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sábado, 21 de agosto de 2021

Definições do Canalha

DEFINIÇÕES DO CANALHA, segundo José Luiz Silva, Na Calçada do Café São Luiz (1982)...


O canalha é aquele que não concorda contigo, mas diz que estás certo.
O canalha é aquele que aprova sem aprovar, que aplaude sem aplaudir, que sofre sem sofrer, que manda cartões de pêsames sentindo parabéns.
Os amigos do canalha duram o tempo da função que eles exercem.
O canalha pode ser tratado permanentemente por excelência, mas jamais será excelente.
Onde reside o canalha? Em todos os lugares, todas as situações, menos nele mesmo.
O Canalha é um sertanejo às avessas. Ele é, antes de tudo, um fraco.
O canalha engorda com a inflação.
Quem diz que o canalha dorme? Ele é um eterno vigilante. Por isso, com ele os bons não conseguem sobreviver.
Quando Jesus Cristo disse que os filhos das TREVAS são mais espertos do que os filhos da LUZ, Ele via diante de Si a multidão de canalhas querendo usufruir o poder. Lá na Palestina…
Quando um canalha mora num palácio, ele se diz pragmático.
O canalha jamais aceitará um concorrente. Ele vive de jogadas. Aliás, para ele a vida é simplesmente um jogo.
O carro preto à mão de um canalha, será o carro fúnebre do povo.
As artimanhas do canalha, muitas vezes o transformam em amado. Aí reside o grande perigo. Mussolini foi amado por algum tempo. Hitler também.
Um país está em decadência, quando não consegue distinguir quem não é canalha.
Não se preocupe com o que estou escrevendo.
O CANALHA JAMAIS SOFRE.

domingo, 17 de maio de 2020

Homilia de Bento XVI na Beatificação de João Paulo II

Amados irmãos e irmãs,

Passaram já seis anos desde o dia em que nos encontrávamos nesta Praça para celebrar o funeral do Papa João Paulo II. Então, se a tristeza pela sua perda era profunda, maior ainda se revelava a sensação de que uma graça imensa envolvia Roma e o mundo inteiro: graça esta, que era como que o fruto da vida inteira do meu amado Predecessor, especialmente do seu testemunho no sofrimento. Já naquele dia sentíamos pairar o perfume da sua santidade, tendo o Povo de Deus manifestado de muitas maneiras a sua veneração por ele. Por isso, quis que a sua Causa de Beatificação pudesse, no devido respeito pelas normas da Igreja, prosseguir com discreta celeridade. E o dia esperado chegou! Chegou depressa, porque assim aprouve ao Senhor: João Paulo II é Beato!

Desejo dirigir a minha cordial saudação a todos vós que, nesta circunstância feliz, vos reunistes, tão numerosos, aqui em Roma vindos de todos os cantos do mundo: cardeais, patriarcas das Igrejas Católicas Orientais, irmãos no episcopado e no sacerdócio, delegações oficiais, embaixadores e autoridades, pessoas consagradas e fiéis leigos; esta minha saudação estende-se também a quantos estão unidos connosco através do rádio e da televisão.

Estamos no segundo domingo de Páscoa, que o Beato João Paulo II quis intitular Domingo da Divina Misericórdia. Por isso, se escolheu esta data para a presente celebração, porque o meu Predecessor, por um desígnio providencial, entregou o seu espírito a Deus justamente ao anoitecer da vigília de tal ocorrência. Além disso, hoje tem início o mês de Maio, o mês de Maria; e neste dia celebra-se também a memória de São José operário. Todos estes elementos concorrem para enriquecer a nossa oração; servem-nos de ajuda, a nós que ainda peregrinamos no tempo e no espaço; no Céu, a festa entre os Anjos e os Santos é muito diferente! E todavia Deus é um só, e um só é Cristo Senhor que, como uma ponte, une a terra e o Céu, e neste momento sentimo-lo muito perto, sentimo-nos quase participantes da liturgia celeste.

