A terceira Carta Encíclica de Bento XVI empresta o título a este blogue. A Caridade na Verdade. Agora permanecem a fé, a esperança e a caridade, mas só esta entra na eternidade com Deus. Espaço pastoral de Tabuaço, Távora, Pinheiros e Carrazedo, de portas abertas para a Igreja e para o mundo...
Mostrar mensagens com a etiqueta Tempo Pascal. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Tempo Pascal. Mostrar todas as mensagens
sexta-feira, 6 de junho de 2025
sábado, 3 de maio de 2025
sexta-feira, 17 de maio de 2024
sábado, 11 de maio de 2024
sexta-feira, 12 de abril de 2024
sábado, 4 de maio de 2019
sexta-feira, 11 de maio de 2018
A vossa tristeza converter-se-á em alegria...
Em vésperas de celebramos a Ascensão do Senhor, que entre nós se celebra no próximo domingo, Jesus previne os discípulos dos tempos que se aproximam. O texto dos Atos dos Apóstolos mostram como Jesus, através do Espírito Santo, cumpre o que prometeu. Ele está presente, cooperando com os discípulos, manifestando-Se também nas dificuldades.
Quando Paulo estava em Corinto, certa noite o Senhor disse-lhe numa visão: «Não temas, continua a falar, que Eu estou contigo e ninguém porá as mãos sobre ti, para te fazer mal, pois tenho um povo numeroso nesta cidade». Então Paulo demorou-se ali ano e meio a ensinar aos coríntios a palavra de Deus. Quando Galião era procónsul da Acaia, os judeus levantaram-se todos contra Paulo e levaram-no ao tribunal, dizendo: «Este homem induz as pessoas a prestarem culto a Deus à margem da lei». Quando Paulo ia a abrir a boca, disse Galião aos judeus: «Judeus, se se tratasse de alguma injustiça ou grave delicto, escutaria certamente as vossas queixas, como é meu dever. Uma vez, porém, que são questões de doutrina e de nomes da vossa própria lei, o assunto é convosco. Eu não quero ser juiz dessas coisas». E mandou-os sair do tribunal. Todos então se apoderaram de Sóstenes, chefe da sinagoga, e começaram a bater-lhe em frente do tribunal. Mas Galião não se importou nada com isso. Paulo demorou-se ainda algum tempo em Corinto; depois despediu-se dos irmãos e embarcou para a Síria, em companhia de Priscila e Áquila, e rapou a cabeça em Cêncreas, por causa de um voto que fizera (Atos 18, 9-18)
No Evangelho, o aviso e a promessa de Jesus:
«Em verdade, em verdade vos digo: Chorareis e lamentar-vos-eis, enquanto o mundo se alegrará. Estareis tristes, mas a vossa tristeza converter-se-á em alegria. A mulher, quando está para ser mãe, sente angústia, porque chegou a sua hora. Mas depois que deu à luz um filho, já não se lembra do sofrimento, pela alegria de ter dado um homem ao mundo. Também vós agora estais tristes; mas Eu hei-de ver-vos de novo e o vosso coração se alegrará e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria. Nesse dia, não Me fareis nenhuma pergunta» (Jo 16, 20-23a).
A imagem que Jesus utiliza para explicar aos seus discípulos o misto de tristeza que os afeta com a alegria que estão para experimentar. Ele vai partir... e a separação física é sempre demasiado dolorosa, sobretudo quando se trata da morte biológica. Jesus anuncia a Sua morte, mas aponta já para a ressurreição. A morte e subsequente separação conduzirá os discípulos à desilusão, ao lamento, ao luto. Jesus não "evita" a morte física, mas prepara os discípulos para os novos tempos.
Voltemos à imagem da mulher que está para ser mãe. Por ora as dores, o sofrimento, os enjoos e o incómodo de "carregar" com mais um corpo, uma vida. Mas nada se compara à alegria que está para vir. Suporta-se o sofrimento, por maior que seja, pensando sobretudo nas alegrias que chegarão com a chegada do fruto do amor, a vida nova. Assim deverá ser com os discípulos de Jesus Cristo. Preparam-se para O ver partir, e Jesus ajuda-os a ultrapassar os limites espaço-temporais, para se fixarem já na vida nova que está para vir, com o Espírito Santo.
terça-feira, 17 de abril de 2018
Eu sou o pão da vida: quem vem a Mim não terá fome
Disse a multidão a Jesus: «Que milagres fazes Tu, para que nós vejamos e acreditemos em Ti? Que obra realizas? No deserto os nossos pais comeram o maná, conforme está escrito: ‘Deu-lhes a comer um pão que veio do céu’». Jesus respondeu-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: Não foi Moisés que vos deu o pão que vem do Céu; meu Pai é que vos dá o verdadeiro pão que vem do Céu. O pão de Deus é o que desce do Céu para dar a vida ao mundo». Disseram-Lhe eles: «Senhor, dá-nos sempre desse pão». Jesus respondeu-lhes: «Eu sou o pão da vida: quem vem a Mim nunca mais terá fome, quem acredita em Mim nunca mais terá sede» ( Jo 6, 30-35 ).
Persistir e voltar ao passado é uma tentação muito frequente, sobretudo quando ainda não se sabe muito do futuro que se vai tornando presente. O que lá vem, envolve uma dose de desconfiança e medo, pois não sabemos com o que podemos contar. Repetir o que já vivemos, fazer o que já fizemos, dá-nos alguma tranquilidade e sossego. Já sabemos com o que contamos. Na vida pessoal, na vida familiar, na vida profissional, precisamos de nos sentirmos em casa, seguros, saber com o que contámos, sem grandes surpresas. A rotina também solidifica a nossa relação com os outros e com a vida. O que valoriza a festa é a féria, se todos os dias fossem de festa, a festa passava a ser rotina e deixava festa. Mas, muitas vezes, precisamos de abrir as janelas e as portas, para entrar ar fresco e salubre, e para sairmos para que os nossos movimentos nos tornem ágeis e saudáveis.
Jesus é água vida, e vida nova, é ar puro, alimento que nos sacie, Irrompe pela nossa vida, como uma enxurrada de vida e de compaixão. Ele é NOVIDADE, a grande BOA NOVA, bela notícia de salvação. Vem por inteiro e traz-nos Deus, dando-nos o melhor de Si, dando-Se, entregando a Sua vida, mostrando que o amor de Deus por nós não tem limite, o limite é a eternidade. Desde sempre nos chama, para sempre nos quer com Ele junto do Pai. Não quer que nenhum de nós se perca, quer-nos TODOS com Ele. Faz-Se Um connosco, um de nós, para nos unir a Ele e nos elevar.
A multidão segue-O. Vamos nós também. Sigamos. Vejamos. Ouçamos. Também duvidamos das Suas palavras? E do Seu amor? Ver para crer! Por vezes, diante do sofrimento e das dificuldades, parece que não há sol nem esperança. Quereríamos um sinal inequívoco que podemos contar com Deus e que Deus está na nossa vida. Jesus desafia-nos: quem acredita n'Ele tem a vida eterna, encontra um sentido para a vida, que ultrapassa o tempo, a morte, o sofrimento.
sexta-feira, 29 de abril de 2016
6.º Domingo da Páscoa - ano C - 1 de maio de 2016
1 – "Um Anjo… mostrou-me a cidade santa de Jerusalém, que descia do Céu, da presença de Deus, resplandecente da glória de Deus. O seu esplendor era como o de uma pedra preciosíssima, como uma pedra de jaspe cristalino... Na cidade não vi nenhum templo, porque o seu templo é o Senhor Deus omnipotente e o Cordeiro. A cidade não precisa da luz do sol nem da lua, porque a glória de Deus a ilumina e a sua lâmpada é o Cordeiro".
A visão de São João, no Apocalipse, faz-nos ver os novos céus e a nova terra, que se constroem com e à volta de Jesus, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo e nos salva. Tempo de graça e de salvação. No meio das intempéries e das trevas, há uma nova Luz que irradia e inunda toda a escuridão convertendo-a em claridade e esplendor. Do Céu desce a nova Jerusalém, a cidade do altíssimo, cidade santa, adornada de glória e majestade. Os Apóstolos têm aí gravados os seus nomes. É também aí que gravaremos os nossos nomes, como discípulos missionários.
Na cidade não existe Templo! As nossas cidades, vilas e aldeias nasceram e cresceram à volta do templo, da Igreja, lugar de encontro e de festa, lugar de oração e de luto, lugar de acolhimento e de despedida. Hoje há cidades sem esta luz e esta centralidade. Ou pelo menos, o centro está deslocado para outros loteamentos. À volta da Igreja as casas estão vazias e a própria Igreja se esvazia, não tanto pelo afastamento geográfico, mas pelo esvaziamento espiritual, pela indiferença, pelas milhentas preocupações que a vida atual coloca.
