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sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Assunção de Nossa Senhora ao Céu - 15.agosto.2020

       1 – Em Maria, Mãe de Jesus, cumprem-se as promessas de Deus. N'Ela vem habitar a força do Espírito Santo, assumindo-A por inteiro, para Se tornar, com o Seu sim, Mãe do filho de Deus, do Deus connosco. A morada de Deus entre os homens é, antes de mais e por maioria de razão, Maria, desde sempre escolhida, desde sempre consagrada para ser a Mãe do Messias.
       Na primeira leitura da Missa vespertina, David impele o povo a fazer uma grande festa, a Arca da Aliança está de novo em Sião, na cidade santa de Jerusalém. "Trasladaram a arca de Deus e colocaram-na no meio da tenda que David mandara levantar para ela. Depois ofereceram, diante de Deus, holocaustos e sacrifícios de comunhão." A Arca contém a Lei, a Aliança de Deus com o Povo, a promessa firme de Deus de que não abandonará o Seu povo. Para nós cristãos, a nova Arca é Maria, é n'Ela que está, não a Lei, mas a Palavra de Deus, Deus feito homem. Ela é a primeira Igreja, em cujo corpo se forma o Corpo de Jesus Cristo, que integraremos pelos batismo.
       Rezamos com o salmista que "o Senhor escolheu Sião, preferiu-a para sua morada" e, por conseguinte, será para Deus o lugar do Seu repouso, aí habitará para sempre. Maria é Filha de Sião. É uma linha de sucessão em que Deus – que nos criou – vem ao nosso encontro para nos assumir como filhos. Deus não está à margem, não Se coloca à parte, por cima, ou de fora. Deus entra na história e no tempo, respeitando a nossa liberdade, a nossa fisionomia, a nossa humanidade. Também Ele quer nascer em nós, através da geração/gestação carnal. Ainda que Maria não conheça homem, pois n'Ela opera a força, a sombra, do Espírito Santo! E assim Jesus é verdadeiramente homem, nascido de mulher, verdadeiramente Deus, nascido pelo Espírito Santo, antecipando o nosso nascimento espiritual, pela água e pelo Espírito.
       Maria é preparada por Deus – Imaculada Conceição – para assumir uma missão muito peculiar na história da Salvação: ser Mãe do Filho de Deus. É um privilégio, segundo os Padres da Igreja, em atenção aos méritos futuros da paixão redentora de Jesus Cristo, no qual todos somos redimidos. Até mesmo Maria é salva pela morte e ressurreição de Jesus, Seu Filho.
       Puro Dom de Deus, Ela tornar-se-á também nossa Mãe. Mãe da Igreja. Melhor, Ela é a primeira Igreja que nos dá Cristo.
       2 – Este mistério, como outros que envolvem a Virgem Maria, foi percebido e acolhido primeiramente e com maior humildade e generosidade pelo povo de Deus, a Igreja. Só muitos séculos depois a Igreja hierárquica sanciona positivamente a fé de todo o povo. Pio XII, em 1 de novembro de 1950, confirma como doutrina de fé para toda a Igreja, aquilo que a Igreja (mais popularmente) tinha como certo. Maria foi preservada desde sempre, antes de nascer. Preservada imaculada para Deus e assim Deus a preserva também no túmulo, para além da morte.
       Se nos ficarmos no dogma, como uma declaração da fé professada, não chegaremos a entrar no mistério que nos é dado em Maria, como uma certeza que faz desabrochar a nossa fé.
       Numa lógica racionalista, só o que pode ser demonstrado tem propriedades de ser verdadeiro e real! Pura razão que deixaria de fora sentimentos e emoções, pois o amor, o ódio, a confiança, não são demonstráveis pelas regras da ciência positiva. Também a cultura e a história assentam bases na confiança e na palavra dada, na interpretação e na boa-fé de quem nos narra e transmite os acontecimentos. A fé, como luminosamente expressou a Encíclica A Luz da Fé, preparada por Bento XVI e publicada por Francisco, não é um campo obscurantista que nos ilude, mas é luz que nos guia, que dá sentido à nossa vida, e que potencia a inteligência e a razão.
      Na plenitude dos tempos, Deus revela-Se encarnando. A Palavra de Deus tem um rosto, uma identidade, um Corpo, que não ofusca a nossa humanidade, pelo contrário, revela e clarifica a nossa origem, o sustentáculo e o fim da nossa existência. Doravante, as promessas concretizam-se e dão luz à nossa busca. Não estamos sós, fechados entre o nascimento e a morte, num período de tempo limitado a umas dezenas de anos. Quando morrermos, por mais doloroso que seja pensar neste facto e por mais triste que seja para quem gosta de nós, por mais sofrível que seja deixarmos tudo e sobretudo as pessoas que amamos, a certeza que não seremos apenas pó que se desfazerá terminando a nossa história e a nossa vida. Jesus entra na história, em Maria torna-se um de nós, para nos fazer entrar na vida de Deus. Assume-nos como seres humanos, criados à imagem e semelhança de Deus, e assume-nos como irmãos cuja pátria definitiva está no Céu, onde Ele já Se encontra à direita do Pai. Ora, em Maria esta promessa torna-se certeza: Ela já Se encontra onde Se encontra o Seu filho. A Mãe quer-se sempre perto dos Filhos.
       São Paulo faz transparecer a fé na ressurreição que, embora não anulando o sofrimento do tempo presente, nos faz relativizar as contrariedades da vida: "Quando este nosso corpo mortal se tornar imortal, então se realizará a palavra da Escritura: «A morte foi absorvida na vitória. Ó morte, onde está a tua vitória? Ó morte, onde está o teu aguilhão?»Com efeito, "Cristo ressuscitou dos mortos, como primícias dos que morreram". A morte que veio por um homem, Adão, será vencida por outro homem, Jesus Cristo. A ressurreição de Jesus marca o início de um tempo novo. Ele abre-nos as portas da eternidade de Deus. Maria é assunta ao Céu, juntando-Se ao Seu filho e garantindo-nos que a seguir seremos nós, seguindo Jesus.