«Felizes os que acreditam sem terem visto» (Jo 20, 29). No Evangelho de hoje, Jesus pronuncia esta bem-aventurança: a bem-aventurança da fé. Ela chama de modo particular a nossa atenção, porque estamos reunidos justamente para celebrar uma Beatificação e, mais ainda, porque o Beato hoje proclamado é um Papa, um Sucessor de Pedro, chamado a confirmar os irmãos na fé. João Paulo II é Beato pela sua forte e generosa fé apostólica. E isto traz imediatamente à memória outra bem-aventurança: «Feliz de ti, Simão, filho de Jonas, porque não foram a carne e o sangue que to revelaram, mas sim meu Pai que está nos Céus» (Mt 16, 17). O que é que o Pai celeste revelou a Simão? Que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus vivo. Por esta fé, Simão se torna «Pedro», rocha sobre a qual Jesus pode edificar a sua Igreja. A bem-aventurança eterna de João Paulo II, que a Igreja tem a alegria de proclamar hoje, está inteiramente contida nestas palavras de Cristo: «Feliz de ti, Simão» e «felizes os que acreditam sem terem visto». É a bem-aventurança da fé, cujo dom também João Paulo II recebeu de Deus Pai para a edificação da Igreja de Cristo.

Entretanto perpassa pelo nosso pensamento mais uma bem-aventurança que, no Evangelho, precede todas as outras. É a bem-aventurança da Virgem Maria, a Mãe do Redentor. A Ela, que acabava de conceber Jesus no seu ventre, diz Santa Isabel: «Bem-aventurada aquela que acreditou no cumprimento de tudo quanto lhe foi dito da parte do Senhor» (Lc 1, 45). A bem-aventurança da fé tem o seu modelo em Maria, pelo que a todos nos enche de alegria o facto de a beatificação de João Paulo II ter lugar no primeiro dia deste mês mariano, sob o olhar materno d’Aquela que, com a sua fé, sustentou a fé dos Apóstolos e não cessa de sustentar a fé dos seus sucessores, especialmente de quantos são chamados a sentar-se na cátedra de Pedro. Nas narrações da ressurreição de Cristo, Maria não aparece, mas a sua presença pressente-se em toda a parte: é a Mãe, a quem Jesus confiou cada um dos discípulos e toda a comunidade. De forma particular, notamos que a presença real e materna de Maria aparece assinalada por São João e São Lucas nos contextos que precedem tanto o Evangelho como a primeira Leitura de hoje: na narração da morte de Jesus, onde Maria aparece aos pés da Cruz (Jo 19, 25); e, no começo dos Actos dos Apóstolos, que a apresentam no meio dos discípulos reunidos em oração no Cenáculo (Act 1, 14).

Também a segunda Leitura de hoje nos fala da fé, e é justamente São Pedro que escreve, cheio de entusiasmo espiritual, indicando aos recém-baptizados as razões da sua esperança e da sua alegria. Apraz-me observar que nesta passagem, situada na parte inicial da sua Primeira Carta, Pedro exprime-se não no modo exortativo, mas indicativo. De facto, escreve: «Isto vos enche de alegria»; e acrescenta: «Vós amais Jesus Cristo sem O terdes conhecido, e, como n’Ele acreditais sem O verdes ainda, estais cheios de alegria indescritível e plena de glória, por irdes alcançar o fim da vossa fé: a salvação das vossas almas» (1 Ped 1, 6.8-9). Está tudo no indicativo, porque existe uma nova realidade, gerada pela ressurreição de Cristo, uma realidade que nos é acessível pela fé. «Esta é uma obra admirável – diz o Salmo (118, 23) – que o Senhor realizou aos nossos olhos», os olhos da fé.

