Mostrar mensagens com a etiqueta São Lucas. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta São Lucas. Mostrar todas as mensagens

sábado, 25 de janeiro de 2025

Domingo III do Tempo Comum - ano C - 26 de janeiro

       1 – São Lucas é o evangelista que mais de perto nos acompanhará nos Domingos e Solenidades deste Ano C. É considerado o Evangelho da Oração (do Senhor), do Envio, Evangelho Missionário, Evangelho da Misericórdia de Deus, e também o Evangelho dos Encontros. O Pai de Jesus Cristo, e nosso Pai, é um Deus misericordioso, clemente e compassivo. Algumas das parábolas que teremos oportunidade de escutar são uma marca luminosa da misericórdia de Deus: o Bom Samaritano; a Oração do Fariseu e do Publicano, a Parábola do Filho Pródigo e também da ovelha tresmalhada e da dracma perdida, do Juiz iníquo e da viúva insistente, do rico avarento e do pobre Lázaro ou mesmo do grande banquete. Da mesma forma os diversos encontros de Jesus: com Levi (Mateus), com Zaqueu, com a mulher apanhada em flagrante adultério, a refeição em casa do fariseu Simão e a pecadora arrependida, com a viúva de Naim, a quem ressuscita o filho único, com os 10 leprosos, com o bom ladrão.
       Logo no início do Evangelho, São Lucas apresenta o seu propósito: "Já que muitos empreenderam narrar os factos que se realizaram entre nós, como no-los transmitiram os que, desde o início, foram testemunhas oculares e ministros da palavra, também eu resolvi, depois de ter investigado cuidadosamente tudo desde as origens, escrevê-las para ti, ilustre Teófilo, para que tenhas conhecimento seguro do que te foi ensinado".
       O Evangelho é colocado por escrito para ser transmitido com mais segurança e rigor aos vindouros. É para nós que São Lucas escreve, para acolhermos as palavras e sobretudo a vida de Jesus. Teófilo – o amigo de Deus – somos nós, se nos dispomos acolher Deus com a Sua Palavra.
       2 – Durante a quadra de Natal, escutámos o Evangelho de Infância: anunciação, visitação, nascimento de Jesus, perda e encontro de Jesus no Templo. E claro as referências a São João Batista, anúncio a Zacarias que vai ser pai, nascimento de João Batista, e a pregação do Precursor. Entretanto, o texto lucano faz-nos avançar para a prisão de João Batista, seguindo-Se o batismo (inicial) de Jesus. Logo Jesus é impelido pelo Espírito Santo ao deserto (texto para escutar e refletir no primeiro domingo da Quaresma), onde é tentado pelo demónio. Volta para a Galileia e inicia-se (em definitivo) o ministério público, assumindo-Se como Enviado, Ungido do Senhor, o Filho bem-amado do Pai.
       Vai a Nazaré, onde se tinha criado. A sua fama já se espalhara por toda a região, pelo que também aqui se pressupõe que Jesus já pregava e realizava prodígios, ainda que para Lucas esta presença em Nazaré seja um dos primeiros "atos" públicos de Jesus.
       Era habitual Jesus ir à Sinagoga aos sábados, como todos os judeus crentes. Jesus integra-se no povo, na sua cultura e na sua religião. Estando na Sinagoga de Nazaré, chegado o momento, levanta-se para fazer a Leitura. Faz-nos lembrar a nossa liturgia, com as leituras e com a subsequente reflexão. Entregam-lhe o rolo (livro) de Isaías e encontra a seguinte passagem: «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres. Ele me enviou a proclamar a redenção aos cativos e a vista aos cegos, a restituir a liberdade aos oprimidos e a proclamar o ano da graça do Senhor».
       A liturgia desenrola-se, Jesus enrola o livro de Isaías e entrega-o ao ajudante. Senta-se. Como "mestre", senta-se para fazer a homilia e diz: «Cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir».
       Simples, direto, sucinto. HOJE cumpriu-se a Escritura. Vejamos: O Espírito do Senhor está em Jesus, ungiu-O para anunciar a boa nova aos pobres e a liberdade a todos os que vivem oprimidos pela doença, pela solidão, pelo medo. Veio trazer-nos a graça de Deus, cujo ano proclama. É um ANO de GRAÇA que HOJE nos é dado. Hoje, não ontem, não amanhã. Hoje.
       3 – Jesus surge no seguimento de outros Profetas, sendo Ele, não mais um, mas o último, o Profeta por excelência, o Ungido do Senhor. Os Patriarcas, os Juízes e os Profetas mantiveram Deus por perto, com as suas palavras inspiradas, a mensagem da Aliança, animando nos momentos históricos adversos, convocando para a fidelidade à Misericórdia de Deus para se manterem fiéis ao sonho, ao caminho, integrando outros e sendo bênção para todos os povos.
       Extraordinário e comovente relato nos é oferecido na primeira leitura. O Livro da Lei volta a estar disponível. Aqui o Livro sagrado visualiza a presença, o amor, a aliança de Deus com o Povo. O sacerdote Esdras traz o Livro da Lei, coloca-se diante da assembleia, de homens e de mulheres, isto é, todos os que eram capazes de compreender. E leu desde a aurora ao meio-dia.
       Relembremos também a nossa liturgia da Palavra. Esdras está de pé, num estrado de madeira, feito de propósito, elevado em relação à assembleia. Quando Esdras abriu o Livro todos se levantaram. Esdras bendisse a Deus, e o povo, erguendo as mãos, respondeu: «Ámen! Ámen!».
       Homens e mulheres prostram-se por terra para adorarem o Senhor. Os levitas leem, clara e distintamente, a Lei de Deus, explicando o seu sentido, para que todos possam compreender. Esdras e os Levitas ensinam todo o povo, que agradece, emocionado. É então que o governador Neemias, o sacerdote e escriba Esdras e os levitas dizem a todo o povo: «Hoje é um dia consagrado ao Senhor vosso Deus. Não vos entristeçais nem choreis». – Porque todo o povo chorava, ao escutar as palavras da Lei –. Depois Neemias acrescentou: «Ide para vossas casas, comei uma boa refeição, tomai bebidas doces e reparti com aqueles que não têm nada preparado. Hoje é um dia consagrado a nosso Senhor; portanto, não vos entristeçais, porque a alegria do Senhor é a vossa fortaleza».
       É o dia consagrado ao Senhor, dedicado à escuta e reflexão da Palavra de Deus, à adoração, mas também à festa em família.
       Podemos perguntar-nos como nos predispomos a escutar, a viver, a testemunhar a Palavra de Deus. Aquele povo emociona-se, comove-se, pois a Palavra de Deus que lhes é dirigida garante-lhes a presença e a bênção de Deus. A sinagoga de Nazaré coloca-se em posição, com os olhos voltados para Jesus, para O escutarem. E nós?
       4 – Hoje somos nós que estamos naquela Sinagoga! HOJE temos os olhos fitos em Jesus, os olhos e os ouvidos. Hoje: a Lei do Senhor, mas muito mais, a Sua graça. É um Ano feliz, santo, benfazejo, porque Deus está no meio de nós, já não apenas em palavras e promessas, mas na Palavra, em Jesus Cristo, que vive no meio de nós e se esconde (especialmente) nos mais pequeninos que colocou na nossa vida, para amarmos e servimos e para aprendermos a ser irmãos.
"A lei do Senhor é perfeita, ela reconforta a alma; as ordens do Senhor são firmes, dão sabedoria aos simples. / Os preceitos do Senhor são retos e alegram o coração; os mandamentos do Senhor são claros e iluminam os olhos. / O temor do Senhor é puro e permanece eternamente; os juízos do Senhor são verdadeiros, / todos eles são retos. / Aceitai as palavras da minha boca e os pensamentos do meu coração estejam na vossa presença: Vós, Senhor, sois o meu amparo".
       Há leis que matam, que aprisionam, que nos encolhem, que assustam, leis que dividem em maiores e menores, pessoas de primeira e de segunda, leis que nos subjugam. A Lei do Senhor reconforta-nos, desafia-nos, provoca-nos para o melhor de nós mesmos, liberta-nos para o bem, para a justiça e para a verdade. A LEI do Senhor agora tem um ROSTO: Jesus, Rosto da Misericórdia do Pai. Deus não nos governa de fora, distante e indiferente aos nossos sofrimentos. Deus ama-nos a partir de nós, do interior. Em Cristo vem habitar-nos, vem morar connosco.