       3 – O PRIVILÉGIO de Nossa Senhora – preservada de toda a mancha e da corrupção – diz-nos que TODA a vida, o Seu Corpo inteiro, é de Deus e para Deus. No início, durante e no fim. Mas é um privilégio instrumental, lunar, como é a Igreja. Tem como fito refletir a luz, refletir Jesus Cristo. Obviamente, o SIM de Maria não é passivo, deixando que Deus aja sem Ela querer. Ela terá que dizer SIM no momento da Anunciação e durante toda a vida. Nesse sim Se torna Mãe de Jesus. Nesse sim Se tornará nossa Mãe, Mãe da Igreja. Se é a Mãe de Jesus, também será Ela a portadora do Corpo de Cristo, a Igreja, do Qual somos membros.
       Ela é iluminada, salva, pela LUZ que incide no Seu coração. Mas a LUZ é para ser vista, é para revelar todo o bem que A rodeia e que nos envolve. E logo nos primeiros instantes, Ela nos dá Jesus, colocando-O na manjedoura. Os Pastores e depois os Magos encontram o Menino envolto em panos e podem "pegar" n'Ele, adorá-l'O.
       No alto da Cruz, Jesus diz claramente que doravante a maternidade de Maria se expande para todos os seus discípulos, para toda a Igreja. Dessa hora em diante cabe-nos acolher Maria, trazê-l'A para nossa casa, para a nossa vida. Só assim nos tornamos discípulos amados de Jesus, só assim assumimos a fraternidade que Ele nos oferece. Partilha connosco a Mãe, para que nos assumamos, entre nós, como irmãos.
       No evangelho – belíssimo – da Missa vespertina, Jesus diz-nos que a missão de Nossa Senhora é um privilégio que está ao nosso alcance. Uma mulher, levantando a voz por entre a multidão, declara: «Feliz Aquela que Te trouxe no seu ventre e Te amamentou ao seu peito». Mas logo Jesus nos revela que a prerrogativa de Nossa Senhora não é um exclusivismo: «Mais felizes são os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática».
       Maria é Mãe, mas também é discípula de Jesus. É a primeira Igreja. Gera Cristo. N'Ela se reflete e refulge a Luz que vem da eternidade de Deus. Mas integra o Povo de Deus que peregrina ao encontro do Seu Senhor. Em vida: feliz porque escuta. Bem-aventurada Aquela que acreditou em tudo quando vem da parte do Senhor. E depois da morte (temporal), continua a dar-nos Jesus, e a acolher-nos como filhos. Ela é bem-aventurada por todas as gerações por nos ter dado o Salvador e nos mostrar como podemos responder e realizar o nosso sim a Deus em gestos de atenção, cuidado e intercessão a favor dos nossos irmãos.
       Somos chamados a partilhar a gravidez de Maria, acolhendo a Palavra que vem de Deus e dando à luz, ao mundo, a Luz, o Deus que nos habita e que em nós faz a Sua morada, preparando e antecipando JÁ a eternidade que nos espera.