Queridos irmãos e irmãs, hoje diante dos nossos olhos brilha, na plena luz de Cristo ressuscitado, a amada e venerada figura de João Paulo II. Hoje, o seu nome junta-se à série dos Santos e Beatos que ele mesmo proclamou durante os seus quase 27 anos de pontificado, lembrando com vigor a vocação universal à medida alta da vida cristã, à santidade, como afirma a Constituição conciliar Lumem gentium sobre a Igreja. Os membros do Povo de Deus – bispos, sacerdotes, diáconos, fiéis leigos, religiosos e religiosas – todos nós estamos a caminho da Pátria celeste, tendo-nos precedido a Virgem Maria, associada de modo singular e perfeito ao mistério de Cristo e da Igreja. Karol Wojtyła, primeiro como Bispo Auxiliar e depois como Arcebispo de Cracóvia, participou no Concílio Vaticano II e bem sabia que dedicar a Maria o último capítulo da Constituição sobre a Igreja significava colocar a Mãe do Redentor como imagem e modelo de santidade para todo o cristão e para a Igreja inteira. Foi esta visão teológica que o Beato João Paulo II descobriu na sua juventude, tendo-a depois conservado e aprofundado durante toda a vida; uma visão, que se resume no ícone bíblico de Cristo crucificado com Maria ao pé da Cruz. Um ícone que se encontra no Evangelho de João (19, 25-27) e está sintetizado nas armas episcopais e, depois, papais de Karol Wojtyła: uma cruz de ouro, um «M» na parte inferior direita e o lema «Totus tuus», que corresponde à conhecida frase de São Luís Maria Grignion de Monfort, na qual Karol Wojtyła encontrou um princípio fundamental para a sua vida: «Totus tuus ego sum et omnia mea tua sunt. Accipio Te in mea omnia. Praebe mihi cor tuum, Maria – Sou todo vosso e tudo o que possuo é vosso. Tomo-vos como toda a minha riqueza. Dai-me o vosso coração, ó Maria» (Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, n. 266).

No seu Testamento, o novo Beato deixou escrito: «Quando, no dia 16 de Outubro de 1978, o conclave dos cardeais escolheu João Paulo II, o Card. Stefan Wyszyński, Primaz da Polónia, disse-me: “A missão do novo Papa será a de introduzir a Igreja no Terceiro Milénio”». E acrescenta: «Desejo mais uma vez agradecer ao Espírito Santo pelo grande dom do Concílio Vaticano II, do qual me sinto devedor, juntamente com toda a Igreja e sobretudo o episcopado. Estou convencido de que será concedido ainda por muito tempo, às sucessivas gerações, haurir das riquezas que este Concílio do século XX nos prodigalizou. Como Bispo que participou no evento conciliar, desde o primeiro ao último dia, desejo confiar este grande património a todos aqueles que são, e serão, chamados a realizá-lo. Pela minha parte, agradeço ao Pastor eterno que me permitiu servir esta grandíssima causa ao longo de todos os anos do meu pontificado». E qual é esta causa? É a mesma que João Paulo II enunciou na sua primeira Missa solene, na Praça de São Pedro, com estas palavras memoráveis: «Não tenhais medo! Abri, melhor, escancarai as portas a Cristo!». Aquilo que o Papa recém-eleito pedia a todos, começou, ele mesmo, a fazê-lo: abriu a Cristo a sociedade, a cultura, os sistemas políticos e económicos, invertendo, com a força de um gigante – força que lhe vinha de Deus –, uma tendência que parecia irreversível. Com o seu testemunho de fé, de amor e de coragem apostólica, acompanhado por uma grande sensibilidade humana, este filho exemplar da Nação Polaca ajudou os cristãos de todo o mundo a não ter medo de se dizerem cristãos, de pertencerem à Igreja, de falarem do Evangelho. Numa palavra, ajudou-nos a não ter medo da verdade, porque a verdade é garantia de liberdade. Sintetizando ainda mais: deu-nos novamente a força de crer em Cristo, porque Cristo é o Redentor do homem – Redemptor hominis: foi este o tema da sua primeira Encíclica e o fio condutor de todas as outras.

