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sexta-feira, 7 de abril de 2017

Se não acreditais em Mim, acreditai nas minhas obras

       A liturgia da Palavra mostra à saciedade como a verdade e o bem fazem mossa, ainda que em sentido de oposição e de perseguição. Jeremias é bem o exemplo que a denúncia do mal e o anúncio do bem, da palavra de Deus, da urgência da conversão interior e adesão aos Mandamentos, pode irritar aqueles que vivem à margem, melhor, vivem alheados e contra a Lei. Em vez de corrigirem, perseguem o profeta para se livrarem um vez por todas do seu testemunho e das suas palavras.
Disse Jeremias: «Eu ouvia as invectivas da multidão: ‘Terror por toda a parte! Denunciai-o, vamos denunciá-lo!’ Todos os meus amigos esperavam que eu desse um passo em falso: ‘Talvez ele se deixe enganar e assim o poderemos dominar e nos vingaremos dele’. Mas o Senhor está comigo como herói poderoso e os meus perseguidores cairão vencidos. Ficarão cheios de vergonha pelo seu fracasso, ignomínia eterna que não será esquecida. Senhor do Universo, que sondais o justo e perscrutais os rins e o coração, possa eu ver o castigo que dareis a essa gente, pois a Vós confiei a minha causa. Cantai ao Senhor, louvai o Senhor, que salvou a vida do pobre das mãos dos perversos» (Jer 20, 10-13).
       De modo semelhante sucede a Jesus. A Sua missão está a chegar ao seu termo. É por demais evidente que alguns de entre os judeus não só não aceitam a Sua palavra como se sentem ameaçados, expostos pela Sua vida, pela Sua postura. As palavras que levam Jesus a reconhecer que todos são filhos, herdeiros, irmãos e que devem ser tratados como tal, pessoas livres, não agradam aos que detêm o poder e se julgam acima das pessoas mais pobres e das classes mais baixas.
Os judeus agarraram em pedras para apedrejarem Jesus, Então Jesus disse-lhes: «Apresentei-vos muitas boas obras, da parte de meu Pai. Por qual dessas obras Me quereis apedrejar?» Responderam os judeus: «Não é por qualquer boa obra que Te queremos apedrejar: é por blasfémia, porque Tu, sendo homem, Te fazes Deus». Disse-lhes Jesus: «Não está escrito na vossa Lei: ‘Eu disse: vós sois deuses’? Se a Lei chama ‘deuses’ a quem a palavra de Deus se dirigia – e a Escritura não pode abolir-se –, de Mim, que o Pai consagrou e enviou ao mundo, vós dizeis: ‘Estás a blasfemar’, por Eu ter dito: ‘Sou Filho de Deus’!» Se não faço as obras de meu Pai, não acrediteis. Mas se as faço, embora não acrediteis em Mim, acreditai nas minhas obras, para reconhecerdes e saberdes que o Pai está em Mim e Eu estou no Pai». De novo procuraram prendê-l’O, mas Ele escapou-Se das suas mãos. Jesus retirou-Se novamente para além do Jordão, para o local onde anteriormente João tinha estado a baptizar e lá permaneceu. Muitos foram ter com Ele e diziam: «É certo que João não fez nenhum milagre, mas tudo o que disse deste homem era verdade». E muitos ali acreditaram em Jesus (Jo 10, 31-42).

sexta-feira, 17 de março de 2017

«Nunca ninguém falou como esse homem»

       Ao longo da história da Salvação, de Aliança de Deus com o Seu povo, muitos foram os mensageiros divinos, juízes, réis e profetas. Aqueles que perseveraram fiéis à Lei, aos mandamentos à Aliança tiveram, por demasiadas vezes, de se sujeitar à maledicência, à perseguição, ao exílio forçado, e à própria morte. Jeremias é disso exemplo. A sua vontade férrea em se manter do lado da Lei de Deus, provoca a ira daqueles que se afastaram e procuram justificar-se. E se é possível contornar a Lei ou arranjar justificações, ou excepções, é muito difícil contradizer o testemunho de uma vida em concreto.
       Mas vejamos o texto de Jeremias:
Quando o Senhor me avisou, eu compreendi; vi então as maquinações dos meus inimigos. Eu era como manso cordeiro levado ao matadouro e ignorava a conjura que tramavam contra mim, dizendo: «Destruamos a árvore no seu vigor, arranquemo-la da terra dos vivos, para não mais se falar no seu nome». Senhor do Universo, que julgais com justiça e sondais os sentimentos e o coração, seja eu testemunha do castigo que haveis de aplicar- lhes, pois a Vós confio a minha causa. (Jer 11, 18-20)
       Jeremias confia em Deus e segue na fidelidade à Palavra de Deus.
       No Evangelho, também Jesus é sujeito das maquinações dos líderes religiosos, de um punhado de judeus, fariseus, doutores da Lei, que se veem ameaçados pela pregação de Jesus e sobretudo pela adesão do povo às palavras de Jesus. Qual a solução para aqueles que ameaçam o nosso lugar? A morte? A injúria? A difamação?
       Alguns parece deveras convencidos. Mas é mais forte a suspeita!
Alguns que tinham ouvido as palavras de Jesus diziam no meio da multidão: «Ele é realmente o Profeta». Outros afirmavam: «É o Messias». Outros, porém, diziam: «Poderá o Messias vir da Galileia? Não diz a Escritura que o Messias será da linhagem de David e virá de Belém, a cidade de David?» Houve assim desacordo entre a multidão a respeito de Jesus. Alguns deles queriam prendê-l’O, mas ninguém Lhe deitou as mãos. Então os guardas do templo foram ter com os príncipes dos sacerdotes e com os fariseus e estes perguntaram-lhes: «Porque não O trouxestes?». Os guardas responderam: «Nunca ninguém falou como esse homem». Os fariseus replicaram: «Também vos deixastes seduzir? Porventura acreditou n’Ele algum dos chefes ou dos fariseus? Mas essa gente, que não conhece a Lei, está maldita». Disse-lhes Nicodemos, aquele que anteriormente tinha ido ter com Jesus e era um deles: «Acaso a nossa Lei julga um homem sem antes o ter ouvido e saber o que ele faz?» Responderam-lhe: «Também tu és galileu? Investiga e verás que da Galileia nunca saiu nenhum profeta». E cada um voltou para sua casa (Jo 7, 40-53).
       A vida de Jesus desliza para a plenitude, mas também para um desfecho esperado: a morte. Não como auto flagelação, mas como inevitabilidade da Sua postura diante do povo, das autoridades, diante das tradições, diante das pessoas mais fragilizadas. A opção preferencial pelos excluídos, leva os instalados a sentirem-se postos em causa... 