Pe. Manuel Gonçalves

Textos para a Eucaristia: Ap 11, 19a; 12, 1-6a.10ab; 1 Cor 15, 20-27; Lc 1, 39-56.

domingo, 14 de agosto de 2016

Assunção de Nossa Senhora ao Céu - 15.agosto.2016

       1 – "Deus eterno e omnipotente, que elevastes à glória do Céu em corpo e alma a Imaculada Virgem Maria, Mãe do vosso Filho, concedei-nos a graça de aspirarmos sempre às coisas do alto, para merecermos participar da sua glória".
       A oração que rezamos na Eucaristia neste dia condensa o que celebramos, desafiando-nos a fixarmo-nos na meta, a glória de Deus, onde já se encontra coroada como Rainha, ornada do ouro mais fino, Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe. Ela, Virgem Imaculada, deu-nos Jesus Cristo, Rosto e Transparência da Misericórdia do Pai. Com Ela aprendemos a acolher e a gerar Jesus. N'Ela, Deus mostra-nos como chegar à Sua glória. Ela é a Porta do Céu, a Estrela da Manhã, o Refúgio dos pecadores. Deus quis que a honrássemos, acolhendo-A como Mãe. No seu SIM, o nosso sim.
       2 – É muito ilustrativo que o Evangelho escolhido para este dia solene seja o da Visitação. A cheia de Graça, que achou graça diante de Deus, corre apressadamente para a montanha ao encontro da Sua prima Santa Isabel, que se encontra grávida, também por uma intervenção extraordinária de Deus. Maria corre como mensageira de boas novas.
       São Lucas põe-nos a correr com Maria. Por um lado, a pressa em auxiliar quem se encontra mais frágil. Por outro, a alegria do evangelho é o verdadeiro motivo daquela pressa, como muitas vezes tem sublinhado o nosso Bispo, D. António Couto. Com efeito, Maria corre para se encontrar com Isabel e nesse encontro a alegria e o louvor vêm ao de cima. Isabel extravasa tal júbilo: «Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. Donde me é dado que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor? Na verdade, logo que chegou aos meus ouvidos a voz da tua saudação, o menino exultou de alegria no meu seio. Bem-aventurada aquela que acreditou no cumprimento de tudo quanto lhe foi dito da parte do Senhor».
       A resposta de Maria surge em forma de oração, o Magnificat, louvando Deus: «A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador, porque pôs os olhos na humildade da sua serva: de hoje em diante me chamarão bem-aventurada todas as gerações. O Todo-Poderoso fez em mim maravilhas: Santo é o seu nome. A sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que O temem. Manifestou o poder do seu braço e dispersou os soberbos. Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes. Aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias. Acolheu a Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia, como tinha prometido a nossos pais, a Abraão e à sua descendência para sempre».
       Logo depois a informação do evangelista de que Maria ficou junto de Isabel cerca de três meses e regressou a sua casa. Nem terá esperado pelo nascimento de João Batista, que é narrado depois. Esta estadia e este tempo evocam a presença da Arca da Aliança, cerca de três meses, na casa de Obed-Edom (2 Samuel 6,11) antes de ser transportada para a cidade santa.
       3 – A palavra de Deus convoca-nos a ser, como Maria, anunciadores da Boa Notícia da salvação. Cristo está a chegar. Há de chegar connosco. Com as palavras que trazemos e com a vida que geramos, com o fruto que multiplicamos, partilhando o que temos e o que somos.
       No evangelho da vigília, uma mulher, do meio da multidão, diz a Jesus: «Feliz Aquela que Te trouxe no seu ventre e Te amamentou ao seu peito». Logo Jesus lhe lembra, e a nós também: «Mais felizes são os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática» (Lc 11, 27-28).
       Por aqui se compreende que o privilégio único de Maria, a Imaculada Conceição, é, em parte, partilhável connosco. Deus cria-nos por amor e por amor nos sustenta. A Encarnação é a favor de toda a humanidade. O universal só é tangível no particular e no concreto. Deus dá-Se por inteiro assumindo a fragilidade humana, com o concurso da Virgem Imaculada, que Ele prepara desde sempre. Deus também conta connosco para gerarmos Jesus Cristo e comunicarmos a alegria do Evangelho, através da nossa vida e da nossa voz.
       Jesus clarifica as condições que fazem de nós a Sua família. Escutar a Palavra de Deus e agir em conformidade com a vontade de Deus. Desta forma nos tornamos Seus familiares.
       Maria escuta a Voz de Deus, pelo Anjo Gabriel, e põe-se em campo, rapidamente, para levar Jesus mais longe, para O dar a conhecer. Ainda Se desenvolve no seu ventre e já Ela quer que outros experimenta a Alegria pela presença de Deus no mundo!
       4 – Maria é Mãe de Jesus. É Mãe da Igreja. É nossa Mãe. É Estrela que nos guia. É esperança que nos fortalece no nosso peregrinar. É consolo nas tribulações. É a Casa em que nos podemos encontrar como irmãos e descobrir como família. Ela precede-nos no acolhimento de Jesus, gera-O no seu ventre virginal, partilha-O para que outros possam experimentar a Alegria de se encontrarem com Deus. O Sim ao Anjo vai sendo atualizado na delicadeza e na atenção aos que necessitam de mais cuidado, a Sua prima Isabel, os noivos de Caná da Galileia, na proximidade a Jesus, ao longo da Sua vida pública, mas com maior visibilidade na via-sacra e junto à Cruz. Sempre perto para acudir, para acolher o olhar de Jesus, para Lhe dar força, encorajando-O. É-lhe confiado após a morte. Primeiro, Deus confia-lhe o Seu Filho, que Ela acolhe no seu ventre e depois no seu colo de Mãe. Depois, entregam-lhe o Filho morto, que mais uma vez toma em seus braços. Segue-O para o túmulo onde o seu corpo é depositado. Espera-O, em casa, congregando os discípulos em oração. Está lá, quando Jesus aparece ressuscitado e Se coloca no Meio dos Seus discípulos!
       A Igreja é o Corpo de Cristo, do qual Ele é a Cabeça e nós os membros. Maria é a Mãe da Igreja, pois é a Mãe de Jesus. Não é Mãe de uma parte, mas Mãe de Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem. Ela é também a primeira discípula de Jesus. Começa a sintonizar com Ele, quando silenciosamente Se forma no seu ventre. Não cessará de O escutar, de O seguir, como víamos, até ao fim, até à eternidade.
       No livro do Apocalipse, a belíssima imagem da Mulher coroada de 12 estrelas. É a imagem da Igreja, mas também identificada com Maria, aquela que gera e dá à luz o salvador do mundo. "Apareceu no Céu um sinal grandioso: uma mulher revestida de sol, com a lua debaixo dos pés e uma coroa de doze estrelas na cabeça. Estava para ser mãe e gritava com as dores e ânsias da maternidade… Ela teve um filho varão, que há de reger todas as nações com cetro de ferro... E ouvi uma voz poderosa que clamava no Céu: «Agora chegou a salvação, o poder e a realeza do nosso Deus e o domínio do seu Ungido».
       Maria abre o mundo para Deus nascer em nós e nascer como um de nós, na nossa carne humana. Cristo, com a Sua ressurreição, abre-nos o Céu, para o Qual Maria foi elevada e nós, no seu devido tempo, também o seremos.

