A terceira Carta Encíclica de Bento XVI empresta o título a este blogue. A Caridade na Verdade. Agora permanecem a fé, a esperança e a caridade, mas só esta entra na eternidade com Deus. Espaço pastoral de Tabuaço, Távora, Pinheiros e Carrazedo, de portas abertas para a Igreja e para o mundo...
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sábado, 24 de fevereiro de 2024
quinta-feira, 2 de março de 2023
quinta-feira, 22 de março de 2018
Se alguém guardar a minha palavra, não verá a morte
A liturgia da palavra aproxima-nos do acontecimento fundante da comunidade cristã: a morte e ressurreição de Jesus. Primeiro, a Paixão redentora. O confronto dialogante de Jesus com os fariseus, em particular, e com os judeus, em geral, deixa antever um final pouco feliz. Agudizam-se os incidentes, extremam-se posições. Jesus diz abertamente o que pensa, ao que veio, de onde veio, qual o destino da Sua mensagem e daqueles que aderirem ao reino de Deus, mas também o destino daqueles que continuarem a colocar-se contra a luz da verdade e do bem.
Disse Jesus aos judeus: «Em verdade, em verdade vos digo: Se alguém guardar a minha palavra, nunca verá a morte». Responderam-Lhe os judeus: «Agora sabemos que tens o demónio. Abraão morreu, os profetas também, mas Tu dizes: ‘Se alguém guardar a minha palavra, nunca sofrerá a morte’. Serás Tu maior do que o nosso pai Abraão, que morreu? E os profetas também morreram. Quem pretendes ser?» Disse-lhes Jesus: «Se Eu Me glorificar a Mim próprio, a minha glória não vale nada. Quem Me glorifica é meu Pai, Aquele de quem dizeis: ‘É o nosso Deus’. Vós não O conheceis, mas Eu conheço-O; e se dissesse que não O conhecia, seria mentiroso como vós. Mas Eu conheço-O e guardo a sua palavra. Abraão, vosso pai, exultou por ver o meu dia; ele viu-o e exultou de alegria». Disseram-Lhe então os judeus: «Ainda não tens cinquenta anos e viste Abraão?!» Jesus respondeu-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: Antes de Abraão existir, ‘Eu sou’». Então agarraram em pedras para apedrejarem Jesus, mas Ele ocultou-Se e saiu do templo (Jo 8, 51-59).
A garantia: aquele que guardar a palavra de Jesus permanecerá, sempre, ligado a Deus, não morrerá. Aqueles que procuram, antes de tudo, a verdade hão de encontrar Jesus, e em Jesus descobrir a verdade que vem de Deus, pois Ele é enviado de Deus e as obras que realiza são as de Deus.
A conflitualidade é evidente. Jesus fala abertamente. Há judeus que se sentem desafiados, colocados em causa nas suas seguranças. E quando nos colocam em causa a nossa atitude é de defesa e/ou de contra ataque.
Na primeira leitura:
Deus disse ainda a Abraão: «Guardarás a minha aliança, tu e a tua descendência futura de geração em geração» (Gen 17, 3-9).
Deus disse ainda a Abraão: «Guardarás a minha aliança, tu e a tua descendência futura de geração em geração» (Gen 17, 3-9).
"Eu sou" - esta expressão, no contexto semita é muito mais abrangente e
ao mesmo tempo mais específico. Vejamos. Quando um de nós diz "eu
sou...", acrescenta uma característica, sou simpático, sou tímido, sou
justo. No mundo da Bíblia, a afirmação, sem mais, refere-se
especificamente a Deus, é a Sua identidade. Ele tem o SER em Si mesmo,
tem a VIDA em Si mesmo.
Quando Deus Se apresenta a Moisés, diante da sarça ardente, e este Lhe pergunta pela Sua identidade, Deus diz-lhe: Eu sou aquele que sou (YHWH - YAWEH - Javé). É uma expressão que identifica a divindade.
Em muitas ocasiões ouviremos Jesus a dizer: "Eu Sou". Quando isso
acontece, os judeus sabem que Ele se está a identificar com Deus e isso é
motivo de admiração e de revolta por parte dos seus ouvintes,
considerando que é blasfémia alguém colocar-se no lugar de Deus. É
compreensível, até certo ponto, a atitude dos judeus que O ouvem dizer:
"Eu Sou". Se em alguns momentos o "Eu sou" aparecia quase despercebido,
aqui aparece claramente. Ao mesmo tempo, esta certeza deve levar a uma
tomada de decisão clara: os judeus pegaram em pedras...
segunda-feira, 24 de abril de 2017
VL - Resiliência na oração
A Quaresma recentra-nos tradicionalmente em três dinâmicas para melhor vivermos a Páscoa do Senhor: a oração, o jejum e a esmola. São vistas como expressões da conversão interior, da adesão decidida a Jesus e ao Seu Evangelho, como concretização do nosso compromisso em nos tornarmos discípulos missionários, identificando-nos com o Mestre da Docilidade para, como Ele e com Ele, nos fazermos próximos dos outros e os acolhermos como irmãos.
A oração é o ponto de partida e o chão que nos move para Deus. E se a oração é autêntica levar-nos-á a querer o que Deus quer. Na oração predispomo-nos a encontrar a vontade de Deus para nós. A referência é Jesus Cristo, cuja vontade paterna é o Seu programa de vida, o Seu alimento. Eu venho, ó Deus, para fazer a Vossa vontade. Faça-se não o que Eu quero, mas o que Tu queres! A oração não é fácil. Ou nem sempre é fácil, sobretudo quando a vida não corre de feição. Ainda assim não devemos deixar de rezar, de suplicar, de louvar, de agradecer a Deus, a chuva e o sol, o vento e a névoa!
Alguns modelos de oração combativa: Abraão, Jacob, Moisés, Ana, Job, David, Jesus.
Abrão “negoceia” com Deus, insistindo até ao limite, com veemência, tentando proteger a cidade de Sodoma e de Gomorra. É um dos exemplos muito queridos ao Papa Francisco. Jacob é aquele que luta com Deus pela noite dentro e, por isso, o seu nome é mudado para Israel, porque lutou com Deus e venceu. Moisés eleva os braços, o coração, a vida para Deus, intercedendo uma e outra vez pelo povo, de dura servis, mas ainda assim o povo que Deus lhe confiou. Ana, mãe de Samuel, que persiste na oração até que Deus lhe concede o que deseja. Job, na imensidão do mistério de Deus, no confronto com a desgraça pessoal e familiar, não desiste de se dirigir a Deus, convocando-O à justiça. E Deus responde-lhe. David, grande Rei – o Papa Francisco invoca-o como São David – apesar do grave pecado contra o próximo, tomando a mulher de Urias e provocando-lhe a morte, não deixa de dialogar com Deus, penitente, arrependido, assumindo as consequências do seu pecado, protegendo o povo. E, claro, a oração de Jesus. Em todos os momentos cruciais da Sua vida, Jesus respira oração, suplicando, louvando, agradecendo, oferecendo. A sua vida faz-se oração, mas Jesus reserva momentos específicos para orar a Deus Pai: antes da vida pública, antes de escolher os apóstolos, na realização de milagres, antes do Calvário… e na Cruz!
Publicado na Voz de Lamego, n.º 4406, de 4 de abril de 2017
sábado, 6 de agosto de 2016
XIX Domingo do Tempo Comum - ano C - 7.agosto.2016
1 – As palavras de Jesus são para todos. Mas nunca são para os outros. São sempre para nós. Posso recorrer ao ensinamento de Jesus para explicar, para elucidar, para corrigir com caridade, para desafiar, mas em primeiro lugar devo olhar para a minha vida confrontando-a com o que me pede Jesus.
Quando os discípulos questionam Jesus sobre a salvação dos justos, a resposta não poderia ser mais elucidativa: preocupai-vos por entrar pela porta estreita, porque largos são os caminhos que levam à perdição. O mais é com Deus. Aos homens é impossível, a Deus tudo é possível. A salvação é dom de Deus, que toma a iniciativa. Nunca pode ser usurpação do homem.