Karol Wojtyła subiu ao sólio de Pedro trazendo consigo a sua reflexão profunda sobre a confrontação entre o marxismo e o cristianismo, centrada no homem. A sua mensagem foi esta: o homem é o caminho da Igreja, e Cristo é o caminho do homem. Com esta mensagem, que é a grande herança do Concílio Vaticano II e do seu «timoneiro» – o Servo de Deus Papa Paulo VI –, João Paulo II foi o guia do Povo de Deus ao cruzar o limiar do Terceiro Milénio, que ele pôde, justamente graças a Cristo, chamar «limiar da esperança». Na verdade, através do longo caminho de preparação para o Grande Jubileu, ele conferiu ao cristianismo uma renovada orientação para o futuro, o futuro de Deus, que é transcendente relativamente à história, mas incide na história. Aquela carga de esperança que de certo modo fora cedida ao marxismo e à ideologia do progresso, João Paulo II legitimamente reivindicou-a para o cristianismo, restituindo-lhe a fisionomia autêntica da esperança, que se deve viver na história com um espírito de «advento», numa existência pessoal e comunitária orientada para Cristo, plenitude do homem e realização das suas expectativas de justiça e de paz.

Por fim, quero agradecer a Deus também a experiência de colaboração pessoal que me concedeu ter longamente com o Beato Papa João Paulo II. Se antes já tinha tido possibilidades de o conhecer e estimar, desde 1982, quando me chamou a Roma como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, pude durante 23 anos permanecer junto dele crescendo sempre mais a minha veneração pela sua pessoa. O meu serviço foi sustentado pela sua profundidade espiritual, pela riqueza das suas intuições. Sempre me impressionou e edificou o exemplo da sua oração: entranhava-se no encontro com Deus, inclusive no meio das mais variadas incumbências do seu ministério. E, depois, impressionou-me o seu testemunho no sofrimento: pouco a pouco o Senhor foi-o despojando de tudo, mas permaneceu sempre uma «rocha», como Cristo o quis. A sua humildade profunda, enraizada na união íntima com Cristo, permitiu-lhe continuar a guiar a Igreja e a dar ao mundo uma mensagem ainda mais eloquente, justamente no período em que as forças físicas definhavam. Assim, realizou de maneira extraordinária a vocação de todo o sacerdote e bispo: tornar-se um só com aquele Jesus que diariamente recebe e oferece na Igreja.

Feliz és tu, amado Papa João Paulo II, porque acreditaste! Continua do Céu – nós te pedimos – a sustentar a fé do Povo de Deus. Muitas vezes, do Palácio, tu nos abençoaste nesta Praça! Hoje nós te pedimos: Santo Padre, abençoa-nos! Amen.