       5 – Belíssima também a página de São Paulo que temos a dita de hoje escutar. A Igreja é o Corpo de Cristo, do qual Ele é a Cabeça e nós os membros. O Apóstolo sublinha o lugar e a importância de todos os membros, diferentes mas necessários.
       "O corpo é um só e tem muitos membros, e todos os membros do corpo, apesar de numerosos, constituem um só corpo". Também em Cristo acontece da mesma forma: todos nós - "judeus e gregos, escravos e homens livres – fomos batizados num só Espírito para constituirmos um só corpo e a todos nos foi dado a beber um só Espírito".
       No corpo todos os membros contam, todos são importantes. Muitas vezes os membros aparentemente mais frágeis são os que precisam de mais cuidados, pois a sua importância é crucial. E se um dos membros está em sofrimento, todos os membros padecem. Sabemos bem disso: se me doer um dente, é todo o corpo que fica em sofrimento, os ouvidos, a cabeça, o equilíbrio, a disposição, a vontade. É apenas um dente e afeta todo o meu dia.
       "Vós sois corpo de Cristo e seus membros, cada um por sua parte". O mesmo Deus, a mesma fé, o mesmo Batismo, Deus atua em todos. Os dons que Deus nos dá destinam-se ao bem de todos.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): Ne 8, 2-4a. 5-6. 8-10; Sl 18 B (19); 1 Cor 12, 12-30; Lc 1, 1-4: 4, 14-21.

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

São Lucas, Evangelista

Nota biográfica:
       Nascido numa família pagã e convertido à fé, acompanhou o apóstolo Paulo, de cuja pregação é reflexo o Evangelho que escreveu. Transmitiu noutro livro, intitulado Actos dos Apóstolos, os primeiros passos da vida da Igreja até à primeira estadia de Paulo em Roma.
Oração de coleta:
       Senhor nosso Deus, que escolhestes São Lucas para revelar com a sua palavra e os seus escritos o mistério do vosso amor pelos pobres, fazei que sejam um só coração e uma só alma aqueles que se gloriam no vosso nome, e todos os povos mereçam ver a vossa salvação. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.