A garantia de São João é um desafio. Esta cidade não precisa nem luz do sol nem da lua, é alumiada por Deus, pela Sua Glória. A lâmpada permanentemente acesa é o Cordeiro, Filho Bem-amado do Pai. Os verdadeiros adoradores hão adorar a Deus em espírito e verdade. Não importa tanto o espaço mas a autenticidade, a relação com Deus, a ligação aos outros, ainda que os espaços criem oportunidades para o encontro, para a celebração, multiplicando a Luz que vem de Deus. A luz da minha fé ao juntar-se à do outro torna mais forte a luz e a fé, elevando-nos para Deus.
2 – Aí está (de novo) o olhar de Jesus. Terno. Apaixonado. Envolvente. Desafiador. Próximo. Profundo. Familiar. Com uma suavidade e docilidade que não escondem a gravidade do momento. O olhar e a vida. O sorriso e o coração. Num ambiente recatado, simples, descontraído, mas sem perder a solenidade do momento e das palavras, e dos gestos. Depois de lavar os pés aos seus discípulos, durante a Ceia, Jesus é tocado por um misto de alegria, festa, apaziguamento e de ansiedade, receio, tristeza. Vai partir. O cálice da alegria, pela proximidade com os seus, é também o cálice das lágrimas, pois logo dará a vida por eles e por nós.
Se o tempo é breve, urge relembrar-lhes o essencial da Sua mensagem e da Sua vida. Em jeito de confidência, mas com firmeza e confiança. As trevas aproximam-se. Antes de acontecer, Jesus previne e antecipa. Quando chegar a hora que, pelo menos, não sejam surpreendidos em absoluto. Do rosto de Jesus irradia luz que atravessa as trevas mais densas. A separação é sempre dolorosa, muito mais quando é definitiva. Saber que Ele estará presente, ainda que de forma diferente, é um lenitivo para a Sua ausência (física).
Escutai, pois, com atenção: «Quem Me ama guardará a minha palavra e meu Pai o amará; Nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada. Quem Me não ama não guarda a minha palavra. Disse-vos estas coisas, estando ainda convosco. Mas o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos recordará tudo o que Eu vos disse. Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não se perturbe nem se intimide o vosso coração. Vou partir, mas voltarei para junto de vós. Disse-vo-lo agora, antes de acontecer, para que, quando acontecer, acrediteis».
Com a mensagem que nos agrafa a Jesus – se, como Ele, nos amarmos uns aos outros, e se O amarmos de todo o coração –, vem a Sua paz, garantia que seremos a Sua morada para sempre.
3 – Vivemos o Jubileu da Misericórdia, Ano Santo, que acentua o amor misericordioso, compassivo, que brota das entranhas maternas, espontâneo, umbilical. A misericórdia de Deus é visível e concretizável em Jesus, no Seu jeito de amar, de Se aproximar, de Se compadecer.
Neste Dia da Mãe torna-se ainda mais plástico este amor umbilical, entranhado, quase biológico. Não há amor como o de Mãe, tão profundo e natural, tão genuíno. Não há nada mais forte, mais íntimo que o amor da Mãe pelo filho. É um amor que concilia e apazigua.
Na Cruz, sabendo deste amor que permanece e nos faz querer permanecer na casa materna, ou que em nossa casa habite o amor da Mãe, amor que ultrapassa todas as barreias, até a da morte, Jesus dá-nos Maria por Mãe, para permanecer junto de nós e nos embalar, para nos lembrar do amor que Deus nos tem, unindo-nos como família e desafiando-nos a permanecermos de tal forma no amor de Deus que possamos guardar a Sua Palavra, vivendo como irmãos.
4 – O Espírito Santo, que Jesus envia de junto do Pai, reconduzir-nos-á à verdade plena, recordando-nos as palavras de Jesus enquanto fisicamente entre nós. É uma inspiração mediada pela oração pessoal, mas sobretudo pela oração e reflexão em comunidade, onde Se acolhe a Palavra de Deus, se assimila e se expande. A Igreja é, com os seus, membros, discípula missionária. Faz-se aprendiz, para logo transparecer o que apreendeu.
Paulo e Barnabé prosseguem na missão de evangelizar, solidificando a fé e o compromisso de constituir comunidades que sejam famílias, cujas pessoas vivam harmoniosamente, entreajudando-se solidariamente. Por vezes a prática é ensombrada pelas leis. Não que estas não sejam necessárias em todas as realidades sociais, mas de preferência que não roubem espaço à Lei do Amor, que pleniza, simplifica e clarifica todas as leis, ao serviço do bem comum, especialmente dos mais desfavorecidos.
A comunidade de Antioquia experimenta as dificuldades de crescimento, com sensibilidades diferentes. Alguns homens, oriundos da Judeia ensinam que os seguidores de Jesus Cristo, vindos do paganismo, têm de igualmente seguir a Lei de Moisés e ser circuncidados. Paulo e Barnabé têm um entendimento bem diferente, o que gera acesa discussão na comunidade.
A comunidade não exclui, mas procura uma resposta que conduza a Jesus e ao Seu Evangelho e, por conseguinte, envia Paulo e Barnabé e alguns anciãos idóneos à comunidade-mãe, a Jerusalém. A comunidade de Jerusalém, presidida por Tiago, reúne os apóstolos e os anciãos e responde: «Tendo sabido que, sem a nossa autorização, alguns dos nossos vos foram inquietar, perturbando as vossas almas com as suas palavras, resolvemos, de comum acordo, escolher delegados para vo-los enviarmos, juntamente com os nossos queridos Barnabé e Paulo, homens que expuseram a sua vida pelo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso vos mandamos Judas e Silas, que vos transmitirão de viva voz as nossas decisões. O Espírito Santo e nós decidimos não vos impor mais nenhuma obrigação, além destas que são indispensáveis: abster-vos da carne imolada aos ídolos, do sangue, das carnes sufocadas e das relações imorais. Procedereis bem, evitando tudo isso. Adeus».
5 – A reflexão da Igreja de Jerusalém debruça-se sobre aspetos práticos e concretos. É dessa forma que se vive e se prova a fé em Jesus Cristo, na vida quotidiana e no compromisso com os irmãos. O essencial está contido no Evangelho, nas palavras e nos gestos de Jesus. Porém, como os tempos são distintos, também as respostas terão que ser novas, criativas, fiéis à postura de Jesus: acolhimento, perdão, serviço, caridade, respeito, diálogo, docilidade, confiança em Deus, opção preferencial pelos pobres. Também aqui a importância do papel conciliador da Mãe!
A Palavra de Deus não é um receituário onde se encontrem respostas as todas as questões, mas é clarificadora a apontar um caminho, o de Jesus, e do Seu projeto de vida nova, vivida na intimidade com o Pai, na cumplicidade do Espírito Santo. Diante de uma dificuldade, a primeira decisão há de ser a da oração, procurando, depois, pelo diálogo, pela meditação, encontrar a resposta que, em Igreja e com espírito eclesial, melhor se aproxima de Jesus, sob a ambiência da misericórdia e da compaixão.
"Concedei-nos, Deus omnipotente, a graça de viver dignamente estes dias de alegria em honra de Cristo ressuscitado, de modo que a nossa vida corresponda sempre aos mistérios que celebramos". À oração de súplica, façamos corresponder os nossos propósitos, na certeza humilde que a salvação não nos vem pelos méritos da perfeição, mas pela graça e misericórdia de Deus, que nos chama à vida, nos prepara e nos ambienta para respondermos positivamente aos desafios da existência. "Deus Se compadeça de nós e nos dê a sua bênção, / resplandeça sobre nós a luz do seu rosto".
Não precisamos de outra luz que não seja a de Jesus, mais brilhante que o sol!
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (ano C): Atos 15, 1-2. 22-29; Sl 66 (67); Ap 21, 10-14. 22-23; Jo 14, 23-29.
sábado, 23 de abril de 2016
5.º Domingo da Páscoa - ano C - 24 de abril de 2016
1 – «Meus filhos, é por pouco tempo que ainda estou convosco. Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Como Eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros».
Durante a Última Ceia, Jesus fala-lhes do tempo em que não estará materialmente entre eles, deixando-lhes a síntese e o essencial da Sua mensagem. Para serem Seus discípulos, e reconhecidos como tal, terão de se amar uns aos outros como Ele os amou. É a única condição. Para eles e para nós, discípulos do mundo atual.
2 – Um Pai, vendo aproximar-se a hora da morte, chamou os seus 10 filhos para lhes revelar os últimos desejos. Todos os filhos vieram para junto do seu leito. Pediu que cada um pegasse num vime, a começar pelo mais novo, e o partisse. Um a um, todos partiram facilmente o vime que lhe calhou em sorte. Depois pediu ao filho mais velho que pegasse em 10 vimes, os juntasse e os partisse ao meio. Tentou uma e outra vez, mas não conseguiu. Pediu que os outros filhos tentassem, mas nenhum obteve melhor resultado. Perguntou-lhes que lição a tirar desta experiência. Uma única conclusão: juntos é possível enfrentar os maiores obstáculos. A união faz a força!