sábado, 21 de março de 2015

Domingo V da Quaresma - ano B - 22 de março de 2015

       1 – Como o rio que corre para o mar... a vida pública de Jesus aproxima-se do fim, a Quaresma faz-nos caminhar com Ele, em passos decididos, envolvendo-nos com uma vontade férrea de prosseguir, apesar da dor, do sofrimento, do sangue: «Agora a minha alma está perturbada. E que hei de dizer? Pai, salva-Me desta hora? Mas por causa disto é que Eu cheguei a esta hora. Pai, glorifica o teu nome».
       Fazendo memória daqueles dias, a Epístola aos Hebreus acentua a dramaticidade com que Jesus enfrenta o momento mais doloroso da Sua vida: «Nos dias da sua vida mortal, Cristo dirigiu preces e súplicas, com grandes clamores e lágrimas, Àquele que O podia livrar da morte e foi atendido por causa da sua piedade. Apesar de ser Filho, aprendeu a obediência no sofrimento e, tendo atingido a sua plenitude, tornou-Se para todos os que Lhe obedecem causa de salvação eterna».
       O sublinhado feito nesta epístola remete-nos para a oblação de Jesus, para a Sua obediência por amor, pela qual nos redime do pecado e da morte. Deus não O livra do sofrimento, mas, apesar do sofrimento, na oferenda de amor, n'Ele nos garante a passagem desta vida para a eternidade, já experimentável para aqueles que vivem em Cristo.
       Jesus sobe a Jerusalém com os seus discípulos, por ocasião da Páscoa (judaica), vivendo, ensinando, com uma clarividência cada vez maior: «Chegou a hora em que o Filho do homem vai ser glorificado. Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica só; mas se morrer, dará muito fruto. Quem ama a sua vida, perdê-la-á, e quem despreza a sua vida neste mundo conservá-la-á para a vida eterna. Se alguém Me quiser servir, que Me siga, e onde Eu estiver, ali estará também o meu servo. E se alguém Me servir, meu Pai o honrará».
       São estas as coordenadas dos seguidores de Jesus: amar, servir, dar a vida, gastando-a a favor dos outros, para dar fruto em abundância, em comunhão com Ele, imitando-O.
       2 – Entre a multidão que subiu a Jerusalém para as festas pascais, alguns gregos se destacam, indo ter com Filipe pedem-lhe: «Senhor, nós queríamos ver Jesus». Um pedido que enche todo o Evangelho dito neste dia. Os dizeres de Jesus estão agrafados a este pedido, dizendo a todos, àqueles que estão à volta e àqueles que se aproximam, quais as condições do seguimento e do discipulado.
       Filipe escuta o pedido daquelas pessoas e não se faz rogado. Vai ter com André e juntos vão ter com Jesus, para Lhe darem a conhecer o desejo daqueles homens que vêm de longe. Sublinhe-se deste já como Filipe não se faz estorvo mas é instrumento para chegar a Jesus. Por outro lado, o discipulado envolve os que caminham connosco, não somos discípulos sozinhos. Filipe "arrasta" André, para em conjunto irem até Jesus.
       Mas se Filipe e André são facilitadores da aproximação dos gregos a Jesus, há também aqueles que dificultam o acesso ao Senhor. O pedido denota que há barreiras que impedem um acesso fácil a Jesus. Isso deve-se à multidão e também à língua falada.
       O anúncio da salvação é para todos, e Jesus fala para aquela multidão, para os apóstolos, para aqueles gregos que entretanto engrossam o número dos que estão perto de Jesus e, claro, para nós.
       Como no batismo, como na Transfiguração, ouve-se uma voz que dá testemunho acerca de Jesus: «Já O glorifiquei e tornarei a glorificá-l’O». No batismo, a voz dirige-se a Jesus; na Transfiguração dirige-se aos apóstolos; desta feita é audível pela multidão. O desafio é idêntico, Deus sanciona Jesus. Cabe-nos a nós seguir aquela voz, seguir Aquele de Quem a Voz dá testemunho.
        Uns desculpar-se-ão que não ouviram, ou não perceberam, outros não chegaram a encontrar-se com Jesus, por razões diversas, outros ouviram bem a voz mas não estão preparados para assumir o desafio.
       3 – É neste sentido que vale a pena rogar a Deus para que disponha o nosso coração e assim, iluminados pelo Espírito de Deus, possamos escutar, compreender, assimilar e viver segundo a sua palavra.
       Com o salmista, deixemos que ressoe em nós esta súplica: «Criai em mim, ó Deus, um coração puro / e fazei nascer dentro de mim um espírito firme. / Não queirais repelir-me da vossa presença / e não retireis de mim o vosso espírito de santidade. / Dai-me de novo a alegria da vossa salvação / e sustentai-me com espírito generoso. / Ensinarei aos pecadores os vossos caminhos / e os transviados hão de voltar para Vós».
       Quando os gregos se acercam de Filipe, Deus já agia nos seus corações. Como Santo Agostinho sublinha nas Confissões: Procurava-te (antes de Te conhecer) fora de mim e Tu estavas dentro de Mim. É Deus que toma a iniciativa, mas salvaguarda a nossa decisão. «Todos Te procuram» – recado dos discípulos a Jesus, ainda na Galileia. Vamos a outros lugares anunciar a Boa Nova, foi para isso que Eu vim – resposta de Jesus. Em Jerusalém, uma multidão se aproxima de Jesus. «Queríamos ver Jesus». Pedido dos gregos. De toda a parte vêm pessoas para ouvir Jesus e estar com Ele. Antes, foi Ele que partiu por aldeias e cidades, levando Deus, dando-nos Deus, assumindo-nos como irmãos para Deus.
       4 – Em Jesus, tempo novo e vida nova, nova e eterna Aliança de Deus com o Seu povo, com a humanidade. Jesus reconcilia-nos para que nos tornemos uma só família.
       O profeta Jeremias, já citado no domingo passado, mostra-nos como Deus estabelece, unilateralmente, Aliança com o Povo, sendo que não desiste de nós, apesar do nosso pecado, da nossa infidelidade e da nossa ingratidão. Jeremias antecipa uma aliança:
«Dias virão, diz o Senhor, em que estabelecerei com a casa de Israel e com a casa de Judá uma aliança nova. Não será como a aliança que firmei com os seus pais, no dia em que os tomei pela mão para os tirar da terra do Egito, aliança que eles violaram... Hei de imprimir a minha lei no íntimo da sua alma e gravá-la-ei no seu coração. Eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo... Porque vou perdoar os seus pecados e não mais recordarei as suas faltas».
       O Filho de Deus Amado "substitui-nos", inocente, sem mancha nem pecado, assume-Se um de nós, e n'Ele somos libertos do pecado e da morte. Na Sua vida dada, no Corpo e Sangue oferecidos, uma Aliança que perdurará até à eternidade.

Pe. Manuel Gonçalves



Textos para a Eucaristia (ano B): Jer 31, 31-34; Sl 50 (51); Hebr 5, 7-9; Jo 12, 20-33.