Das Homilias de São Gregório Magno, papa, sobre os Evangelhos

O Senhor segue atrás dos seus pregadores

Irmãos caríssimos: Nosso Senhor e Salvador ensina nos umas vezes por palavras e outras por acções. Com efeito, as suas próprias obras são preceitos, pois com elas nos dá a conhecer tacitamente o que devemos fazer.
Ele envia os seus discípulos em pregação dois a dois, porque são dois os mandamentos da caridade, a saber, o amor de Deus e do próximo. O Senhor manda os seus discípulos em pregação dois a dois, para nos indicar isto sem palavras: quem não tiver caridade para com os outros de modo algum deve assumir o ofício da pregação.
Apropriadamente se diz que os mandou à sua frente a todas as cidades e lugares aonde Ele próprio havia de ir. Na verdade, o Senhor segue os seus pregadores, porque a pregação prepara a sua vinda. O momento em que o Senhor vem habitar no nosso espírito é justamente quando as palavras de exortação aparecem antes d’Ele e por meio delas a verdade é recebida na alma. É por isso que Isaías diz aos mesmos pregadores: Preparai o caminho do Senhor, aplanai as veredas para o nosso Deus. Também o Salmista lhes diz: Abri caminho Àquele que sobe sobre o ocaso. É o Senhor que sobe sobre o ocaso, porque a sua morte Lhe serviu de pedestal para manifestar mais esplendorosamente a sua glória na ressurreição. Sobe sobre o ocaso, dizemos, porque a morte que suportou, Ele a calcou aos pés ao ressurgir. Portanto, abrimos caminho Àquele que sobe sobre o ocaso quando pregamos às vossas almas a sua glória, para que venha depois Ele próprio iluminá las com a presença do seu amor.
Mas ouçamos o que diz aos pregadores que enviou: A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai portanto ao senhor da messe que mande operários para a sua messe. Para a messe, que é grande, os trabalhadores são poucos, o que não podemos referir sem tristeza; porque, embora haja quem ouça a boa nova, falta quem a pregue. De facto o mundo está cheio de sacerdotes, mas muito raramente se encontra um operário na messe de Deus. É verdade que recebemos o ministério sacerdotal, mas não cumprimos as obrigações do cargo.
Pensai, caros irmãos, pensai no que diz o Evangelho: Rogai ao senhor da messe que mande operários para a sua messe. Pedi por nós para que possamos trabalhar por vós como convém; para que a nossa língua não deixe de vos exortar, não seja caso, que, tendo recebido o ofício da pregação, o nosso silêncio nos venha acusar perante o justo juiz.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura

       Jesus foi a Nazaré, onde Se tinha criado. Segundo o seu costume, entrou na sinagoga a um sábado e levantou-Se para fazer a leitura. Entregaram-Lhe o livro do profeta Isaías e, ao abrir o livro, encontrou a passagem em que estava escrito: «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres. Enviou-me a proclamar a redenção aos cativos e a vista aos cegos, a restituir a liberdade aos oprimidos, a proclamar o ano da graça do Senhor». Depois enrolou o livro, entregou-o ao ajudante e sentou-Se. Estavam fixos em Jesus os olhos de toda a sinagoga. Começou então a dizer-lhes: «Cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir». Todos davam testemunho em seu favor e se admiravam das palavras cheias de graça que saíam da sua boca. E perguntavam: «Não é este o filho de José?». Jesus disse- lhes: «Por certo Me citareis o ditado: ‘Médico, cura-te a ti mesmo’. Faz também aqui na tua terra o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum». E acrescentou: «Em verdade vos digo: Nenhum profeta é bem recebido na sua terra. Em verdade vos digo que havia em Israel muitas viúvas no tempo do profeta Elias, quando o céu se fechou durante três anos e seis meses e houve uma grande fome em toda a terra; contudo, Elias não foi enviado a nenhuma delas, mas a uma viúva de Sarepta, na região da Sidónia. Havia em Israel muitos leprosos no tempo do profeta Eliseu; contudo, nenhum deles foi curado, mas apenas o sírio Naamã». Ao ouvirem estas palavras, todos ficaram furiosos na sinagoga. Levantaram-se, expulsaram Jesus da cidade e levaram-n’O até ao cimo da colina sobre a qual a cidade estava edificada, a fim de O precipitarem dali abaixo. Mas Jesus, passando pelo meio deles, seguiu o seu caminho (Lc 4, 16-30).
      No Evangelho que hoje nos é proposto, São Lucas apresenta-nos Jesus no início da vida pública de Jesus, na deslocação à cidade que O viu crescer, onde as pessoas O conhecem pelo nome, conhecem a Sua família, sabem onde é a Sua casa, tratam-no pelo nome, pessoas que conviveram com Ele, que com Ele trabalharam, frequentaram os mesmos lugares, a praça e a sinagoga. Este é o primeiro registo. Jesus não é um extra-terrestre, que aparece do nada, sobre as nuvens, ou de forma espetacularmente milagrosa. A expectativa sobre a vinda do Messias seria próximo disso: uma origem desconhecida. No entanto, Jesus encarna, assume a nossa natureza humana, nasce, cresce, vive como nós e no meio de nós. Não é estranho, ou esquisito. Tem uma identidade muito humana.
Não se estranha que Jesus entre na Sinagoga, ao sábado, o dia sagrado, e Se levante para ler, e Se sente para refletir sobre a Palavra de Deus proclamada. Se não fosse algo habitual, a estranheza começaria de imediato. É um homem adulto, e que frequentava a Sinagoga habitualmente, primeiro acompanhado de São José e com os amigos de brincadeira.
       A estranheza vem com as palavras de Jesus: Hoje mesmo se cumpriu esta passagem da Escritura. Até aí nada de espanto. Com esta afirmação contundente, inequívoca, começa a divisão, a estranheza, a interrogação. Afinal como podem alguém arvorar-se o direito de Se considerar a Si mesmo Enviado de Deus, Ungido do Senhor? E como é possível, se nós conhecemos a Sua origem, sabemos quem é o Seu Pai, os seus irmãos, os seus familiares? Sabemos que é carpinteiro, filho do carpinteiro José, como é que Ele diz agora que n'Ele Se cumprem as Escrituras?
       Afinal, conhecemos a Sua origem, mas à uma origem anterior que nos é revelada pela fé, só pela fé, a origem divina, na qual também fomos enxertados. Sem fé não é possível aceitar, acolher, reconhecer, a missão e a identidade de Jesus.
       A passagem revela outras coisas. Jesus já era reconhecido, também na Sua terra, como profeta, como "fazedor" de milagres, pelo menos isso, pois alguns estava na esperança que Ele realizasse ali os milagres que tinham testemunhado em outras cidades por onde Jesus tinha passado, dizendo-nos também que a vida pública de Jesus já tinha iniciado.
       Outro dos aspetos importantes, é admiração das pessoas, mas sem perseverança. Deixam-se entusiasmar mas logo seguem aqueles que querem expulsar Jesus da Sinagoga e da cidade. Por outro lado ainda, uma lição importante: quando estamos certos da verdade das nossas escolhas não devemos temer as vozes que se levantam à nossa volta, mas, à semelhança de Jesus, prosseguir com firmeza e alegria o nosso caminho.
       HOJE cumpriu-se o tempo. É neste HOJE de Jesus que havemos de sintonizar-nos.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