       5 – O reino novo, onde todos cabem, a mesa para qual todos são convidados, começa a irromper. A vida e sobretudo a morte e ressurreição de Jesus abrem-nos em definitivo, de par em par, as portas do Céu, dando-nos livre-trânsito para a misericórdia divina. Já não caminhamos às apalpadelas pelo escuro da noite, mas à plena Luz do dia. Jesus é a nossa luz, que nos ilumina e nos guia para o Pai.
       No seio de Maria, revestida de graça, Deus abaixou-Se, fazendo-Se um de nós, Jesus Cristo, Deus humanado, diminui-Se para que O possamos ver, O possamos amar, O possamos seguir, e, no final, vamos perceber, até O podemos perseguir, injuriar, podemos matá-l'O. Mas não podemos destruir o Seu amor por nós. Deus Pai O ressuscita, ressuscitando o Seu projeto de vida nova e bela, para gerar fraternidade, contando connosco.
       São Paulo, a quem um dia Jesus surpreendeu, não cessa de anunciar Jesus, morto e ressuscitado: «A morte foi absorvida na vitória. Ó morte, onde está a tua vitória? Ó morte, onde está o teu aguilhão?» (1 Cor 15, 54b-57). "Cristo ressuscitou dos mortos, como primícias dos que morreram. Uma vez que a morte veio por um homem, também por um homem veio a ressurreição dos mortos; porque, do mesmo modo que em Adão todos morreram, assim também em Cristo serão todos restituídos à vida".
       A solenidade da Assunção, permite-nos, como filhos diletos, honrar a Virgem Mãe, procurando escutá-l'A para cumprirmos com alegria o seu mandato: "Fazei tudo o que Ele vos disser". E se fizermos tudo o que Ele nos disser, será para nosso bem. Assumindo-O em vida, como Maria, Ele nos assumirá na eternidade, junto do Pai, como a Maria, Sua e nossa Mãe.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia: Ap 11, 19a; 12, 1-6a. 10ab; Sl 44 (45); 1 Cor 15, 20-27; Lc 1, 39-56.

