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sexta-feira, 1 de setembro de 2017

VL – A árvore a cair e a floresta a arder

       Depois de Pedrógão Grande, tragédia que abalou o país, outros incêndios e muitos fogos ateados pela comunicação social, pelos políticos e por muitas pessoas de boa vontade, pelo menos ao nível das intenções.
       Sobre alguns assuntos todos opinam, mesmo desconhecendo o contexto, a raiz, as responsabilidades. Já muito se disse sobre incêndios. Uns desculpam-se. Outros atacam, acusam, lançam farpas. Outros remetem para o passado, a estruturação da floresta, a orgânica das autoridades, a fiabilidade das comunicações. Outros delimitam o tempo no presente. Calor intenso, erros na abordagem aos incêndios, desconhecimento do terreno, falta de coordenação, escassez de meios e de pessoas. E, claro, há quem supostamente ganhe muito dinheiro com isto! Pois, dizem, os incêndios mexem com muitos interesses, fazem gerar a economia.
       É importante discutir a ordenação florestal, a estruturação dos meios e a hierarquização das responsabilidades. É preciso olhar para hoje e para amanhã. As raízes ajudam a enfrentar o vendaval. Há que avaliar e ponderar as fraquezas e as potencialidades, para que no futuro não se cometam erros semelhantes.
       Porém, o que aqui me traz não são essas questões, por mais importantes que sejam. Esta semana, ainda que outros já o tenham feito, gostaria de falar sobre generosidade, voluntariado, serviço e dedicação ao próximo. Também aqui houve situações que não correram da forma mais adequada, perante a grandeza da calamidade, a rapidez, e a resposta de centenas, de milhares de pessoas, prontas para dar alimentos e roupas, prontas para ir ao local ajudar as pessoas, as famílias que foram afetadas.
       É, todavia, um primeiro aspeto a sublinhar: prontidão na ajuda perante a espetacularidade das imagens que (ainda) comoveram as pessoas. Um dos perigos a que Francisco tem feito referência amiúde é o facto da repetição de imagens de violência, desgraças e miséria, sangue, crianças na valeta, criarem pessoas indiferentes. Sublinha o Papa: quando a Bolsa de Valores desce um ponto percentual, logo a comunicação social, os economistas e os políticos se agitam. Morrem centenas de crianças à fome e já faz parte da paisagem.
       Na maioria dos meios de comunicação deu-se mais importância à flatulência de Salvador Sobral que aos milhares de voluntários dispostos a ajudar e aos milhões de euros recolhidos por diversas instituições. Longos minutos para a crítica, para denúncias... e quase despercebida a imensa multidão de pessoas lançadas para minorar o sofrimento das vítimas dos incêndios… Mas como sói dizer, o bem não faz barulho… uma árvore a cair faz muito mais barulho que uma floresta inteira a crescer…

Publicado na Voz de Lamego, n.º 4422, de 25 de julho de 2017

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Mensagem de D. António Couto para a Quaresma 2015


QUARENTA DIAS DE ORAÇÃO E 24 HORAS DE PERDÃO


1. Na sua mensagem para esta Quaresma, o Papa Francisco lança um forte apelo contra a indiferença generalizada e globalizada, que se instala no nosso coração e o anestesia e endurece, tornando-nos insensíveis. A indiferença é, diz o Papa, uma reclusão mortal em nós mesmos, e desafia, por isso, as nossas paróquias e comunidades a serem ilhas de misericórdia no meio deste vasto mar de indiferença. E contra a dureza enrugada do nosso coração, o Papa propõe a beleza e leveza, sem rugas, da graça e do perdão, uma Igreja maternal, vigilante, compassiva e comovida, com «um coração que vê», como uma mãe sempre atenta, uma mão sempre estendida para manter entreaberta a porta do amor e do perdão, a porta de Deus (Salmo 106,23).


2. Para tornar as coisas mais palpáveis e visíveis, o Papa propõe mesmo a realização de um «Dia do Perdão», 24 horas de reconciliação, a levar a efeito na Igreja inteira nos dias 13 e 14 de Março, de meia tarde a meia tarde, sob o lema: «Deus, rico de misericórdia» (Efésios 2,4). Peço, por isso, encarecidamente, a todos os sacerdotes que convoquem as comunidades paroquiais para este exercício de renovação das pautas do coração através da oração, da escuta atenta e qualificada da Palavra de Deus, da vivência da Eucaristia, do Sacramento da Reconciliação e da prática da caridade. Não deixemos de dar corpo e alma a este «Dia do Perdão», para o qual o Papa Francisco nos convoca.


3. Façamos, amados irmãos e irmãs, do tempo da Quaresma um tempo de diferença, e não de indiferença. Dilatemos as cordas do nosso coração até às periferias do mundo, e que o nosso olhar seja de graça para os nossos irmãos de perto e de longe. Façamos um exercício de verdade. Despojemo-nos, não apenas do que nos sobra, mas também do que nos faz falta. Dar o que sobra não tem a marca de Deus. Jesus não nos deu coisas, algumas coisas para o efeito retiradas da algibeira, mas deu por nós a sua vida inteira. Dar-nos uns aos outros e dar com alegria deve ser, para os discípulos de Jesus, a forma, não excecional, mas normal, quotidiana, de viver (Atos 20,35; cf. Tobias 4,16). Como em anos anteriores, peço aos meus irmãos e irmãs das 223 paróquias da nossa Diocese de Lamego para abrirmos o nosso coração a todos os que sofrem aqui perto e lá longe.

