe no encontro com outra grande alegria, a de sua prima Isabel que também vai ser Mãe numa altura que já parecia ter ultrapassado o prazo de validade para o ser. São Lucas vinca a pressa com que Maria parte, num claro convite aos discípulos de Jesus e à Igreja, a saírem com pressa para O anunciarem a todo o mundo.

       A fé de Abraão inicia a Antiga Aliança, como sublinha Joseph Ratzinger/Bento XVI, a fé de Maria inicia a nova Aliança. “Maria põe o seu corpo, todo o seu ser à disposição de Deus para abrigar a Sua presença". Com efeito, "na saudação do anjo torna-se claro que a bênção é mais forte que a maldição”.

       Na Visitação, Maria leva a pressa de ajudar, mas sobretudo a Alegria a comunicar. Quando duas mães se encontram não precisam de muitas palavras para se tornarem cúmplices, as suas entranhas falam mais alto e o que nelas está a acontecer faz-se notar a todo o mundo, multiplica a alegria. «Logo que chegou aos meus ouvidos a tua saudação, o menino saltou de alegria no meu seio».

       A resposta de Maria é oração de louvor e de reconhecimento: «A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador, porque pôs os olhos na humildade da sua serva».

       Deixemo-nos surpreender por Maria e pela Alegria que traz à nossa vida, que traz à nossa casa.

Publicado na Voz de Lamego, n.º 4365 , de 31 de maio de 2016

domingo, 30 de março de 2014

Comunicação globalizada » Globalização da Indiferença

       Nunca como hoje os meios de comunicação social, mas também os meios de transporte, nos tornam tão vizinhos e no entanto continuamos distantes, talvez até mais que no passado.
       As pessoas conheciam os vizinhos pelo nome, tinham as portas abertas para quem chegava, e para saírem ao encontro dos outros. Qualquer necessidade poderia ser satisfeita com a ajuda do vizinho. Hoje temos as portas e janelas fechadas, não apenas as de casa mas também as do coração.
       No mesmo instante estamos em contacto com o fim do mundo, com alguém que não conhecemos de parte nenhuma mas que nos faz felizes por o vermos, por vermos o sucesso que tem ou nos entristecemos com os desaires daquele ator, daquela cantora, daquela pessoa que lançou uma campanha para ajudar um cão, ou daqueloutro que andou à batatada com a sogra.
       E à nossa volta? Tão perto e tão distantes. Passamos e andamos. E o “tudo bem” não é uma pergunta, é uma mera formalidade. Cumprimentamos alguém mas não queremos saber da pessoa. Talvez, como já o referimos por aqui, queiramos saber alguma coisa sobre ela, mas não o que sente, o que precisa, o que se passa na sua vida.
       Facilmente estamos em contacto com meio mundo. Trocamos mensagens, informações, o que gostamos, o que lemos, tantas centenas, milhares, de amigos virtuais, gastamos algum ou bastante tempo a postar belas frases, a sugerir pensamentos bem formulados, por vezes para os outros, não para nós, pois não precisamos. Porém, desconhecemos quem mora ao lado, o que faz, o que precisa. Desconhecemos o seu nome. Podemos até cruzar-nos com ele, ou embater contra ele, mas não nos toca. Podemos estar tão perto e tão longe uns dos outros. A aldeia é global, no conhecimento, na informação, na democratização cultural e religiosa, podemos até ser especialistas em bricolage e fabricar a nossa religião e a nossa ideologia. E diga-se que os meios de comunicação social, as redes que nos aproximam virtualmente, são uma oportunidade, um dom de Deus, ajudam a resolver problemas, a diagnosticá-los e formular soluções, a encontrar instrumentos para melhorar a vida uns dos outros, aproximam pessoas, ajudam a encontrar outras que desapareceram, facilitam campanhas de solidariedade, permitem a sensibilização para problemas atuais, de pessoas a animais e à natureza, e por vezes tribalizam-nos em alguns grupos de reflexão, de debate, de acusações, de críticas.
       Também o ambiente digital precisa de conversão e é necessário que não desfoque o nosso coração e o nosso olhar das pessoas que nos rodeiam e das suas necessidades. Porque é que as pessoas gritam, pergunta um discípulo ao seu Mestre. Não é pela surdez de algum deles, mas por terem o coração fechado, distante, alheado. Não conseguem escutar-se. Mutatis mutandis, a globalização económica, política, cultural e até religiosa, não corresponde à melhoria na vida das pessoas e não resolve as suas inquietações existenciais. Por outro lado, tem-se dado também a globalização da indiferença. São tantas as situações discutidas até à exaustão que já não chocam, já não emocionam. Não mobilizam. Já fazem parte do quotidiano. Este é um risco elevado.
       Temos os meios, há que colocar neles o nosso coração, o nosso compromisso. Não esperemos pelo ideal. Localizemo-nos, predispondo-nos a globalizar a caridade, a proximidade física e afetiva. Também isto é ser cristão, também por aqui a nossa conversão. A nossa visão tem diversas focalizações, pode ver bem ao longe e mal ao perto. Pode ver bem ao perto e esquecer o que vem lá. A árvore não nos impeça de ver a floresta, mas por causa desta não esqueçamos só existe porque há muitas árvores…

Publicado (abreviadamente) na VOZ DE LAMEGO, n.º 4257, de 25 de março de 2014