PAPA BENTO XVI
Vaticano, 1 de maio de 2011

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

São João XIII, Papa

Nota biográfica:
       Nasceu no dia 25 de Novembro de 1881 em Sotto il Monte, diocese e província de Bérgamo (Itália), e nesse mesmo dia foi baptizado com o nome de Angelo Giuseppe; foi o quarto de treze irmãos, nascidos numa família de camponeses e de tipo patriarcal. Ao seu tio Xavier, ele mesmo atribuirá a sua primeira e fundamental formação religiosa. O clima religioso da família e a fervorosa vida paroquial foram a primeira escola de vida cristã, que marcou a sua fisionomia espiritual.
       Ingressou no Seminário de Bérgamo, onde estudou até ao segundo ano de teologia. Ali começou a redigir os seus escritos espirituais, que depois foram recolhidos no "Diário da alma". No dia 1 de Março de 1896, o seu director espiritual admitiu-o na ordem franciscana secular, cuja regra professou a 23 de Maio de 1897.
       De 1901 a 1905 foi aluno do Pontifício Seminário Romano, graças a uma bolsa de estudos da diocese de Bérgamo. Neste tempo prestou, além disso, um ano de serviço militar. Recebeu a Ordenação sacerdotal a 10 de Agosto de 1904, em Roma, e no ano seguinte foi nomeado secretário do novo Bispo de Bérgamo, D. Giacomo Maria R. Tedeschi, acompanhando-o nas várias visitas pastorais e colaborando em múltiplas iniciativas apostólicas: sínodo, redacção do boletim diocesano, peregrinações, obras sociais. Às vezes era também professor de história eclesiástica, patrologia e apologética. Foi também Assistente da Acção Católica Feminina, colaborador no diário católico de Bérgamo e pregador muito solicitado, pela sua eloquência elegante, profunda e eficaz.
       Naqueles anos aprofundou-se no estudo de três grandes pastores: São Carlos Borromeu (de quem publicou as Actas das visitas realizadas na diocese de Bérgamo em 1575), São Francisco de Sales e o então Beato Gregório Barbarigo. Após a morte de D. Giacomo Tedeschi, em 1914, o Pade Roncalli prosseguiu o seu ministério sacerdotal dedicado ao magistério no Seminário e ao apostolado, sobretudo entre os membros das associações católicas.
       Em 1915, quando a Itália entrou em guerra, foi chamado como sargento sanitário e nomeado capelão militar dos soldados feridos que regressavam da linha de combate. No fim da guerra abriu a "Casa do estudante" e trabalhou na pastoral dos jovens estudantes. Em 1919 foi nomeado director espiritual do Seminário.
       Em 1921 teve início a segunda parte da sua vida, dedicada ao serviço da Santa Igreja. Tendo sido chamado a Roma por Bento XV como presidente nacional do Conselho das Obras Pontifícias para a Propagação da Fé, percorreu muitas dioceses da Itália organizando círculos missionários.
       Em 1925, Pio XI nomeou-o Visitador Apostólico para a Bulgária e elevou-o à dignidade episcopal da Sede titular de Areopolis.
       Tendo recebido a Ordenação episcopal a 19 de Março de 1925, em Roma, iniciou o seu ministério na Bulgária, onde permaneceu até 1935. Visitou as comunidades católicas e cultivou relações respeitosas com as demais comunidades cristãs. Actuou com grande solicitude e caridade, aliviando os sofrimentos causados pelo terremoto de 1928. Suportou em silêncio as incompreensões e dificuldades de um ministério marcado pela táctica pastoral de pequenos passos. Consolidou a sua confiança em Jesus crucificado e a sua entrega a Ele.
       Em 1935 foi nomeado Delegado Apostólico na Turquia e Grécia: era um vasto campo de trabalho. A Igreja tinha uma presença activa em muitos âmbitos da jovem república, que se estava a renovar e a organizar. Mons. Roncalli trabalhou com intensidade ao serviço dos católicos e destacou-se pela sua maneira de dialogar e pelo trato respeitoso com os ortodoxos e os muçulmanos. Quando irrompeu a segunda guerra mundial ele encontrava-se na Grécia, que ficou devastada pelos combates. Procurou dar notícias sobre os prisioneiros de guerra e salvou muitos judeus com a "permissão de trânsito" fornecida pela Delegação Apostólica. Em 1944 Pio XII nomeou-o Núncio Apostólico em Paris.
       Durante os últimos meses do conflito mundial, e uma vez restabelecida a paz, ajudou os prisioneiros de guerra e trabalhou pela normalização da vida eclesial na França. Visitou os grandes santuários franceses e participou nas festas populares e nas manifestações religiosas mais significativas. Foi um observador atento, prudente e repleto de confiança nas novas iniciativas pastorais do episcopado e do clero na França. Distinguiu-se sempre pela busca da simplicidade evangélica, inclusive nos assuntos diplomáticos mais complexos. Procurou agir sempre como sacerdote em todas as situações, animado por uma piedade sincera, que se transformava todos os dias em prolongado tempo a orar e a meditar.
       Em 1953 foi criado Cardeal e enviado a Veneza como Patriarca, realizando ali um pastoreio sábio e empreendedor e dedicando-se totalmente ao cuidado das almas, seguindo o exemplo dos seus santos predecessores: São Lourenço Giustiniani, primeiro Patriarca de Veneza, e São Pio X.
       Depois da morte de Pio XII, foi eleito Sumo Pontífice a 28 de Outubro de 1958 e assumiu o nome de João XXIII. O seu pontificado, que durou menos de cinco anos, apresentou-o ao mundo como uma autêntica imagem de bom Pastor. Manso e atento, empreendedor e corajoso, simples e cordial, praticou cristãmente as obras de misericórdia corporais e espirituais, visitando os encarcerados e os doentes, recebendo homens de todas as nações e crenças e cultivando um extraordinário sentimento de paternidade para com todos. O seu magistério foi muito apreciado, sobretudo com as Encíclicas "Pacem in terris" e "Mater et magistra".
       Convocou o Sínodo romano, instituiu uma Comissão para a revisão do Código de Direito Canónico e convocou o Concílio Ecuménico Vaticano II. Visitou muitas paróquias da Diocese de Roma, sobretudo as dos bairros mais novos. O povo viu nele um reflexo da bondade de Deus e chamou-o "o Papa da bondade". Sustentava-o um profundo espírito de oração, e a sua pessoa, iniciadora duma grande renovação na Igreja, irradiava a paz própria de quem confia sempre no Senhor. Faleceu na tarde do dia 3 de Junho de 1963.
       Foi beatificado em 3 de setembro de 2000, pelo Papa João Paulo II.
       Foi canonizado em 27 de abril de 2014, pelo Papa Francisco. Na mesma ocasião foi canonizado o Papa João Paulo II, beatificado em 1 de maio de 2011, pelo Papa Bento XVI.