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Solenidade da Assunção de Nossa Senhor ao Céu

       1 – "Tendo sido do agrado de Deus não manifestar solenemente o mistério da salvação humana antes que viesse o Espírito prometido por Cristo, vemos que, antes do dia de Pentecostes, os Apóstolos «perseveravam unanimemente em oração, com as mulheres, Maria Mãe de Jesus e Seus irmãos» (Atos 1,14), implorando Maria, com as suas orações, o dom daquele Espírito, que já sobre si descera na anunciação. Finalmente, a Virgem Imaculada, preservada imune de toda a mancha da culpa original, terminado o curso da vida terrena, foi elevada ao céu em corpo e alma e exaltada por Deus como rainha, para assim se conformar mais plenamente com seu Filho, Senhor dos senhores (cf. Apoc. 19,16) e vencedor do pecado e da morte " (Lumen Gentium, 59).
       Na constituição dogmática sobre a Igreja, saída do Concílio Vaticano II, faz-se este sublinhado sobre a vida de Nossa Senhora desde a Ascensão de Jesus até à Sua Assunção. Deus "assume" Maria, preparada desde sempre para ser a Mãe de Jesus, a Mãe de Deus, preservada sem mácula, a Imaculada Conceição, é também preservada no final da sua vida entre nós. É um privilégio divino mas não um exclusivo, pois n'Ela se revela o nosso fim, também nós ressuscitaremos, também nós seremos assumidos inteiramente por Deus e não apenas numa parte.
       Como rezamos na Oração de Coleta: «Senhor nosso Deus, que, olhando para a humildade da Virgem Maria, A elevastes à dignidade de ser Mãe do Verbo Encarnado e neste dia A coroastes de glória, concedei-nos, por sua intercessão, que, salvos pelo mistério da redenção, mereçamos ser por Vós glorificados».
       2 – A salvação da pessoa é sempre dom de Deus. É Ele que nos salva. Criando-nos por amor, por amor nos integra na Sua vida. Podemos, como fazemos em relação aos nossos pais, distanciar-nos, partir, manter-nos mais ou menos à distância, renunciar à nossa filiação ou pelo menos cortar os laços que nos unem a eles. Porém, eles continuam a ser nossos pais e nós continuamos a ser seus filhos. Não somos uns sem os outros. Os pais são-no porque têm filhos e estes existem porque há pais. Já nem colocamos a questão dos pais que rejeitam assumir na totalidade o que iniciaram biologicamente, ou que simplesmente colocaram fim a uma vida que geraram mas não lhes dão as condições biológicas necessárias para sobreviver.
       Também Maria é salva por Deus, como dom, como graça. Todavia, se Deus nos cria por amor sem nós, parafraseando santo Agostinho, não nos salva sem nós. Maria responde à graça de Deus com um SIM confiante, abrindo-se plenamente à misericórdia de Deus, realizando a Sua vontade: faça-se em Mim segundo a Tua Palavra. Não valerá de muito colocar os "ses" que por vezes sondam a nossa mente. É uma certeza que nos vem da Palavra de Deus: Maria escutou a prece do Anjo e respondeu positivamente. E Deus veio ao mundo, assumindo a nossa natureza carnal, humana, limitada no tempo e no espaço, fez-Se Deus connosco, Deus entre nós, elevando-nos à Sua família.
       Um SIM inicial que se traduz durante toda a vida. Como evidencia Jesus, Ela é bem-aventurada porque O trouxe no ventre, mas «mais felizes são os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática». Nesta expressão em que aparentemente Se afasta da Sua Mãe, Jesus, na verdade, coloca-A como referência e possibilidade. Não podemos ser pais/mães biológicos de Jesus, mas seremos bem-aventurados se, como Ela, escutarmos a palavra de Deus, colocando-a em prática.

