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quarta-feira, 21 de março de 2018

Tu tens palavras de vida eterna...

       Muitos discípulos, ao ouvirem Jesus, disseram: «Estas palavras são duras. Quem pode escutá-las?». Jesus, conhecendo interiormente que os discípulos murmuravam por causa disso, perguntou-lhes: «Isto escandaliza-vos? E se virdes o Filho do homem subir para onde estava anteriormente? O espírito é que dá vida, a carne não serve de nada. As palavras que Eu vos disse são espírito e vida. Mas, entre vós, há alguns que não acreditam». Na verdade, Jesus bem sabia, desde o início, quais eram os que não acreditavam e quem era aquele que O havia de entregar. E acrescentou: «Por isso é que vos disse: Ninguém pode vir a Mim, se não lhe for concedido por meu Pai». A partir de então, muitos dos discípulos afastaram-se e já não andavam com Ele. Jesus disse aos Doze: «Também vós quereis ir embora?» Respondeu-Lhe Simão Pedro: «Para quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós acreditamos e sabemos que Tu és o Santo de Deus» (Jo 6, 60-69).
       Temos vindo a escutar, durante esta semana, o Evangelho de de São João, no qual Jesus Se apresenta como o verdadeiro Pão da Vida, o Pão de Deus. A afirmação de Jesus – o meu corpo é verdadeira comida, o meu sangue é verdadeira bebida... quem não comer a minha carne e não beber o meu sangue não terá a vida... – gera polémica na população, nos judeus e nos discípulos. Nesta parte final do capítulo 6, são os discípulos que se interrogam, duvidam e dispersam.
       Perante a dispersão dos judeus e dos discípulos, Jesus questiona os Doze sobre as disposições: «Também vós quereis ir embora?». Pedro, em nome dos outros Apóstolos, responde inequivocamente: «Para quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós acreditamos e sabemos que Tu és o Santo de Deus».
       A dissidência dá lugar à firmeza, à convicção, ao seguimento consciente e livre. O projeto de Jesus Cristo é um projeto de salvação, de vida nova, desafiando os limites do tempo e do espaço, dando o melhor que cada um possui em favor de todos, para que o que se dá se multiplique e atravesse o próprio Céu. É um projeto arrojado e libertador. Jesus não quer que os seus discípulos, e ninguém, viva no medo do passado ou sob o peso de leis castradoras e injustas, mas que todos possam apreciar a VIDA como dom, transformando a dádiva recebida em dádiva oferecida a favor dos outros.

Veja também: Reflexão Dominical

sábado, 17 de setembro de 2016

São Roberto Belarmino, bispo e doutor da Igreja

Nota biográfica:
       Nasceu no ano de 1542 em Montepulciano, na Toscana. Entrou na Companhia de Jesus em Roma e foi ordenado sacerdote. Sustentou célebres disputas em defesa da fé católica e ensinou Teologia no Colégio Romano. Eleito cardeal e nomeado bispo de Cápua, contribuiu com a sua actividade junto das Congregações Romanas para a resolução de numerosos problemas. Morreu em Roma no ano 1621.
 
ORAÇÃO de coleta:
       Senhor, que nos destes em São Roberto Belarmino um exemplo admirável de ciência e fortaleza para defender a fé da vossa Igreja, por sua intercessão, concedei ao vosso povo a alegria de conservar a integridade da sua fé. Por Nosso Senhor. 
São Roberto Belarmino, bispo, sobre a elevação da mente para Deus