Jesus volta a insistir na necessidade dos bens materiais não serem um obstáculo à felicidade. O que nos salva verdadeiramente é o que podemos levar connosco para a eternidade. Tal como viemos ao mundo, dele sairemos, nus. Não levaremos nada que pese. Levaremos tudo o que liberta, o que nos fez bem, o que nos aproximou dos outros. Levamos as pessoas. Não as coisas.
Façamos um exercício. Se fôssemos viajar, o que levaríamos? Se se só pudéssemos levar connosco uma ou duas pessoas, quem seguiria connosco? Se estivéssemos a morrer, sabendo disso, o que mudaríamos na nossa vida? Com quem é gostaríamos de falar? Para pedir perdão? Para agradecer? Para nos reconciliarmos? Para deixarmos uma mensagem importante? O que ainda gostaríamos de fazer? Certamente nem todas as respostas seriam iguais, mas possivelmente não se afastariam muito!
Não esperemos pelo fim para sermos felizes. É um projeto basilar de todas as pessoas, mesmo quando não o reconhecem explicitamente. Outro exercício. Coloquemo-nos como se estivéssemos no fim dos nossos dias. Como gostaríamos de olhar para a nossa vida? Que avaliação faríamos a olhar para trás?
Outra questão: o que é imprescindível para sermos felizes? Muito dinheiro? Conforto? Saúde? Uma boa casa? Um carro em bom estado? Tudo o que os outros têm e mais algum? Amigos? Uma família harmoniosa? Um bom trabalho? Segurança? Liberdade e participação nas decisões importantes para a vida da nossa vila e do nosso país? Sermos reconhecidos e respeitados por quem somos? Um telemóvel de alta gama? Um diploma? Um curso superior? Escrever um livro? Plantar uma árvore? Aparecer na televisão? Ser aplaudidos pelos outros?
2 – Jesus desafia os seus discípulos a apostar os trunfos todos no que permanece até à eternidade. O tempo urge. Não há que adiar para a manhã. Para amanhã deixa quê comer não quê fazer. É hoje. Aqui e agora. Viver com tudo o que somos. O melhor de nós em busca do melhor dos outros.
«Não temas, pequenino rebanho... Vendei o que possuís e dai-o em esmola. Fazei bolsas que não envelheçam, um tesouro inesgotável nos Céus, onde o ladrão não chega nem a traça rói. Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará o vosso coração. Tende os rins cingidos e as lâmpadas acesas. Sede como homens que esperam o seu senhor ao voltar do casamento, para lhe abrirem logo a porta, quando chegar e bater. Felizes esses servos, que o senhor, ao chegar, encontrar vigilantes... Estai vós também preparados, porque na hora em que não pensais virá o Filho do homem».
Pedro, como sempre, toma a dianteira para perguntar a Jesus se aquelas palavras também são para eles. Então Jesus conta-lhes outra parábola sobre o administrador fiel e prudente que o Senhor coloca à frente da sua casa e que será bom se o encontrar vigilante quando regressar e a administrar a sua casa com justiça. Jesus conclui dizendo que «a quem muito foi dado, muito será exigido; a quem muito foi confiado, mais se lhe pedirá».
Antes de esperarmos que os outros cumpram, seja o que for, importa que nós nos empenhemos na prossecução do bem, no serviço aos outros. Somos administradores, não donos. E como administradores desta casa que é o mundo cabe-nos apresentar ao Senhor os melhores resultados possíveis, ou melhor, o que fizemos a favor dos outros, com que justiça e empenho colocamos na procura de soluções para integrar todos, para ajudar os mais desfavorecidos, para constituirmos uma família para Deus.
3 – Deus concede a Salomão um desejo. «Pede. Que Eu posso dar-te?» Salomão pede então, não riqueza, não longos anos, nem vitória sobre os inimigos, nem glória: «Concede-me, pois, a sabedoria e o conhecimento, a fim de que eu saiba conduzir este povo». Deus conceder-lhe-á a sabedoria, mas também o quê não ousou pedir (2 Cr 1, 7-12).
Voltamos às questões anteriores. O que é imprescindível para sermos verdadeiramente felizes e nos realizarmos como pessoas, para vivermos segundo a vontade de Deus? Onde está o nosso tesouro? Que pediríamos a Deus? Onde colocamos o nosso coração?
Refira-se à partida, relembrando o que líamos e refletíamos no domingo passado, que o mal não são os bens e as riquezas materiais, mas o uso que deles se faz. O mal é a avareza que seca o coração e enferma a vida em abundância. Se o tesouro são as pessoas que Deus colocou à nossa beira, isso implica-nos em todos os esforços para eliminar o mal, o sofrimento, a violência, a pobreza endémica. Lembremo-nos de São Tiago, não se prega a estômagos vazios, não podemos desejar a paz e o bem a alguém que não tem que comer nem com que se agasalhar. A opção pela pobreza em espírito não nos descompromete, pelo contrário, leva-nos a usar o que somos e o que temos em prol dos outros.
4 – A fé e a esperança guiam-nos para o futuro que Deus nos traz, para vivermos comprometidos no presente, transformando positivamente o mundo em que vivemos. O passado recorda-nos o que fomos, como caminhámos, os pecados que nos fizeram tropeçar, os sonhos que nos fizeram levantar, os projetos que nos puxaram para o hoje.
Não há trevas que não possam ser iluminadas pela luz da fé, pela esperança em Deus, pela certeza que Deus não nos faltará. A Sabedoria lembra que "a noite em que foram mortos os primogénitos do Egipto foi dada previamente a conhecer aos nossos antepassados, para que, sabendo com certeza a que juramentos tinham dado crédito, ficassem cheios de coragem. Ela foi esperada pelo vosso povo, como salvação dos justos e perdição dos ímpios... os justos seriam solidários nos bens e nos perigos; e começaram a cantar os hinos de seus antepassados". A voz de Deus ecoa do futuro para nos encontrar e nos alentar a viver, lutar e ultrapassar as agruras dos tempos presentes.
A oração ajuda-nos a confiar em Deus. Nas horas de maior amargura, a presença de Deus agiganta-Se com o Seu amor infinito. "Os olhos do Senhor estão voltados para os que O temem, para os que esperam na sua bondade, para libertar da morte as suas almas e os alimentar no tempo da fome. A nossa alma espera o Senhor, Ele é o nosso amparo e protetor. Venha sobre nós a vossa bondade, porque em Vós esperamos, Senhor".
5 – Por sua vez a Carta aos Hebreus, recorda-nos a fé de Abraão, o testemunho de confiança, de despojamento, de desprendimento, para seguir o chamamento de Deus, procurando corresponder à vontade de Deus. A fé em algo transforma-se em fé em Alguém, a Quem se segue e de Quem se espera uma vida com sentido. "A fé é a garantia dos bens que se esperam e a certeza das realidades que não se veem. Ela valeu aos antigos um bom testemunho. Pela fé, Abraão obedeceu ao chamamento e partiu para uma terra que viria a receber como herança; e partiu sem saber para onde ia. Pela fé, morou como estrangeiro na terra prometida, habitando em tendas, com Isaac e Jacob, herdeiros, como ele, da mesma promessa, porque esperava a cidade de sólidos fundamentos, cujo arquiteto e construtor é Deus». Prosseguindo o mesmo exemplo, também Sara, sua esposa, os seus descendentes, Isaac e Jacob. De um homem – Abraão – que já esperava a morte sem descendência, Deus concedeu-lhe uma descendência incontável.