4. Neste sentido, vamos destinar uma parte da nossa esmola quaresmal para o Fundo Solidário Diocesano, para aliviar as dores dos nossos irmãos e irmãs de perto que precisam da nossa ajuda. Olhando para os nossos irmãos e irmãs de longe, vamos destinar outra parte do esforço da nossa caridade para apoiar os 25 Centros de Recuperação Nutricional (CRN) da Guiné Bissau. Esta mão de amor estendida até à Guiné Bissau traduz-se no apoio concreto a 60.000 crianças (dos 0 aos 6 anos), enquadradas em 10.000 famílias e 320 comunidades. Lembro que a mortalidade infantil (dos 0 aos 5 anos) atinge, na Guiné Bissau, a cifra altíssima de 27,4%, muito devido à subnutrição e parcos cuidados de higiene e de saúde. Estes 25 Centros de Recuperação Nutricional, geridos por Congregações Religiosas com a coordenação da Cáritas da Guiné Bissau, representam um pouco mais de esperança para as crianças guineenses. A Fundação Fé e Cooperação (FEC), que foi instituída em 1990 pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e pela Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal (CIRP), e que este ano celebra 25 anos de existência, diálogo, fé e cooperação, encontra-se também a trabalhar no terreno guineense, dando apoio a estes 25 Centros de Recuperação Nutricional. Serão os membros desta instituição da Igreja Católica que levarão a nossa esmola para as crianças da Guiné Bissau, e velarão pela sua eficaz aplicação. Esta finalidade da nossa Renúncia ou Caridade Quaresmal será anunciada em todas as Igrejas da nossa Diocese no Domingo I da Quaresma, realizando-se a Coleta no Domingo de Ramos na Paixão do Senhor.

5. Com a ternura de Jesus Cristo, saúdo, no início desta caminhada quaresmal de 2015, todas as crianças, jovens, adultos e idosos, catequistas, acólitos, leitores, salmistas, membros dos grupos corais, ministros da comunhão, membros dos conselhos económicos e pastorais, membros de todas as associações e movimentos, departamentos e serviços, todos os nossos seminaristas, todos os consagrados (em ano a eles consagrado), todos os diáconos e sacerdotes que habitam e servem a nossa Diocese de Lamego ou estão ao serviço de outras Igrejas. Saúdo com particular afeto todos os doentes, carenciados e desempregados, e as famílias que atravessam dificuldades. Uma saudação muito especial a todos aqueles que tiveram de sair da sua e da nossa terra, vivendo a dura condição de emigrantes.

Lamego, 18 de Fevereiro de 2015, Quarta-feira de Cinzas
Na certeza da minha oração e comunhão convosco, a todos vos abraça o vosso bispo e irmão,

+ António.

domingo, 30 de março de 2014

Comunicação globalizada » Globalização da Indiferença

       Nunca como hoje os meios de comunicação social, mas também os meios de transporte, nos tornam tão vizinhos e no entanto continuamos distantes, talvez até mais que no passado.
       As pessoas conheciam os vizinhos pelo nome, tinham as portas abertas para quem chegava, e para saírem ao encontro dos outros. Qualquer necessidade poderia ser satisfeita com a ajuda do vizinho. Hoje temos as portas e janelas fechadas, não apenas as de casa mas também as do coração.
       No mesmo instante estamos em contacto com o fim do mundo, com alguém que não conhecemos de parte nenhuma mas que nos faz felizes por o vermos, por vermos o sucesso que tem ou nos entristecemos com os desaires daquele ator, daquela cantora, daquela pessoa que lançou uma campanha para ajudar um cão, ou daqueloutro que andou à batatada com a sogra.
       E à nossa volta? Tão perto e tão distantes. Passamos e andamos. E o “tudo bem” não é uma pergunta, é uma mera formalidade. Cumprimentamos alguém mas não queremos saber da pessoa. Talvez, como já o referimos por aqui, queiramos saber alguma coisa sobre ela, mas não o que sente, o que precisa, o que se passa na sua vida.
       Facilmente estamos em contacto com meio mundo. Trocamos mensagens, informações, o que gostamos, o que lemos, tantas centenas, milhares, de amigos virtuais, gastamos algum ou bastante tempo a postar belas frases, a sugerir pensamentos bem formulados, por vezes para os outros, não para nós, pois não precisamos. Porém, desconhecemos quem mora ao lado, o que faz, o que precisa. Desconhecemos o seu nome. Podemos até cruzar-nos com ele, ou embater contra ele, mas não nos toca. Podemos estar tão perto e tão longe uns dos outros. A aldeia é global, no conhecimento, na informação, na democratização cultural e religiosa, podemos até ser especialistas em bricolage e fabricar a nossa religião e a nossa ideologia. E diga-se que os meios de comunicação social, as redes que nos aproximam virtualmente, são uma oportunidade, um dom de Deus, ajudam a resolver problemas, a diagnosticá-los e formular soluções, a encontrar instrumentos para melhorar a vida uns dos outros, aproximam pessoas, ajudam a encontrar outras que desapareceram, facilitam campanhas de solidariedade, permitem a sensibilização para problemas atuais, de pessoas a animais e à natureza, e por vezes tribalizam-nos em alguns grupos de reflexão, de debate, de acusações, de críticas.
       Também o ambiente digital precisa de conversão e é necessário que não desfoque o nosso coração e o nosso olhar das pessoas que nos rodeiam e das suas necessidades. Porque é que as pessoas gritam, pergunta um discípulo ao seu Mestre. Não é pela surdez de algum deles, mas por terem o coração fechado, distante, alheado. Não conseguem escutar-se. Mutatis mutandis, a globalização económica, política, cultural e até religiosa, não corresponde à melhoria na vida das pessoas e não resolve as suas inquietações existenciais. Por outro lado, tem-se dado também a globalização da indiferença. São tantas as situações discutidas até à exaustão que já não chocam, já não emocionam. Não mobilizam. Já fazem parte do quotidiano. Este é um risco elevado.
       Temos os meios, há que colocar neles o nosso coração, o nosso compromisso. Não esperemos pelo ideal. Localizemo-nos, predispondo-nos a globalizar a caridade, a proximidade física e afetiva. Também isto é ser cristão, também por aqui a nossa conversão. A nossa visão tem diversas focalizações, pode ver bem ao longe e mal ao perto. Pode ver bem ao perto e esquecer o que vem lá. A árvore não nos impeça de ver a floresta, mas por causa desta não esqueçamos só existe porque há muitas árvores…