sábado, 30 de agosto de 2014

XXII Domingo do Tempo Comum - ano A - 31 de agosto

       1 – E vós que dizeis que Eu sou? Pergunta essencial que Jesus nos faz sobre o testemunho que estamos dispostos a dar, identificando-nos com Ele e permitindo que Ele transpareça em nós, através de nós, diante de todas as pessoas que encontramos.
       Pedro, como víamos, responde também por nós. Tu és o Messias, o Filho de Deus. Isto é, não és um dos profetas, és o Messias de Deus, és único para mim. Seguir-Te-ei por onde fores.
       Tu és Pedro, pedra, sobre ti edificarei a minha Igreja. Recordava o nosso Bispo, D. António Couto, que aquela pedra, que é Pedro, é frágil, esburacada, alcofa, berço, para nele e através dele, e também em nós e através de nós, Cristo possa agir no mundo.
       A profissão de fé de Pedro é reveladora. Mas a consciência do que acaba de dizer parece não ter ainda a consistência do seguimento, a luz da fé que brotará com toda a força na Ressurreição de Jesus Cristo.
       O Mestre vai prevenindo os seus discípulos para que não se deixam iludir por facilidades. Ele é o Messias, o Enviado de Deus, mas não dispensa ninguém de trabalhar, de fazer o seu próprio caminho. Ele é Guia, mas não nos substitui os pés, a vontade. Teremos que viver a nossa vida, enfrentando os dias bons e os dias nebulosos. Ele estará sempre connosco. Sempre de mão estendida para não nos deixar afundar. Esta confiança que nos vem da fé ajuda-nos a encarar as intempéries que advirão pelo caminho.
       O Filho do Homem, que é também o Filho de Deus, vai sofrer. Vai passar as passas do Algarve, vai ser entregue às autoridades e será morto. No entanto, não há que se deixar afugentar pela morte, pois a ressurreição, três dias depois, trará a vitória do amor, da entrega, a vitória de Deus sobre o mal, a injustiça, o sofrimento.
       2 – Quando nos dão uma má notícia deixamos de ter disponibilidade para boas notícias. Os discípulos já não ouvem Jesus a falar de ressurreição e logo Pedro O contesta, dizendo: «Deus Te livre de tal, Senhor! Isso não há de acontecer!».
       Jesus volta-Se para Pedro e diz-lhe: «Vai-te daqui, Satanás. Tu és para mim uma ocasião de escândalo, pois não tens em vista as coisas de Deus, mas dos homens». E logo para todos os discípulos, que hoje somos nós: «Se alguém quiser seguir-Me, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me. Pois quem quiser salvar a sua vida há de perdê-la; mas quem perder a sua vida por minha causa, há de encontrá-la. Na verdade, que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua vida? Que poderá dar o homem em troca da sua vida? O Filho do homem há de vir na glória de seu Pai, com os seus Anjos, e então dará a cada um segundo as suas obras».
       Aí estão as linhas de orientação para sermos verdadeiramente discípulos, seguidores de Jesus. Seguir atrás do Mestre. Quando queremos ir à frente, ou sem Jesus Cristo e o Seu Evangelho de amor e de perdão, corremos o risco de perder a vida em vão. É preciso sermos aquela pedra frágil cuja força nos vem do alto, de Jesus Cristo, pelo Espírito Santo. Precisamos de não impedir que Deus trabalhe em nós e através de nós. Podemos ter o mundo inteiro nas mãos, mas se nos faltar a caridade, faltar-nos-á a própria vida, como dom partilhável. Precisamos de GASTAR a vida a favor dos outros, a exemplo de Jesus que dá a vida pela humanidade inteira.
       3 – Há tantos caminhos quantas as pessoas. Resposta do então Cardeal Joseph Ratzinger, em Sal da Terra (1996), quando lhe perguntaram quantos caminhos havia para Jesus Cristo, lembrando que a própria Igreja é definida como caminho de Cristo. Ou Jesus, como único caminho que nos conduz ao Pai.
       Dito isto, facilmente se conclui que cada um é chamado a fazer o seu próprio caminho. Mas não estamos sós. A reprimenda dada a Pedro surge neste contexto. Se queremos passar à frente de Jesus ou prosseguir sem Ele, estaremos sob o domínio de Satanás, diabolizando a nossa ligação com os outros. Há que avançar seguindo Jesus, procurando orientar-nos pelas suas pegadas.
       No campo ou na cidade, os pais levam a criança pela mão. Ou, vão à frente (na vida), dando o exemplo pela palavra e pela postura. A criança larga a mão dos pais e pode perder-se se avança demasiado ou se se atrasa e deixa de os ver. Seguimos por um trilho, por entre giestas, arvoredo, e procuramos que os nossos pés pisem onde outros pisaram, ainda que as nossas pegadas sejam nossas. Será mais seguro, pois sabemos que aqueles que nos precederam trilharam caminhos que nos dão segurança, sem nos iludirmos no arvoredo, com o perigo de tropeçarmos numa pedra, ou cairmos em algum buraco, ou irmos diretos a uma ribanceira. Ainda que possamos retomar a caminhada.
       Cai neve que cobre por completo o chão que pisamos. Se alguém já passou, nós vamos prosseguindo sabendo onde podemos pisar com segurança. Deslocámo-nos por um caminho que desconhecemos. Nada melhor que uma bússola ou o GPS. Isto mesmo diz Jesus a Pedro. Afasta-te de Mim. Passa para trás. Eu Sou o alfa e o ómega, o Teu Norte. Vem por Mim e serás salvo. A minha Palavra é bússola para o teu peregrinar, o meu Evangelho é o melhor GPS para saberes para onde vais. Chega mais depressa não quem corre mais mas quem sabe para onde ir. Quem se mete em atalhos pode muito bem meter-se numa carga de trabalhos. Seguir no encalço de Jesus dá-nos a confiança para prosseguirmos com alegria, criatividade, segurança, sabendo que encontraremos dificuldades, mas sabendo também que o nosso olhar não se despegará do de Jesus.
       Por outro lado, o testemunho dos santos, ou de pessoas luminosas que vamos encontrando nas nossas comunidades, cuja vivência de compromisso com os irmãos, nos leva, ainda hoje, a descobri mais facilmente as pegadas de Jesus. Voltando ao exemplo anterior, seguindo um trilho, se outros forem decalcando as pegadas que encontram, tornam-se mais visíveis para nós.

       4 – São Paulo admoesta, ao jeito de Jesus, para que não nos conformemos com o tempo presente, com este mundo, com os nossos interesses, mas em tudo procuremos "o que é bom, o que Lhe é agradável, o que é perfeito", discernindo segundo a vontade de Deus.
       Se nos preocuparmos apenas connosco e com o nosso umbigo, conformar-nos-emos com o mundo, deixando-nos transformar por ele. Mas, seguindo Jesus, deveremos gastar a nossa vida para transformar o mundo, oferecendo-nos a nós "mesmos como sacrifício vivo, santo, agradável a Deus, como culto espiritual", sob o domínio da misericórdia de Deus. Vivamos à sombra das Suas asas (Salmo)!
       Esta é a nossa vocação: fazer com que o nosso caminho, seguindo a vontade de Deus, nos aproxime do caminho que é Jesus Cristo. Se nos faltarem as forças, não temamos pois a nossa vida está unida a Deus, cuja mão nos serve de amparo (Salmo).
       Jeremias sente, como Pedro, como Paulo, e como nós, o chamamento de Deus ao qual não pode virar costas, ou fazer de conta. O profeta reconhece as dificuldades do caminhos, mas sabe que não lhe cabe desistir: "Em todo o tempo sou objeto de escárnio, toda a gente se ri de mim; porque sempre que falo é para gritar e proclamar: «Violência e ruína!». E a palavra do Senhor tornou-se para mim ocasião permanente de insultos e zombarias. Então eu disse: «Não voltarei a falar n’Ele, não falarei mais em seu nome». Mas havia no meu coração um fogo ardente, comprimido dentro dos meus ossos. Procurava contê-lo, mas não podia".
       Por vezes pode ser mais fácil deixar andar, ao sabor do vento. Mas se Ele verdadeiramente nos seduziu, a Sua voz há de ressoar dentro de nós até ao Infinito. Mas também a Sua Mão nos guiará.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Jer 20, 7-9; Sal 62 (63); 2 Rom 12, 1-2; Mt 16, 21-27.