Inclinai o meu coração para os vossos mandamentos

Senhor, Vós sois bom, indulgente e cheio de misericórdia! Quem Vos não servirá de todo o coração, depois de ter começado a saborear, por pouco que seja, a suavidade do vosso domínio paterno? Que mandais, Senhor, aos vossos servos? Tomai o meu jugo sobre vós. E como é o vosso jugo? O meu jugo é suave e a minha carga é leve. Quem não tomará sobre si da melhor vontade um jugo que não oprime mas alivia, um fardo que não pesa mas reconforta? Por isso, com razão acrescentastes: E encontrareis descanso para as vossas almas. E qual é este vosso jugo que não traz fadiga mas descanso? Certamente, aquele primeiro e maior mandamento: Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração. Que há de mais fácil, mais suave e mais doce do que amar a bondade, a beleza e o amor? E tudo isto sois Vós, Senhor meu Deus.
E prometeis ainda um prémio aos que observam os vossos mandamentos, sendo estes, já por si mesmos, mais preciosos que o ouro e mais doces que o mel dos favos? Sim, prometeis efectivamente um prémio, um prémio de imenso valor, segundo a palavra do apóstolo São Tiago: O Senhor prometeu a coroa da vida para aqueles que O amam. E o que é a coroa da vida? É o maior bem que podemos pensar ou desejar, como diz São Paulo, citando Isaías: Nem os olhos viram, nem os ouvidos escutaram, nem jamais passou pelo pensamento do homem o que Deus preparou para aqueles que O amam.
Sim, é verdadeiramente grande a recompensa pela observância dos vossos mandamentos. E não é somente aquele primeiro e maior mandamento que é mais útil ao homem que obedece, do que a Deus que manda; todos os outros mandamentos de Deus aperfeiçoam, honram, instruem, iluminam e tornam bom e feliz aquele que os cumpre. Portanto, se tens alguma sabedoria, compreenderás que foste criado para a glória de Deus e para a tua salvação eterna. Este é o teu fim, este é o centro da tua alma, este é o tesouro do teu coração. Se alcançares este fim, serás feliz; se dele te afastares, serás infeliz.
Por conseguinte, deves considerar como verdadeiramente bom o que te conduz ao teu fim e como verdadeiramente mau o que dele te afasta. Para o sábio, a prosperidade e a adversidade, a riqueza e a pobreza, a saúde e a doença, a honra e a ignomínia, a vida e a morte, são coisas que, por si mesmas, nem se devem procurar nem evitar. Se contribuem para a glória de Deus e a tua felicidade eterna, são bens e devem ser desejados; se impedem essa glória e felicidade, são males e devem ser evitados.

sábado, 30 de julho de 2016

XVIII Domingo do Tempo Comum - ano C - 31.07.2016

       1 – A felicidade na pobreza é um desafio e um compromisso com a verdade e com o bem, optando pela bondade e pela delicadeza, colocando os outros como prioridade porque neles está impressa a imagem de Deus. A pobreza liberta-nos de nós, do nosso egoísmo e do auto endeusamento. Pobreza, neste sentido, é a humildade de quem se reconhece a caminho, a necessitar de salvação, de ajuda, da presença do outro. De quem se abre a Deus e aos outros.
       O contrário de pobreza é avareza. Prepotência. Ganância desmedida. Egoísmo.
       A pobreza em espírito caracteriza-se por usar os recursos e os bens materiais como meio para viver em segurança e em dignidade, aproximando-se dos outros. Dispor dos bens para viver e para a ajudar os outros a viverem com dignidade. Quando a riqueza material serve para contendas sem fim, disputas, violência, quando serve para anular ou destruir os outros, é diabólica!
       A riqueza fecha-nos o coração e a vida. O dinheiro ou os bens materiais não são mal ou bem em si mesmos, o uso que fazemos deles é que pode ser moralmente condenável ou assomar bondade. A criação de riqueza, o trabalho honesto, a aquisição justa engrandecem e dignificam o ser o humano. O roubo, a corrupção, a desonestidade empobrecem e destroem a pessoa e, com o tempo, todo o tecido social. Repare-se uma vez mais na crise económico-financeira onde uns poucos enriqueceram à custa de muitos. Como tem acentuado o Papa Francisco, esta economia mata, pois preocupa-se muito mais com os números do que com as pessoas que são sacrificadas por causa das percentagens.
       Defender a pobreza do evangelho para justificar a existência de pobres e não se comprometer na procura de soluções, é pecado que brada aos céus. Mas também a cobiça pelos bens dos outros, quando estes os conseguiram com trabalho, honestidade e justiça. Há pobres e ricos que são gananciosos e há pobres e ricos (materialmente falando) que são generosos.
       Bem-aventurados os pobres em espírito porque deles é o Reino de Deus. É uma opção da pessoa, nunca uma imposição. Não justifica a pobreza. Pelo contrário, ser pobres ao jeito de Jesus implica que nos façamos pão e vida para os mais pobres, como Ele fez. Dai-lhes vós de comer. Como Eu vos fiz, fazei-o também uns aos outros. O que fizerdes ao mais pequeno dos irmãos é a Mim que o fazeis. Dar de comer a quem tem fome, é uma das obras de misericórdia que nos implica. O caminho de Jesus é um caminho de leveza, de despojamento, livre para dar a vida a favor da humanidade porque nada O prende ou escraviza senão o amor, o serviço a todos, preferencialmente aos mais pobres. Em tudo, a grande riqueza é a sintonia com o Pai, fazendo a Sua vontade.