       3 – O evangelho de hoje dá o tom e remete-nos de imediato para a postura que deveremos assumir como crentes: "Maria pôs-se a caminho e dirigiu-se apressadamente para a montanha, em direção a uma cidade de Judá".
       Esta pressa há de configurar a nossa vida no dia a dia. Ele precede-nos no SIM a Jesus, acolhendo-O no ventre e realizando a vontade de Deus. O facto de ser a "Cheia de Graça" não A inibe, não a encerra num concha de privilégio, não A isola dos demais. O sim à Palavra de Deus, que n'Ela Se faz carne, tem ramificações nesta saída. Ela é a Arca da Nova Aliança, pois n'Ela cresce e Se prepara o Emanuel, a Nova Aliança de Deus com a humanidade. É uma ARCA viva e, por conseguinte, não está fixa num templo, mas está em trânsito e desta feita acelerada para encontrar Isabel e lhe ser prestável, mas também para lhe levar a Alegria do Evangelho, experimentado na proximidade das duas Mães e dos respetivos filhos: «Logo que chegou aos meus ouvidos a voz da tua saudação, o menino exultou de alegria no meu seio. Bem-aventurada aquela que acreditou no cumprimento de tudo quanto lhe foi dito da parte do Senhor».
       E se Maria nos precede no acolhimento de Jesus, há de preceder-nos na eternidade. Como sublinha São Paulo, Jesus ressuscita, mas não de forma exclusiva, mas primavera-nos. "Cristo ressuscitou dos mortos, como primícias dos que morreram. Uma vez que a morte veio por um homem, também por um homem veio a ressurreição dos mortos; porque, do mesmo modo que em Adão todos morreram, assim também em Cristo serão todos restituídos à vida".
       Ao ser assumida totalmente por Deus, após a morte, Maria é sinal de esperança, antecipando a nossa história e o destino da nossa vida, mostrando que a promessa de Jesus, de ir para o Pai para nos preparar um lugar, já se cumpriu em Maria. Jesus, verdadeiro homem e verdadeiro Deus, ressuscita. Mas como será connosco? Temos a resposta em Maria. Como Ela também nós ressuscitaremos. "Ela é a aurora e a imagem da Igreja triunfante, ela é sinal de consolação e esperança para o vosso povo peregrino. Vós não quisestes que sofresse a corrupção do túmulo Aquela que gerou e deu à luz o Autor da vida, vosso Filho feito homem" (prefácio da Assunção).
       4 – O sinal que aparece no Céu, segundo o Apocalipse, imagem da Igreja mas também de Maria, é um sinal de esperança. O tempo que passa, quais dores do parto que darão ao mundo uma vida nova, com a sua violência, guerras e conflitos, fome e corrupção, é um tempo passageiro, porque já se vislumbra a salvação. "Apareceu no Céu um sinal grandioso: uma mulher revestida de sol, com a lua debaixo dos pés e uma coroa de doze estrelas na cabeça".
       Esta esperança, que é uma virtude teologal, enraíza-se em Deus, é uma ESPERANÇA para o amanhã, mas que se funda na Palavra de Deus, na promessa que se cumpre na Encarnação de Deus, na história e no tempo, com o advento de um tempo novo, com Jesus Cristo, que faz a Sua morada em nós. A oração do Magnificat assume esta CONFIANÇA na misericórdia de Deus, olhando para o passado, para nos mover para o HOJE e para o AMANHÃ:
«A minha alma glorifica o Senhor
e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador,
porque pôs os olhos na humildade da sua serva:
de hoje em diante me chamarão bem-aventurada
todas as gerações.
O Todo-Poderoso fez em mim maravilhas:
Santo é o seu nome.
A sua misericórdia se estende de geração em geração
sobre aqueles que O temem.
Manifestou o poder do seu braço
e dispersou os soberbos.
Derrubou os poderosos de seus tronos
e exaltou os humildes.
Aos famintos encheu de bens
e aos ricos despediu de mãos vazias.
Acolheu a Israel, seu servo,
lembrado da sua misericórdia,
como tinha prometido a nossos pais,
a Abraão e à sua descendência para sempre».
Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia: Ap 11, 19a; 12, 1-6a.10ab; 1 Cor 15, 20-27; Lc 1, 39-56.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Solenidade da ASSUNÇÃO de NOSSA SENHORA AO CÉU