Abraão e os seus descendentes voltam-se para o futuro e para uma pátria que os aguarda. Não para o que deixaram, mas para o que os espera. "Se pensassem na pátria de onde tinham saído, teriam tempo de voltar para lá. Mas eles aspiravam a uma pátria melhor, que era a pátria celeste... Pela fé, Abraão, submetido à prova, ofereceu o seu filho único Isaac, que era o depositário das promessas». Desta forma, conclui a Carta, "Ele considerava que Deus pode ressuscitar os mortos; por isso, numa espécie de prefiguração, ele recuperou o seu filho", assim como Jesus Cristo, Filho unigénito do Pai será recuperado, glorificado, não na vida carnal, mas na ressurreição definitiva, à qual todos somos associados.
Pe. Manuel Gonçalves
sábado, 23 de julho de 2016
XVII Domingo do Tempo Comum - ano C - 24 de julho
1 – A vocação primeira do cristão é apaixonar-se por Cristo e segui-l'O pelos caminhos por Ele propostos. Ele segue à frente e será curial que sigamos os Seus passos. Outras vezes, segue lado a lado connosco. Adianta-Se para que nos esforcemos por alcancá-l'O. Aponta-nos a meta, a direção e o quanto temos ainda que percorrer, para não afrouxarmos! Quando os nossos passos se tornam vacilantes, inseguros, Jesus volta-Se, espera por nós, vem até nós dar-nos ânimo para retomarmos o caminho. Importa não O perder de vista. Ele nunca nos deixa à deriva, mesmo quando parece que vai a dormir na nossa barca…
A oração é o combustível que nos dá a vitalidade para enfrentarmos as adversidades, a humildade para nos reconhecermos pecadores, a sabedoria para aceitarmos que é a Sua mão que nos leva à felicidade, a pobreza para nos enriquecermos com a Sua graça e nos deixarmos preencher pelo Seu amor.
O Evangelho de Lucas mostra-nos Jesus, recolhido, a orar. Orar é deixar que Deus fale em nós, rezar é falarmos a Deus da nossa vida, das nossas dificuldades e anseios. Se usarmos este sentido restrito, então, mais importante que rezar importa orar, deixar que Deus nos reze, que Deus diga em nós. A ligação de Jesus ao Pai é constante. A Sua vida é oração ao Pai, oferta, procurando perscrutar a vontade paterna, traduzindo-a nas palavras, nos gestos, no encontro com as pessoas. Porém, Jesus reserva momentos específicos para orar/rezar. Sem mais. Sem outro afazeres.
Os discípulos percebem a importância da oração na vida de Jesus e deixam-se contagiar por esta postura, pedindo-Lhe que lhes ensine a rezar. O estilo de oração de Jesus leva à imitação. Jesus deixa claro que não são precisas muitas palavras, é imprescindível sintonizar o coração – pensamentos, intenções, propósitos – e a vida – serviço aos outros, luta pela justiça e pela paz, compromisso com os mais frágeis, caridade – com o coração e a vida de Deus.
2 – A oração torna-nos íntimos de Deus e cúmplices uns dos outros. Rezai assim: «Pai, santificado seja o vosso nome; venha o vosso reino; dai-nos em cada dia o pão da nossa subsistência; perdoai-nos os nossos pecados, porque também nós perdoamos a todo aquele que nos ofende; e não nos deixeis cair em tentação».
Percebe-se na oração do Pai-nosso, a prioridade de "orar" e não apenas "rezar". Explico: o fundamental é que a vontade do Pai se realize em nós e em todo o mundo, em todo o tempo. Começamos por reconhecer que Deus é Pai, Pai de todos, nosso Pai. E se todos o temos por Pai, todos procuramos ser-Lhe fiéis, fazendo por concretizar, aqui e agora, a Sua vontade: que todos se salvem!
Se reconhecemos Deus como Pai e queremos que a Sua vontade se realize em mim, em ti, em nós, tornar-nos-emos mensageiros da alegria e da paz, fazedores de pontes, partidários do diálogo e da reconciliação, da partilha solidária e do perdão, do amor e da humildade, assumindo as próprias fragilidades para aceitar as dos outros. Se rezamos ao Pai, assumimo-nos como filhos, comprometidos uns com os outros, com todos os irmãos. Encaixa aqui o pedido do Pão nosso de cada dia. Se o pedimos ao nosso Pai, não o pedimos só para nós, teremos que o pedir para todos os Seus filhos, para os nossos irmãos.
Jesus faz-Se Pão e Vida para nós. Por todos. Para todos. Jesus é partilhável. Melhor, se tento açambarcá-l'O, perco-O e traio a Sua mensagem de amor. Como Seus discípulos, como seguidores Seus, também nós teremos de nos fazermos pão e vida uns para os outros e cuidar que a ninguém falte o necessário para viver com dignidade e em segurança.
3 – Deus não nos deixará sem resposta. A oração ajuda-nos a descobrir o que pedimos a Deus, isto é, que a Sua vontade Se realize no mundo (também) através de nós. A oração dilata o nosso coração e sintoniza-nos com Deus. Coloca-nos em atitude de escuta. A oração é um diálogo com Deus. Falamos a Deus e Deus fala-nos. Deus conhece-nos intimamente. Melhor que nós mesmos. Sabe do que precisamos. Não precisamos de dizer muito. Precisamos de nos dizer. Precisamos de perceber a vontade de Deus, escutando-O, estando atentos ao que nos quer dizer.
Haverá ocasiões em que sobrevirá a dúvida e a incerteza sobre qual a vontade de Deus para nós e como realizarmos o que nos pede. Desde logo, a certeza que Deus é Pai. A Sua vontade e desejos descem aos nossos desejos e à nossa vontade em sermos felizes. Deus não atenta contra nós. Não nos exige sacrifícios que nos anulem e nos desumanizem, exige-nos, isso sim, dedicação, esforço, e, como Pai, que nos tratemos como irmãos cuidando sobretudo dos mais pequeninos. Nessa ocasião estaremos a cuidar de Jesus Cristo. “Sempre que fizeste isto a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizeste” (Mt 25, 40).
O exemplo usado por Jesus convida-nos a resistir na oração, confiando em Deus. Se um amigo nos atende pela amizade ou pelo incómodo, quanto mais Deus que é nosso Pai. «Pedi e dar-se-vos-á; procurai e encontrareis; batei à porta e abrir-se-vos-á. Porque quem pede recebe; quem procura encontra e a quem bate à porta, abrir-se-á».
Deus responder-nos-á como Pai. Podemos não gostar da resposta. Como por vezes não compreendemos as negas e os reparos dos nossos pais. Mas como Pai também Deus tudo fará para nos abençoar, nos proteger e nos guiar à verdadeira felicidade que a todos integra numa só família.
4 – É expressiva a oração de intercessão de Abraão a favor do povo de Sodoma e Gomorra. Em primeiro lugar, vê-se com clareza como Abraão confia em Deus e na Sua misericórdia. Pede. Sugere. Negoceia. Não para si, mas para os outros. Em segundo lugar, a oração irmana-nos e leva-nos a querer o bem de todos.
Abraão não cessa de interceder, apelando à compreensão e à benevolência de Deus. E se houver 50 justos na cidade? E se houver 40? «Se o meu Senhor não levar a mal, falarei mais uma vez: talvez haja lá trinta justos... vinte justos... talvez lá não se encontrem senão dez». A resposta de Deus é elucidativa: «Em atenção a esses dez, não destruirei a cidade». No final nem 5 justos! Uma cidade onde impere a injustiça, o egoísmo, a corrupção e a prepotência desembocará inevitavelmente em desgraça e destruição!
A justiça de Deus é a Sua misericórdia. Deus adia o "castigo" até ao limite, melhor, prorroga todos os prazos para que sejamos salvos pelo Seu amor. A misericórdia de Deus "falha" quando o nosso pecado não Lhe abre qualquer brecha. Só nós podemos, com a liberdade com que Ele nos criou, impedir que a Sua misericórdia nos redima do pecado e da morte.