D. António Couto: quando Ele nos abre as Escrituras: C

D. ANTÓNIO COUTO (2015). Quando Ele nos abre as Escrituras. Domingo após Domingo. Uma leitura bíblica do Lecionário. Ano C. Lisboa: Paulus Editora. 464 páginas.
       O Bispo de Lamego, D. António José da Rocha Couto, é reconhecidamente um estudioso da Bíblia, pela formação académica, pela responsabilidade pastoral, pelo compromisso universitário, pelo gosto pessoal e bastimal. A Sagrada Escritura é uma enxurrada de Deus que vem até nós pela Palavra inspirada, anunciada, escrita, experimentada, visível na história e no tempo, nos acontecimentos passados e nos momentos que passam, através de pessoas e de povos, e sobretudo em Jesus Cristo, o Filho Bem-amado do Pai, que nos abre o Céu, trazendo-nos, em Si, o próprio Deus.
       Depois da publicação das Leituras Bíblicas do Lecionário ano A e do Lecionário do ano B, com a Introdução ao Evangelho de Mateus e Introdução ao Evangelho de Marcos, eis agora a Leitura Bíblica do Lecionário do Ano C, enquanto se aguarda a edição da Introdução ao Evangelho de Lucas.
Todas as semanas, centenas de pessoas visitam a página de D. António Couto, na qual coloca as propostas de reflexão para o Dia do Senhor, Mesa de Palavras, sendo depois partilhada em diferentes plataformas digitais, também na página da Diocese de Lamego no Facebook.
       Escreve como se fosse a última coisa que fizesse, como um legado, com a mestria de um bisturi, tal como diz da própria palavra de Deus, colocando cada ponto no seu lugar e fazendo pontes, de Jesus para os discípulos, daquele para o nosso tempo, contextualizando o espaço e o tempo, com as ramificações ao passado, à história de Israel, e aos países e regiões vizinhas.
       Como refere D. António Couto, apresentando este livro: "O estilo é o de sempre. A substância é bíblica e litúrgica, com tempero teológico, literário, simbólico, cultural, histórico, arqueológico. Fui-o escrevendo com gosto, pensando em todos aqueles que gostam de saborear os textos bíblicos que a Liturgia nos oferece. Pensei sobretudo naqueles que, domingo após domingo, têm a responsabilidade de abrir as Escrituras à compreensão dos homens e mulheres, jovens e crianças, que, domingo após domingo, entram nas nossas igrejas".
       O andamento é o Ano Litúrgico, domingo após domingo, com os diversos tempos do Advento e Natal, da Quaresma e da Páscoa, do Tempo Comum, e do Santoral, com as principais Solenidades e Festas do Senhor, da Virgem Maria, dos Apóstolos, de Todos os Santos...
"É a estrada bela, e é andando nela que se encontra o repouso para a vida (Jr 6, 16). Encontramos lume e sentido, para voltar à estrada dos dois de Emaús, a quem já ardia o coração (Lc 24, 32). É a estrada que desce de Jerusalém para Gaza. A estrada é no deserto (Atos 8, 26), como a de Isaías (35, 8; 43, 19), mas pode sempre encontrar-se nela o sentido e a água (Atos 8, 35). É a estrada de Damasco, em que podemos sempe cair de nós abaixo e ouvir chamar o nosso nome de uma forma nova e diferente (Atos 8, 4; 22, 7; 26, 14). É a estrada que se abre à nossa frente sempre que ouvimos Jesus a dizer: «Segue-Me!» ou «Vai»!".
       É um extraordinário contributo para quem prepara as Leituras de cada Eucaristia dominical e/ou solene, com arte e engenho, numa escrita cuidada, uma espécie de prosa poética, e com poemas a encerrar muitas das reflexões. Pode ler-se antes de cada domingo ou de cada celebração festiva, mas também se pode ler de uma assentada ficando-se desde logo com uma perspetiva de todo o ano litúrgico, regressando depois novamente aos textos nos domingos correspondentes.
       Com este volume, D. António Couto completa a reflexão dos três ciclos de leituras dos anos A, B e C, faltando, para acompanhar este último título, o estudo sobre o Evangelista do ano C, São Lucas.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

O mais pequeno entre vós esse é que será o maior

       Houve uma discussão entre os discípulos sobre qual deles seria o maior. Mas Jesus, que lhes conhecia os sentimentos íntimos, tomou uma criança, colocou-a junto de Si e disse-lhes: «Quem acolher em meu nome uma criança como esta acolhe-Me a Mim; e quem Me acolher acolhe Aquele que Me enviou. Na verdade, quem for o mais pequeno entre vós esse é que será o maior». João tomou a palavra e disse: «Mestre, vimos um homem expulsar os demónios em teu nome e quisemos impedi-lo, porque ele não anda connosco». Mas Jesus respondeu-lhe: «Não lho proibais, pois quem não é contra vós é por vós». (Lc 9, 46-50).