       2 – Certamente depois de ouvir Jesus a falar de despojamento, de partilha, de serviço aos demais, um homem aproximou-se para O convocar a resolver os seus problemas: «Mestre, diz a meu irmão que reparta a herança comigo».
       Tenho a impressão que Jesus não veio resolver os problemas de ninguém. Explico. Como facilmente se entende, Jesus não nos substitui, não vive a vida por nós. Os nossos pais por mais que nos amem não fazem o que devemos fazer para viver. Se os pais assumirem as responsabilidades que nos cabem e as consequências dos nossos atos, seremos sempre infantis. Por conseguinte, a nossa oração a Deus não é para que nos ajude a derrotar os outros, dando agora o exemplo do futebol e lembrando o testemunho do selecionador nacional, mas pedir a Deus a humildade para persistir, a sabedoria para buscar as melhores soluções e a persistência para fazer boas escolhas, pois nem o Fernando Santos ia para dentro de campo jogar nem Deus ia meter golos na baliza da equipa adversária. Ou como dizia o professor João Paiva, da Faculdade de Ciências do Porto, nas Jornadas de Formação para Catequistas, na Diocese do Porto, sobre "Bíblia e ciência": «Vi gente a comemorar a vitória de Portugal sobre França com imagens de Nossa Senhora e terços e uma das coisas que me ocorre é imaginar Nossa Senhora a contabilizar 11 milhões de Aves Marias, do lado de Portugal, 30 milhões de Aves Marias, do lado francês, imagino Lurdes contra Fátima...».
       Jesus desafia-nos ao melhor de nós mesmos e a buscarmos nos outros a presença de Deus, mas não se faz árbitro das nossas disputas. «Amigo, quem Me fez juiz ou árbitro das vossas partilhas?».
       No seguimento da resposta, Jesus acrescenta, dizendo a todos: «Vede bem, guardai-vos de toda a avareza: a vida de uma pessoa não depende da abundância dos seus bens». Quando os bens materiais substituem as pessoas, estamos a caminho da desumanização. O trabalho e as minhas compras ocupam o primeiro lugar, antes dos outros e de Deus, então terei que rever as minhas prioridades. Posso ganhar o mundo inteiro e perder a vida, a alegria, a capacidade de apreciar a presença dos que contam comigo e com quem eu posso contar.
       Vale a pena escutar e refletir a parábola de Jesus: «O campo dum homem rico tinha produzido excelente colheita. Ele pensou consigo: ‘Que hei de fazer, pois não tenho onde guardar a minha colheita? Vou fazer assim: Deitarei abaixo os meus celeiros para construir outros maiores, onde guardarei todo o meu trigo e os meus bens. Então poderei dizer a mim mesmo: Minha alma, tens muitos bens em depósito para longos anos. Descansa, come, bebe, regala-te’. Mas Deus respondeu-lhe: ‘Insensato! Esta noite terás de entregar a tua alma. O que preparaste, para quem será?’. Assim acontece a quem acumula para si, em vez de se tornar rico aos olhos de Deus».
       3 – É de todos conhecido o texto proposto na primeira leitura: "Vaidade das vaidades – diz Qohélet – vaidade das vaidades: tudo é vaidade. Quem trabalhou com sabedoria, ciência e êxito, tem de deixar tudo a outro que nada fez. Também isto é vaidade e grande desgraça. Mas então, que aproveita ao homem todo o seu trabalho e a ânsia com que se afadigou debaixo do sol? Na verdade, todos os seus dias são cheios de dores e os seus trabalhos cheios de cuidados e preocupações; e nem de noite o seu coração descansa. Também isto é vaidade".
       Aparentemente o sábio Qohélet está resignado perante a vida, diante das situações de sofrimento, de mal, de contradição. Levantar. Trabalhar. Comer. Deitar. Cansar-se para quê ou para quem? Que sentido tem a vida se há de terminar um dia? Por certo que também nós, em momentos de solidão, de incerteza, de doença, nos interrogamos sobre o sentido da vida.
       No final, o autor conclui o seu testamento (testemunho) dizendo que tudo é vaidade se não estiver referido a Deus. "O resumo do discurso, de tudo o que se ouviu, é este: teme a Deus e guarda os seus preceitos, porque este é o dever de todo o homem. Deus pedirá contas, no dia do juí­zo, de tudo o que está oculto, quer seja bom, quer seja mau" (Ecl 12, 13). Em Deus, a vida não se perderá, mas será assumida para sempre. Então não perderemos os que nos precederem, nem instrumentalizaremos os que que Deus colocou à nossa beira, pois neles se reflete Deus.
       A saída para este impasse está na oração. Melhor está em Deus, a quem nos dirigimos, com o salmista: "Saciai-nos desde a manhã com a vossa bondade, para nos alegrarmos e exultarmos todos os dias. Desça sobre nós a graça do Senhor nosso Deus. Confirmai, Senhor, a obra das nossas mãos".