Quando um pai vai para longe, durante um certo período de tempo, chama os filhos e pede-lhes para se portarem bem e ajudarem nas tarefas de casa, para fazer os trabalhos da escola, para ajudarem a mãe. Ao mais velho pedir-lhe-á para ajudar a mãe a tomar conta dos irmãos e da casa.
Quando alguém está para morrer, e sabe disso, chama os que que são mais próximos e manifesta-lhes o que ainda gostava de fazer e quais as suas últimas vontades. Quem lhe quer bem, tudo fará para concretizar os seus pedidos. Outra forma de o fazer é através do testamento, como partilha dos seus bens mas também de projetos que gostaria de ver realizados. Por exemplo, os Papas Paulo VI ou João Paulo II deixaram testamentos sobre alguns os poucos bens materiais e sobretudo os seus escritos, mensagens, o que gostariam que permanecesse do Seu ministério.
O Testamento de Jesus é este: Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei.
3 – O que diz no final, Jesus viveu-o, amadureceu-o, experimentou-o ao longo de toda a sua vida. A família de Nazaré, como tantas famílias naquele tempo e naquela região, passou por diferentes situações que, por certo, ajudaram a amadurecer a união e a entreajuda, o acolhimento dos estrangeiros e a delicadeza para com os vizinhos. Durante algum tempo, Maria e José, e o Menino Jesus, refugiaram-se no Egito, regressando a Nazaré. Uma cidade-aldeia em que todos são vizinhos, e talvez todos com laços de sangue, e se auxiliam para sobreviver e enfrentar as dificuldades.
Intuímos, facilmente, uma vida honrada, simples, com poucas coisas, de trabalho e muitas vezes de sacrifício. Vive-se com pouco. Os elevados impostos do Templo e do Império e das autoridades locais não permitem uma vida desafogada. Jesus cedo percebe as dificuldades mas também as injustiças infligidas às famílias de Nazaré, bem como a sobrecarga de leis e de preceitos. 613 Mandamentos, 365 negativos (correspondem aos dias do ano solar) e 248 positivos, tantos como os órgãos do corpo humano. Não seria fácil cumprir tantos preceitos, ainda que em Nazaré a influência do Templo e dos seus dirigentes não fosse tão sufocante como em Jerusalém.
A delicadeza e a docilidade de Jesus vêm-lhe de um ambiente de fraterna entreajuda. Todos se envolvem nos problemas uns dos outros para ajudar. A sobrevivência, o pão de cada dia, depende desta solidariedade. Também aí se manifesta a fé e a confiança em Deus, o que lhes traz paz diante da prepotência dos dirigentes e os motiva para enfrentar as dificuldades. Lidam com estrangeiros que passam e que precisam de abrigo e de pão. A Lei "obriga" a acolher o peregrino, alimentando-o e, se estiver a cair a noite, abrigando-o, pois também eles foram estrangeiros em terras estrangeiras.
4 – Durante os três anos de vida pública, Jesus age em conformidade com a educação recebida, com a cultura e a religiosidade do seu povo. A graça de Deus, a sabedoria, levam a valorizar a palavra dada, a ternura e compaixão como formas de criar laços de amizade. Percebendo as injustiças e a inutilidade de muitas leis, terá tudo isso em conta na hora de falar e sobretudo de agir. Coloca-Se do lado dos mais frágeis. Fez isso connosco. Como nos recorda o apóstolo, Ele deu a vida por nós quando éramos pecadores. Com efeito, a própria Encarnação significa a identificação com a humanidade, fez-Se pobre para nos enriquecer com a Sua pobreza, assumindo a nossa fragilidade, gastando-Se na nossa finitude, para nos resgatar ao poder do pecado e da morte.
Percorrendo os caminhos da Galileia e da Judeia, e da Samaria, indo às suas periferias, Jesus deixa um rasto de perfume, de atenção, de cuidado, de misericórdia. Não se assusta com o mal, com o pecado, ou com o sofrimento, cada pessoa que encontra Lhe lembram o Pai. A miséria das pessoas e das famílias continuam a ser um contraponto para lhes conceder paz, bênção e alegria. Tantos que são espoliados, escravizados, explorados, tantos que não têm lugar nos reinos deste mundo! Jesus dá-lhes prioridade. Agora choram e são perseguidos, mas serão bem-aventurados, porque Deus os ama acima de tudo e os quer no Seu Reino.
Toda a mensagem de Jesus está condensada no mandamento do amor. Amar, servir, dar a vida, compaixão, proximidade, abaixamento. Modos de agir e de viver. Quem não serve para servir, não serve para viver. Eis que venho, ó Pai, para fazer a Tua vontade. Não vim para ser servido, mas para servir e dar a vida por todos. Quem de entre vós quiser ser o maior, seja o servo de todos. Estou no meio de vós como quem serve. Quem não se tornar como criança, não entrará no Reino de Deus. O que fizerdes ao mais pequeno dos meus irmãos a Mim o fazeis. Até ao fim, em todas as horas. Até na Cruz Jesus tem tempo para nós: hoje mesmo estarás comigo no Paraíso. A glorificação de Jesus é a Sua paixão por nós. Tudo se encaixa na Sua entrega. A Sua ressurreição diz-nos que a Sua vida é o Caminho, a Verdade e a Vida se queremos alcançá-l'O e entrar na vida eterna.
5 – Paulo e Barnabé prosseguem na missão de evangelizar. Permanecem em Antioquia durante um ano. Os membros desta comunidade, inspirados pelo Espírito Santo, enviam-nos para outras terras para anunciarem o Evangelho e formarem discípulos, cumprindo desse modo o mandato de Jesus: ide por todo o mundo e anunciai o Evangelho as todas as gentes.
Serão muitas as provações a que estão sujeitos os que se convertem a Cristo e ao Seu Evangelho. Paulo e Barnabé exortam à fidelidade em Deus. Nas comunidades, para que estas não fiquem abandonadas, estabelecem anciãos, sob a ambiência da oração. Atravessam a Psídia e a Panfília, anunciam a Palavra em Perga e descem a Atalia, para regressarem a "Antioquia, de onde tinham partido, confiados na graça de Deus, para a obra que acabavam de realizar. À chegada, convocaram a Igreja, contaram tudo o que Deus fizera com eles e como abrira aos gentios a porta da fé".
A palavra de Deus que nos é dado escutar neste domingo mostra como a obra da evangelização é de Deus. Mas Deus conta connosco, com a nossa vida, o nosso compromisso, a nossa alegria, o nosso empenho. Deus comunica-Se através de nós.
Confiemo-nos ao Senhor nosso Deus, que nos enviou o Salvador e nos fez Seus filhos adotivos. Peçamos-Lhe: "Atendei com paternal bondade as nossas súplicas e concedei que, pela nossa fé em Cristo, alcancemos a verdadeira liberdade e a herança eterna".
6 – São João, no Apocalipse, faz-nos ver um novo céu e uma nova terra, "a cidade santa, a nova Jerusalém, que desce do Céu, da presença de Deus, bela como noiva adornada para o seu esposo”. É «a morada de Deus com os homens. Deus habitará com os homens: eles serão o seu povo e o próprio Deus, no meio deles, será o seu Deus. Ele enxugará todas as lágrimas dos seus olhos; nunca mais haverá morte nem luto, nem gemidos nem dor, porque o mundo antigo desapareceu».
Com Jesus, Deus renova todas as coisas e faz-nos participantes da Sua vida. Acolhendo a Sua Palavra, realizando as Suas obras, assumindo-nos como discípulos, cabe-nos, seguidamente, levar a outros esta Boa Notícia, para que todos se encontrem, se descubram e vivam como filhos bem-amados de Deus, novas criaturas, identificáveis pela caridade e pelo perdão, pelo serviço e auto doação, transparecendo o Mestre da Docilidade.
Pe. Manuel Gonçalves
Etiquetas:
Domingo,
Eucaristia,
Evangelho,
Homilias,
Jesus Cristo,
Liturgia da Palavra,
Mandamento do Amor,
Mandamentos,
Palavra de Deus,
Tempo Pascal
sábado, 9 de abril de 2016
3.º Domingo da Páscoa - ano C - 10 de abril de 2016
1 – O Papa Bento XVI, na celebração vespertina do dia 12 de maio de 2010, na Basílica da Santíssima Trindade, em Fátima, com religiosos, seminaristas, diáconos e sacerdotes, evidenciava: "Permiti abrir-vos o coração para vos dizer que a principal preocupação de todo o cristão... há de ser a fidelidade, a lealdade à própria vocação, como discípulo que quer seguir o Senhor. A fidelidade no tempo é o nome do amor; de um amor coerente, verdadeiro e profundo a Cristo Sacerdote".