5 – A Cruz de Cristo, reafirma São Paulo, cancela a dívida contraída pelo nosso pecado. No batismo configuramo-nos com a morte de Jesus. Com Ele sepultados, no pecado e na morte, para n'Ele e com Ele nos tornarmos novas criaturas, ressuscitando.
Esta é uma página belíssima do Apóstolo: o documento da nossa dívida foi anulado ao ser cravado na cruz. Em Cristo, Deus perdoa-nos todas as faltas e faz-nos regressar à vida.
6 – Peçamos a Deus o dom da sabedoria, para que em nós se multiplique a Sua misericórdia e, conduzidos por Ele, “usemos de tal modo os bens temporais que possamos aderir desde já aos bens eternos”. Complete Deus, na Sua bondade, a obra que em nós iniciou.
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (C): Gen 18, 20-32; Sl 137 (138); Col 2, 12-14; Lc 11, 1-13.
sábado, 2 de novembro de 2013
XXXI Domingo do Tempo Comum - ano C - 3 de novembro
1 – «Zaqueu, desce depressa, que Eu hoje devo ficar em tua casa». O convite de Jesus, feito a Zaqueu, e a cada um de nós, é extraordinário. É um encontro verdadeiramente revelador. Zaqueu era cobrador de impostos, publicano, profissão geradora de ódios, pois o que cobravam era fruto do trabalho, do sustento e das canseiras de muitas famílias, algumas das quais com escassos recursos, e ainda por cima os impostos cobrados era direcionados para o imperador romano, a potência invasora, e para as autoridades locais. Por outro lado, os cobradores de impostos, muitas vezes, aproveitavam o posto que ocupavam e a proteção que tinham, para cobrar maquias consideráveis para si próprios.
Jesus entra na cidade de Jericó. Continua a caminhar, indo ao encontro das pessoas. Ali vive um homem rico, o chefe dos cobradores de impostos. Sente-se atraído por Jesus. Ouviu falar d'Ele. Há muitas pessoas à procura de Jesus. Também ele quer ver Jesus. Mas para ver Jesus é necessário ter os olhos bem abertos, e sobretudo o coração. Zaqueu é de pequena estatura, de vistas curtas, pouco mais vê que a sua carteira. Mas sente-se impelido a ver Jesus e sobe a uma árvore, coloca-se em local elevado em relação ao chão e à multidão.
Entretanto, Jesus levanta o olhar e de imediato o interpela: «Zaqueu, desce depressa, que Eu hoje devo ficar em tua casa». É preciso descer, colocar-nos ao nível de Jesus, que sendo de condição divina, quis ser um de nós, para no meio de nós nos ensinar a ser irmãos, porque filhos de Deus, do mesmo Pai. Se ficarmos no lugar em que nos encontramos, no nosso pedestal, na nossa vidinha, poderemos até ver Jesus, mas à distância, e apenas com os olhos, não com o coração. Zaqueu desce rapidamente e recebe Jesus com alegria.
É uma alegria convertida em compromisso: «Senhor, vou dar aos pobres metade dos meus bens e, se causei qualquer prejuízo a alguém, restituirei quatro vezes mais». Não basta acolher o amor de Deus, é necessário que este AMOR maior seja serviço aos outros.
Vêm então os reparos daqueles que, vendo Jesus, ainda não O descobriram, ainda não se deixaram tocar pela Sua presença, pelo Seu olhar, pelas Suas palavras: «Foi hospedar-Se em casa dum pecador». Jesus não se deixa enredar na cusquice e conclui: «Hoje entrou a salvação nesta casa, porque Zaqueu também é filho de Abraão. Com efeito, o Filho do homem veio procurar e salvar o que estava perdido».
2 – O Evangelho é um desafio de salvação. Devemos manter aceso em nós o desejo de querer ver Jesus, de O encontrar, de O seguir, de O levarmos para casa, de O trazermos para a nossa vida.
Só a humildade nos coloca no caminho de Jesus, de contrário Ele passa e nós deixamo-nos ficar, em cima do sicómoro, ou comodamente a murmurar, pelos outros que avançam caminhando com Ele. O chamamento não é para os outros. É para mim. Para ti. É para todos nós. Ele passa. Ele faz-Se caminho, verdade e vida. Ele vem habitar connosco, vem ficar em nossa casa.
Se a nossa estatura é pequena, há que procurar mais afincadamente, abrir o coração, fazer com que as nossas vistas sejam mais largas, alcancem mais longe, e não se fixem apenas nos nossos pés, nos nossos passos. Olhar para ver Jesus. Seguir os Seus passos. Procurá-l’O onde Ele vai passar. Escutar o seu convite. Segui-l'O para onde for. É necessário descer, do nosso comodismo, da nossa janela, não deixar que Ele passe adiante sem nós. Também São Paulo caiu do cavalo, do alto do seu orgulho e da sua presunção. Jesus bate à nossa porta, grita-nos aos ouvidos, envia-nos um impulso ao coração, como fez aos discípulos de Emaús.
Acolher Jesus, segui-l'O deixando que entre em nossa casa, gera ALEGRIA que transborda, contagia e se espalha para as casas vizinhas, para as pessoas que se cruzam connosco. Não é possível encontrar Jesus e acolhê-l'O sem uma elevada dose de alegria. Não é possível que Ele passe na nossa vida e não deixe marcas profundas que nos leve a modificar os aspetos da nossa vida que ainda não correspondem à Sua palavra de amor e de perdão. Ou então ainda não O encontramos. Não basta acolher o amor de Deus, é necessário que este AMOR maior seja serviço aos outros.
Hoje a salvação quer entrar em minha casa, na tua, na nossa casa. Por mais perdidos que estejamos, Jesus vem para salvar-nos, para nos introduzir na comunhão de Deus. Levemos a outros esta alegria. Não impeçamos ninguém de se aproximar e de ver Jesus. A multidão impedia que Zaqueu chegasse perto de Jesus. Não sejamos empecilho para os outros pela nossa opacidade, pela nossa tibieza. Ao invés, deixemo-nos contagiar e contagiemos. Evangelizados e evangelizadores.
3 – A história de salvação revela-nos um Deus que está por perto, mesmo quando da nossa parte há recusa, pecado, rutura. Com efeito, a salvação não é um momento para a vida inteira. Pode haver um clique (inicial) transformador, como em Zaqueu, como em São Paulo, como em Santo Agostinho. No caso haveria uma preparação anterior e interior. Zaqueu queria ver Jesus. Paulo procurava a fidelidade à religião e à verdade. Santo Agostinho, como o próprio refere, há muito que procurava Deus, mesmo quando não sabia, na filosofia e na vida.
É como o casal. O sim que um dia assumem para toda a vida, é para renovar todos os dias. Como o SIM de Maria ao Anjo, que A faz levantar e rapidamente correr ao encontro da Sua prima Santa Isabel. Serviço, alegria e louvor.
Deus ama-nos. Como Pai, com amor de Mãe. Mesmo quando nos desviamos. Até podemos cansar-nos de pedir perdão, como dizia o papa Francisco, logo no início de pontificado, Deus não Se cansa de nos perdoar.
“Diante de Vós, Senhor, o mundo inteiro é como um grão de areia na balança, como a gota de orvalho que de manhã cai sobre a terra. De todos Vos compadeceis, porque sois omnipotente, e não olhais para os seus pecados, para que se arrependam. Vós amais tudo o que existe e não odiais nada do que fizestes... Mas a todos perdoais, porque tudo é vosso, Senhor, que amais a vida. Por isso castigais brandamente aqueles que caem e advertis os que pecam, recordando-lhes os seus pecados…”A confiança da Sabedoria é rezada pelo salmista: “O Senhor é clemente e compassivo, paciente e cheio de bondade. O Senhor é bom para com todos e a sua misericórdia se estende a todas as criaturas. O Senhor é fiel à sua palavra e perfeito em todas as suas obras. O Senhor ampara os que vacilam e levanta todos os oprimidos”.
Deus é Bom e Compassivo.