       4 – Se olharmos horizontalmente só veremos o que está à nossa frente, ou o que nos rodeia. Não veremos além do que a nossa vista alcança nem além das primeiras montanhas. A não ser que nos desloquemos. Se olharmos com o coração, começamos a ver mais longe. Podemos sonhar. Imaginar. Há mais mundo. Assim também com os sentimentos e com os afetos. Quando negativos reduzem o nosso mundo, o meu e o teu, tornam-no minúsculo. Quando positivos e/ou bem canalizados alargam o nosso mundo, o nosso olhar, a nossa vida. Fazem-nos querer alargar o espaço e prolongar o tempo, fazer com que dure para sempre.
       Mas para sempre nada dura. Só Deus. Só Ele o garante da nossa memória, da nossa existência, da nossa identidade, para sempre. Isso não resolve os problemas todos, ou nenhum, mas ajuda-nos a relativizar as situações de treva, pois não duram para sempre, e a empenhar-nos com o mundo atual, para nele irmos experimentando a presença de Deus, iniciando a vida eterna, que já está em gestão com a ressurreição de Jesus.
       Desafia-nos São Paulo: “Se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra. Porque vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus... fazei morrer o que em vós é terreno: imoralidade, impureza, paixões, maus desejos e avareza, que é uma idolatria. Não mintais uns aos outros, vós que vos despojastes do homem velho com as suas ações e vos revestistes do homem novo... não há grego ou judeu, circunciso ou incircunciso, bárbaro ou cita, escravo ou livre; o que há é Cristo, que é tudo e está em todos”.
       Se Cristo é tudo em todos, Cristo que acolhemos ou afastamos quando cuidamos ou maltratamos os outros.