O amor é a fidelidade no tempo. Não é um sentimento passageiro, ou uma emoção que nos entusiasma, mas uma opção de vida, aprofundando os laços que nos unem uns aos outros, promovendo gestos de afeto, de proximidade, de ternura, de serviço. Jesus não passa pelas pessoas. Jesus permanece. Para. Olha. Fala. Envolve. Cura. Desafia. Chama. Envia. "Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos" (Mt 28,20). Não estará num momento, ou apenas nas situações favoráveis, mas em todo o tempo, e em todas as situações da vida. Deus é amor. Quem ama permanece em Deus e Deus permanece nele (cf. 1 Jo 4, 7-19).
Jesus volta a aparecer, a estar junto à margem, a colocar-se no meio de nós, como Aquele que congrega. Convida-nos para a Sua mesa. O entusiasmo inicial desvanece-se com alguma celeridade. É assim em muitos projetos que engendramos. E aqui todos somos muito infantis ou muito juvenis. Entusiasmamo-nos, mas logo o entusiasmo passa e tudo regressa à rotina e ao cansaço. E eis que vemos Jesus, a chamar-nos, a alimentar-nos e a enviar-nos. Ainda não percebemos que a ressurreição nos leva para outros caminhos? Por quê voltar à vida do passado? A vida está aquém do sepulcro e além da morte. O Ressuscitado reenvia-nos para o HOJE e para o amanhã. Por quê voltar atrás?
Em Lisboa, no Terreiro do Paço, a 11 de maio, o Papa Bento XVI sublinhava que "o Ressuscitado oferece-Se vivo e operante, por nós, no hoje da Igreja e do mundo. Esta é a nossa grande alegria. No rio vivo da Tradição eclesial, Cristo não está a dois mil anos de distância, mas está realmente presente entre nós e dá-nos a Verdade, dá-nos a luz que nos faz viver e encontrar a estrada para o futuro... Para isso é preciso voltar a anunciar com vigor e alegria o acontecimento da morte e ressurreição de Cristo, coração do cristianismo, fulcro e sustentáculo da nossa fé, alavanca poderosa das nossas certezas, vento impetuoso que varre qualquer medo e indecisão, qualquer dúvida e cálculo humano. A ressurreição de Cristo assegura-nos que nenhuma força adversa poderá jamais destruir a Igreja".
2 – Jesus apareceu aos discípulos, na tarde daquele primeiro dia, encontrou-os fechados em casa com medo dos judeus. Oito dias depois voltou a aparecer-lhes, estando também presente Tomé, que antes estava ausente. Porém, o Evangelho dá a entender que os discípulos ainda não sabem em que pé estão. O entusiasmo tomou conta deles, depois de um tempo de grande desencanto, mas parece ter sido sol de pouca dura. Que fazer? Esperar que Jesus Ressuscitado restaure em definitivo o Reino de Deus?
O Apóstolo Pedro, para se distrair ou ocupar o tempo, decide ir pescar. Os outros seguem-lhe o exemplo. Tomé, Natanael, João, Tiago e mais dois discípulos. Já se tinham esquecido que Jesus os retirou da pesca real para os tornar pescadores de homens (cf. Mt 4, 19). E, com efeito, a noite não rendeu, não pescaram nada. Ao romper da manhã, Jesus apresenta-Se na margem. Jesus chega cedo à nossa vida. Eles não sabiam que era Ele. Muitas vezes também nós não nos apercebemos que Jesus nos visita ou que está diante de nós!
A pergunta de Jesus deixa-os boquiabertos: «Rapazes, tendes alguma coisa de comer?». Como não lembrar o pedido feito à Samaritana: dá-Me de beber! Depois será Ele a saciar-lhe a sede (cf. Jo 4,1-42). Ou quando se faz convidado: Zaqueu, desce depressa que HOJE devo ficar em tua casa. E Zaqueu sentir-se-á em casa com Jesus (cf. Lc 19, 1-10).
Os discípulos escutam o pedido e, como outros trabalhadores, de bom grado o atenderiam. Mas andaram toda a noite e não pescaram nada. Então Jesus diz-lhes: «Lançai a rede para a direita do barco e encontrareis». Para pescadores experimentados não era muito lógico lançar as redes pela manhã, mas fazem-no e são surpreendidos, pois as redes enchem-se de peixes. Sucedem-se momentos extraordinários. Com Jesus, a pesca é abundante. Sem Ele, é inútil qualquer trabalho. Nesta pescaria são precisas muitas mãos. Pedro vai ao encontro de Jesus, outros discípulos puxam as redes para a margem. Novamente Pedro, sobe ao barco, ainda Hoje, como Francisco, e puxa a rede para terra firme, com 153 grandes peixes. Não importa o número mas a comunhão de amor. Na margem, Jesus espera-os para os alimentar. Primeiro pediu-lhes que comer, agora tem o lume aceso e peixes a assar. Mas também agora conta com eles, e connosco: «Trazei alguns dos peixes que apanhastes agora».
3 – «Vinde comer». É o convite de Jesus, para todos os tempos, para os que estão na praia, no mar ou em terra firme. Para ontem e para hoje. Para eles e para nós. "Jesus aproximou-Se, tomou o pão e deu-lho, fazendo o mesmo com os peixes". O que temos só é verdadeiramente nosso quando o repartimos pelos outros. À mesa de Jesus todos têm lugar, sobretudo os excluídos dos reinos deste mundo. Ele dá-nos tudo o que tem, a Sua própria vida, como alimento até à vida eterna, presente no Sacramento da Caridade, a Eucaristia, que havemos de comungar com os outros, no dia-a-dia da nossa existência.
4 – O amor é a fidelidade no tempo. Não é um instante, ainda que se alimente de instantes e se renove constantemente. Traduz-se em obras, gestos e atitudes. "Nem todo aquele que diz 'Senhor, Senhor' entrará no reino dos Céus, mas somente aquele que fizer a vontade de Meu Pai" (Mt 7, 21). O que os lábios professam, a vida transparece. Pedro havia professado Jesus, garantindo que estaria com Ele em todas as horas. É audível a repreensão de Pedro a Jesus (cf. Mt 16, 22). Mas, como Jesus previra, Pedro, na hora de maior desgaste, nega-se e nega Jesus (cf. Jo 18, 12-27).
Neste reencontro, Jesus questiona Pedro sobre a sua fidelidade: «Simão, filho de João, tu amas-Me mais do que estes?». Pedro vai gaguejando e respondendo como se fosse algo óbvio: «Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo». Jesus insiste com Pedro, como por vezes insistimos com os amigos para garantirmos que eles vão estar connosco quando mais precisamos! Na última resposta, Pedro reconhece-se humildemente, quase a sussurrar: «Senhor, Tu sabes tudo, bem sabes que Te amo».
Olhando-o nos olhos, Jesus desafia-o: «Apascenta as minhas ovelhas. Em verdade, em verdade te digo: Quando eras mais novo, tu mesmo te cingias e andavas por onde querias; mas quando fores mais velho, estenderás a mão e outro te cingirá e te levará para onde não queres». Mais uma vez não lhe promete facilidades. Jesus estará sempre com ele e connosco, desde que O amemos de todo o coração. Como a Pedro, ontem, também a nós, hoje, Jesus interpela: «Segue-Me».
5 – Simão Pedro, impulsivo e espontâneo, aprendeu a confiar em Jesus e assumir a sua vocação; confirmado na fé, passou a confirmar os irmãos.
A resposta dada ao sumo-sacerdote, que os proibia novamente de pregar, é clarificadora: «Deve obedecer-se antes a Deus que aos homens. O Deus dos nossos pais ressuscitou Jesus, a quem vós destes a morte, suspendendo-O no madeiro. Deus exaltou-O pelo seu poder, como Chefe e Salvador, a fim de conceder a Israel o arrependimento e o perdão dos pecados. E nós somos testemunhas destes factos, nós e o Espírito Santo que Deus tem concedido àqueles que Lhe obedecem».
A ordem das autoridades do Templo antigo é para os açoitar, intimidando-os para não voltarem a falar no Nome de Jesus. Porém, "os Apóstolos saíram da presença do Sinédrio cheios de alegria, por terem merecido serem ultrajados por causa do nome de Jesus", com o propósito de anunciar o Evangelho em toda a parte.
6 – «Digno é o Cordeiro que foi imolado de receber o poder e a riqueza, a sabedoria e a força, a honra, a glória e o louvor, pelos séculos dos séculos». A visão de João, no Apocalipse, permite-lhe presenciar a oração dirigida a Jesus, o Cordeiro de Deus, que foi imolado para a salvação de todos. Na adoração inicia-se a conversão. Todas as criaturas que há no céu, na terra e no mar, são, em Cristo Jesus, resgatadas para Deus.
Confiemos a nossa vida a Deus, Pai de Misericórdia: "Ouvi, Senhor, e tende compaixão de mim. Senhor, sede Vós o meu auxílio. Vós convertestes em júbilo o meu pranto: Senhor meu Deus, eu Vos louvarei eternamente" (Salmo).