       Nos dois domingos anteriores e seguindo o evangelista São Marcos (Domingo XXV e XXVI do Tempo Comum) apresentaram-nos esta passagem em dois momentos: discussão sobre quem era o maior e o facto dos discípulos proibirem um homem de agir em nome de Jesus porque não fazia parte do grupo.
       O Evangelho que ora nos é proposto por São Lucas, mostra como Jesus insiste que o seguimento e a vivência da Palavra de Deus não se faz pelo poder, pela imagem, pela importância, mas faz-se pela obediência, pelo serviço aos outros, pela caridade. Quem quiser ser o maior será o servo de todos.
       Por outro lado e à invectiva de João para silenciarem um homem que fazia milagres mas não pertencia ao grupo, Jesus insiste na tolerância pela caridade. Há sempre bem que se pode descobrir e acolher mesmo naqueles que não são do nosso grupo e mesmo nas situações onde se insinua o mal. O preconceito pode levar-nos a desvalorizar e desaproveitar as boas ideias e os gestos generosos que venham de outros que não são do nosso grupo de amigos, da nossa família, do nosso partido. Jesus convida-nos à tolerância e ao cuidado por acolher todo o dom que vem de Deus, venha de onde vier.

sábado, 9 de março de 2013

IV Domingo da Quaresma - ano C - 10 de fevereiro

       1 – O evangelho deste dia apresenta-nos uma das mais extraordinárias parábolas de Jesus, um exclusivo de São Lucas, conhecida como a Parábola do Filho Pródigo, mais adequado seria Parábola do Pai Misericordioso. Veremos por quê. É uma verdadeira pérola que nos fala de um Deus que ama sempre, sem reservas, absolutamente.
       Jesus prossegue o seu ministério, nem sempre bem compreendido, com o Seu jeito de se relacionar com as pessoas, sem privilegiar classes, ou melhor, privilegiando precisamente os que estão abaixo das classes. Para Jesus o menos é MAIS. Os desprotegidos pelo poder, pela riqueza, ou até pela religião, os que têm menos, merecem de Jesus maior atenção, maior cuidado, mais tempo e delicadeza, para que se sintam chamados, amados, se sintam filhos queridos de Deus.
       Jesus come com pecadores, maltrapilhos, doentes, pedintes, publicanos. Esta constatação envolve uma acusação grave feita pelos fariseus a Jesus. Ele dá-Se com todos aqueles que a sociedade se encarregou de excluir, a escumalha que não deveria ter lugar à mesa. Ele acolhe-os e come com eles. E comer com alguém implica e significa comunhão, proximidade. Senta-se à mesa comigo quem considero amigo, ou da família.
       2 – Jesus conta-lhes então uma parábola.
       Um homem tinha dois filhos. Para os quais vivia. Sem que nada o fizesse prever, o mais novo decide pôr cobro aos laços familiares, abandonando a casa. Pede a parte da herança que lhe caberá em sorte. Sai de casa. Tem tudo, mas não se sente completamente feliz. Vai em busca de algo mais. Uma razão maior. O homem ultrapassa infinitamente o homem. A ambição (com conta, peso e medida) leva a procurar o melhor dos outros e a dar o melhor de nós mesmos. A ganância destrói-nos, mais cedo ou mais tarde, e destrói os que estão à nossa beira.
       À medida que se afasta da casa paterna, sem saber ainda, afasta-se da felicidade e de quem suporta a sua vida. Investe em novas amizades. Experimenta tudo. Esbanja o que tem. Diverte-se. Gasta e desgraça a vida, sempre em busca de mais. Uma sede sem fim. Ávido de prazeres, ocupa todo o tempo cronológico para não pensar em mais nada. Ocupa o lugar dos afetos com muitas coisas. Abafa a voz que o liga ao pai. Procura ir além de tudo o que já antes viveu em sua casa.
       Logo se apercebe que a felicidade não está longe, ou no exterior, ou nas coisas, ou nas facilidades, ou nos outros. Sente-se abandonado. Cada vez mais só. Cai em si. O dinheiro não compra a felicidade, nem os amigos, nem a alegria de se sentir amado. A vida parece ter-se esquecido dele. Melhor, ele abandonou o sonho, entregou-se à perdição.
       Há, porém, dentro dele, algo mais forte, tão forte que é impossível não encontrar, a ligação ao PAI. Recorda-se como era feliz, tendo tudo, mas sobretudo tendo um Pai que o amava, o respeitava, o compreendia, o apoiava nas suas decisões.
       Vence o orgulho e o sentimento de culpa por ter abandonado a casa paterna. Regressa. À sua casa. Aos braços do pai. Nem se importa de ser tratado como um dos criados, pois mesmo o mais insignificante tem mais do que ele tem agora, tem a atenção do pai, uma casa, um refúgio, um ombro amigo, um olhar compassivo. Não se importa de não recuperar os direitos de filho.
       Se nos centrássemos na figura do filho mais novo – há momentos em que também nós nos afastamos do Pai, dos outros, de nós mesmos, da nossa consciência – veríamos, ainda assim, um homem em busca da felicidade. Procura ser feliz por todos os meios. Precisou de se afastar para descobrir que a verdadeira felicidade estava dentro (dele), em casa, ao pé do pai. Por vezes só reconhecemos o valor do que temos quando o perdemos. E às vezes é tarde para recuperar e para regressar. Este filho ainda foi a tempo de descobrir a razão maior da sua felicidade, o amor do Pai.
       3 – Aquele pai tinha outro filho. Mais velho. Mais responsável. Com menos tempo para a diversão. Tinha que tomar conta do irmão mais novo. E aborrecer-se com ele. Começou a trabalhar com o pai, muito antes do irmão. Quando o irmão nasceu, os mimos dos pais passaram para ele. É fácil perceber como se sentiria ao ver todas as atenções colocadas no mais pequeno, mesmo que soubesse que o carinho tinha sido exclusivo para ele durante alguns meses ou anos. E nunca recuperável pelo mais novo.
       Fica triste com a partida do irmão. Habituara-se a ele. Algumas tarefas eram divididas. Já não tinha que fazer tudo. Fica triste com a tristeza do pai, com o seu desgosto e a sua melancolia. Mas doravante terá a atenção do pai só para si, sem comparações. Os bens materiais divididos nem lhe fazem moça. Dividir as atenções e cuidados do pai era muito mais violento.
       Casa, trabalho, (pouco) descanso. Muito tempo passa sem se lembrar do irmão que está perdido pelo mundo. Sabe que o pai não esquece, mas que pouco a pouco a dor será menor e ele terá o pai só para si. Passam-se dias em que quase nem falam. Nem se veem. O pai está garantido. Não precisa de conquistar a sua atenção. O chão é seguro. Não pergunta pelo irmão. Não pergunta pelos sentimentos do pai. Tudo está na ordem natural das coisas. Tem para si que o pai tudo fará para o compensar por ter ficado em casa. Não precisa de investir nos afetos. Não precisa de agradar ao pai. Este não se habilitará a perder outro filho. O pai é que tem a obrigação de se curvar diante dele e é se o quer junto de si.
       Como está enganado! O pai não pode esquecer nenhum dos filhos. Conhece-os e ama-os nas suas limitações. Saíram do seu coração. Há espaço para os dois. O lugar do filho foragido não é preenchido. É deste filho. Não pode ser compensado. Mesmo que morra, o lugar no coração do pai não será ocupado.