       1 – “Depois de termos dirigido a Deus repetidas súplicas… com a autoridade de nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados apóstolos são Pedro e são Paulo e com a nossa, pronunciamos, declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que: a imaculada Mãe de Deus, a sempre virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial” (Papa Pio XII, Munificentissimus Deus).
       A definição do dogma da Assunção de Nossa Senhora ao Céu, em corpo e alma, é fruto do sensus fidei de todo o povo cristão. Não é uma declaração imposta por parte da hierarquia da Igreja, mas o culminar da vivência da fé. Desde o início da Igreja que a Virgem Imaculada teve um lugar muito especial, na oração, na liturgia, nos Padres e grandes teólogos, nas palavras dos Papas, na piedade popular. Os dogmas da Imaculada Conceição (8 de dezembro de 1854, por Pio IX) e da Assunção da Virgem Maria (1 de novembro de 1950, por Pio XII) estão estreitamente ligados. Com efeito, o Povo de Deus desde há muitos séculos aceitava a Imaculada Conceição da Virgem Maria e a Sua não corruptibilidade corporal, acreditando simultaneamente que Aquela que foi concebida sem pecado também foi preservada da corrupção do sepulcro e assumida por Deus desde sempre e para sempre.
       “A Virgem Imaculada, preservada imune de toda a mancha da culpa original, terminado o curso da vida terrena, foi elevada ao céu em corpo e alma e exaltada por Deus como rainha, para assim se conformar mais plenamente com seu Filho, Senhor dos senhores e vencedor do pecado e da morte” (Vaticano II, Lumen Gentium 59).

       2 – Celebrar a Assunção de Nossa Senhora ao Céu é reconhecer que a nossa vida se abre ao Infinito, ao Transcendente, que se projeta para Deus. De Deus viemos e para Deus havemos de voltar, não por partes, mas na totalidade da nossa vida humana.
       Maria, Mãe de Jesus e Mãe nossa, precede-nos na glória como nos precede no acolhimento de Jesus Cristo, exemplificando com a Sua vida como poderemos cumprir a vontade de Deus. Com Ela nos situamos entre dois SIM's imensos, o sim da anunciação (Lc 1, 26-38) – Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra – e o sim da Cruz. Dessa hora em diante o discípulo acolheu-A em sua casa. Maria vem para nossa casa, para a nossa vida. Jesus da-no-l'A por Mãe – Eis a tua Mãe – tornando-nos filhos – Mulher, eis o teu filho (Jo 19, 25-27). Hoje os discípulos de Jesus somos nós e, por conseguinte, é a nós que Ele confia e entrega Maria, é a nós que reconhece como irmãos, é a nós que dá uma nova filiação, nova vida, filhos de Maria, filhos bem-amados de Deus.
       A fé na Assunção de Nossa Senhora parte da Sua especial missão na vida de Jesus. Ela é desde sempre escolhida para ser a Mãe do Filho de Deus, e por isso, Mãe de Deus. No SIM dado a Deus, nasce Jesus, Deus faz-Se homem, assumindo a nossa condição mortal. Mas, sublinhe-se, que o SIM de Maria não é um momento, mas é a VIDA toda por inteiro. A sua "consagração" a Deus fá-la responder com pressa e delicadeza às pessoas que A rodeiam, como na Visitação ou a intercessão nas Bodas de Canaã. Por aqui se vê também a Sua mediação/intercessão junto de Jesus, que nos implica: “Fazei o que Ele vos disser” (Jo 2, 1-12).

       3 – Celebrar a Assunção de Nossa Senhora ao Céu, em corpo e alma, é viver na esperança, é viver com o olhar fito em Deus, e na certeza que Ele não nos abandona nem agora nem no futuro, nem em vida nem na morte e nada, nem a espada, nem qualquer poder, nos poder separar do AMOR de Deus. Chama-nos à vida e guardar-nos-á para sempre junto de Si. O SIM de Deus é pleno em Maria e sê-lo-á em nós.
       Como bem nos recorda o apóstolo São Paulo: “Cristo ressuscitou dos mortos, como primícias dos que morreram… em Cristo serão todos restituídos à vida”. 
       A salvação vem por Cristo e n'Ele todos são restituídos à vida. Maria, a primeira cristã, por excelência, a primeira a acolher Jesus, em seu ventre e como Mãe dulcíssima no Seu coração, guia-nos em vida, e mostra-nos como chegar ao Céu, como ser assumidos por Deus. O primeiro a ressuscitar é Jesus, e depois cada um na sua vez. Maria mantém a ligação maternal, umbilical e espiritual, com Jesus, no tempo e na eternidade. Nem a morte a separa do Seu amor maior.
       “Apareceu no Céu um sinal grandioso: uma mulher revestida de sol, com a lua debaixo dos pés e uma coroa de doze estrelas na cabeça... E ouvi uma voz poderosa que clamava no Céu: «Agora chegou a salvação, o poder e a realeza do nosso Deus e o domínio do seu Ungido»”. 
       Primeiro Maria dá-nos Jesus, coloca-O no berço para que O possamos encontrar, descobrir e contemplar, para que possamos enternecer-nos com Ele, com o Seu olhar. A seguir, Jesus dá-nos Maria, como Mãe, para sempre. Ela continua a cumprir com a sua missão de Mãe, intercedendo por nós, aproximando-nos do Seu filho.