Publicado (abreviadamente) na VOZ DE LAMEGO, n.º 4257, de 25 de março de 2014

domingo, 17 de novembro de 2013

10 Mandamentos para um futuro sem Fome

1 - Contribui para que todas as pessoas tenham o suficiente para comer.
2 - Não cobices o pão do teu vizinho.
3 - Não guardes para ti os alimentos que fazem falta a pessoas necessitadas.
4 - Honra a terra e o trabalho para combater as alterações climáticas e para que todos tenham uma vida mais longa e uma terra melhor.
5 - Vive de acordo com o teu próprio estilo de vida.
6 - Não cobices a terra ou a propriedade do teu vizinho.
7 - Usa um política agrícola para reduzir a fome e não aumentá-la.
8 - Toma uma atitude contra os governos corruptos e aqueles que os seguem.
9 - Ajuda a evitar conflitos armados e guerras.
10 - Combate a fome de forma eficaz através da ajuda ao desenvolvimento.

sábado, 28 de setembro de 2013

XXVI Domingo do Tempo Comum - ano C - 29 de setembro

       1 – A ganância desbarata a inteligência e destrói o tecido familiar e social. Com conta, peso e medida, a ambição integra o desejo de melhorar as condições de vida. No plano da fé, a ambição é um projeto de santidade que nos compromete diante de Deus e diante do próximo, todos os dias, procurando crescer, amadurecer, tornarmo-nos melhores, mais sãos.
       O desenvolvimento humano, em todas as suas vertentes, aproxima as pessoas e os povos, facilita a comunicação, torna mais democrático o acesso aos bens materiais e culturais. A criação não é exclusiva deste ou daquele, é património da humanidade inteira, mesmo reconhecendo o direito à propriedade privada. As matérias-primas, extraídas da terra que nos irmana, são de todos e para todos. O progresso deve-se ao génio humano. A criação, não! Está antes da vida, antes do ser humano. Tudo o que venha a desenvolver-se, científica e tecnologicamente, é devedor da terra. Os bens da criação não têm proprietários, mas administradores. Excluir outros destes bens é roubar-lhes o direito à terra, à vida, à alimentação, aos lucros da exploração do planeta, ainda que tenhamos contribuído com a nossa inteligência e dedicação. Não faz sentido tornarmo-nos donos daquilo que estava cá antes de nós e que vai ficar depois de nós. E mesmo a evolução científica, tecnológica, cultural, é devedora das gerações passadas. A terra recebemo-la como herança, para todos, deixá-la-emos aos nossos filhos. Não podemos quebrar a cadeia, não podemos transmitir só uma parte da terra. Não é nossa. É roubar o futuro a todos aqueles que estão para vir.
       Em lógica crente, mais se acentua a responsabilidade pelos outros. Não somos ilhas. A resposta de Caim continua a ser dada – acaso sou guarda do meu irmão? –, mas logo combatida por Deus. A vinda de Jesus mostra que o próprio Deus Se entranha no meio de nós, assumindo-nos como filhos. Não vale matar o irmão, destruir a sua vida, ou ser, ativa ou omissamente, facilitador da miséria do outro. O que acontece a um dos Seus filhos afeta os outros. Qual é a maior alegria dos Pais se não ver os filhos bem, todos os filhos? Se um está em sofrimento, os pais (o Pai) continuam a sofrer. Ofendemos um irmão, ofendemos a Deus, ofendemo-nos a nós próprios, já que, em sentido lato, o outro é do nosso sangue, da nossa carne, tem a mesma origem e o mesmo destino.
        2 – Mais uma parábola extraordinária de Jesus. O rico avarento e o pobre Lázaro.
       O rico não tem nome. Jesus não identifica os fautores do mal. Os pobres têm nome, devemos conhecê-los pelo nome. Na alegria todas as famílias são iguais, na tristeza cada uma sofre à sua maneira. Na abundância e na riqueza somos mais iguais. Na avareza não nos diferenciamos, tenhamos muito ou pouco. A pobreza tem rostos e tem nomes. Na sociedade deste tempo contam sobretudo como número. Tantos pobres. Tantas famílias sobre endividadas. Tantos desempregados. Tantos a passar necessidade. Tantos a morrer de fome. Tantas crianças subnutridas.
       A estatística pode ajudar a perceber o flagelo da fome. Porém, enquanto houver uma pessoa com fome, a viver na miséria, mesmo que já não entre nas contagens oficiais, não podemos cruzar os braços e assobiar para o lado como se não fosse nada connosco. É comigo. É contigo. Ajudar a matar a fome e a criar condições para que aquela pessoa possa gerir autonomamente a sua vida. É necessário dar o peixe e logo ajudar a pescar.
       Como tem vindo a acentuar o Papa Francisco, é revoltante ver como os governantes, e a comunicação social, se alarmem com a descida de um por cento na bolsa e silenciem a morte de milhares de pessoas que todos os dias morrem à fome.
       O desemprego é, neste contexto, um drama. A pessoa que não tem emprego, mesmo que conte com a ajuda da família, ou com a subsidiariedade (obrigatória) do Estado, está carente da sua realização, colocando em causa a dignidade de ser pessoa.
       É Lázaro que pede as sobras, as migalhas que caem da mesa, e que mais facilmente damos aos cães, fazendo deles nossa família. Tratar bem os animais, mas sem esquecer a primazia que o outro nos merece, este sim nosso irmão, carne da minha carne, osso dos meus ossos… Lázaro – Deus ajuda. Sempre ajuda através de nós. Deus está de forma privilegiada no pobre, no mais pequenino. As migalhas que caem das nossas mesas, alimentos desperdiçados, correspondem ao PIB da Suíça, 1,3 mil milhões de toneladas que vão para o lixo todos os anos. 870 milhões de Lázaros.