sábado, 17 de agosto de 2013

XX Domingo do Tempo Comum - ano C - 18 de agosto

       1 – De que é que precisamos para nos sentirmos realizados? O que é mais importante no nosso dia-a-dia? O que é imprescindível para sermos felizes e nos considerarmos pessoas?
       Ao longo dos últimos domingos, Jesus tem exposto as prioridades para o discipulado. O essencial para nos inserirmos no Seu projeto, e consequentemente, num caminho que nos guie para uma felicidade duradoura, dignificante, e verdadeiramente humana, dentro do Reino de Deus, é a fé, a caridade, ou a fé que se concretiza e traduz pelo serviço, pela partilha, pela conciliação, dando primazia aos bens espirituais, colocando Deus em primeiro lugar para n’Ele descobrimos os outros como irmãos, acolhendo sobretudo os mais frágeis.
       Ele próprio assume esta opção preferencial, como inclusão de todos, para que os excluídos sejam incluídos, para que os pobres tenham instrumentos para um trabalho honesto e as condições para viver dignamente, para que todos os que são descriminados pela raça, pela religião, pelo género, sejam assumidos como filhos de Deus. Ouvíamos as palavras inequívocas de Jesus: acolher Deus como tesouro e n'Ele colocar o nosso coração, a nossa vida. Quem se sente salvo por Deus, em Jesus Cristo, pelo Espírito Santo, não poderá deixar de testemunhar com alegria, procurando que outros se deixem contagiar por este AMOR, esta PRESENÇA, na certeza que o dom da fé só o é verdadeiramente se nos compromete na caridade. O DOM (recebido) é para ser dado (e não retido ou usurpado).
       2 – Jesus traz-nos Deus. Ele mesmo é Deus, Filho Bem-amado, assumindo-nos como irmãos. Traz-nos a eternidade. É PORTA que torna acessível o Coração de Deus para cada um de nós. É o Príncipe da Paz. O seu messianismo assenta na graça de Deus, no amor sem limites para a redenção de todos os pecadores. Os pilares do Seu reino são o amor, a justiça e a paz.
       Curiosamente, as palavras do Evangelho para este domingo parecem apontar noutro sentido:
«Eu vim trazer o fogo à terra e que quero Eu senão que ele se acenda? Tenho de receber um baptismo e estou ansioso até que ele se realize. Pensais que Eu vim estabelecer a paz na terra? Não. Eu vos digo que vim trazer a divisão. A partir de agora, estarão cinco divididos numa casa: três contra dois e dois contra três. Estarão divididos o pai contra o filho e o filho contra o pai, a mãe contra a filha e a filha contra a mãe, a sogra contra a nora e a nora contra a sogra».
       Aparentemente, Jesus traz a divisão, o conflito, o fogo. Voltemos a ler o evangelho. Neste e noutros ambientes, Jesus assume as dificuldades em propagar o Evangelho, a verdade, na denúncia da hipocrisia, da falsidade, do abuso do poder civil e religioso, relevando a priorização do serviço, em todas as dimensões da vida social, política e religiosa. As suas palavras geram respostas diferentes. Aqui e além são alimento que salva, mas também geradoras de discussões, de irritação e revolta. Desde o início, na Sinagoga de Nazaré, a terra em que foi criado, que Jesus experimenta variadas reações, destacando-se a incredulidade de muitos e a vontade de O expulsarem da sinagoga e da cidade, querendo mesmo precipitá-l'O do alto da colina. Mais à frente há de dar contas da Sua postura, com injúrias, acusações, com a prisão, os açoites e a morte.
       «Deixo-vos a paz; dou-vos a minha paz. Não é como a dá o mundo, que Eu vo-la dou. Não se perturbe o vosso coração nem se acobarde» (Jo 14, 27). Ele vem para nos redimir, chamando-nos a dar o melhor de nós, a darmos Deus aos outros. Isto é algo que inquieta, que perturba, que não nos pode deixar sossegados no nosso canto, com as nossas coisas, na nossa capelinha, achando que já fazemos mais do que nos é pedido. Em Cristo, tudo o que fizermos é pouco. Somos servos inúteis se fizermos o que nos compete. É a nossa vida. A nossa salvação. O que nos inquieta é também o que nos traz a paz de Jesus. Paz comprometida com os outros, pró-ativa, ao jeito de Maria, na atenção cuidada às necessidades alheias, respondendo mesmo antes de nos ser solicitado.
        3 – A prossecução deste desiderato pode trazer-nos dissabores, incompreensões, e por vezes até insegurança e desânimo. Nem tudo correrá como esperado. Acontece com Jesus. Também Ele sente a incompreensão, a começar por aqueles que tinham maior obrigação de compreender, de acolher e de O seguir. Os Apóstolos, sempre que detetam o perigo, escondem-se atrás d’Ele, ou desviam-se do caminho, mantêm-se à distância e fogem, negam, fecham-se em casa.
       Hoje como ontem. Com Jesus como no tempo dos profetas. Remar contra a maré não é fácil. Muito mais fácil é desistir, deixar-nos ir na corrente, até onde nos levar. Perder-nos-emos, a corrente levar-nos-á a outros destinos; tornar-nos-emos vítimas das circunstâncias. Conduzir-nos-ão por atalhos, talvez mais fáceis, talvez libertos de ondas e tempestades, mas será a vida dos outros não a nossa vida, não a nossa felicidade. Esta conquista-se, vive-se, com o nosso esforço e dedicação, com os nossos fracassos e desencontros, na descoberta da verdade que liberta e da caridade que preenche a alma.
       Jeremias, na primeira leitura, experimenta a perseguição, a calúnia, a tortura, a ameaça de morte. Chamado e enviado por Deus, a Sua palavra é fogo, é como espada de dois gumes, que denuncia a prepotência, os desvios dos mandamentos, a idolatria, o poder abusivo do rei, contrapondo com a vontade de Deus. O rei é também ungido do Senhor, por conseguinte deverá servir não os propósitos pessoais, mas o povo de Deus, promovendo a inclusão de todos, sobretudo os mais desfavorecidos. “Os ministros disseram ao rei de Judá: «Esse Jeremias deve morrer, porque semeia o desânimo entre os combatentes que ficaram na cidade e também todo o povo com as palavras que diz. Este homem não procura o bem do povo, mas a sua perdição». O próprio rei se deixa levar pela corrente. Não contrapõe. Fazei o que quiserdes. Lembra Pilatos. Daqui lavo as minhas mãos, é lá convosco.
       Eis que surge alguém com vida própria, com convicções, um estrangeiro, etíope, Ebed-Melec, que chama o rei à razão: «Ó rei, meu senhor, esses homens procederam muito mal tratando assim o profeta Jeremias: meteram-no na cisterna, onde vai morrer de fome, pois já não há pão na cidade». O rei altera o mal feito: «Leva daqui contigo três homens e retira da cisterna o profeta Jeremias, antes que ele morra». Não embarquemos nas tendências gerais, pelo menos, sem refletirmos seriamente.