Pe. Manuel Gonçalves

Textos para a Eucaristia (C): Ecl 1, 2; 2, 21-23; Sl 89 (90); Col 3, 1-5. 9-11; Lc 12, 13-21.

sábado, 13 de outubro de 2012

XXVIII Domingo do Tempo Comum - ano B - 14 de outubro

       1 – Um homem correu ao encontro de Jesus, ajoelhou diante d’Ele e perguntou- Lhe: «Bom Mestre, que hei de fazer para alcançar a vida eterna?» A atitude deste homem é delicada e de grande expetativa. Vem a correr. Ofegante. A primeira coisa que faz é colocar-se de joelhos diante de Jesus, reconhecendo-O como Mestre justo e bom. A primeira atitude diante de Deus é de reverência, para em Deus tratarmos a todos como iguais, como irmãos.
       Rico de muitos bens materiais, como vemos mais à frente, é um homem em correrias, ansioso, insatisfeito, à procura de um sentido maior para a sua vida e que justifique os seus dias. “O Homem ultrapassa infinitamente o homem”, como salienta o filósofo francês Blaise Pascal, o homem não cabe em si mesmo, tende a buscar-se até ao infinito, constitutivamente limitado e finito, mas procurando sobreviver para lá do tempo e da materialidade, além das fronteiras do seu corpo e do seu espírito.
       Ouve falar de um homem que tem palavras de vida eterna, e procura serenar e confiar a sua busca, junto de Alguém que lhe merece o benefício da dúvida. Faz-nos evocar as sábias palavras de Santo Agostinho, “Senhor, criastes-nos para Vós, e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em Vós”.
       A resposta de Jesus não visa agradar ou convir ao seu interlocutor, mas desafiar, propondo um projeto de vida viável e exequível: “Tu sabes os mandamentos: Não mates; não cometas adultério; não roubes; não levantes falso testemunho; não cometas fraudes; honra pai e mãe”.
       Mas cumprir a lei não liberta e não salva. Mesmo que escrupulosamente se cumpra. A lei é uma orientação para vivermos harmoniosamente em sociedade. Não basta. É necessário que a lei seja vida, que brote da convicção, e que corresponda a um compromisso alegre com os outros. O homem disse a Jesus: «Mestre, tudo isso tenho eu cumprido desde a juventude».        Num segundo momento, e vendo que a lei era um fardo para aquele homem, ainda que ele a cumprisse, Jesus, olha para ele com simpatia, e lança um desafio maior: «Falta-te uma coisa: vai vender o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu. Depois, vem e segue-Me». Ouvindo estas palavras, anuviou-se-lhe o semblante e retirou-se pesaroso, porque era muito rico.
       2 – O seguimento de Jesus é uma proposta de salvação que revoluciona a nossa vida. Como constatámos nos domingos anteriores, seguir Jesus implica-nos, não é uma adesão exterior, como camisa que se troca a qualquer momento, é a vida toda, um jeito de viver, de amar, de se relacionar com os outros. Ele entranha-Se em nós, somos transformados não pela rama, como crosta que se desprende passado algum tempo, mas em todas as veias, é seiva que circula, vida nova, sangue que nos liga a Jesus, totalmente, para a vida toda.
       Garantida está a Sua presença, o Seu olhar, o Seu espírito de Amor, e a vida eterna. Garantida está uma vida de serviço aos outros. O maior para Jesus, o maior no reino de Deus, é o que se faz menor, o que serve os demais, como Ele que veio para servir e não para ser servido. Ou nas palavras de Santo Agostinho, “quem não vive para servir, não serve para viver”.        A disputa dos discípulos por lugares há de dar lugar à disputa pela caridade. Não devais nada uns aos outros, senão a caridade (São Paulo). Para seguir Jesus não pode haver nada que nos impeça de nos fazermos próximos uns dos outros. O homem do evangelho queria ser útil aos demais, dar um rumo novo à sua vida, preenchida com o esqueleto da Lei, dos Mandamentos, mas faltando-lhe a carne, o espírito, a alegria, um sentido de plenitude, como flor que para o ser precisa de desabrochar, mostrando a sua beleza.
       Falta alguma coisa. Ainda não está preparado para dar o salto, ainda há demasiadas coisas, demasiados bens, que o impedem de se dar aos outros e de seguir Jesus, ainda não está disposto a pegar na Sua cruz, renunciando a todo o tipo de egoísmo, ainda vive como a borboleta cómoda no seu casulo, com medo de arriscar. Seria o ponto de viragem, da comodidade da sua casa (plano material) para se tornar casa para os outros (plano espiritual e afetivo).