       O irmão mais novo regressa. Já pouco se lembrava dele. E para mais, o pai faz-lhe uma festa, perdoa-o, passa uma borracha no sucedido, não quer saber da ofensa, ou dos pecados passados. Está tão feliz que só quer festejar. O mais velho não entende tanta algazarra. Tinha como adquirido que o irmão estava morto, para si e para o pai também. Como é possível que o pai o acolha de volta? E o perdoe? E lhe faça uma festa? E lhe devolva a dignidade de filho? Veste-lhe roupas novas, sandálias, coloca-lhe o anel no dedo. Gastou tudo e ainda é compensado! Não compreende a atitude do pai. O amor do Pai. Não aceita. Fica profundamente magoado tanto com o regresso do irmão como com a benevolência do Pai.
       4 – Fixemos agora o olhar no PAI. Como faz Jesus. Nesta parábola a figura principal é Ele. Depois de algumas murmurações, Jesus deixa claro que Deus é Pai, e ama como Pai e como Mãe, no mais profundo de Si mesmo, é um AMOR entranhado na vida, na história do ser humano. Por mais que nos afastemos, Deus não nos desampara, não nos abandona à nossa sorte. Está sempre pronto a dar-nos a mão. Assim nos é mostrada a história de Israel. Deus alia-Se com a humanidade, pelos patriarcas, pelos profetas.
       Ao longo de toda a parábola Jesus está centrado no pai e em Deus como Pai que não Se incomoda em partir a cara, acolhendo, perdoando, sem respeitos humanos. Não teme o comentário, ou a desonra. Os filhos valem tudo, toda a riqueza, toda a vida, todo o amor.
       Aquele pai cria as condições para os filhos (e para os servos). Trabalha em função dos filhos. Quer que eles sejam alguém, mas acima de tudo que não lhes falte um abraço, a presença dos amigos, a alegria de desfrutar da vida, diariamente, no meio das fragilidades, em dias mais alegres e em dias mais sombrios. Quer que os filhos aprendam a trabalhar, a ser responsáveis, a cuidar da casa, para que outros possam usufruir, viver. Os filhos acompanham-no nos negócios. Partilha com eles a responsabilidade. Não se esconde nas preocupações do trabalho ou na acumulação de fortunas. Os filhos vão para ao campo. Misturam-se com a criadagem, pois para o Pai também contam, também precisam de casa, de amigos, de apreciar a vida.
       Tudo corre bem. Mais ou menos. Os filhos já estão crescidos. Os cuidados são os mesmos, mas agora são os filhos que orientam a sua vida, assumem as suas responsabilidades e as consequências dos seus atos. Conhece os filhos como a palma das suas mãos. Ainda antes do próprio, deteta sinais de alarme no filho mais novo. Dá-lhe espaço, mas está mais vigilante. Vê-o inquieto, ansioso. Não vê motivos para isso. Mas sabe que os filhos têm de viver a sua vida e passar por momentos menos bons. Também assim se cresce. Que andará a turbar-lhe a mente? Com a naturalidade de sempre pergunta-lhe sobre o que lhe vai na alma. Não obtém resposta satisfatória. Vê que o filho se mantém distante e a fazer perguntas e mais perguntas aos servos e aos viajantes. O pai vê o filho mais sisudo, já não se diverte como antes. Já tem preguiça de o acompanhar para o campo ou para os negócios.
       Está a desligar-se. Está a crescer. Está a pensar pela sua cabeça. Há que esperar e dar tempo ao tempo. Eis que o filho mais novo se abeira cheio de si mesmo: "Pai, dá-me a parte da herança que me toca". E parte. O pai sente que lhe falta o ar. Uma parte de si é-lhe arrancada. Não quer acreditar. Morre um pouco. O pedido do filho é um desejo de morte. A herança herda-se pela morte dos pais, e não em vida. O filho deseja que o pai morra. O que mais importa é sair de casa.
        5 – Debrucemo-nos um pouco mais sobre a postura do pai. Respeita a opção dos filhos. Dá parte dos seus bens – para ele não existem bens que paguem o amor aos filhos, tudo é para os filhos –, não reclama com o filho mais novo. Não o repreende. Não o castiga. Poderia, ao menos, deixá-lo partir mas de mãos vazias. Os bens são seus, enquanto viver, não dos filhos…
       Durante a ausência do filho, cuida da casa, para que o outro filho se sinta protegido, amado, e aos servos não falte o zelo do Pater familias. O tempo cura as maleitas dos afetos e dos sentimentos. Pelo menos dilui. Não desiste. Fora está alguém que torna a sua casa incompleta. Por ora não pode fazer muito. Não desiste. Cada dia, o seu olhar se fixa no horizonte, aguardando que o AMOR profundo que nutre pelo filho o faça regressar. A sua aposta não é defraudada. Demorou demasiado tempo. Vê uma sombra ainda distante. Não tem dúvidas. Só pode ser o seu filho que “estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi reencontrado”. Lança-se ao seu encontro. Abraça-o. Devolve-lhe a dignidade de filho. Para ele, continuou a ser filho. Não o avalia pelos desaires, mas pelo coração. O amor não tem preço. Não há nada que pague o regresso do filho. É a vez de esbanjar a sua riqueza com o regresso do filho. A sua maior riqueza é o amor. Pelos filhos. Não importa o que tem de fazer. “Trazei depressa a melhor túnica e vesti-lha. Ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei o vitelo gordo e matai-o. Comamos e festejemos”.
       A mesma atitude diante da intransigência do filho mais velho. Procura entender as razões que lhe assistem. Sempre esteve em casa. Certinho. Cumpridor. Fiel. De tão zeloso que não quer desculpar a safadeza e a rebeldia do irmão. Como é possível o regresso à normalidade? Como é possível que o Pai o trate como se nunca tivesse ido para longe, como se nunca lhe tivesse desejado a morte? Será que o pai perdeu o juízo e a vergonha? Só o amor do Pai/Mãe entende como o coração tem razões que toda a razão desconhece.
       O amor não permite cálculos. Quando é verdadeiro, genuíno. Também o filho mais velho não entende a predileção pelos filhos. Dá-lhes toda a atenção do mundo. O cuidado com o filho mais novo, não o desvia da delicadeza para com o filho mais velho. Tudo é para os filhos. Não importa os sacrifícios que tenha que fazer ou os gastos que tenha que efetuar. Tudo será para eles.
       Jesus mostra-nos como é imenso o amor de Deus por nós. Muito maior que a nossa fragilidade, gigantesco em relação ao nosso pecado. Se nós quisermos, não há nada que nos possa separar do amor de Deus.
       6 – Como outrora, também hoje Deus nos tira do opróbrio, da miséria. Deus vem para nos resgatar de toda a escravidão (primeira leitura). Dá-nos como herança, não uma parte, mas dá-Se todo, em Jesus Cristo, o Seu bem mais precioso, para que no Seu filho muito amado descubramos o caminho de regresso à Casa do Pai, onde jorra a vida.
       Deixemo-nos inebriar com as palavras do apóstolo:
“Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura. As coisas antigas passaram; tudo foi renovado. Tudo isto vem de Deus, que por Cristo nos reconciliou consigo e nos confiou o ministério da reconciliação. Na verdade, é Deus que em Cristo reconcilia o mundo consigo, não levando em conta as faltas dos homens e confiando-nos a palavra da reconciliação. Nós somos, portanto, embaixadores de Cristo… A Cristo, que não conhecera o pecado, Deus identificou-O com o pecado por causa de nós, para que em Cristo nos tornemos justiça de Deus”.