4 – Quando fazemos um pedido à nossa mãe, ou lhe damos uma explicação, temos a consciência que ela tudo fará para nos atender, para compreender o que fizemos, tudo fará junto do nosso pai para que também ele nos compreenda e aceite os nossos pedidos e/ou limitações.
4 – Quando fazemos um pedido à nossa mãe, ou lhe damos uma explicação, temos a consciência que ela tudo fará para nos atender, para compreender o que fizemos, tudo fará junto do nosso pai para que também ele nos compreenda e aceite os nossos pedidos e/ou limitações.
A certeza que Deus é Pai e é Mãe (João Paulo I), e que sempre nos perdoa e nos compreende, porque nos ama até ao infinito, cimenta a nossa vontade para d'Ele nos aproximarmos, mais e mais. Também na dúvida, na hesitação, no pecado.
A missiva de São Paulo manifesta uma forte ligação à comunidade e uma visível comunhão com Deus: “Oramos continuamente por vós, para que Deus vos considere dignos do seu chamamento e, pelo seu poder, se realizem todos os vossos bons propósitos e se confirme o trabalho da vossa fé... Nós vos pedimos, irmãos, a propósito da vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo e do nosso encontro com Ele: Não vos deixeis abalar facilmente nem alarmar por qualquer manifestação profética, por palavras ou por cartas, que se digam vir de nós, pretendendo que o dia do Senhor está iminente”.
A oração segura-nos em Deus, dilata o nosso coração, ajuda-nos a relativizar (positivamente) o tempo presente, para não embarcarmos em euforias utópicas nem cairmos em desesperos destruidores. Ele é Pai. Lancemo-nos, sem medo, nos Seus braços.
Textos para a Eucaristia: Sab 11, 22 – 12, 2; Sl 144 (145); 2 Tes 1, 11 – 2, 2; Lc 19, 1-10.
Reflexão Dominical na página da Paróquia de Tabuaço.
sábado, 27 de julho de 2013
XVII Domingo do Tempo Comum - ano C - 28 de julho
1 – «Pedi e dar-se-vos-á; procurai e encontrareis; batei à porta e abrir-se-vos-á. Porque quem pede recebe; quem procura encontra e a quem bate à porta, abrir-se-á. Se um de vós for pai e um filho lhe pedir peixe, em vez de peixe dar-lhe-á uma serpente? E se lhe pedir um ovo, dar-lhe-á um escorpião? Se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo àqueles que Lho pedem!»
Persisti na oração, diz-nos Jesus. Como Maria, irmã de Marta, coloquemo-nos aos pés Jesus, escutando a Sua Palavra, predispondo-nos a escutá-l’O e a falar com Ele, tão próximos que falem os corações.
Um dos discípulos pede a Jesus para que Ele lhes ensine a rezar. E Jesus ensina: «Quando orardes, dizei: ‘Pai, santificado seja o vosso nome; venha o vosso reino; dai-nos em cada dia o pão da nossa subsistência; perdoai-nos os nossos pecados, porque também nós perdoamos a todo aquele que nos ofende; e não nos deixeis cair em tentação’».
A oração do Pai-nosso, mostra a clareza da mensagem de Jesus. Não é preciso dizer muitas palavras, é necessário rezar com o coração e com a vida, e que as palavras traduzam a ligação alegre e confiante a Deus, reconhecendo-O como Pai, para nos reconhecermos como irmãos, acolhendo o Reino de Deus em nós para comunicarmos aos outros o evangelho da vida e da caridade.
2 – Logo Jesus sublinha a necessidade de rezar, de pedir, de insistir com Deus como se insiste com um amigo. Jesus dá o exemplo daquele homem que tendo visitas e, sendo já tarde, vai ter com o seu amigo para lhe solicitar três pães. Insiste uma e outra vez, até incomodar, até ser atendido. Deus não deixará de atender a vossa prece. É Jesus Quem no-lo diz. Rezai assim. Insisti. Batei à porta!
Na primeira leitura encontramos um belíssimo testemunho desta forma de rezar. Depois da visita de Deus a Abraão, através de três viajantes, que seguiram o seu caminho, Deus permanece e revela-lhe o propósito de destruir a grande cidade de Sodoma e Gomorra, pela maldade das suas gentes. Abraão regateia com o Senhor: «Irás destruir o justo com o pecador? Talvez haja cinquenta justos na cidade. Matá-los-ás a todos? Não perdoarás a essa cidade, por causa dos cinquenta justos que nela residem? Longe de Ti fazer tal coisa: dar a morte ao justo e ao pecador, de modo que o justo e o pecador tenham a mesma sorte! Longe de Ti! O juiz de toda a terra não fará justiça?».
Abraão transparece valentia na oração, intercedendo pelas pessoas daquela cidade, negociando com Deus até ao limite. Se lá houver 50, 45, 40, 30, 20, 10 justos, pergunta Abraão a Deus, irás destruí-los pelos pecados dos outros? Deus responde: «Em atenção a esses dez, não destruirei a cidade».
Referindo-se a esta passagem, na Missa matutina, no início do mês, na de Casa de Santa Marta, o Papa Francisco falava da oração corajosa de Abraão, e como este negoceia a salvação da cidade. Vai fazendo com que o preço baixe de 50 para 10. Regateia enquanto é possível. Abraão assume as dores dos outros como suas; defende a cidade como se fizesse parte dela.
O cristão há de ser corajoso ao rezar ao Senhor. Podem ser poucas palavras, mas confiantes no beneplácito de Deus. E rezando uns pelos outros, a exemplo do nosso Pai na Fé, Abraão.
3 – Um exemplo muito plástico, muito visual: o COLO da Mãe. É a oração mais sublime. Desde que nasce a criança tem no colo materno o seu refúgio, a sua segurança, que se estende até à idade adulta. Na minha geração e nas anteriores mais ainda, a afetividade entre os filhos e os pais era mais comedida, mais sóbria. O mesmo amor, com menos palavras afetuosas e com menos gestos de carinho.
Hoje a relação do filho com a mãe (com os pais) é de cumplicidade. O colo da mãe é ocupado muitas vezes por motivos diversos, em diferentes idades, independentemente de quem está à volta. Pensemos, ao jeito do sorridente Papa João Paulo II, que Deus é Pai e Mãe ou como muitas vezes releva da Sagrada Escritura, é Pai que ama como Mãe, a partir das Suas entranhas. É uma ligação umbilical, genética, mas também muito espiritual: a mãe pressente as dores do filho. Assim Deus para connosco.
Recostamo-nos ao colo da Mãe, ao ventre que nos gerou, ao peito que nos amamentou, ao corpo que nos deu vida, nos dá vida. Aconchegamo-nos, em concha, em posição fetal, como se ainda nos sentíssemos dentro do seu corpo, com a mesma segurança, com a certeza que nada nos pode fazer mal se estamos juntos, colados nela, coração com coração, pele com pele, vida com vida.
Recostamos a cabeça e o corpo todo, a vida por inteiro, no colo da Mãe, para sentirmos o aroma da sua presença, o seu conforto, a sua voz no nosso coração, o seu olhar na nossa alma, o seu amor na nossa vida. No colo da mãe, para pedir, para chorar, para nos sentirmos especiais, para nos sentirmos filhos. No regaço da mãe para sabermos que o mundo continua ali, e não nos foge por debaixo dos pés, sentindo o seu abraço e os seus beijos demorados, a sua atenção. Somos parte dela, somos a sua vida, preenchemos o seu coração e por isso quando nos afastamos, ou adoecemos, ou nos transviamos, o seu coração fica apertadinho, a quebrar e tudo o mais perde sentido e importância. A mãe esquece o frio e o calor, esquece as suas necessidades, por nós, por cada filho. Assim Deus.
4 – Escutando o desafio de Jesus, rezemos com coragem e insistência.
Pensemos em Deus como Mãe.