       4 – Na convocação do Ano da Fé, Bento XVI, na Carta Porta da Fé, diz-nos que “será decisivo repassar, durante este Ano, a história da nossa fé, que faz ver o mistério insondável da santidade entrelaçada com o pecado. Enquanto a primeira põe em evidência a grande contribuição que homens e mulheres prestaram para o crescimento e o progresso da comunidade com o testemunho da sua vida, o segundo deve provocar em todos uma sincera e contínua obra de conversão para experimentar a misericórdia do Pai, que vem ao encontro de todos”.
       Acolha-se o testemunho de homens e mulheres que se tornaram boas notícias para os seus coetâneos, deixando-se transformar e transportar pela fé. Olhar fixo em Jesus Cristo. Pela fé, a Virgem Maria acolheu o desafio de Deus e colocou-Se a caminho; os Apóstolos deixaram tudo para O seguir; os discípulos formaram as primeiras comunidades; pela fé, o testemunho dos mártires e de tantos homens e mulheres que se consagraram na docilidade do Espírito; tantos cristãos se comprometeram e comprometem com a justiça social; pela fé, tantos e tantas que nos legaram a alegria de seguir Jesus, ilustrando a beleza do Evangelho. “Pela fé, diz-nos Bento XVI, vivemos também nós, reconhecendo o Senhor Jesus vivo e presente na nossa vida e na história”.
       É também esta dinâmica em que se insere na Carta aos Hebreus:
“Estando nós rodeados de tão grande número de testemunhas, ponhamos de parte todo o fardo e pecado que nos cerca e corramos com perseverança para o combate que se apresenta diante de nós, fixando os olhos em Jesus, guia da nossa fé e autor da sua perfeição. Renunciando à alegria que tinha ao seu alcance, Ele suportou a cruz, desprezando a sua ignomínia, e está sentado à direita do trono de Deus. Pensai n’Aquele que suportou contra Si tão grande hostilidade da parte dos pecadores, para não vos deixardes abater pelo desânimo”.
       5 – Questionemo-nos de novo: o que verdadeiramente nos faz felizes? O dinheiro? Os bens materiais? Sermos melhores que os outros? A amizade? A família? Os afetos? O bem que fazemos? A imagem que os outros têm de nós? O que é que nos dignifica? O nome e a honra que impusemos? A verdade da nossa vida? A honestidade? O que vale mais, o mundo inteiro a nossos pés ou o trabalho honesto e dedicado e a ajuda que prestamos aos outros? Em que situações nos sentimos melhor? Como perguntava o Papa Francisco, no Brasil, em que pessoas nos miramos? Em Pilatos que lava as mãos e se coloca em atitude de indiferença? Ou em Maria que se apressa para casa de Isabel e em Caná intervém vigorosa junto de Jesus?

Textos para a Eucaristia (ano C): Jer 38, 4-6.8-10; Hebr 12, 1-4; Lc 12, 49-53.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

IV Domingo do Tempo Comum - ano C - 3 de fevereiro

       1 – Na Sinagoga de Nazaré, Jesus assume-Se como Aquele que cumpre as promessas feitas por Deus ao Povo da Aliança. “O Espírito do Senhor está sobre Mim. Ele Me ungiu para anunciar a Boa Nova aos pobres...” O Evangelho de Lucas faz-nos entrar na viagem de Jesus que se inicia por casa e terminará na CASA do Pai, com a passagem da Cruz à Ressurreição.
       Depois de falar na sinagoga, Jesus vê os Seus ouvintes dividirem-se, surpreendidos, conhecendo-O, estranham tamanha sabedoria: «Não é este o filho de José?».
       Primeira observação: quantas vezes não somos surpreendidos por aqueles que conhecemos há muito tempo? Já não esperávamos nada de novo (positivo ou negativo), e de repente tudo se altera. Aquela pessoa torna-se a maior desilusão, ou uma caixa de sonhos e milagres.
       A reação de Jesus: «Por certo Me citareis o ditado: ‘Médico, cura-te a ti mesmo’. Faz também aqui na tua terra o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum». E acrescentou: «Em verdade vos digo: Nenhum profeta é bem recebido na sua terra», clarifica a má vontade de alguns conterrâneos, por que não querem reconhecer-Lhe a sabedoria, ou porque se sentem ameaçados.
       Em todo o caso, Jesus não deixa de avançar com a Sua Missão e de enfrentar aqueles que se Lhe opõem. “Ao ouvirem estas palavras, todos ficaram furiosos na sinagoga. Levantaram-se, expulsaram Jesus da cidade e levaram-n’O até ao cimo da colina sobre a qual a cidade estava edificada, a fim de O precipitarem dali abaixo. Mas Jesus, passando pelo meio deles, seguiu o seu caminho”.
       2 – Como já vimos em Domingos precedentes, Jesus, com a Sua postura, gestos e encontros, insere-se na história e no tempo. Não vem por sobre as nuvens, de um mundo estranho, alheio, acima, fora. Ele entranha-Se na vida humana, ao lado, dentro, interior, em companhia de homens e mulheres concretas, num lugar da terra conhecido e real, num tempo com hora marcada. Tem pais, tem casa, cresceu em Nazaré. Há pessoas que O conhecem desde menino. Sabem quem é, de onde vem, mas há uma realidade que ultrapassa o mero conhecimento humano, como se vê nas reações.
       Tudo começa em casa. Não se pode transformar o mundo, se antes não se arruma e areja a casa, o coração. Como querer iluminar os outros se estamos às escuras, perdidos, distantes, alheados? Ainda que os santos de casa não façam milagres, é em casa que se começa a construir a vida, e a felicidade, e a solidariedade, e a tolerância, e tudo o que poderá transformar o mundo. Primeiro a família, a sinagoga, Nazaré, alargando a família a todos os que fizerem a vontade de Deus, pelo mundo inteiro. A vida de Jesus só terminará na CRUZ, melhor, na Ressurreição, rasgando os Céus.
       Vem à lembrança a oração de um monge, já muito velhinho, que recordava como testemunho a evolução da sua oração através da idade. Primeiro rezava a Deus para lhe dar força para converter o mundo. Com o tempo viu que não estava ao seu alcance. A seguir, desencantado, começou a rezar com firmeza a Deus que lhe desse a diligência para salvar a sua cidade. Mas também aqui o seu propósito falhou. De novo, desiludido, iniciou uma época nova e cheia de fulgor, rezando a Deus que lhe desse o discernimento para converter os de sua casa, os membros do seu convento. Finalmente, com a maturação dos anos e da vida, passou a rezar: “Senhor, ilumina-me com a Tua graça, para me deixar converter por Ti”. E a vida passou a ter outro encanto, outra alegria. É Deus Quem opera em nós. Só convertidos, como São Paulo, poderemos ser instrumentos de conversão, testemunhando a fé.
       3 – “Jesus, passando pelo meio deles, seguiu o seu caminho”. É um dos aspetos bem vincados e significativos no texto do evangelho. Jesus segue convictamente. O Seu alimento, a Sua vontade, a Sua vida por inteiro, é fazer a vontade d'Aquele que O enviou, fazer a vontade do Pai. É também essa a condição, para cada um de nós, a condição para sermos Sua família. Não há outras exigências.
       No ANO da FÉ que temos a graça de viver, importa reorientar a nossa vida para a vocação primeira e incontornável da fé cristã: a vocação à santidade. Na linguagem de Jesus corresponde a esta identificação à vontade do Pai. Para São Paulo, que poderemos evocar como testemunho e desafio, significa viver em Cristo e alimentar-nos d'Ele. Para mim viver é Cristo... Já não sou eu que vivo é Cristo que vive em mim.
       É um chamamento que nos precede. É Deus que toma a iniciativa. Mesmo no seio materno, já Deus conta connosco. Mesmo que só vivamos um dia, seremos filhos, herdeiros, a caminho da santidade, a peregrinar para Deus.
       Adoçam-se os nossos lábios com as palavras do profeta Jeremias, acolhendo uma Palavra anterior, primeira, a Palavra de Deus:
«Antes de te formar no ventre materno, Eu te escolhi; antes que saísses do seio de tua mãe, Eu te consagrei e te constituí profeta entre as nações. Cinge os teus rins e levanta-te, para ires dizer tudo o que Eu te ordenar. Não temas diante deles, senão serei Eu que te farei temer a sua presença. Hoje mesmo faço de ti uma cidade fortificada, uma coluna de ferro e uma muralha de bronze, diante de todo este país, dos reis de Judá e dos seus chefes, diante dos sacerdotes e do povo da terra. Eles combaterão contra ti, mas não poderão vencer-te, porque Eu estou contigo para te salvar».
       Jeremias há de passar pelo meio, sem vacilar, pois cumpre o mandato de Deus, a sua vocação. Profeta para o Povo todo. Se Deus está com Ele, se Deus está por nós, quem estará contra?