        3 – A época que atravessamos é particularmente marcada por contradições e paradoxos. Sinais preocupantes de individualismo e logo ao lado tantos gestos de partilha, abnegação, de solidariedade.
       Quando o ser humano se fecha e se fixa como centro, como medida de todas as coisas, o sério risco de se tornar deus para os demais. Igualmente perigoso é endeusar o dinheiro, a riqueza, os bens materiais. Se a pessoa é escrava dos bens que deveriam facilitar a sua vida acabará na ruína (afetiva, emocional, como ser humano).
       No Evangelho alguém se acerca de Jesus para lhe pedir a intervenção junto do irmão para que reparta a herança. Resposta pronta de Jesus – ninguém me fez juiz das vossas partilhas. A palavra de Deus não é para justificar a nossa inveja ou obrigarmos os outros a partilhar. A fé, o compromisso com Cristo, obriga-me. Obriga-te. Compromete-nos. Aquele que quiser ser o maior seja o servo de todos. Só seremos verdadeiramente discípulos se e quando nos identificarmos com o Mestre, que dá TUDO e Se entrega TOTALMENTE a nós, dá-nos o próprio Céu como herança.
       Se há uma pessoa com uma fortuna incalculável, e há muitas, voz corrente: essa pessoa podia ajudar mas o dinheiro é dela e que faça o que bem entender. Sim e não. Atente-se à celeuma provocada por uma entrevista a um jovem milionário, que numa noite de festa, terá gastado € 30.000,00. Escandaloso disse a jornalista. Vieram muitos à praça, alguns com a mesma opinião, quase crucificar a entrevistadora, e o entrevistado tornou-se rapidamente popular. Refira-se de novo, o compromisso cristão compromete-nos. Não obriga outros.
       Há muitas outras nuances. Os ordenados elevadíssimos de jogadores de futebol, ou de outras profissões, até na classe dos jornalistas, cuja solidariedade poderia minorar a situação em que se encontra o país. Tudo bem. Alguém tem uma fortuna: ganhou-a honestamente, como herança ou fruto do trabalho, paga de forma justa aos seus empregados, cria mais emprego, paga os respetivos impostos no país onde gera a riqueza. Não haverá muito mais a reclamar. Mais fácil se tolera que um jogador ganhe pelo seu talento que um génio farmacêutico, ou informático…
       Os bens que possuímos são devedores de outras inteligências, de outros tempos, e toda a fortuna é gerada “à custa” de outros, nem sempre devidamente compensados. Pelo meio fica o trabalho infantil, mão-de-obra baratíssima, abusando da necessidade de pessoas e famílias carenciadas. Os recursos naturais, por vezes, são desbaratos em países com necessidade de capital, para já não falar na corrupção.
       4 – Há aqui uma linha que separa. Para Jesus, se há um Lázaro, eu sou responsável por ele. Se o deixo à fome, estou a desviar-se da minha identidade, da minha filiação, do meu compromisso batismal. Como bem disse Santo Ambrósio, aquilo que damos aos pobres como esmola não nos pertence, é deles por direito. A lei que nos obriga é a Lei do Amor.
       No início da crise económico-financeiro e perante o colapso dos bancos, os governos injetaram nos bancos dinheiro mais que suficiente para acabar com a fome no mundo inteiro. Conclusão: existe fome no mundo por que não há vontade política de a irradiar.
       Na parábola deste dia, Jesus volta à perspetiva do Juízo final. O bem ou o mal que fazemos trará consequências no futuro, aqui na terra ou na eternidade. O rico avarento há de ser julgado pelo egoísmo e pela indiferença e desprezo com que tratou os Lázaros que bateram à sua porta. E nós também. Como refere D. António Couto, chegará o dia em que levantará o olhar para Deus…
       O profeta Amós, como há oito dias, é categórico na denúncia do fosso de indiferença do rico para com o pobre: «Ai daqueles que vivem comodamente em Sião e dos que se sentem tranquilos no monte da Samaria. Deitados em leitos de marfim, estendidos nos seus divãs, comem os cordeiros do rebanho e os vitelos do estábulo. Bebem o vinho em grandes taças e perfumam-se com finos unguentos, mas não os aflige a ruína de José. Por isso, agora partirão para o exílio à frente dos deportados e acabará esse bando de voluptuosos».

       5 – Como conclusão, o desafio de Paulo a Timóteo e a cada um de nós: “Tu, homem de Deus, pratica a justiça e a piedade, a fé e a caridade, a perseverança e a mansidão. Combate o bom combate da fé, conquista a vida eterna... Guarda o mandamento do Senhor, sem mancha e acima de toda a censura, até à aparição de Nosso Senhor Jesus Cristo...”

Textos para a Eucaristia (ano C): Am 6, 1a.4-7; 1 Tim 6, 11-16; Lc 16, 19-31.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

COMUNICADO da Diocese de Lamego...

Comunicado

O Sr. D. António José da Rocha Couto, Bispo de Lamego, em conjunto com o presbitério da Diocese e, em particular, os Reverendos P. Amadeu Costa e Castro e P. José Filipe Mendes Pereira, Párocos de Pereiro, concelho de Tabuaço, vêm, por este meio, manifestar a sua proximidade às vítimas e seus familiares do trágico acidente que, na manhã deste Domingo, dia 15 de Julho, vitimou uma pessoa e deixou feridas, com certa gravidade, outras cinco. Todas elas, bem como a Comunidade Paroquial de Pereiro, estão no pensamento e nas orações do Sr. Bispo e dos fiéis da Diocese de Lamego, que invocam a ajuda de Deus para superar este momento difícil e trágico.