Oração de coleta:
       Deus eterno e omnipotente, que no papa São João XXIII, fizestes resplandecer em todo o mundo a imagem viva de Cristo, bom pastor, concedei-nos, pela sua intercessão, a graça de difundir com alegria a plenitude da caridade cristã. Por Nosso Senhor.

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

SANTA TERESA DE CALCUTÁ, Religiosa

       Madre Teresa de Calcutá nasceu a 26 de agosto de 1910, em Skopje, na Albânia, no seio de uma família muito crente. O nome de batismo é Gonxhe Agnes (Inês) Bojaxhiu. Filiação: Nikollë Bojaxhiu (pai) e Dranafile Bernai (mãe).
       Com 18 anos foi para a Irlanda, tornando-se irmã de Nossa Senhora do Loreto, em Dublin, escolhendo então o nome religioso como homenagem a Santa Teresa de Lisieux.
       Em 1928 foi para a Índia, a fim de ensinar (geografia e religião) no colégio de St. Mary, em Entally, Calcutá, tornando-se Diretora.
       Em 1946, sente a "vocação dentro da vocação", para sair ao encontro dos mais pobres dos pobres, daqueles que ninguém quer. Pouco depois solicita ao Vaticano autorização para fundar uma nova Congregação, as Missionárias da Caridade (1951). Seguem-na antigas alunas. Começa a usar um simples sari de algodão branco com um bordado azul e muda-se para um subúrbio de barracas de Calcutá para ensinar e prestar cuidados básicos.
       Em 1952, a descoberta de uma mulher em agonia numa estrada leva-a a pressionar as autoridades da cidade para conseguir um velho edifício para acolher e tratar com dignidade os moribundos, quando os hospitais já não os querem. Seguem-se as casas para os órfãos, leprosos, doentes mentais, mães solteiras, doentes de sida.
       Em 1979, recebe o Prémio Nobel da Paz. No seu discurso de aceitação, a irmã religiosa de 1,54 metros de altura choca o seu auditório ao denunciar o aborto como “a maior força de destruição da paz hoje (…), uma morte direta pela própria mãe”.
       Madre Teresa morreu a 5 de Setembro de 1997, na casa-mãe da sua congregação em Calcutá, onde repousa num túmulo que as irmãs decoram todos os dias com uma palavra escrita com pétalas de flores. Até à sua morte entregar-se-á inteiramente a Jesus Cristo no cuidado dos mais desfavorecidos. 
       Foi beatificada por João Paulo II em 19 de outubro de 2003.
      Foi canonizada por Francisco em 4 de setembro de 2016.