Com a nossa mãe, no seu colo reconfortante, pedimos, e choramos, e rimos, sem máscaras, sem pudores. Sabemos que ela nos escuta e perscruta, o seu coração sintoniza o nosso, em alta fidelidade. Quando pode atende-nos, quando não pode compreende-nos, apoia-nos, solidariza-se, chora e ri connosco. Ao seu colo vamos para dizer muitas coisas, para lhe contar a nossa vida, os nossos medos, os nossos desejos, as nossas angústias e preocupações, as nossas alegrias e conquistas. E quando não temos palavras, ficamos em silêncio. Mãe que é mãe não enjeita o seu colo, mesmo magoada, ou cansada, ou desiludida. O seu colo é nosso e para nós.
Deus de tanto nos amar, descobre o colo de Maria, e nesse colo nos dá Jesus, e mais tarde nos dará Maria por mãe, para que mesmo que nos falte a nossa mãe, nunca nos falte o colo de uma Mãe.
Se rapidamente vamos ao colo da mãe, rapidamente nos acheguemos ao colo de Deus, pedindo, agradecendo, permanecendo junto d’Ele, deixando que Ele permaneça junto de nós, como permaneceu junto de Abraão, segredando-lhe os nossos medos e anseios, o nosso cansaço e a nossa dor, entreguemos-lhe o nosso coração. Com coragem, confiantes. Por mais persistente que seja o sofrimento, mais intensa seja a nossa oração. Também aí Ele associa a Sua paixão ao nosso desânimo. E se o sofrimento persistir, e não estiver ao alcance a cura, não deixemos de nos colocar ao Seu colo, pedindo força e ânimo para aceitarmos o que não é possível mudar.
E ainda que queiramos protestar com Ele, façamo-lo sem medo. Ele escuta as nossas queixas. Ele não recua, como não recua o colo da Mãe. Muitas vezes a Mãe sofre o sofrimento do filho. Ela quereria assumir no seu corpo, na sua vida, o sofrimento do filho para que ele não sofresse. Mas não pode. Vale, nessas horas, a companhia, a certeza que nos apoia, que está do nosso lado, que compreende a nossa dor, e nos dá a mão e o regaço, e firma o seu no nosso olhar.
5 – Ele vem para nascer e viver no meio de nós, caminhar connosco e connosco penetrar no sofrimento e na morte, e como Deus, Jesus nos abre de novo outro colo e outro céu, nos dá a mão e como irmão nos eleva para o coração de Deus. As distâncias encurtam-se. Deus faz-Se homem.
“Sepultados com Cristo no batismo, também com Ele fostes ressuscitados pela fé que tivestes no poder de Deus que O ressuscitou dos mortos. Quando estáveis mortos nos vossos pecados e na incircuncisão da vossa carne, Deus fez que voltásseis à vida com Cristo e perdoou-nos todas as nossas faltas. Anulou o documento da nossa dívida, com as suas disposições contra nós; suprimiu-o, cravando-o na cruz”.
O Céu fica mais perto. Com a Ressurreição, Jesus parte, e envia-nos o Espírito Santo. A oração permite-nos acolher o Espírito e a salvação, compreender a nossa fragilidade e a nossa limitação. A oração predispõe-nos para reconhecer os outros como irmãos e para aceitarmos os nossos limites, para perdoarmos os limites dos outros, para transformarmos a fé em vida e em compromisso.
Textos para a Eucaristia (ano C): Gen 18, 20-32; Col 2,
12-14; Lc 11, 1-13.
Reflexão Dominical na página da Paróquia de Tabuaço
sábado, 2 de março de 2013
III Domingo da Quaresma - ano C - 3 de março
1 – Chegam a Jesus relatos preocupantes e com uma leitura demasiado moralista, como se aqueles que morreram vítimas dos desvarios de Pilatos, ou em consequência da queda da torre de Siloé, fossem merecedores de tais castigos. Jesus diz claramente que não. Porém, não deixa de apontar a necessidade de conversão, de transformação da vida de cada um, para que não morram do mesmo modo. Vislumbra-se aqui uma morte mais virulenta, uma vida sem amor, sem ligação, sem calor, sem fraternidade, sem perdão, sem sentido, presa ao tempo presente e limitada às coordenadas do egoísmo, do isolamento, de um materialismo voraz, sem abertura aos outros. Para Jesus, e para nós, a opção há de ser pela vida, assumida em lógica de partilha, de comunhão, promovendo pontes para os outros e nos outros para Deus.
Para tornar mais democrático e acessível a sua mensagem, Jesus conta mais uma parábola, acentuando a misericórdia de Deus diante do nosso pecado, da nossa dúvida, hesitação, e do nosso comodismo e da nossa infertilidade espiritual.
Jesus disse então a seguinte parábola: «Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha. Foi procurar os frutos que nela houvesse, mas não os encontrou. Disse então ao vinhateiro: ‘Há três anos que venho procurar frutos nesta figueira e não os encontrou. Deves cortá-la. Porque há-de estar ela a ocupar inutilmente a terra?’. Mas o vinhateiro respondeu-lhe: ‘Senhor, deixa-a ficar ainda este ano, que eu, entretanto, vou cavar-lhe em volta e deitar-lhe adubo. Talvez venha a dar frutos. Se não der, mandá-la-ás cortar no próximo ano».
Deus ama-nos, infinita, pacientemente. A paciência de Deus constrói, espera por nós, aguarda a nossa conversão, respeita a nossa liberdade, as nossas escolhas, mas não nos abandona, mesmo em situações em que nós O arredamos da nossa vida, em situações em que, tal como a figueira, não damos fruto. No entanto, Deus continua a esperar, a cuidar de nós, a tratar-nos como filhos. Mais dia, menos dia, poderemos dar fruto. Ele cuida, com carinho, uma e outra vez.
2 – Com Jesus Cristo chega até nós um tempo novo, perfumado com a alegria e a graça de Deus, na descoberta e apresentação de um Deus próximo, amigo, companheiro, entranhado no sofrimento e no labor humanos, e que se situa dentro da humanidade, da história, na assunção da finitude e fragilidade que nos caracteriza. Não acima, fora, à margem, por sobre as nuvens, mas dentro, ao lado, caminhando connosco, assumindo os nossos gestos. Podemos encontrá-l'O no mais pequeno dos irmãos.
Em Jesus Cristo, Deus une o Céu e a terra, numa ponte suave, melhor, numa escada rolante: Ele desce, e nós subimos com Ele, para a eternidade. É uma Aliança nova, no Seu Corpo e Sangue, levando à plenitude a Aliança com o povo eleito, por meio do grande líder Moisés. Jesus é o novo Moisés, inscrevendo definitivamente a Lei no coração, plenizando-a na caridade.
Vejamos a Aliança feita com Moisés, com o claro intento de libertar o povo da miséria. Deus toma a iniciativa.
“Deus chamou-o do meio da sarça: «Moisés, Moisés!». Ele respondeu: «Aqui estou!» Continuou o Senhor: «Não te aproximes. Tira as sandálias dos pés, porque o lugar que pisas é terra sagrada»… Então Moisés cobriu o rosto, com receio de olhar para Deus. Disse-lhe o Senhor: «Eu vi a situação miserável do meu povo no Egipto; escutei o seu clamor provocado pelos opressores. Conheço, pois, as suas angústias. Desci para o libertar das mãos dos egípcios e o levar deste país para uma terra boa e espaçosa, onde corre leite e mel»... Deus disse ainda a Moisés: «Assim falarás aos filhos de Israel: ‘O Senhor, Deus de vossos pais, Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacob, enviou-me a vós. Este é o meu nome para sempre, assim Me invocareis de geração em geração’».