Lamego, 15 de Julho de 2012
Diocese de Lamego - Gabinete de Comunicação, DIOCESE DE LAMEGO.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Morrer é só não ser visto...

       O verso certeiro de Fernando Pessoa que diz «Morrer é só não ser visto» ganhou, nos últimos dias, significados que nos deveriam desassossegar. As notícias que dão conta dos idosos que vivem e morrem em total solidão mostram-nos como a frase de Pessoa não é apenas uma alusão simbólica à invisibilidade dos mortos, mas se tornou uma descrição literal do que, entre nós, acontece aos vivos. Num número que ninguém ainda consegue bem quantificar, mas que os poucos indicadores dão como preocupante e crescente, multiplicam-se as situações de isolamento humano, sobretudo na terceira idade, precisamente quando o cuidado e o acompanhamento deveriam ser redobrados.
       Por vezes, no cruzamento apressado das horas, deparamos com um rosto idoso que nos olha por detrás de uma janela, na nesga quase oculta de uma cortina, e fazemos por não pensar muito nisso. Mas que nos dizem esses olhos Que nos dizem esses olhos que nos olham em silêncio, sedentos de proximidade e de palavra; esses olhos para quem tudo é adiado; esses olhos que se sabem deixados para o fim ou nem isso; esses olhos impotentes e, ainda assim, tão doces; esses olhos que tacteiam as coisas e já não estão certos de as reconhecer ou de as poder activar; esses olhos que desistem um milhão de vezes por dia e nenhuma delas sem dor; esses olhos que se deixaram sequestrar pela televisão a tempo inteiro; esses olhos vazios do que não viram, mas que não desistem de esperar; esses olhos atrapalhados na geografia que alteramos sem aviso; esses olhos que não conseguem perceber a literatura incluída de um mundo que, sem o merecerem, lhes é hostil? Sim, que nos dizem os olhos que encontramos regularmente por anos a fio, ou mesmo só por uns meses, que nos habituamos a reconhecer na nossa paisagem anónima e distraída e, de repente, deixamos de ver? «Morrer é só não ser visto». Deveríamos escrever o verso de Pessoa na Constituição da República e no nosso coração.

Pe. José Tolentino Mendonça, Editorial da Agência Ecclesia.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Hora dos bons interromperem o silêncio

“O que mais preocupa não é o grito dos violentos,
nem dos corruptos,
nem dos desonestos,
nem dos sem caráter,
nem dos sem-ética.
O que mais preocupa é o silêncio dos bons”.
                                                 Martin Luther King


       Vivemos, hoje, momentos complexos que ao longo dos anos não quisemos admitir que era o tempo da mudança. A mudança do mundo a que João XXIII foi sensível aprofundou-se e acelerou. A Gaudium et Spes assumiu-o claramente: “verificam-se transformações profundas nos nossos dias, nas estruturas e nas instituições dos povos, que acompanham a sua evolução cultural, económica e social” (G.S. nº 73).
       Meio século depois, os efeitos da mudança contínua alteraram o rosto da humanidade, mudaram os valores das civilizações e traçaram um novo quadro para o sentido da vida, individual e coletiva. E os cristãos não ficaram imunes a esta transformação, mudaram ao ritmo da sociedade, encontrando, em geral, a chave da interpretação da vida e da história, na mudança da sociedade, e não no Evangelho e na fé como fonte de uma compreensão global da existência.
       A transformação tornou-se mais solidária e interventiva, daí a vasta rede de instituições de solidariedade social existentes no nosso País, muitas das quais situadas na área de influência da Igreja Católica, contribuindo para a mudança de paradigma e seu enorme impacto na erradicação da pobreza. Contudo, sabemos que não chega fazer mudanças particulares se vivemos num Estado que gere o dia a dia dos cidadãos, criando-lhes dificuldades de acessos básicos do viver, em vez da melhoria do bem-estar individual e coletivo.
       Exemplo disso é o novo imposto extraordinário, aprovado recentemente e, que irá incidir sobre o subsídio de Natal, afetando milhares de pessoas, nomeadamente os dependentes e pensionistas. Entre tantas outras medidas de austeridade, esta é mais uma grave decisão governamental que coloca as famílias numa situação ainda mais complicada.
       É neste contexto, que as ações desenvolvidas pela Caritas Portuguesa (atuando através das Caritas diocesanas), na conceptualização e na inovação da intervenção social, surgem com particular relevo.
       Em concreto, a Operação 10 Milhões de estrelas – um Gesto pela Paz, apresenta-se como uma resposta na promoção da justiça social e da solidariedade, num momento complexo e ímpar das famílias portuguesas. O apelo à importância das verbas recolhidas por cada Caritas diocesana reforça a eficácia que cada um de nós poderá ter na divulgação e promoção desta ação, contribuindo para o pleno sentido do agir humano tendo em vista o bem comum.
       Através da iniciativa Operação 10 Milhões de estrelas – um Gesto pela Paz, a Caritas Portuguesa lança uma mensagem clara de solidariedade e apela aos cidadãos, em particular aos cristãos, para se mobilizarem em torno dos mais carenciados contribuindo com a compra de uma vela pelo preço de 1 euro.
       Diante do quadro atual de crise, ninguém pode permanecer passivo, como se as soluções para os problemas pessoais e coletivos pudessem vir dos outros, sem o contributo de cada um. O debate que é preciso fazer não deve situar-se apenas ao nível das premissas e dos valores, mas deve igualmente sugerir ações que possam promover a solidariedade.
       A hora difícil que estamos todos a viver ao nível dos valores humanos, requer uma profunda reflexão e o envolvimento alargado da sociedade portuguesa, na resposta aos desafios que se colocam. E dessas respostas sairá a possibilidade de construir, em consenso, uma Economia ao serviço do ser humano e uma Política que a ajude a encontrar-se e a cumprir as tarefas de uma civilização que tem de ser cada vez mais humana.
       Porém, a força e a potência criadora, Deus, é sempre a mesma. Por conseguinte, é no encontro com Deus que os homens e mulheres se transformam fazendo uma história de vida humana em comunhão com uma história divina. Esta é a hora dos bons interromperem o seu silêncio!