       4 – Somos como que um CÓDIGO DE BARRAS, trazemos em nós a origem e a vida nova. Vimos de Deus, redimidos por Jesus, consagrados na verdade pelo Espírito Santo. Não há preço. Cristo “paga” com a Sua vida, para que vivamos na abundância da Sua presença.
       A nossa missão é transparecer o amor de Deus em nós, possibilitando que outros possam ler as marcas de Deus, a nossa identidade, nas palavras e nos gestos, no silêncio e nas obras. Jesus é o ROSTO de Deus. Havemos de ser, como Seus discípulos, o Seu ROSTO e a Sua PRESENÇA no mundo em que vivemos e com as pessoas que Ele colocou à nossa beira. Se Ele é AMOR. Nós havemos de nos tornar AMOR com Ele. Se é PERDÃO, o caminho que nos redime é perdoar.
       Saboreemos o belíssimo texto de São Paulo sobre o AMOR/CARIDADE:
A caridade é paciente, a caridade é benigna;
não é invejosa, não é altiva nem orgulhosa;
não é inconveniente, não procura o próprio interesse;
não se irrita, não guarda ressentimento;
não se alegra com a injustiça, mas alegra-se com a verdade;
tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
       São Paulo compara a caridade às idades da vida: “Quando eu era criança, falava como criança, sentia como criança e pensava como criança. Mas quando me fiz homem, deixei o que era infantil. No presente, nós vemos como num espelho e de maneira confusa; então, veremos face a face. No presente, conheço de maneira imperfeita; então, conhecerei como sou conhecido. Agora permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e a caridade; mas a maior de todas é a caridade”.

       5 – Quando nos faltarem as forças não cessemos de implorar ao Senhor:
“Sede para mim um refúgio seguro, a fortaleza da minha salvação. Vós sois a minha defesa e o meu refúgio: meu Deus, salvai-me do pecador. Sois Vós, Senhor, a minha esperança, a minha confiança desde a juventude”.
       Na oração encontraremos a alegria e a coragem para enfrentar o mundo inteiro, como Jeremias, para prosseguir no caminho da verdade, do bem, e do amor, como Jesus Cristo, passando pelo mundo, por meio deles, para fazer o bem em toda a parte.


Textos para a Eucaristia (ano C): Jer 1, 4-5.17-19; 1 Cor 12, 31 – 13, 13; Lc 4, 21-30.

domingo, 22 de julho de 2012

Vejo um ramo de amendoeira e outras palavras em flor

D. ANTÓNIO COUTO, Vejo um ramo de amendoeira e outras palavras em flor. Paulus Editora, Apelação 20012.


       O LEMA episcopal de D. António Couto, Bispo de Lamego, é a resposta dada por Jeremias ao Senhor e à pergunta: o que vês? - Vejo um ramo de amendoeira. Como tem sublinhado o nosso Bispo, a amendoeira é a única flor que germina em pleno inverno, quando ainda não se vislumbra a primavera, é um sinal de fé e de esperança, que vai muito além da visibilidade.
       Neste livrinho (80 páginas), são-nos apresentados "três textos iguais e diferentes. O primeiro, intitulado «O Evangelho, Jesus, Paulo e Eu», vê-se bem que é como um espelho onde quotidianamente me revejo e me deixo atravessar por algumas pérolas bíblicas adquiridas também por figuras incontornáveis do Cristianismo. O segundo, intitulado «Vejo um ramo de amendoeira», é como uma profissão de fé, uma maneira de ver, de viver, um lema gravado a fogo na alma de Jeremias e na minha. O terceiro, intitulado «Daqui, desta planura: leitura do tempo em que vamos, constitui uma travessia pensada e prensada deste tempo que Deus me Deus".
Esta é a apresentação que o próprio autor faz dos textos.
       Lê-se com muito agrado, leve e profundo, com a sensibilidade dos poetas, com o desafio dos profetas.
"A amendoeira é uma das poucas árvores que floresce em pleno inverno. Ao responder: «Vejo um ramo de amendoeira», Jeremias já ergueu os olhos da invernia e da tempestade e do lodo e da lama e da catástrofe e da morte que tinha pela frente, e já os fixou lá longe, ou aqui tão perto, na frágil-forte-vigilante flor da esperança que a amendoeira representa. É de presumir que, se Jeremias tivesse respondido: «Vejo a tempestade, a ruína, a morte, a crise», que era que que tinha mesmo diante dos olhos, em vez de «Viste bem, Jeremias, viste bem!», Deus tê-lo-ia reprovado, dizendo: Viste mal, Jeremias, viste mal».

Senhor, afina o meu olhar pela flor que Tu quiseres.
Faz-me ver sempre bem, belo e bom.
Faz-me ver com olhar com que me vês,
e com que olhas a tua criação.
Contemplação."

sábado, 21 de julho de 2012

XVI Domingo do Tempo Comum (B) - 22 de julho

       1 – “Os Apóstolos voltaram para junto de Jesus e contaram-Lhe tudo o que tinham feito e ensinado. Então Jesus disse-lhes: «Vinde comigo para um lugar isolado e descansai um pouco». De facto, havia sempre tanta gente a chegar e a partir que eles nem tinham tempo de comer. Partiram, então, de barco para um lugar isolado, sem mais ninguém. Vendo-os afastar-se, muitos perceberam para onde iam; e, de todas as cidades, acorreram a pé para aquele lugar e chegaram lá primeiro que eles. Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e compadeceu-Se de toda aquela gente, porque eram como ovelhas sem pastor. E começou a ensinar-lhes muitas coisas”. 
       Jesus e os Seus discípulos estão em constante movimento. Quase não têm tempo para descansar e por vezes as refeições são feitas à pressa, pois há sempre pessoas a chegar e a partir.
       O primeiro dos evangelistas, São Marcos, o mais "genuíno", não tendo a preocupação de apresentar uma reflexão refletida e ordenada sobre Jesus, quer dar-nos o testemunho daqueles que viveram com Ele, como é o caso de São Pedro, para que o maior número de pessoas possa beneficiar da Sua mensagem e da Sua benevolência. É um Jesus mais humano e sensível, em ação permanente, sem tempo para grandes paragens, e onde são mais as interrogações que as respostas.
       Duas premissas sobressaem de imediato em São Marcos: Jesus é o Filho de Deus e tem consciência que é Filho de Deus, mas é um homem entre homens, com necessidades, precisa de comer e de descansar, de se afastar da multidão e rezar em silêncio; e é o Messias esperado, n'Ele se cumprem as promessas de Deus feitas ao Povo da Aliança, de forma mais explícita pelos profetas; surge do povo e ao povo é enviado.
       Ao lermos com atenção este trecho do evangelho sobrevém a delicadeza e atenção de Jesus. Enviou os seus discípulos e no regresso Ele sabe/sente que precisam de descansar, de retemperar forças, de comer, e de relatar tudo o que passaram, a experiência vivida. É um lado muito humano de Jesus e muito concreto. Neste episódio não há nada de abstrato ou elaborado. É a vida no seu pulsar quotidiano. O Messias, o Enviado de Deus, assume em pleno a Sua humanidade.