Moisés sobe à montanha [veja-se o evangelho do domingo passado: Jesus sobe à montanha, levando alguns discípulos]. A montanha é um lugar mais desamparado, onde só pode contar consigo e com Deus. Moisés segue os seus intentos, mas eis que Deus lhe desperta a atenção e o faz olhar noutra direção, desafiando-o a alterar a direção. Aquele é chão sagrado. Todo o chão que nos leva a Deus é sagrado. Todo o chão que nos leva aos irmãos parte do chão sagrado que nos levou a Deus. Também o nosso compromisso com os outros poderá ser chão sagrado para nos encontrarmos com Deus.
Revisitemos novamente as palavras da Mensagem de Bento XVI para esta Quaresma: “A existência cristã consiste num contínuo subir ao monte do encontro com Deus e depois voltar a descer, trazendo o amor e a força que daí derivam, para servir os nossos irmãos e irmãs com o próprio amor de Deus”. Moisés aproxima-se de Deus, para ser por Ele enviado a libertar o povo escravizado no Egipto.
3 – O tempo que decorre, a Quaresma que nos envolve na preparação para a Páscoa, é oportunidade de conversão, de vida nova, de cavar de novo a nossa vida, para que dê fruto, em abundância, frutos de justiça, de caridade, de bondade.
Precisamos de nos descalçar para sentimos a terra firme e que nada nos separa de Deus. Sem calçado, os pés transmitem a todo o corpo a textura da terra. Descalços somos mais iguais uns dos outros, em contacto com o mesmo húmus, com a mesma origem.
Precisamos de nos descalçar para sentimos a terra firme e que nada nos separa de Deus. Sem calçado, os pés transmitem a todo o corpo a textura da terra. Descalços somos mais iguais uns dos outros, em contacto com o mesmo húmus, com a mesma origem.
Se os nossos pés tiverem a poeira da terra, não nos esqueceremos tão facilmente da nossa humana, frágil e fraterna condição. Com os pés assentes em terra firme não corremos o risco de flutuar, sem rumo nem norte. No II Domingo da Quaresma, a Palavra de Deus obrigava-nos a olhar para as alturas: a nossa pátria está nos Céus. Hoje, incide-se nesta prioridade: para que o nosso olhar permaneça fixo na eternidade de Deus, é urgente firmar o nosso caminhar na terra que nos permite ver, encontrar e acolher os outros como irmãos.
É o chão que nos une e nos conduz à Terra Prometida, para os judeus um território, para nós, o Filho de Deus humanado.
O apóstolo São Paulo faz-nos percorrer o caminho da Aliança de Deus com o Povo Eleito, que caminhou pelo deserto, alimentando-se de um rochedo espiritual, que se virá a revelar como o Cristo de Deus:
“Não quero que ignoreis que os nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem, passaram todos através do mar e na nuvem e no mar, receberam todos o batismo de Moisés. Todos comeram o mesmo alimento espiritual e todos beberam a mesma bebida espiritual. Bebiam de um rochedo espiritual que os acompanhava: esse rochedo era Cristo... Portanto, quem julga estar de pé tome cuidado para não cair”.
As advertências do apóstolo, e dos pais para com os filhos, as repreensões, ou as chamadas de atenção, brotam do amor e da preocupação pelo melhor bem, cuidando para que nenhum crente se transvie ou adormeça ou cruze os braços e assobie para o lado. O cuidado dos irmãos não é uma opção, mas é o compromisso específico de todo o seguidor de Jesus Cristo.
Em Dia Nacional da Cáritas, sobressai o desafio: o compromisso na fé para uma cidadania ativa, revolucionária, quebrando as cadeias injustas, eliminando as barreiras do preconceito e do egoísmo, respondendo ao amor de Deus com o amor aos irmãos que Ele nos dá.
Textos para
a Eucaristia (ano C): Ex 3, 1-8a.13-15; 1 Cor 10, 1-6.10-12; Lc 13, 1-9.
Reflexão Dominical na página da Paróquia de Tabuaço.
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Quaresma
sábado, 23 de fevereiro de 2013
II Domingo da Quaresma - ano C - 24 de fevereiro
Neste segundo domingo de Quaresma, um importante desafio salta à vista: a ESCUTA. Esta pressupõe atender, respeitar, acolher, tentar perceber, o que o outro diz. No caso concreto, é a VOZ que vem dos Céus: Eis o Meu eleito. Escutai-O. A Ele por inteiro. Cada um de nós é muito mais do que aquilo que diz. As nossas palavras podem expressar uma parte do que somos, mas fica sempre algo por dizer e, por outro lado, dizemos o que somos também pelo que fazemos, pelas escolhas, pelas obras, pela postura que nos aproxima ou distancia dos outros.
No primeiro Domingo de Quaresma, o evangelho apresentava-nos o quadro das tentações de Jesus, sublinhando-se, porém, a intimidade e identificação de Jesus à vontade de Deus. Ele é guiado pelo Espírito. Na hora do batismo, do Céu a mesma voz – É o meu filho muito amado em quem pus toda a minha ternura, escutai-O. No deserto, escutando a Palavra de Deus, sem a manipular, Jesus contrapõe a vontade de Deus a vozes estranhas e desviantes. Ele faz deserto para compreender os nossos desertos e as nossas lutas. Faz deserto para nos fazer saber que, no final, só precisamos de Deus. Sem Deus somos nada, pó volátil, condenado a desaparecer. Com Deus, mesmo tendo poucas coisas, temos TUDO, agora e na eternidade.
Vale a pena introduzir aqui o apelo do nosso Bispo, D. António Couto, para esta Quaresma:
“Apelo, portanto, a todos os irmãos e irmãs que Deus me deu nesta querida Diocese de Lamego a que, nesta Quaresma, deixemos a enxurrada da Palavra de Deus tomar conta da nossa vida. No meio da enxurrada, perceberemos logo que não salvaremos muitas coisas, e que aquilo que mais queremos encontrar é uma mão segura que nos ajude a salvar a nossa vida”.
O essencial para Jesus não é o pão, o poder, a adulação, mas a certeza de Deus na sua Vida, no deserto ou na cidade, na míngua ou na fartura. Deus O salva. E a nós também.
2 – Vejamos o quadro completo do evangelho e encontraremos mais ligações com o quadro do batismo e das tentações:
“Jesus tomou consigo Pedro, João e Tiago e subiu ao monte, para orar. Enquanto orava, alterou-se o aspeto do seu rosto e as suas vestes ficaram de uma brancura refulgente. Dois homens falavam com Ele: eram Moisés e Elias, que, tendo aparecido em glória, falavam da morte de Jesus, que ia consumar-se em Jerusalém. Pedro e os companheiros estavam a cair de sono; mas, despertando, viram a glória de Jesus e os dois homens que estavam com Ele. Quando estes se iam afastando, Pedro disse a Jesus: «Mestre, como é bom estarmos aqui! Façamos três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias». Não sabia o que estava a dizer. Enquanto assim falava, veio uma nuvem que os cobriu com a sua sombra; e eles ficaram cheios de medo, ao entrarem na nuvem. Da nuvem saiu uma voz, que dizia: «Este é o meu Filho, o meu Eleito: escutai-O». Quando a voz se fez ouvir, Jesus ficou sozinho. Os discípulos guardaram silêncio e, naqueles dias, a ninguém contaram nada do que tinham visto”.
Quando sobe à montanha tem o mesmo fito da ida para o deserto, para rezar. A montanha aproxima-nos do alto, de Deus. É um lugar mais isolado, de onde se pode contemplar a cidade, a povoação. Mais perto de Deus para ver melhor a humanidade. “A existência cristã – diz Bento XVI – consiste num contínuo subir ao monte do encontro com Deus e depois voltar a descer, trazendo o amor e a força que daí derivam, para servir os nossos irmãos e irmãs com o próprio amor de Deus”.
3 – Os discípulos hão de seguir Jesus, para aprender com Ele os caminhos a trilhar. Por ora Jesus prepara-os para as horas difíceis que estão para chegar. Então não haverá tempo para refletir, para entender, tudo passará muito rápido sem o afastamento necessário para assimilar e ultrapassar. Se o coração não estiver suficientemente alimentado pela oração, pela palavra de Deus, poderá não resistir diante de tantas dificuldades.