Bernardino Silva, Coordenador nacional da Operação 10 Milhões de estrelas – um Gesto pela Paz

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Natal com menos... Natal melhor

       Ser hoje luz num tempo de sombras, parece ser o “destino” de cada um de nós no tempo que passa, num tempo que passa e que dói, que dói esta dor funda da impotência, da impotência diante dos gigantes das sombras que se agigantam e que parecem querer tomar de assalto tudo o que mexe, tudo o que respira e tudo o que sonha.

       Por isso hoje é tempo de NATAL com menos, mas um Natal melhor!
       O mundo, o país e cada um de nós, vive tempos de esperança e de mudança, em que o novo surge como a nova fronteira a conquistar, mas onde o medo e os medos teimam em formar barreira diante dos olhos, destes olhos feitos para ver a luz, feitos para encarar o medo, feitos para não terem de ver o sol só refletido nos charcos.

       Por isso hoje é tempo de NATAL com menos, mas um Natal melhor!
       Se calhar, a maior conquista do tempo do medo que passa, foi precisamente esta de nos ter tirado a capacidade de ousar levantar a cabeça, de ousar olhar para além do imediato do já, em direção ao menos “imediato” do ainda não, mas que está e vive em tensão de devir, de futuro, de projeção para diante, num diante que encontra a utopia e faz dela o sonho, um sonho que vence o medo, um sonho que se abre à luz.

       Por isso hoje é tempo de NATAL com menos, mas um Natal melhor!
       É por aqui que passa o segredo, este segredo que invejosamente levamos dentro sem partilhar, que envergonhada e pudicamente escondemos e que não conseguimos dar à luz e que nos faz gemer, gemer as dores do parto que tarda, gritar o grito das vozes caladas.

       Por isso hoje é tempo de NATAL com menos, mas um Natal melhor!
       E no entanto, a gravidez do tempo existe, as dores do parto afligem-nos, o nascimento tarda em acontecer, e o meu povo sofre, e a minha gente grita, o grito surdo que a voz rouca não é capaz de calar, mas que o medo embota, e que o desespero não deixa encontrar a paz.

       Por isso hoje é tempo de NATAL com menos, mas um Natal melhor!
       Neste tempo de vozes que gritam, que gritam a esperança que não é, que gritam promessas que não são, que esboçam sorrisos que são só esgares, eu paro e pasmo, qual basbaque embrutecido diante do palácio da ignomínia alcandorado em conto de fadas, das mil e uma noites de uma aurora boreal que é só ilusão e nada, de um nada que teima em ser e de um ser que já não é.

       Por isso hoje é tempo de NATAL com menos, mas um Natal melhor!
       E eu caminho, oh sim, caminho ao mesmo tempo em direção ao nada e ao ser, em direção ao outro e a mim, em direção ao nada e ao tudo, deixando para trás o passado que já foi, indo ao encontro do futuro que parece tardar em vir, no presente que cada vez que se deixa tocar no futuro que se torna passado, porque afinal, não existe.

       Por isso hoje é tempo de NATAL com menos, mas um Natal melhor!
       E é aqui que começa a minha “crise”, a crise de saber quem sou, onde estou, como estou, quem serei, como serei, onde estarei, como estarei! E é aqui que me dou conta de mim, da minha pequenez de ser, mas de um ser que é, de um ser chamado à existência nesse espaço virtual entre o já e o ainda não, entre o abismo do tudo e a profundidade do nada, num silêncio às vezes só habitado por fantasmas e por vozes, onde a minha se confunde, mas não deixa de existir e de falar. E de dizer NATAL!

       Por isso hoje é tempo de NATAL com menos, mas um Natal melhor!
       Fantasmas e vozes de mim, deste ser que me habita e que eu procuro, deste ser que é e que é eternidade, uma eternidade que é já, que é este hoje do meu ser, que é ao mesmo tempo nada e tudo, porque sou eu, em relação comigo, em sorrisos e lágrimas, em alegrias e desesperos, em sonhos e fantasias, em “nadas” e em “tudos” que me habitam, que me “moram” onde eu moro, seja onde for, porque o meu “eu” não tem “lugar”, é, simplesmente, e pronto, comigo, em mim e para além de mim, porque infinito, porque eterno, porque tudo e porque nada, porque é, ao mesmo simultaneamente eternidade e tempo, imanência e transcendência, limite e infinito, kairós e eskaton, já e ainda não

       Por isso hoje é tempo de NATAL com menos, mas um Natal melhor!
       FELIZ NATAL!