       4 – “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre... Bem-aventurada aquela que acreditou no cumprimento de tudo quanto lhe foi dito da parte do Senhor...”. 
       Isabel apresenta-nos a razão por que Maria é a bendita do Senhor, porque acreditou em Deus, em tudo o que vem de Deus. Algo de mais profundo acontece naqueles ventres maternos. A salvação que vem de Deus, Jesus, Aquele que salva, no ventre de Maria faz exultar de alegria o Precursor, João Batista, no seio de Isabel.
       Bem se pode dizer que o primeiro sinal da presença de Deus entre nós é a ALEGRIA que vem de dentro, que brota das entranhas mais íntimas e profundas, que brota da própria vida. Do berço da vida. O Evangelho é então Boa Notícia, que germina no silêncio, é Alegria que se comunica e se espalha. Isabel e Maria deixam que do silêncio e da vida em gestação a boa notícia se torne audível. “A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador, porque pôs os olhos na humildade da sua serva: de hoje em diante me chamarão bem-aventurada todas as gerações”. 
       A alegria é tamanha que Isabel não se contém nas palavras. A alegria e confiança em Deus são tão palpáveis que Maria exterioriza reconhecendo-se SERVA diante da grandeza e misericórdia de Deus. Também aqui Ela nos mostra como fazer nascer em nós o Filho de Deus. Quem se julga e se apresenta e vive como senhor de tudo e de todos, fecha-se ao DOM, fecha-se ao AMOR, encerra-se e deixa de ser boa notícia. Aquele que se humilha, isto é, que reconhece a sua fragilidade e finitude, abrindo-se à graça de Deus, pode e dará abundantes frutos.

       5 – “Uma mulher levantou a voz no meio da multidão e disse: «Feliz Aquela que Te trouxe no seu ventre e Te amamentou ao seu peito». Mas Jesus respondeu: «Mais felizes são os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática»” (Evangelho da Missa vespertina: Lc 11, 27-28).
       Neste diálogo, Jesus alarga o horizonte da maternidade de Maria para uma dimensão universal, no tempo e no espaço, e indica-nos o caminho para integrarmos a família de Deus, para nos tornarmos irmãos, filhos, pais, parentes Seus.
       A maternidade de Maria é biológica e espiritual em relação a Jesus; é espiritual em relação à humanidade inteira. Assim Deus o quer. Assim o queiramos nós.
       A Assunção de Maria recorda-nos o caminho que A levou a ser acolhida por Deus na eternidade e que passa pela escuta atenta da Palavra de Deus, vivendo o dia-a-dia na pressa de ser prestável àqueles que Deus colocou junto de nós, como bem expressa o Evangelho da Visitação.
       A mãe está bem onde os filhos estão. Maria, como Mãe, acompanha Jesus notando-se a Sua presença nos momentos mais críticos, quando o julgam louco ou no momento da paixão, bem junto à Cruz, bem junto a Jesus. O olhar de Mãe não se desvia do olhar do Filho. Destruída interiormente, mas firme, garantindo ao Filho que está com Ele até ao fim.
       O Filho quer que os Seus discípulos partilhem daquele olhar, daquele AMOR, daquela cumplicidade. E, como discípulos, nós queremos acolhê-la em nossa casa, preparando a nossa vida para que o Seu olhar maternal não despegue do nosso. Ela indica-nos o caminho, fazer o que Jesus nos pede, escutar a palavra e vivê-la com alegria. Na glória de Deus, Maria continua a atrair-nos para o Seu Filho Jesus.

Textos para a Eucaristia: Ap 11, 19a; 12, 1-6a.10ab; 1 Cor 15, 20-27; Lc 1, 39-56.