Textos para a Eucaristia (ano C): Jos 5, 9a.10-12; 2 Cor 5, 17-21 ; Lc 15, 1-3.11-32.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Domingo I da Quaresma - ano C - 17 de fevereiro

      1 – O primeiro domingo da QUARESMA apresenta-nos a tentação, a provação e a maturidade da fé que, alimentada pela oração e pela palavra de Deus, supera os limites da nossa fragilidade humana.
       Sublinhe-se, desde já, a renúncia do Papa Bento XVI, num clima de fé, em que o Papa acolhe a força da oração para “compensar” a fragilidade física, humana, solidificando as opções fundamentais da sua vida e da vida da Igreja. Foi assim desde a primeira hora. O “humilde servidor da vinha do Senhor” apoiar-se-ia na intercessão dos santos e na oração de toda a Igreja, para guiar a barca de Cristo. Sob a luz da resignação, mais uma vez, Bento XVI deixa claro que a tomada de decisão, a gravidade e delicadeza da mesma, se apoiava na oração dos cristãos.
       O mesmo cenário e a mesma opção de vida encontramos em Jesus Cristo. Em todo o tempo sobrevém a intimidade com Deus, a força do Espírito Santo. Nos momentos cruciais, Ele retira-Se para rezar, para Se encontrar conSigo, no encontro e comunhão íntima com o Pai, deixando-se inspirar pelo Espírito Santo.
       O Espírito presente à hora do Batismo, guia-O ao deserto e do deserto para a cidade dos homens. “Jesus, cheio do Espírito Santo, retirou-Se das margens do Jordão. Durante quarenta dias, esteve no deserto, conduzido pelo Espírito, e foi tentado pelo Diabo”. A vida de Jesus assenta no cumprimento da vontade de Deus. Nas situações mais delicadas afasta-Se para que a intensidade do AMOR do Pai firme as Suas escolhas e torne luminosa a Sua missão.
       No deserto, onde o clima é desfavorável, onde se manifesta em demasia o calor e o frio e sobretudo a solidão, Jesus não está só. Nós não estamos sós nos desertos da nossa vida que nos fragilizam. O Espírito de Deus está com Ele. E está connosco, quando mais precisamos mais intensa há de ser a nossa oração para sentirmos mais visível o amor e a força de Deus.
       2 – As tentações de Jesus resumem e assumem as nossas tentações do egoísmo, do poder, do milagre em benefício próprio.
       Tendo assumido a nossa fragilidade e finitude, Jesus experimenta momentos de desencanto, de solidão, de deserto, de cansaço. Nem tudo corre como esperado. Humanamente quando as expectativas são defraudas poderá advir a revolta e o querer alterar rapidamente as coisas, usando de outro poder.
       Vejamos o texto de São Lucas:
“Nesses dias não comeu nada e, passado esse tempo, sentiu fome. O Diabo disse-lhe: «Se és Filho de Deus, manda a esta pedra que se transforme em pão». Jesus respondeu-lhe: «Está escrito: ‘Nem só de pão vive o homem’». O Diabo levou-O a um lugar alto e mostrou-Lhe num instante todos os reinos da terra e disse-Lhe: «Eu Te darei todo este poder e a glória destes reinos, porque me foram confiados e os dou a quem eu quiser. Se Te prostrares diante de mim, tudo será teu». Jesus respondeu-lhe: «Está escrito: ‘Ao Senhor teu Deus adorarás, só a Ele prestarás culto’». Então o Diabo levou-O a Jerusalém, colocou-O sobre o pináculo do templo e disse-Lhe: «Se és Filho de Deus, atira-Te daqui abaixo, porque está escrito: ‘Ele dará ordens aos seus Anjos a teu respeito, para que Te guardem’; e ainda: ‘Na palma das mãos te levarão, para que não tropeces em alguma pedra’». Jesus respondeu-lhe: «Está mandado: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus’».
       Jesus responde com a Palavra de Deus, animado com a força do Espírito, para cumprir a vontade de Deus e não a própria, ou a vontade das vozes que O rodeiam. O caminho nem sempre é fácil, mas é verdadeiramente importante procurar assumir as dificuldades como provações que sustentam as escolhas e fortalecem a fé. A opção de Jesus leva-O a usar o Seu poder como serviço aos outros. Por ora não transforma as pedras em pão, mas há de transformar a água em vinho. Por ora não se atira do alto do Templo, mas logo será o Templo de Deus para nós, n'Ele encontrar-nos-emos com Deus. Por ora não se curvará diante do poder, mas logo usará o poder do AMOR para nos redimir, dando-nos todo o Reino de Deus, de uma vez para sempre.