Frei Fernando Ventura, franciscano capuchinho

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Parábolas sobre o Céu e o Inferno

       Quando frequentava o sétimo ano de escolaridade, há uns anos largos, o Livro de EMRC, trazia uma pequena história/parábola sobre o céu e o inferno:
Dois burros presos um ao outro, com dois fardos de erva, de cada lado. Cada um puxava para o seu monte e a corda não dava para que os dois chegassem ao respectivo monte em simultâneo. Cada um procurava comer do monte de erva que tinha pela frente. Resultou infrutífero. Era o inferno. Numa situação posterior, os dois burros juntaram-se e comeram primeiro de um monte e depois do outro. É o Céu. A partilha leva-nos a lucrar a todos. O egoísmo prejudica-nos a todos.
Uma outra parábola, recolhida sobre esta temática, cuja origem desconhecemos:
Pessoas com um rico manjar pela frente, à base de arroz. Uma condição: para comerem tinham que usar os pauzinhos (comer como os chineses), com dois metros de cumprimento. Cada qual tentava comer o seu manjar, sem se preocupar com o outro, apenas com a preocupação de não deixar nada. Nenhum conseguia comer. Era o inferno. A outra situação mostrava o mesmo manjar delicioso, com as pessoas, alegres e sorridentes, a estenderem a comida à pessoa que tinham à sua frente. Era o Céu. Todos conseguiam comer, saborear, apreciar o outro a comer!!! Partilha e solidariedade.
       Por vezes pequenas gestos decidem a vida e podem alterar o mundo que nos envolve. A atitude é fundamental. Uns diante das imensas dificuldades que a vida lhes coloca, lutam, lutam até vencerem. Outros, com tantas oportunidades mas que não mexem uma palha. Deixam como está. Mas como a história é dinâmica, deixar como está é contribuir para tornar o mundo pior.
       Não cabe aos outros decidir. Cabe a cada um de nós. A felicidade bate-nos à porta, tantas vezes, de tantas maneiras diferentes, em ocasiões diversas. escolhamos ser felizes com os outros. Se ainda assim for difícil, deixemo-nos surpreender por Deus...

Outros textos sobre esta temática, neste nosso blogue.
Ao procurarmos uma imagem que ilustrasse este post, encontramos a segunda imagem também blogada e talvez mais fiel à parábola original, aqui!

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Grão de uma romã - Hino contra a pobreza...

       A Associação CAIS apresenta este Hino Contra a Pobreza, como forma de assinalar o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, comemorado cada ano a 17 de Outubro.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Maria José Nogueira Pinto: servi o melhor que soube e pude!

       A última crónica de Maria José Nogueira Pinto, no Diário de Notícias, com o título: NADA ME FALTARÁ. A fé no momento da despedida, quando já não havia esperança para este mundo, a esperança na eternidade de Deus.
       "Acho que descobri a política - como amor da cidade e do seu bem - em casa. Nasci numa família com convicções políticas, com sentido do amor e do serviço de Deus e da Pátria. O meu Avô, Eduardo Pinto da Cunha, adolescente, foi combatente monárquico e depois emigrado, com a família, por causa disso. O meu Pai, Luís, era um patriota que adorava a África portuguesa e aí passava as férias a visitar os filiados do LAG. A minha Mãe, Maria José, lia-nos a mim e às minhas irmãs a Mensagem de Pessoa, quando eu tinha sete anos. A minha Tia e madrinha, a Tia Mimi, quando a guerra de África começou, ofereceu-se para acompanhar pelos sítios mais recônditos de Angola, em teco-tecos, os jornalistas estrangeiros. Aprendi, desde cedo, o dever de não ignorar o que via, ouvia e lia.
       Aos dezassete anos, no primeiro ano da Faculdade, furei uma greve associativa. Fi-lo mais por rebeldia contra uma ordem imposta arbitrariamente (mesmo que alternativa) que por qualquer outra coisa. Foi por isso que conheci o Jaime e mudámos as nossas vidas, ficando sempre juntos. Fizemos desde então uma família, com os nossos filhos - o Eduardo, a Catarina, a Teresinha - e com os filhos deles. Há quase quarenta anos.
       Procurei, procurámos, sempre viver de acordo com os princípios que tinham a ver com valores ditos tradicionais - Deus e a Pátria -, mas também com a justiça e com a solidariedade em que sempre acreditei e acredito. Tenho tentado deles dar testemunho na vida política e no serviço público. Sem transigências, sem abdicações, sem meter no bolso ideias e convicções.
       Convicções que partem de uma fé profunda no amor de Cristo, que sempre nos diz - como repetiu João Paulo II - "não tenhais medo". Graças a Deus nunca tive medo. Nem das fugas, nem dos exílios, nem da perseguição, nem da incerteza. Nem da vida, nem na morte. Suportei as rodas baixas da fortuna, partilhei a humilhação da diáspora dos portugueses de África, conheci o exílio no Brasil e em Espanha. Aprendi a levar a pátria na sola dos sapatos.
       Como no salmo, o Senhor foi sempre o meu pastor e por isso nada me faltou - mesmo quando faltava tudo.
       Regressada a Portugal, concluí o meu curso e iniciei uma actividade profissional em que procurei sempre servir o Estado e a comunidade com lealdade e com coerência.
       Gostei de trabalhar no serviço público, quer em funções de aconselhamento ou assessoria quer como responsável de grandes organizações.  Procurei fazer o melhor pelas instituições e pelos que nelas trabalhavam, cuidando dos que por elas eram assistidos. Nunca critérios do sectarismo político moveram ou influenciaram os meus juízos na escolha de colaboradores ou na sua avaliação.
       Combatendo ideias e políticas que considerei erradas ou nocivas para o bem comum, sempre respeitei, como pessoas, os seus defensores por convicção, os meus adversários.
       A política activa, partidária, também foi importante para mim. Vivi-a com racionalidade, mas também com emoção e até com paixão. Tentei subordiná-la a valores e crenças superiores. E seguir regras éticas também nos meios. Fui deputada, líder parlamentar e vereadora por Lisboa pelo CDS-PP, e depois eleita por duas vezes deputada independente nas listas do PSD.
       Também aqui servi o melhor que soube e pude. Bati-me por causas cívicas, umas vitoriosas, outras derrotadas, desde a defesa da unidade do país contra regionalismos centrífugos, até à defesa da vida e dos mais fracos entre os fracos. Foi em nome deles e das causas em que acredito que, além do combate político directo na representação popular, intervim com regularidade na televisão, rádio, jornais, como aqui no DN.
        Nas fraquezas e limites da condição humana, tentei travar esse bom combate de que fala o apóstolo Paulo. E guardei a Fé.
       Tem sido bom viver estes tempos felizes e difíceis, porque uma vida boa não é uma boa vida. Estou agora num combate mais pessoal, contra um inimigo subtil, silencioso, traiçoeiro. Neste combate conto com a ciência dos homens e com a graça de Deus, Pai de nós todos, para não ter medo. E também com a família e com os amigos. Esperando o pior, mas confiando no melhor.
       Seja qual for o desfecho, como o Senhor é meu pastor, nada me faltará.