       2 – A compaixão de Jesus pela multidão é constante na Sua vida. Vem da parte de Deus. É o próprio Filho de Deus, mas vem como Pastor para o meio da humanidade, para o meio de um rebanho tantas vezes desorientado, sem guia e sem esperança.
       É notório que há muitas pessoas que ouviram falar de Jesus e não apenas um bando de maltrapilhos (que Ele acolhe com maior afabilidade). É grande a multidão que a Ele acorre, gente que vem de toda a parte, de vários grupos sociais, religiosos e políticos, de várias regiões e em diferentes idades.
       A resposta de Jesus é atitudinal: levanta-Se de imediato, não deixa a multidão à espera. Ensina-lhes muitas coisas. Quem chega não está faminto apenas de pão, mas de vida nova, de sentido para os seus dias de trabalho e canseira.
       As palavras do salmista apropriam-se a Jesus: “O Senhor é meu pastor: nada me falta. Leva-me a descansar em verdes prados, conduz-me às águas refrescantes e reconforta a minha alma. A bondade e a graça hão de acompanhar-me todos os dias da minha vida, e habitarei na casa do Senhor para todo o sempre”. Deus nada nos tira. Diante d'Ele não precisamos de disfarces, apresentamo-nos como somos, com a nossa alma em transparência, sabendo que Ele nos guia para o bem, que nos proporciona descanso, o reencontro connosco.

       3 – A primeira leitura que hoje nos é proposta antecipa a chegada do Messias-Pastor. Deus virá para o meio do Seu povo. É uma promessa que renova a esperança em Deus e que haveria de motivar os israelitas a voltarem à Aliança, evitando a conflitualidade, egoísmo, a perversão, que levaria à ruína do reino do Norte e de Judá. Um povo sem Deus, e sem Mandamentos, é um povo sem alma e sem futuro, correndo o sério risco de se desmoronar.
       Jeremias é mais um profeta da interioridade, cimentando o compromisso com as pessoas mais frágeis, apontando a conversão interior, como caminho para Deus e para os outros, adesão firme à Aliança e que implique, pressuponha e conduza à prática da justiça e da caridade. Os ritos valem se preenchidos com Deus e com a Sua Palavra, na vivência dos Seus mandamentos. De contrário são como ossos ressequidos, esqueleto sem carne e sem músculo, sem vida!
       A religião, como a vida política e social, há de estar ao serviço do bem, da paz, ao serviço de todos, promovendo os mais pequenos. Só iguais podemos viver como irmãos e também com a mesma responsabilidade social e política.
       Hoje precisamos de profetas que bradem esperança e sobretudo nos tragam Deus. E nós também somos responsáveis pela profecia da esperança e de Deus. Deus não tardará, já alouram as searas, os campos começam a ficar preparados para a ceifa, Deus já se anuncia breve, como o Bom Pastor para o meio do seu rebanho, do Seu povo.  
“Eu mesmo reunirei o resto das minhas ovelhas de todas as terras onde se dispersaram e as farei voltar às suas pastagens, para que cresçam e se multipliquem. Dar-lhes-ei pastores que as apascentem e não mais terão medo nem sobressalto; nem se perderá nenhuma delas – oráculo do Senhor. Dias virão, diz o Senhor, em que farei surgir para David um rebento justo. Será um verdadeiro rei e governará com sabedoria; há de exercer no país o direito e a justiça. Nos seus dias, Judá será salvo e Israel viverá em segurança. Este será o seu nome: «O Senhor é a nossa justiça»”.

       4 – O anúncio profético realiza-se em Jesus Cristo, o Pastor por excelência. Não vem por sobre as nuvens, mas encarna, vem do povo, é Homem que tem poiso e pisa o nosso chão, terra sagrada para o encontro de Deus e do Homem, vem com a força divina encher de beleza e enriquecer a fragilidade humana. Não se coloca de fora, como observador, mas dentro da humanidade. É n'Ele que encontramos a salvação de Deus.
       Como clarifica o Apóstolo,
“foi em Cristo Jesus que vós, outrora longe de Deus, vos aproximastes d’Ele, graças ao sangue de Cristo. Cristo é, de facto, a nossa paz. Foi Ele que fez de judeus e gregos um só povo… de uns e outros, Ele fez em Si próprio um só homem novo, estabelecendo a paz. Pela cruz reconciliou com Deus uns e outros, reunidos num só Corpo... Cristo veio anunciar a boa nova da paz, paz para vós, que estáveis longe, e paz para aqueles que estavam perto”. 
       Veio para reunir de todas as nações, para congregar os de perto e os de longe, para salvar, para semear a paz e a justiça, para formar de todos um só Povo para Deus.

Textos para a Eucaristia (ano B): Jer 23, 1-6; Sl 22 (23); Ef 2, 13-18; Mc 6, 30-34.

sábado, 17 de março de 2012

Domingo IV da Quaresma (ano B) - 18 de março

       1 – O cristianismo, a fé cristã, não é, de todo, um conjunto de preceitos, um código ético e moralizante, que obriga, força, impõe o seu cumprimento, sob pena de castigo, ou com uma retribuição pelos méritos conquistados.
       A fé cristã é um acontecimento: Jesus Cristo, com o mistério da Sua vida, morte e ressurreição. É encontro pessoal com Ele. É vida nova, transformada e transformadora. Com a morte na Cruz, Jesus leva o amor até ao fim. Com a ressurreição, Deus Pai confirma a história de entrega e de salvação que se opera em Seu Filho Jesus, e nosso irmão.
       Ao tempo de Jesus tinha-se dado a multiplicação de leis e preceitos. Jesus clarifica e simplifica: amar. Amar a Deus e amar o próximo como a Si mesmo. O paradigma do amor é a Sua vida de oblação. Dispõe-se a amar em todas as circunstâncias, até no sofrimento, na perseguição e na morte. Ama até aqueles que O colocam na Cruz, perdoando-lhes tamanha barbaridade. Por amor.
       Mas vejamos os textos litúrgicos propostos para este 4.º Domingo da Quaresma. Vale a pena uma leitura demorada e sobretudo meditada (ou a meditar).
       Com a largueza de vistas com que Jesus nos presenteia habitualmente, não deixa margens para imaginações fantasiosas:
       «Assim como Moisés elevou a serpente no deserto, também o Filho do homem será elevado, para que todo aquele que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus não enviou o Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. Quem acredita n’Ele não é condenado, mas quem não acredita já está condenado, porque não acreditou em nome do Filho Unigénito de Deus. E a causa da condenação é esta: a luz veio ao mundo e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque eram más as suas obras. Todo aquele que pratica más ações odeia a luz e não se aproxima dela, para que as suas obras não sejam denunciadas. Mas quem pratica a verdade aproxima-se da luz, para que as suas obras sejam manifestas, pois são feitas em Deus».
       Sem mais. O Filho do Homem vai ser elevado da terra. A serpente é fator de saúde. Não morrerão os que olharem para ela. Jesus, levantado da terra, é a própria Salvação, Deus feito Homem que nos eleva com Ele, primeiro assumindo o nosso pecado, a nossa cruz, depois colocando-nos em Deus, na Luz eterna. Ele não veio para condenar o mundo, as pessoas, para mostrar as "garras" de um Deus irado, mas para ser Rosto de um Deus apaixonado, como na primeira hora, pela humanidade inteira, obra das Suas mãos.