O Mestre não lhes esconderá as nuvens carregadas que estão para vir. No entanto, das nuvens mais opacas irromperá, uma vez mais e sempre, a LUZ de Deus. Ele fará ouvir a Sua voz, através de Jesus. Falou-nos por Moisés. Nessa ocasião não estávamos preparados para ouvir. A voz de Deus feriria os nossos ouvidos. Falou-nos pelos profetas. Agora rasga os Céus dando-nos o Seu amado Filho. Se O escutarmos seremos salvos.
A transfiguração é um compromisso permanente dos cristãos, dos discípulos de Cristo. A luz que vem de Deus permite-nos branquear, lavar, embelezar a nossa vida, tornando-nos translúcidos. A luz incidirá em nós como num cubo de vidro, que se enche de LUZ e por sua vez ilumina tudo o que está à volta. De novo, subimos ao monte de Deus para descermos ao encontro dos irmãos. Jesus antecipa a ressurreição, mostrando que nenhuma opacidade periga a força da luz de Deus. O caminho quaresmal é de preparação, de conversão, de mudança positiva de vida. Contudo, caminhamos na Luz da Páscoa. Só a Ressurreição de Cristo nos converte verdadeiramente.
4 – Estamos alerta. Deus prepara-nos para grandes coisas. Alia-Se connosco. Jesus retira os discípulos da cidade para que eles vejam mais longe. E vejam para lá de todas as intempéries. Deus procede desta forma, para que não andemos a vaguear sem rumo nem esperança.
Na primeira leitura, vislumbra-se a pedagogia divina:
“Deus levou Abraão para fora de casa e disse-lhe: «Olha para o céu e conta as estrelas, se as puderes contar». E acrescentou: «Assim será a tua descendência». Abraão acreditou no Senhor, o que lhe foi atribuído como justiça... Nesse dia, o Senhor estabeleceu com Abraão uma aliança, dizendo: «Aos teus descendentes darei esta terra, desde o rio do Egipto até ao grande rio Eufrates».
Deus toma a iniciativa. Vem ao nosso encontro. Visita-nos em nossa casa. Leva-nos para o exterior de nós, para o deserto, para a montanha, para a entrada da tenda, para que o nosso horizonte seja o céu estrelado. Primeiro, Deus dá-Se, por inteiro. O que nos exige, em resposta? Que vivamos na inundação da Sua luz, do Seu amor.
5 – A experiência vai-nos dizendo que dobrarmo-nos sobre nós vai-nos limitando, vai-nos deixando curvados, sem horizonte, sem abertura, sem futuro, sem o céu que nos rodeia. Se nos fixamos no chão, no umbigo, se nos colocamos no centro, o nosso mundo começa a ficar demasiado pequeno. Poderemos ficar com tonturas, raquíticos. O corpo habitua-se a ficar curvado.
A águia deixada no galinheiro, que desaprendeu (ou não chegou a aprender) o que lhe traria a felicidade, voar, ser livre, ir pelo mundo, sem fronteiras. Habituou-se a ser galinha. As galinhas não voam, mesmo tendo asas. A tendência é agarrarem-se ao chão, apoiarem-se em algo sólido. Procuram o alimento na terra. A águia voa, procura o alimento a partir de um campo de visão muito alargado. Quando a jovem águia (quase galinha) viu outra águia a voar, o seu coração pequenino começou a palpitar, mas logo as galinhas lhe disseram para nem tentar, não era para ela… E em nós, pevalece a águia ou galinha?
Deus faz com que Moisés olhe para o Céu. Jesus leva os discípulos à montanha, para se sentirem mais próximos de Deus, mais motivados a regressar para o meio das pessoas, e para verem a partir do olhar luminoso de Deus.
Na segunda leitura, São Paulo, depois de convidar à imitação daqueles que estão em sintonia com Jesus Cristo, diz de forma clarificadora:
“A nossa pátria está nos Céus, donde esperamos, como Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que transformará o nosso corpo miserável, para o tornar semelhante ao seu corpo glorioso, pelo poder que Ele tem de sujeitar a Si todo o universo. Portanto, meus amados e queridos irmãos, minha alegria e minha coroa, permanecei firmes no Senhor”.
O caminho cristão é cíclico, melhor, em espiral. Como batizados avançamos em direção à Páscoa eterna, numa quaresma constante, preparamo-nos, renovamos a nossa vida. A nossa quaresma começa por nascer da Páscoa de Jesus. E de Páscoa em Páscoa, vamo-nos transformando, convertendo, caminhando, quaresmando.
Reflexão Dominical na página da Paróquia de Tabuaço.
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segunda-feira, 3 de setembro de 2012
CARTA DO JUDEU DO GUETO DE VARSÓVIA
"... O texto apresenta o ambiente de 1943: o gueto de Varsóvia está cercado e em chamas. Um após outro, caem todos os seus defensores. Numa das últimas casas em que ainda resiste está presente o filho de Israel. E mete numa garrafa vazia um escrito com as suas últimas palavras:
...Creio no Deus de Israel, embora Ele tenha feito de tudo para arrasar a minha fé n'Ele. As minhas relações com Ele já não são as de um servo diante do seu senhor, mas a de um discípulo perante o seu mestre...Morro, mas não satisfeito; como um homem abatido, mas não desesperado; crente, mas não suplicante; amando a Deus, mas sem dizer cegamente: Ámen. Segui a Deus, mesmo quando Ele me repeliu. Cumpri o seu mandamento, mesmo quando, para premiar a minha observância, Ele me castigava. Amei-o, amava-o e amo-o ainda, embora me tenha abaixado até ao chão, me tenha torturado até à morte, me tenha reduzido à vergonha e ao escárnio. Podes torturar-me até à morte, acreditarei sempre em ti; amar-te-ei sempre, mesmo que não queiras. E estas são as minhas últimas palavras, meu Deus de cólera: Não conseguirás fazer com que Te renegue.Tentaste de tudo para fazer-me cair na dúvida, mas eu morro como vivi: numa fé inabalável em Ti. Louvado seja o Deus dos mortos, o Deus da vingança, o Deus da verdade e da fé que imediatamente mostrará os fundamentos com a sua voz omnipotente. Shema' Israel, Adonai Elohenu, Adonai echad! Escuta, Israel, o Senhor é nosso Deus, o Senhor é um!
in BRUNO FORTE, As quatro noites da salvação, Prior Velho, Paulinas 2009.
quarta-feira, 11 de julho de 2012
Para o amor, nenhum sacrifício é demasiado grande
Para o amor, nenhum sacrifício é demasiado grande; de facto, só se pode sacrificar o que se mama. Sacrificar o que não se ama é até demasiado fácil: o difícil é oferecer a Deus o amor verdadeiro da nossa vida! Diz Kierkegard: «Abraão ama Isaac com toda a alma e quando Deus lho pede, ama-o, se possível, ainda mais; só assim pode fazer dele um sacrifício». Abraão só pode sacrificar Isaac porque o ama infinitamente. A Deus não se oferece o refugo do coração, pois só se pode oferecer-lhe o amor maior... Crer é oferecer o Isaac do seu coração, o único, o amado, oferecê-lo a Deus, porque só Ele é digno desta oferta e deve ser amado assim. Morrer para nascer. Perder-se para encontrar-se...
A fé consiste em: crer na possibilidade impossível de Deus, confiar em Deus, apesar do silêncio de Deus, não obstante a noite escura das suas exigências impossíveis.O homem da fé sabe que Deus é Deus e que é preciso confiar em Deus sem condições. Na verdade, também Deus vivi a sua noite por amor aos homens, também Ele como Abraão oferecerá por nós o Isaac do Seu coração...
BRUNO FORTE, As quatro noites da salvação, Prior Velho, Paulinas 2009.
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