       3 – Na conjugação da fé e do amor, sublinhado da Mensagem para esta Quaresma, Bento XVI prioriza a Palavra de Deus como instrumento de caridade. “A fé é conhecer a verdade e aderir a ela (cf. 1 Tm 2, 4); a caridade é «caminhar» na verdade (cf. Ef 4, 15). Pela fé, entra-se na amizade com o Senhor; pela caridade, vive-se e cultiva-se esta amizade (cf. Jo 15, 14-15). A fé faz-nos acolher o mandamento do nosso Mestre e Senhor; a caridade dá-nos a felicidade de pô-lo em prática (cf. Jo 13, 13-17). Na fé, somos gerados como filhos de Deus (cf. Jo 1, 12-13); a caridade faz-nos perseverar na filiação divina de modo concreto, produzindo o fruto do Espírito Santo (cf. Gl 5, 22). A fé faz-nos reconhecer os dons que o Deus bom e generoso nos confia; a caridade fá-los frutificar (cf. Mt 25, 14-30)”.
       Viver a fé sem a caridade e sem o compromisso com os irmãos, seria como uma árvore de frutos sem frutos. A Palavra de Deus, acolhida, partilhada e testemunhada, é a primeira e principal obra de caridade: “Não há ação mais benéfica e, por conseguinte, caritativa com o próximo do que repartir-lhe o pão da Palavra de Deus, fazê-lo participante da Boa Nova do Evangelho, introduzi-lo no relacionamento com Deus: a evangelização é a promoção mais alta e integral da pessoa humana”.
        Jesus orienta as Suas respostas pela Palavra de Deus. O Apóstolo da Palavra, São Paulo, incentiva a darmos testemunho da nossa fé, comunicando o Evangelho:
“Que diz a Escritura? «A palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração». Esta é a palavra da fé que nós pregamos. Se confessares com a tua boca que Jesus é o Senhor e se acreditares no teu coração que Deus O ressuscitou dos mortos, serás salvo. Pois com o coração se acredita para obter a justiça e com a boca se professa a fé para alcançar a salvação... Não há diferença entre judeu e grego: todos têm o mesmo Senhor, rico para com todos os que O invocam”.
       Pela fé em Jesus todos somos filhos e herdeiros, todos somos irmãos. E todos temos a mesma missão de viver ao jeito de Jesus Cristo, dando-O a todos aqueles que se cruzam connosco.

       4 – Inseridos neste tempo que corre, e num mundo onde fervilham dificuldades, tentações, conflitos, guerra de interesses, egoísmos vários, a Quaresma é uma oportunidade renovada de pensarmos a nossa fé, enraizada na comunidade crente, tornando-a expressiva pela prática do bem.
       Oração, penitência, jejum, esmola, instrumentos que recentram a nossa pertença a Deus e a nossa ligação aos outros. A oração faz-nos reconhecer os outros como irmãos.
       Na primeira leitura, Moisés testemunha o favor de Deus manifesto na oração e palpável na história do povo:
«Meu pai era um arameu errante, que desceu ao Egipto com poucas pessoas, e aí viveu como estrangeiro até se tornar uma nação grande, forte e numerosa. Mas os egípcios maltrataram-nos, oprimiram-nos e sujeitaram-nos a dura escravidão. Então invocámos o Senhor Deus dos nossos pais e o Senhor ouviu a nossa voz, viu a nossa miséria, o nosso sofrimento e a opressão que nos dominava. O Senhor fez-nos sair do Egipto com mão poderosa e braço estendido, espalhando um grande terror e realizando sinais e prodígios. Conduziu-nos a este lugar e deu-nos esta terra, uma terra onde corre leite e mel. E agora venho trazer-Vos as primícias dos frutos da terra que me destes, Senhor».
       É na intimidade com Deus que Jesus lida com as tentações. A oração é o alimento primeiro e essencial para a fé. Por conseguinte, em tempo de Quaresma, preparação para o maior mistério cristão, a oração deverá ser mais diligente. Quando rezamos fortalecemos a nossa fé e, consequentemente, os laços que nos unem aos irmãos. Diz-nos D. António Couto, “A Quaresma é este tempo novo, não nosso, de fazer um verdadeiro jejum na nossa vida. Jejuar não é deixar de comer hoje, para comer amanhã. De nada nos valeria. Jejuar é olhar para a nossa vida, para a nossa casa e para a nossa mesa, até perceber que tudo é dom de Deus, não apenas para mim, mas para todos os seus filhos e meus irmãos, e, agir em consequência, partilhando com todos a minha vida, a minha casa, a minha mesa”.
       O jejum vale enquanto nos sensibiliza para a caridade, que nasce da oração, da fé, da vivência da Palavra de Deus.


Textos para a Eucaristia (ano C): Deut 26, 4-10; Rom 10, 8-13; Lc 4, 1-13.