Dobremos os joelhos em adoração, mas sobretudo o coração, para que a nossa miséria, nas palavras do Papa Francisco, seja cancelada pela misericórdia de Deus.
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (ano C): Atos 5, 27b-32. 40b-41; Sl 29 (30); Ap 5, 11-14; Jo 21, 1-19.
sábado, 2 de abril de 2016
Domingo da Divina Misericórdia - ano C - 3 de abril
1 – A plenitude da misericórdia divina é visualizável no mistério da Encarnação, Deus cabe na palma da mão, cabe no meu e no teu coração. A omnipotência reduz-Se à pequenez e à finitude. Deus, em Jesus Cristo, percorre a história, podemos encontrá-l'O, segui-l'O, acohê-l'O em nossa casa, rejeitá-l'O, persegui-l'O e até matá-l'O. Faz-Se Caminho para nós e entra nos caminhos do tempo, vem ao nosso mundo. O mistério da Páscoa, morte e ressurreição de Jesus, condensa e evidencia em definitivo a misericórdia de Deus que Se ajusta à nossa fragilidade. O coração de Deus compadece-se da nossa miséria e envolve-nos no Seu amor. Já tínhamos visto em quinta-feira santa, como Jesus Se ajusta ao ser humano, ajoelhando-se para nos servir, lavando-nos os pés. Olha-nos a partir de baixo, para nos elevar. Em Sexta-feira Santa, Jesus leva até ao fim o Seu amor por nós, não vacilando, apesar de tanta dor. A Cruz é pesada e pesada é a traição e o abandono dos amigos, e como amargas são as trevas que quase O impedem de ver o Pai. No final, entrega-Se, por mim e por ti, por todos.
Com a Páscoa vem uma enxurrada de vida nova. A morte não tem mais a última palavra. Esta é de Deus, é da vida, é do Amor. Jesus regressa trazendo-nos, na expressão de Bento XVI, a vastidão do Céu. Um vislumbre de luz que incendiou o mundo. Assim é a Luz da Fé, à minha luz, a luz do outro, e mais luz, como a chama de um isqueiro num estádio de futebol, quase invisível, mas logo que se acendem dezenas, centenas, milhares, o estádio fica todo iluminado. O encontro com Jesus ressuscitado, a experiência da misericórdia de Deus na nossa vida, impele-nos a sermos luz uns para os outros. Com a nossa luz podemos guiar outros para a luz de Cristo e acender a luz em outros!
São João Paulo II quis que este segundo domingo de Páscoa fosse considerado sob o prisma da misericórdia, acentuando a Páscoa como expoente máximo da compaixão de Deus pela humanidade. Abaixa-Se para nos elevar, como a Mãe que se agacha para pegar o seu filho ao colo!
2 – Páscoa de Jesus Cristo. Sepulcro sem corpo e sem vida. A vida está além do sepulcro. Não é um teatro em que se possa dizer que a vida está aquém das cortinas, contudo está aquém do sepulcro e além da morte. Jesus ressuscitou. A vida germina de novo em abundância. Deixou-Se matar, e Deus Pai ressuscitou-O, agora deixa-Se ver. Deixa-Se encontrar novamente, deixa-Se perceber ao nosso olhar e ao nosso coração. Não é fantasma, é Ele mesmo. Traz as marcas da crucifixão e a mesma mensagem: «A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós».
Na tarde daquele Primeiro Dia, nova criação, Jesus volta a colocar-Se no MEIO, congregando, unindo, formando comunidade, é o ELO mais forte, sem o Qual não existe comunidade, mas medo e atrofiamento. Não é um corpo que foi reanimado, mas uma forma totalmente nova de Se manifestar. É tanta a LUZ que encandeia num primeiro momento. A aparição assusta, os gestos e as palavras, e as marcas de cumplicidade, esclarecem e comprometem. A morte tinha sido violenta e abrupta a separação. Já havia rumores. Algumas mulheres afirmavam que Ele tinha ressuscitado! Para os discípulos não passam de rumores que só deixam de o ser se puderem comprovar. E eis que vem Jesus, como sempre o havia feito, e os centra à Sua volta, mas logo enviando-os, com uma missão específica: «Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos». A misericórdia divina tem novos intérpretes. Os discípulos são os braços, as pernas, as mãos, o coração de Jesus para o mundo das pessoas.
3 – Mas como sermos testemunhas se não estávamos quando Jesus apareceu? O envio também é extensível a nós, ou só àquele grupo restrito? É possível ser enviado sem a comunidade?
O Espírito sopra onde quer. Não podemos encerrar Deus nos nossos esquemas mentais nem dentro das portas que Lhe fixamos. Porém, Deus quer-nos à volta da mesma mesa, pois é ao mesmo Reino que nos chama. Quando estamos alheados, com os pés e com o coração distantes dos outros, será mais difícil reconhecermos a presença de Jesus, pois esta enlaça-nos, une-nos, irmana-nos. Jesus morre na Cruz para nos salvar, não Se salva a Si mesmo, mas a nós. Se Deus é o mesmo, Pai-nosso, se Jesus está no Meio, só estando juntos poderemos, verdadeiramente, testemunhá-l'O.
Tomé, chamado Dídimo, isto é, Gémeo, nosso irmão gémeo, lembra-nos que a fé não é um dado adquirido, mas é procura constante para encontrar com Jesus, nas variadas situações da vida. Naquela tarde, Tomé não estava. Ouve o testemunho dos outros que viram Jesus. É um dizer indireto, em segunda mão. Tomé precisa de ver e de tocar. A fé não é mera abstração intelectual. Envolve-nos mental, afetiva e racionalmente. Oito dias depois, Jesus volta a colocar-se no MEIO deles, com Tomé presente. As marcas da paixão podem ver-se no Corpo de Jesus, e novamente a mensagem de sempre: a paz esteja convosco. É hora de Tomé ser surpreendido por Jesus: «Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; aproxima a tua mão e mete-a no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente». Tomé encontra-se com Jesus e ao vê-l'O confessa: «Meu Senhor e meu Deus!».
Não se pense que a incredulidade de Tomé foi assim tão diferente da dos outros discípulos. Eles tinham escutado rumores, mas só quando Jesus lhes apareceu é que acreditaram. Não estava na primeira vez, porém, quando Jesus o encontra, Tomé acredita.
Contudo, o anúncio é crucial para a transmissão da fé. A fé chega-nos através da comunidade, com Jesus ao centro, e pelo testemunho daqueles que fizeram a experiência de encontro com Jesus. Diz-nos Jesus: «Porque Me viste acreditaste: felizes os que acreditam sem terem visto».
4 – A Ressurreição de Jesus não é um acontecimento sensível, empírico, mas deixa marcas profundas na história. ONZE apóstolos, assustadiços, medrosos, fechados a sete chaves com medo que lhes suceda o mesmo que ao Mestre da Misericórdia. A experiência nas últimas horas de vida de Jesus foram avassaladoras. Nenhum deles estava preparado para aquele desfecho. Foi um descalabro: todos abandonaram o Mestre da Docilidade. Pedro negou-O publicamente. Judas traiu-O e precipitou o desfecho aguardado. Afastam-se de Jerusalém.
Em pouco tempo os discípulos estão de volta. O encontro com o Ressuscitado abre portas e janelas e eles saem a testemunhar Jesus em todos os ambientes e em toda a parte. "Pelas mãos dos Apóstolos realizavam-se muitos milagres e prodígios entre o povo. Unidos pelos mesmos sentimentos, reuniam-se todos no Pórtico de Salomão... Uma multidão cada vez maior de homens e mulheres aderia ao Senhor pela fé, de tal maneira que traziam os doentes para as ruas e colocavam-nos em enxergas e em catres, para que, à passagem de Pedro, ao menos a sua sombra cobrisse alguns deles. Das cidades vizinhas de Jerusalém, a multidão também acorria, trazendo enfermos e atormentados por espíritos impuros e todos eram curados".
É tempo de os discípulos imitarem Jesus, anunciando a Boa Nova aos pobres, curando os doentes, libertando os oprimidos pelos muitos demónios que impedem de viver a bem com os outros.
5 – Como tinha garantido, Jesus não estará ausente da vida dos Seus discípulos e da vida da comunidade. Ele está no MEIO e é a partir do Meio que nos une a todos, como irmãos, apesar e além das diferenças e das características específicas.
No Apocalipse, João ressalva a presença e a proteção de Jesus: "No dia do Senhor fui movido pelo Espírito e ouvi atrás de mim uma voz forte, semelhante à da trombeta… Voltei-me e vi alguém semelhante a um filho do homem... Quando o vi, caí a seus pés como morto. Mas ele poisou a mão direita sobre mim e disse-me: «Não temas. Eu sou o Primeiro e o Último, o que vive. Estive morto, mas eis-Me vivo pelos séculos dos séculos e tenho as chaves da morte e da morada dos mortos. Escreve, pois, as coisas que viste, tanto as presentes como as que hão de acontecer depois destas».