       2 – Na mesma direção, a epístola de São Paulo à comunidade de Éfeso. O Apóstolo, uma vez mais, fala-nos ao coração. Fala-nos da vida, da salvação. Fala-nos do amor. Do amor oblativo, dádiva sem fim. É vida nova que se descobre em Jesus, na Sua morte e ressurreição. Todo o mistério pascal envolve Deus – Pai e Filho (Jesus Cristo: Deus no tempo, Deus connosco, Deus feito Homem) e Espírito Santo – que Se inclina, não sobre a Sua sombra, mas Se inclina sobre os filhos Seus, Se inclina como a Mãe se debruça para contemplar no regaço o filho nascido das suas entranhas, do seu amor.
       Belíssima esta carta que o Apóstolo nos escreve:
       "Deus, que é rico em misericórdia, pela grande caridade com que nos amou, a nós, que estávamos mortos por causa dos nossos pecados, restituiu-nos à vida em Cristo – é pela graça que fostes salvos – e com Ele nos ressuscitou e nos fez sentar nos Céus com Cristo Jesus, para mostrar aos séculos futuros a abundante riqueza da sua graça e da sua bondade para connosco, em Cristo Jesus. De facto, é pela graça que fostes salvos, por meio da fé. A salvação não vem de vós: é dom de Deus. Não se deve às obras: ninguém se pode gloriar. Na verdade, nós somos obra sua, criados em Cristo Jesus, em vista das boas obras que Deus de antemão preparou, como caminho que devemos seguir".
       A fé é relação, encontro, revelação, comunicação, diálogo, é comunhão. Muito antes de ser um código ético-jurídico. A fé cristã é viva. É vida. É Jesus. É cada um de nós, perante os outros, diante de Deus. É descoberta. Ressurreição e vida. Pelo pecado, morremos cada vez mais. O pecado afasta-nos, divide-nos, diaboliza a minha, a tua, a nossa vida, que deveria ser salutar, encantadora e feliz. Com a Sua vida – morte e ressurreição – Jesus restitui-nos à vida, coloca-nos para sempre à direita do Pai.
       A fé e a salvação não são uma conquista, uma usurpação da nossa parte. A salvação é dom de Deus. Ninguém Lhe tira a vida, é Jesus que no-la entrega por amor. As obras que realizamos são fruto da nossa fé, e do bem que Deus desde sempre colocou no nosso coração. As nossas boas obras hão de ser expressão da luz e do amor de Deus em nós.

       3 – De novo e sempre nos confrontamos com a realidade: a vida nova dada em Jesus Cristo esbarra com a violência que continua a impor-se no nosso mundo, no tempo atual. Mesmo que queiramos desviar o olhar, não é possível não ver os conflitos que se estendem e publicitam cada vez com maior espetacularidade; a fome, a guerra, a violência, as agressões contra pessoa e contra a própria natureza; não é possível não ver a corrupção, a usura, a prepotência de uns poucos à custa de muitos; o serviço público ao serviço de alguns. É mais difícil saber do sol quando o céu está nublado, fechado, escuro como o breu.
       O povo de Israel passou por tempos de grande provação e desânimo. Muitos obstáculos e dificuldades que a um tempo o deixava sem norte e a outro tempo a aprofundar a oração e a adesão à Palavra do Senhor.
       O pecado de uns e de outros, sempre prejudica todos. O bem e a santidade de uns e de outros, sempre beneficia a todos. O povo, no seu todo, há de pagar pelos erros e pecados dos seus líderes. As famílias e as comunidades sempre hão de pagar pelos pecados do egoísmo e da prepotência de algum dos seus membros.
       Mas vejamos o texto, do livro das Crónicas:
       "Assim se cumpriu o que o Senhor anunciara pela boca de Jeremias: «Enquanto o país não descontou os seus sábados, esteve num sábado contínuo, durante todo o tempo da sua desolação, até que se completaram setenta anos»... «Assim fala Ciro, rei da Pérsia: O Senhor, Deus do Céu, deu-me todos os reinos da terra e Ele próprio me confiou o encargo de Lhe construir um templo em Jerusalém, na terra de Judá. Quem de entre vós fizer parte do seu povo ponha-se a caminho e que Deus esteja com ele»". 
       As palavras de Jeremias, grande profeta de Israel, mostram, não o afastamento de Deus ou o castigo imposto por Ele ao povo, mas como o povo paga caro por ter desfeito os laços de amizade, de sadia convivência, de solidariedade, de coesão social e religiosa. Para lá das contingências próprias do tempo e da história. A união e a solidariedade ajudam a superar as provações.
       Estamos a caminho, já se vislumbra a LUZ que há de vir para a todos reconduzir a Jerusalém. Nós não nos esquecemos da promessa, e muito menos Deus se há de esquecer. "Apegue-se-me a língua ao paladar, se não me lembrar de ti, se não fizer de Jerusalém a maior das minhas alegrias". Voltemos a Jerusalém, a nossa alegria, o nosso encontro com Deus.
       O tempo nosso, ainda que implique feridas e sofrimentos, é impulsionado pela Luz que nos atrai de Jesus Cristo, que passa pelas frestas da Cruz, e nos impele às alturas, ao regaço de Deus, Pai e Mãe.

Textos para a Eucaristia (ano B): 2 Cr 36,14-16.19-23; Ef 2,4-10; Jo 3,14-21.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Eu serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo

       Jeremias é um dos Profetas maiores do judaísmo. Assim considerado também pelo tamanho dos seus escritos, a quem é também atribuído o Livro das Lamentações. É um dos profetas mais conhecidos, citado em outras partes da Escritura Sagrada, é profeta da interioridade, sublinhando a necessidade e a urgência da conversão interior, da adesão à vontade de Deus, da mudança de vida, de procurar atender às pessoas mais frágeis, de praticar a justiça e o bem, de viver honestamente, não cedendo aos interesses instalados. Dá-nos nota que as palavras que prega é a sua forma de viver. Na sua vida transparece a Palavra de Deus. Isso vai custar-lhe a perseguição constante. É um sinal de contradição. Expõe com a sua vida, com a sua postura, todos aqueles que se desviam do caminho do Senhor e se aproveitam das pessoas mais simples.
       Vejamos o texto que nos é proposto para este dia:
Assim fala o Senhor: «Foi isto que ordenei ao meu povo: ‘Escutai a minha voz, e Eu serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo. Segui sempre o caminho que vou indicar-vos e sereis felizes’. Mas eles não ouviram nem prestaram atenção: seguiram as más inclinações do seu coração obstinado, voltaram-Me as costas, em vez de caminharem para Mim. Desde o dia em que os seus pais saíram da terra do Egipto até hoje, enviei-lhes todos os profetas, meus servos, dia após dia, incansavelmente. Mas eles não Me ouviram nem Me prestaram atenção: endureceram a sua cerviz, fizeram pior que seus pais. Se lhes disseres tudo isto, não te escutarão; se chamares por eles, não te responderão. Por isso lhes dirás: Esta é a nação que não ouviu a voz do Senhor seu Deus e não quis aceitar os seus ensinamentos. Perdeu-se a fidelidade, foi eliminada da sua boca» (Jer 7, 23-28).
       Jeremias, neste trecho, lamenta o desvio do povo e como Deus insiste em enviar mensageiros, profetas. Deus não desiste de nós. Porém, nem sempre estamos na disposição de acolher a Sua voz, a Sua palavra.
       Para Deus importa a nossa vida, a nossa felicidade. Seguir os seus preceitos não é uma imposição que nos castiga, mas uma proposta de libertação, de reconciliação e de comunhão, uns com os outros e como povo.