3 – A resposta de Jesus é também para os discípulos, de ontem e de hoje, a quem alerta com veemência: «Meus filhos, como é difícil entrar no reino de Deus! É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus».
       Uma vez mais dá-se um nó na cabeça dos discípulos, continuam a magicar qual deles tirará mais dividendos do facto de seguir o Mestre e procuram saber mais, tirando tudo a limpo: «Quem pode então salvar-se?». Fitando neles os olhos, Jesus respondeu: «Aos homens é impossível, mas não a Deus, porque a Deus tudo é possível». Pedro insiste, apresentando créditos – «Vê como nós deixámos tudo para Te seguir» – que Jesus valoriza: «Em verdade vos digo: Todo aquele que tiver deixado casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos ou terras, por minha causa e por causa do Evangelho, receberá cem vezes mais, já neste mundo, em casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e terras, juntamente com perseguições, e, no mundo futuro, a vida eterna».
       A salvação é dom gratuito, que cabe acolher, viver, aqui e agora, até à eternidade. Iniciámos no tempo presente, o que havemos de ser no encontro definitivo com Deus. Muitas coisas e muitas situações se entrepõem entre nós e Deus: dúvidas, distanciamentos, trabalho e falta dele, doenças, solidão, conflitos familiares e/ou profissionais, deceções, falta de tempo.
       O que se entrepõe entre nós e Deus também se entrepõe entre nós e o próximo. Exatamente o que aconteceu ao bem-intencionado que se dirige a Jesus para o interpelar sobre a vida eterna. Ele queria algo mais da sua vida. Jesus propõe-lhe o seguimento e serviço aos outros. Ele pensava que haveria alguma forma mágica que o salvasse do cinismo (ram-ram) da sua existência, dando-lhe um sentido novo mas sem comprometer a sua vida por inteiro, uma vestimenta que pudesse usar por cima, vestir e despir conforme a disposição, sem alterar nada da vida que tinha.

         4 – O destino do ser humano é ser feliz. É para isso que Deus nos criou. É para isso que andamos por cá. A pergunta feita a Jesus tem a ver precisamente com esta busca incessante: o que devo fazer para ser feliz, agora e no futuro? A vida eterna é o fim último que se inicia no tempo presente. A felicidade não é uma meta, mas um caminho, com muitas etapas e muitas estações, com paragens, com avanços e, por vezes, recuos.
       Em Jesus Cristo a meta está iluminada, está ao nosso alcance, já a podemos experimentar no compromisso quotidiano com os outros. Daí a importância de escutar e mastigar a palavra de Deus, que “é viva e eficaz… é capaz de discernir os pensamentos e intenções do coração… tudo está patente e descoberto a seus olhos. É a ela que devemos prestar contas”.        Não precisamos de pedir muitas coisas a Deus, peçamos o discernimento, a sabedoria, para calcorrear um chão que nos ligue aos outros. “Orei e foi-me dada a prudência; implorei e veio a mim o espírito de sabedoria. Preferi-a aos cetros e aos tronos e, em sua comparação, considerei a riqueza como nada. Não a equiparei à pedra mais preciosa, pois todo o ouro, à vista dela, não passa de um pouco de areia e, comparada com ela, a prata é considerada como lodo. Amei-a mais do que a saúde e a beleza e decidi tê-la como luz, porque o seu brilho jamais se extingue. Com ela me vieram todos os bens e, pelas suas mãos, riquezas inumeráveis”.
       Se nos ligamos aos outros, em atitude de serviço, neles encontraremos a Deus, a Quem buscamos no mais íntimo de nós mesmos.

Textos para a Eucaristia (ano B): Sab 7, 7-11; Hebr 4, 12-13; Mc 10, 17-30.