Com a mesma fé que libertou os discípulos das cadeias do medo e da morte, cofiemo-nos ao "Deus de eterna misericórdia" que reanima a fé do Seu povo na celebração anual das festas pascais, para que aumente em nós os dons da Sua graça, "para compreendermos melhor as riquezas inesgotáveis do Batismo com que fomos purificados, do Espírito em que fomos renovados e do Sangue com que fomos redimidos".
Renovados em Cristo, configurados à Sua morte e ressurreição, pelo Espírito Santo, tornemo-nos obreiros da misericórdia divina nos nossos ambientes, em casa, na família, no trabalho, com os amigos e vizinhos, nos momentos de descontração e lazer, na alegria e na festa, no sofrimento e no luto, e a todos comuniquemos confiança e paz, carinho e ternura.
Pe. Manuel Gonçalves
sábado, 23 de maio de 2015
Solenidade de Pentecostes - 24 de maio de 2015
1 – «Enquanto a sociedade se torna mais globalizada, faz-nos vizinhos mas não nos faz irmãos» (Bento XVI, Caritas in Veritate). Nesta expressão do Papa Emérito constata-se que a globalização dos meios de comunicação social, o desenvolvimento das vias de comunicação, a evolução técnica e tecnológica, nos aproximou, vencendo barreiras geográficas, culturais, sociais, mas o excesso de comunicação e a fácil mobilidade não enriqueceu a relação entre as pessoas, não eliminou conflitos, intolerâncias ou a indiferença. Não basta ter os meios, é necessário ter vontade. Não basta estarmos lado a lado, é necessário que nos vejamos e nos reconheçamos como irmãos.
Há excelentes meios técnicos, mas para se comunicar bem é preciso comunicar com o espírito, com alma, comunicando-nos, pondo nas palavras, nos gestos e nas obras o que somos, dando o melhor. Os melhores smartphones, tablets, a internet mais rápida, os meios sofisticados de imagem e de vídeo, não tornam as pessoas melhores ou mais comunicativas. Há pessoas que não despegam do telemóvel o dia inteiro e nem por isso têm uma vida social mais intensa e interessante e a interação com os outros deixa muito a desejar. Pessoas que facilmente acedem ao outro lado do mundo e entram em conversação com pessoas que não conhecem de lado nenhum e, em contrapartida, não têm amigos reais, têm grande dificuldade em se relacionar com os pais, com os irmãos, com as pessoas de carne e osso. Correr, saltar, brincar, ouvir música, ir a uma festa de amigos, fazer desporto, envolver-se em atividades culturais, desportivas, religiosas, conviver com os amigos dos pais, almoçar/jantar com os avós… pode tornar-se um pesadelo, pois há urgência em estar on-line, conectado a todos os amigos digitais…
Hoje, solenidade do Pentecostes, Cristo dá-nos o Espírito Santo para que as nossas palavras não sejam vazias, para que as nossas palavras nos aproximem, nos levem aos outros e nos tragam os outros. Para que não fiquemos na eficácia da técnica, que é útil e necessária, mas cheguemos ao coração dos outros, com palavras que animem, deem esperança e vida.
2 – Há uma linguagem para lá de todas as palavras e de todos os gestos, a linguagem do amor, da amizade, da compaixão, a linguagem dos afetos, da proximidade, do olhar penetrante, do sorriso que comunga e partilha a vida, do rosto que se identifica com o sofrimento alheio. Há uma linguagem de ternura que atrai e que é facilmente percetível por todos. É possível que nos entendamos, quando utilizamos a linguagem da verdade e do bem, uma linguagem com espírito, com vida, uma linguagem que serve para dar as mãos e unir esforços. Como família.
Jesus confirma os Seus discípulos. Naquela tarde, primeiro dia da semana, Domingo de ressurreição e vida nova, Jesus ultrapassa as fronteiras das portas e das janelas do medo e da desconfiança, e coloca-Se no MEIO dos Seus discípulos. Não há barreiras para esta nova forma de estar. Não há muros intransponíveis para Jesus Ressuscitado. Só é preciso que os nossos corações estejam abertos, dóceis, prontos a acolher o Espírito que d'Ele nos vem, a paz que Ele nos traz, a paz que experimentamos se Ele está connosco no Meio de nós. «Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos».
A alegria que os discípulos experimentam naquela ocasião repetir-se-á em cada um de nós, em cada momento que deixarmos que Ele nos habite, irrompa na nossa vida e nos transforme. Alegria e paz quando e sempre que formos instrumento de perdão e de misericórdia, contribuindo para a paz e a alegria dos outros.
3 – Não há portas nem janelas que blindem o amor e a compaixão. Um coração ferido só se cura com a força da ternura, da doçura, da proximidade. Não há medicamentos que curem a solidão, não há anestésicos que resolvam a vida e nos tornem irmãos. Não há antibióticos que anulem a indiferença, a intolerância, a ganância ou a prepotência. Só o amor. Deus é amor!
Há momentos da vida em que os medicamentos ajudam, anestesiando, mas só a amizade, o calor humano, a proximidade física e espiritual curam verdadeiramente. Os motivos do sofrimento podem não desaparecer, mas são integrados na partilha e na comunhão, na amizade solidária e compassiva, confiando-os a Deus, colocando-nos no Seu coração, através daqueles e daquelas que Ele colocou ao nosso lado.
Há muitas vozes que ouvimos. Muito ruído que nos desafia, nos inquieta, nos desassossega. Há vozes que não nos deixam dormir nem descansar. Há ruído que não passa disso mesmo, ruído que transparece ódio, inimizade, agressão. Há vozes que não chegam ao céu. É um ruído de fundo, maledicente, doentio, que acusa, que aponta, que se acobarda desviando para os outros os próprios defeitos e imperfeições. Há vozes que não reproduzem nem som nem palavras, nem linguagem humana, apenas destilam veneno. A comunicação implica escuta, respeito pelo outro, compreensão pelas diferenças, exige tratar o outro como igual, como irmão. Precisamos sempre de rever a nossa comunicação, purificá-la. Os sons só permanecerão, como linguagem humana, se tocarem o coração, o nosso e o dos outros.
4 – Os Apóstolos estão reunidos, como comunidade. Sublinhe-se. É em comunidade que Jesus Se manifesta, aparecendo aos discípulos. É em comunidade que Jesus envia o Espírito Santo. Aquele que é dado multiplica-Se pelos discípulos. Dá-Se inteiramente. Inteiramente a cada um. E cada um se reconhece diante dos outros, com o mesmo Espírito Santo. O Espírito é dado para nos aproximar, para nos converter e fazer com que sejamos família de Deus.
Diversos os dons, mas o Espírito é o mesmo, pois é o Senhor que opera tudo em todos. “Todos nós – judeus e gregos, escravos e homens livres – fomos batizados num só Espírito, para constituirmos um só Corpo. E a todos nos foi dado a beber um único Espírito”.
É um rumor, uma rajada de vento, que não deixa ninguém indiferente. Ninguém poderá ficar indiferente Àquele que vem do Céu. A religião como a fé não é algo que nos feche em casa e nos isole. A fé provoca alegria e vontade de comunicar aos outros o Espírito que recebemos. É o que fazem os Apóstolos, começam logo a falar diversas línguas conforme o Espírito lhes permite. Não são tanto as línguas que falam, mas sobretudo a voz de Deus que Se faz ouvir através da nossa língua, numa linguagem que nos irmana. E se a linguagem for ternura, se for a língua do Espírito, então cada um percebe na sua própria língua, no seu coração: Deus que fala através do irmão.
5 – Aprendemos a balbuciar os primeiros sons com os nossos pais ou com aqueles que estão mais perto de nós ou passam mais tempo connosco na infância. No plano da fé somos sempre "crianças", aprendizes, discípulos. É o Espírito Santo que nos faz balbuciar a nossa profissão de fé. Como nos recorda o apóstolo: “Ninguém pode dizer «Jesus é o Senhor» a não ser pela ação do Espírito Santo”.
Deixemos que o Espírito Santo, que nos é dado por Jesus Cristo, nos coloque diante dos outros como irmãos, filhos do mesmo Pai do Céu, para sermos uma só família, cuidando uns dos outros, fazendo com que a diversidade de dons nos enriqueça mutuamente.
“Vinde, ó santo Espírito, / vinde, Amor ardente, / acendei na terra / vossa luz fulgente. / Descanso na luta / e na paz encanto, / no calor sois brisa, / conforto no pranto. / Luz de santidade, / que no Céu ardeis, / abrasai as almas / dos vossos fiéis” (Sequência ao Espírito Santo).
Pe. Manuel Gonçalves
Textos
para a Eucaristia: Atos 2, 1-11; Sl 103; 1 Cor 12,
3b-7. 12-13; Jo 20, 19-23.
Etiquetas:
Domingos,
Espírito Santo,
Eucaristia,
Homilias,
Jesus Cristo,
Liturgia da Palavra,
Palavra de Deus,
Pentecostes,
Solenidades,
Tempo Pascal
sábado, 31 de maio de 2014
Ascensão do Senhor ao Céu - ano A - 1 de junho
1 – IDE E FAZEI DISCÍPULOS.