MARIA JOSÉ NOGUEIRA PINTO

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Frei Ventura: Do eu solitário ao nós solidário...

       É este o título do Livro de Frei Fernando Ventura, "Do eu solitário ao nós solidário", e a motivação desta entrevista de Mário Crespo, na SIC Notícias... Algumas expressões que ficam: quando o povo passa fome, o rei não tem o direito de comer faisão... nenhum cidadão é um número... precisamos de políticos que morem cá... entregámos os últimos pães de esperança aos nossos governantes... pecado original/originante: querer ser Deus... é isso que mata o outro... já não falo de pecado original, porque com tanta gente a pecar há tanto anos já é muito difícil ser original porque aquele já alguém o fez... Adão e Eva eram portugueses, estavam de tanga e só tinham uma maça para comer e pensavam que estavam no paraíso...

quinta-feira, 26 de maio de 2011

O mestre e o escorpião

       «Um mestre do Oriente passeava junto ao rio, quando viu que um escorpião se estava a afogar e decidiu tirá-lo da água; mas quando o fez, o escorpião picou-o. Numa reacção instintiva à dor provocada pela picada, o mestre largou o animal que voltou a cair à agua e rapidamente se estava a afogar. O mestre tentou novamente salvá-lo, mas voltou a ser picado.
       Alguém que estava a observar a cena aproximou-se do mestre e disse-lhe:"Desculpe-me, mas o senhor é teimoso! Não entende que todas as vezes que tentar tirá-lo da água ele irá picá-lo?"
       O mestre respondeu: "A natureza do escorpião é picar, e isto não vai mudar a minha, que é ajudar”. Então, com a ajuda de uma folha, o mestre tirou o escorpião da água e salvou a sua vida.»

Autor desconhecido, in Abrigo dos Sábios.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

A Páscoa como compromisso social

       A Páscoa implica que os cristãos estejam atentos aos mais necessitados e se empenhem na melhoria das condições sociais, sublinhou esta manhã o Papa, durante a audiência geral realizada no Vaticano.
        “Cada cristão, assim como cada comunidade, se vive a experiência desta passagem da ressurreição, não pode não ser fermento novo no mundo, dando-se sem reserva pelas causas mais urgentes e mais justas”, afirmou Bento XVI.
       No discurso que proferiu na Praça de São Pedro, o Papa referiu que a certeza do céu (como imagem da vida eterna prenunciada pela ressurreição de Cristo) é inseparável do compromisso na terra (alusão à transformação do mundo).
       “É verdade que somos cidadãos de uma outra ‘cidade’, onde se encontra a nossa verdadeira pátria, mas o caminho para esta meta deve ser percorrido diariamente sobre esta terra”, realçou.
       Os cristãos, “crendo firmemente que a ressurreição de Cristo renovou o homem sem o tirar do mundo no qual constrói a sua história”, devem ser “testemunhas luminosas” da “vida nova” trazida pela Páscoa, frisou Bento XVI.
       Para o Papa, a “missão” dos fiéis consiste em “fazer ressurgir no coração do próximo a esperança onde há desespero, a alegria onde há tristeza, a vida onde há morte”, dando “à cidade terrena um rosto novo que favoreça o desenvolvimento do homem e da sociedade segundo a lógica da solidariedade” e da “bondade”.
       A alocução de Bento XVI incluiu uma saudação aos católicos da ilha italiana de Lampedusa, onde nas últimas semanas têm chegado embarcações com pessoas de origem africana e asiática.
       O Papa encorajou os cristãos locais a continuarem o “empenho de solidariedade” para com os migrantes, que encontram na ilha “um primeiro asilo de acolhimento”, e desejou que “os órgãos competentes prossigam a indispensável ação de tutela da ordem social no interesse de todos os cidadãos”.
       Referindo-se à “forma pascal” que a existência humana deve assumir, Bento XVI salientou que os cristãos devem partir da “compreensão autêntica da ressurreição de Jesus”.
       Este ressurgimento, explicou, “não é um simples retorno à vida anterior”, mas uma realidade que deixa de estar “submetida à caducidade do tempo” e passa a ficar “imersa na eternidade de Deus”.
       Nas palavras que proferiu em língua portuguesa, o Papa saudou em particular os “queridos peregrinos” de Lisboa e Sertã e os brasileiros de Poços de Caldas.
       “Não podemos guardar só para nós a vida e a alegria que Cristo nos deu com a sua Ressurreição, mas devemos transmiti-la a quantos se aproximam de nós. Assim, fareis surgir no coração dos outros a esperança, a felicidade e a vida!”, disse Bento XVI.
       Entre o domingo de Páscoa, que celebra a ressurreição de Cristo, e 12 de junho (dia de Pentecostes, palavra de origem grega que significa “cinquenta dias”), a Igreja Católica vive o “Tempo Pascal”, o período mais significativo do seu calendário litúrgico.