Antecipando a paixão e morte, acontecimentos difíceis de gerir e aceitar, Jesus alerta os discípulos para esses tempos que se aproximam, preparando-os para as adversidades, e logo propondo um encontro para depois, na Galileia dos gentios. A morte levá-los-á à dispersão, à fuga, ao medo, ao desencanto. Jesus tem consciência dos limites dos seus seguidores, instruiu-os mas sabe até onde são capazes de suportar os primeiros embates negativos e sem Ele por perto. Com a Ressurreição, através de Maria Madalena, Jesus recorda-lhes esse reencontro.
As aparições do Ressuscitado são pontuais, mas decisivas, servem um propósito: revelação, experiência, o Crucificado está vivo, Ressuscitado, no meio, no CENTRO dos discípulos. Quando e sempre que estes se reunirem em Seu nome, Ele estará no meio deles, até ao fim, em todos os tempos e lugares. Agora o TEMPO é NOVO. A Sua Presença far-se-á pelo Espírito Santo, que lhes revelará toda a verdade, atualizando, sacramentalmente, a Sua entrega e o Seu amor por eles e por nós.
Jesus aproximou-Se deles e aproxima-Se de nós, encontra-nos na nossa vida, com os nossos afazeres e preocupações. Disse-lhes e diz-nos: «Todo o poder Me foi dado no Céu e na terra. Ide e ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a cumprir tudo o que vos mandei. Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos».
IDE E FAZEI DISCÍPULOS. Mandato para todos os seus discípulos. CHAMADOS para O seguir, para O amar, para O viver. ENVIADOS a transparecer no mundo o Seu amor em nós. Somos, como sublinhava o Papa Francisco n' "A Alegria do Evangelho", a sua primeira Exortação Apostólica, discípulos missionários, tanto mais discípulos quanto mais apóstolos, missionários, evangelizadores. A nossa Diocese de Lamego vive este ano pastoral sob este desafio: IDE E FAZEI DISCÍPULOS, na certeza que o encontro com Jesus abre as portas do nosso coração e da nossa vida para irmos ao encontro de outros, sobretudo os que se encontram em situação mais frágil.
2 – Lucas, no início dos Atos dos Apóstolos, relata, de maneira muito luminosa e clarificadora, a Ascensão de Jesus ao Céu, em perspetiva de envio. Para encontrarmos Jesus havemos de fitar o olhar para as alturas, que nos permite ver mais largo e mais longe, e ter as mãos e os pés e a vontade ligados à terra, comprometidos com os que prosseguem connosco as encruzilhadas da vida. O Céu nunca poderá ser uma desculpa para nos afastarmos dos outros ou para deixarmos de os servir. Pelo contrário, porque, em Jesus, o Céu chegou até nós, e está a descoberto, outra obrigação não nos cabe que não seja despertar os outros para o que está a acontecer – o Reino de Deus em ebulição –, através da nossa voz e da nossa vida.
A propósito de São Lucas é investigar tudo o que diz respeito a Jesus, do nascimento à morte e ressurreição, do que ouviu a outros e das investigações que pôde fazer, e assim nasce o Evangelho, dando também nota do acolhimento do Evangelho nos primeiros tempos, no período pós-Ressurreição, com as vivências das primeiras comunidades cristãs, as perseguições e a dispersão dos apóstolos e consequente expansão do cristianismo, e como (sobretudo) Pedro e Paulo levam a Palavra de Deus além das fronteiras judaicas, e assim nasce o seu segundo livro, Atos /Feitos dos Apóstolos.
E por onde começar esta segunda parte? Precisamente quando Jesus passa o testemunho aos Seus discípulos. Jesus começa por os prevenir para que não percam energias a saber quando Deus restaurará o reino de Israel: «Não vos compete saber os tempos ou os momentos que o Pai determinou com a sua autoridade; mas recebereis a força do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém e em toda a Judeia e na Samaria e até aos confins da terra». Há assuntos que continuarão a ser mistério. Ainda bem. Lidar com o fim nunca é fácil, muito menos quando se sabe o dia e a hora. Talvez nos tornássemos uma espécie de presos condenados à morte a aguardar por uma injeção letal.
O importante é receber o Espírito Santo, para sermos verdadeiramente testemunhas de Jesus em toda a parte e em todos os ambientes.
3 – Depois das últimas recomendações, Jesus "elevou-Se à vista deles e uma nuvem escondeu-O a seus olhos". Extasiados, os discípulos ficam a olhar para os Céus. Já se tinham habituado à presença corpórea de Jesus. Que sensações terão experimentado, que dúvidas, que inquietações? Que será de nós? Como saberemos que Ele está connosco? Como Se manifestará o Espírito Santo em nós? Seremos capazes de prosseguir com os Seus gestos? Até onde e até quando anunciaremos o Reino de Deus? Quem nos há de liderar? Como viver ao jeito do Mestre sem a Sua presença física?
São perguntas que talvez também fizéssemos! Quem ocupará o seu lugar de alguém que parte? Quem vem, saberá preencher o espaço deixado vago?
Mais uma vez, ainda que lugar-comum, o caminho faz-se caminhando. "Apresentaram-se-lhes dois homens vestidos de branco, que disseram: «Homens da Galileia, porque estais a olhar para o Céu? Esse Jesus, que do meio de vós foi elevado para o Céu, virá do mesmo modo que O vistes ir para o Céu». O Céu é um referencial constante, foi de lá que veio Jesus e que de novo virá. Mas como? Do mesmo jeito, isto é, do meio de vós, do meio de nós. É no meio, no CENTRO, que encontraremos Jesus. Há que procurá-l'O entre nós, servindo-O nas outras pessoas. O que fizerdes ao mais pequeno dos irmãos é a Mim que o fazeis. IDE E FAZEI DISCÍPULOS, anunciai o Evangelho, batizai em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Eu estarei sempre convosco, diz-nos Jesus.
4 – Ficar a olhar para o céu, de braços cruzados, nunca será solução. Choverá quando Deus quiser e do mesmo modo fará sol. Não adianta ficarmos a cismar, ou a rezar para que Deus faça a nossa vontade.
A oração, sem dúvida, é uma oportunidade de acolhermos o Espírito que vem de Deus, tomando consciência da nossa identidade, da nossa pertença comum, e, simultaneamente, far-nos-á sentir mais próximos uns dos outros, pois quanto mais estivermos próximos de Deus, que é Pai de todos, mais estaremos em relação aos irmãos. A oração não é apenas um refúgio, um porto de abrigo. É isso, mas é muito mais. É bênção, é luz, é desafio. Prepara-nos para as dificuldades, ajuda-nos a encontrar soluções, deixando que Deus nos conforte, e que n’Ele possamos ter um Amigo que nos compreende e nos apoia contra todo o mal. A oração compromete-nos com o melhor que há em nós, faz-nos descobrir a nossa origem, a nossa identidade mais profunda, o lugar do silêncio em que ressoa a voz de Deus.
Hoje, como em tantas outras ocasiões, escutamos a oração de Paulo, a favor da comunidade, intercedendo e suplicando a Deus por todos. Mostrando a grandeza e o poder de Deus, traduzidos no amor de Deus por nós, Paulo reza: “O Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda um espírito de sabedoria e de revelação para O conhecerdes plenamente e ilumine os olhos do vosso coração, para compreenderdes a esperança a que fostes chamados, os tesouros de glória da sua herança entre os santos e a incomensurável grandeza do seu poder para nós os crentes”.
5 – Ascensão do Senhor e Dia Mundial das Comunicações Sociais. Jesus ascende para enviar o Espírito Santo que nos revela toda a verdade. Ascende para se tornar mais próximo, comunicando-Se através do Espírito a agir nos Seus discípulos. A comunicação social há de ser meio privilegiado para anunciar a verdade, a justiça e a transparência, para aproximar pessoas e comunidades, para levar as pessoas a tomar consciência da sua responsabilidade por um mundo mais justo e fraterno. Os meios da comunicação social permitem-nos hoje estar bem informados, tornarmo-nos vizinhos, mas nem sempre nos fazem irmãos (Bento XVI).
Para os cristãos e para a Igreja, os meios de comunicação social são instrumento para levar mais longe a Palavra de Deus, e para um compromisso mais efetivo com os mais frágeis do mundo que nos são mostrados, por vezes, sublinhando o escândalo, outras, provocando indiferença pela multiplicação e repetição de notícias que põem a descoberto a miséria humana. Por outro lado, os próprios meios de comunicação social, nomeadamente as redes sociais, merecem cuidado e são espaço de evangelização. Algumas pessoas só se encontram mesmo neste ambiente, com as suas fragilidades e com os seus sonhos de vida, e merecem sempre uma resposta ao modo de Jesus: atenção e cuidado, testemunho e oração.
Pe. Manuel Gonçalves
Reflexão Dominical na página da Paróquia de Tabuaço.
Etiquetas:
Apóstolos,
Ascensão,
Domingo,
Envio,
Eucaristia,
Homilias,
Jesus Cristo,
Liturgia da Palavra,
Palavra de Deus,
Páscoa,
Solenidades,
Tempo Pascal
sábado, 24 de maio de 2014
Domingo VI da Páscoa - ano A - 25 de maio de 2014
1 – O que é que faz uma pessoa quando vai partir? A resposta dependerá do tipo de partida: se vai de viagem, em trabalho para um país estrangeiro ou para uma cidade distante para voltar seis meses depois, ou se a partida é definitiva, para a eternidade. Há, porém, pontos comuns e um deles é a casa arrumada, no aspeto mais físico mas sobretudo espiritual. Fazer as malas. Despede-se dos amigos. Passa os últimos momentos com a família, aproveitando para tranquilizar os que ficam, com a presença e o estímulo dos que o veem partir. Deixa recomendações, para a sua ausência, prometendo não se esquecer e não querendo, consequentemente, ser esquecido. Se é por algum tempo, terá meios, e hoje mais que nunca, de permanecer ligado, contactável, para que não seja tão intensa e desgastante a saudade e a distância. Se a partida é para sempre... para quem tem fé, o apelo à esperança, a certeza de um reencontro na eternidade, a fé de uma presença na Presença de Deus, pela oração. Para quem não tem fé, as palavras poderão não ser muito diferentes, esperando um "quem sabe!"
Jesus, tomando consciência da HORA que se aproxima, prepara os seus discípulos. Pode ver-se, no evangelho HOJE proposto, a tensão para a Cruz mas também para a Ascensão ao Céu. "Não vos deixarei órfãos: voltarei para junto de vós. Daqui a pouco o mundo já não Me verá, mas vós ver-Me-eis, porque Eu vivo e vós vivereis... Eu pedirei ao Pai, que vos dará outro Paráclito, para estar sempre convosco: Ele é o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber, porque não O vê nem O conhece, mas que vós conheceis, porque habita convosco e está em vós".
Foram tão intensos aqueles três anos com os discípulos, que estes terão oportunidade para reviver os momentos e as palavras, descobrindo novos significados, colocando em prática o que antes experimentaram. O passado não será uma prisão, ou um tempo para esquecer, mas um desafio para novas vivências, seguindo a postura do Mestre.
2 – Ele vai partir. Há que esclarecer os seus discípulos, os amigos mais próximos, sossegando-os e fixando a condição para manterem a CONEXÃO: guardar o Seus Mandamentos. Não é propriamente um conjunto de regras ou normas que abriguem uma cartilha de pecados e de proibições. Guardar os Mandamentos significa acolher o amor de Deus, o amor que une o Pai e o Filho, enlaçado pelo Espírito Santo. Quem ama permanece em Deus e Deus permanece nele. Quem O ama, procura em tudo ser-Lhe agradável, como procuramos ser agradáveis para com as pessoas de quem gostamos. Sublinhe-se, que agradar a Deus não é um capricho divino, mas é a forma, o conteúdo, o instrumento, de entrarmos em lógica de salvação. Seremos agradáveis a Deus amando e servindo o próximo. Sentindo-nos úteis e protagonistas da história que se refaz pela compaixão, pelo amor, pelo serviço aos outros.
«Se Me amardes, guardareis os meus mandamentos. Se alguém aceita os meus mandamentos e os cumpre, esse realmente Me ama. E quem Me ama será amado por meu Pai e Eu amá-lo-ei e manifestar-Me-ei a ele». Esta é a condição e a certeza de estar em Deus: cumprindo os Seus Mandamentos, viver amando. Exatamente a atitude que assumimos com aqueles que respeitamos, por aqueles a quem nos unem laços de amizade, ou por aqueles a quem temos a obrigação de servir.
3 – Depois da morte de Jesus, os discípulos precisam de tempo para processar e atualizar tudo o que Ele lhes tinha dito, mas sobretudo precisam do Espírito Santo, dado com a Sua Ressurreição. Só à luz da Ressurreição se torna possível entender a Mensagem de Jesus e torná-la acessível para todos. Ressuscitando, Jesus aparece aos discípulos e logo lhes dará o Espírito Santo, para que a Sua Ascensão signifique sobretudo uma presença mais espiritual, mais abrangente, mais profunda. Doravante prevalecerá a fé e a esperança, animadas com a caridade, ligando deste modo a profissão de fé ao mundo e à história. Foi o Seu compromisso, terá de ser o dos seus discípulos, é o horizonte, o chão, o ambiente da nossa vida.
Tudo se altera a partir da Vida Nova que Ele traz aos Seus, com a força do Espírito Santo, com a Luz que vem das alturas e inunda o mundo inteiro, a começar pelo túmulo onde fora colocado.
É HORA de os discípulos espalharem a Boa Notícia da salvação. Aquele que foi morto, Deus O ressuscitou dos mortos. O projeto de perdão e de compaixão, de amor e de serviço, protagonizado por Jesus, volta agora com toda a força do Ressuscitado, a vastidão do Céu – feliz expressão de Bento XVI – chega até nós.
O tempo das portas fechadas já lá vai: "Filipe desceu a uma cidade da Samaria e começou a pregar o Messias àquela gente. Houve muita alegria naquela cidade. Quando os Apóstolos que estavam em Jerusalém ouviram dizer que a Samaria recebera a palavra de Deus, enviaram-lhes Pedro e João. Quando chegaram lá, rezaram pelos samaritanos, para que recebessem o Espírito Santo, que ainda não tinha descido sobre eles: só estavam batizados em nome do Senhor Jesus. Então impunham-lhes as mãos e eles recebiam o Espírito Santo".
Os dons de Deus não são um exclusivo dos primeiros, são privilégio que se estende ao mundo inteiro, a todos aqueles e aquelas que se predispuserem a acolher o próprio Deus. Deus não dá nada menos que a Si mesmo (Ratzinger/Bento XVI). Os Apóstolos recebem o Espírito Santo, anunciam o Evangelho, e comunicam-n'O a outros, aumentando o número dos discípulos de Jesus.
4 – Eloquente e luminosa a mensagem de São Pedro, anunciando Jesus, convocando outros para O anunciarem, dando razões da fé professada, mas pedindo cuidado e respeito por todos, mesmo quando maltratados. Em tudo, o importante é fazer o bem, seguindo as pegadas de Jesus:
"Venerai Cristo Senhor em vossos corações, prontos sempre a responder, a quem quer que seja, sobre a razão da vossa esperança. Mas seja com brandura e respeito, conservando uma boa consciência, para que, naquilo mesmo em que fordes caluniados, sejam confundidos os que dizem mal do vosso bom procedimento em Cristo. Mais vale padecer por fazer o bem, se for essa a vontade de Deus, do que por fazer o mal. Na verdade, Cristo morreu uma só vez pelos nossos pecados – o Justo pelos injustos – para nos conduzir a Deus. Morreu segundo a carne, mas voltou à vida pelo Espírito".
A alegria que nos vem da fé há de ser ponte de diálogo, de encontro, de partilha, de comunhão, com novos laços, vida nova, libertando-nos para construir um mundo novo, inundado de Deus. O nosso testemunho há de ser perfume que atrai, que envolve, que provoca adesão e seguimento de Jesus Cristo. As palavras e os gestos que usamos deverão ser promotores de vida e de felicidade. Fazer o bem, sempre. Amor com amor se paga (São João da Cruz). Ao Amor recebido, de Deus, amor partilhado, com os irmãos. Mesmo à ofensa, responder com este Amor maior.
5 – O anúncio da Boa Nova, que nos compromete, gera alegria em nós e a quem escuta de coração leve, disponível, humilde. É na humildade que Maria Se enche de Alegria, e prepara o Seu Corpo e a Sua vida por inteiro para acolher o Corpo de Deus e no-l’O dar.
A primeira Igreja, Maria, alegra-se no Seu Senhor. A Sua alma rejubila em Deus, predispondo-Se a engrandecer a presença de Deus. E tal é o Seu sim, que a Palavra Se faz Carne e Vida n’Ela. E com este jeito simples, belo, humilde, de acolher Deus, a alegria que se estende a Isabel, aos noivos de Caná, e se renova com a vinda do Espírito Santo, em dias de Pentecostes, que breve celebramos como quem se dispõe a transparecer o Deus que também em nós quer ser carne e vida.
Pe. Manuel Gonçalves
Reflexão Dominical na página da Paróquia de Tabuaço.
Etiquetas:
Atos dos Apóstolos,
Bento XVI,
Domingo,
Epístolas,
Espírito Santo,
Eucaristia,
Homilias,
Jesus Cristo,
Liturgia da Palavra,
Palavra de Deus,
São Pedro,
Tempo Pascal
Subscrever:
Mensagens (Atom)