       Algumas expressões sintomáticas de Santa Teresa de Calcutá:
"Pela minha missão, pertenço a todo o mundo, mas o meu coração pertence a Jesus Cristo... Quando olhamos para a cruz, compreendemos a grandeza do Seu amor. Quando olhamos para a manjedoira compreendemos a ternura do Seu amor por ti e por mim, pela tua família e por cada família... Nunca estejais tristes. Sorri, pelo menos, cinco vezes por dia. Basta um sorriso, um bom-dia, um gesto de amizade. Fazei pequenas coisas com grande amor... Muitos de vós, antes de partir, vão pedir-me autógrafos. Seria melhor que vos aproximasses de um pobre e, através dele, pudésseis encontrar o autógrafo de Cristo"
«Reza como se tudo dependesse de Deus e age como se tudo dependesse de ti... A verdadeira santidade consiste em fazer a vontade de Deus com um sorriso... É fácil sorrir às pessoas que estão fora da nossa casa. É fácil cuidar das pessoas que não se conhecem bem. É difícil ser sempre solícito e delicado e sorridente e cheio de amor em casa, com os familiares, dia após dia, especialmente quando estamos cansados e irritados. Todos nós temos momentos como estes e é precisamente então que Cristo vem ter connosco vestido de sofrimento»
«Eu sou um lápis nas mãos de Deus. Ele usa-me para escrever o que quer... Demo-nos conta que o que fazemos é apenas uma gota no oceano. Mas sem essa gota, faltaria alguma coisa no oceano. Sejamos capazes de amar uma só pessoa de cada vez, de servir uma pessoa de cada vez... Jesus é o meu tudo. A minha plenitude».
“Para mim, as nações que legalizaram o aborto são as nações mais pobres, têm medo de uma criança não nascida e a criança tem que morrer”. 
“Em todo mundo se comprova uma angústia terrível, uma espantosa fome de amor. Levemos, portanto, a oração para as nossas famílias, levemos a oração para as nossas crianças, ensinemos-lhes a rezar. Pois uma criança que ora, é uma criança feliz. Família que reza é uma família unida”
“Amai-vos uns aos outros, como Jesus ama a cada um de vós. Não tenho nada que acrescentar à mensagem que Jesus nos transmitiu. Para poder amar, é preciso ter um coração puro e é preciso rezar. O fruto da oração é o aprofundamento da fé. O fruto da fé é o amor. E o fruto do amor é o serviço ao próximo. Isso nos conduz à paz”.

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Santa Teresa Benedita da Cruz, Virgem e Mártir

Nota Biográfica:
       Edith Stein, filha de pais judeus, nasceu em Breslau no dia 12 de Outubro de 1891. O pai era comerciante de madeiras e morreu antes de Edith ter completado os 2 anos. A mãe, mulher muito religiosa, solícita e voluntariosa, assumiu todo o cuidado da família, mas não conseguiu manter nos filhos uma fé viva.
      Edith dedica-se então a uma vida de estudos na Universidade de Breslau tendo como meta a Filosofia. Os anos de estudos passam até que, no ano de 1921, Edith visita um casal convertido ao Evangelho. Na biblioteca deste casal ela encontra a autobiografia de Santa Teresa de Ávila. Edith lê o livro durante toda a noite. "Quando fechei o livro, disse para mim própria: é esta a verdade", declarou ela mais tarde.
     Tendo-se dedicado aos estudos filosóficos, empenhou-se perseverantemente na procura da verdade, até que encontrou a fé em Deus e se converteu à Igreja Católica. Foi baptizada no dia 1 de janeiro de 1922. Desde então serviu a Deus na função de professora e escritora. Agregada às irmãs carmelitas em 1933 com o nome Teresa Benedita da Cruz por ela escolhido, dedicou a sua vida ao serviço do povo judaico e do povo alemão. Deixando a Alemanha por causa da perseguição aos Judeus, foi recebida a 31 de dezembro de 1938 no convento das carmelitas de Echt (Holanda). No dia 2 de Agosto de 1942 foi presa pelas autoridades que exerciam o poder aterrador na Alemanha e enviada para o campo de concentração de Auschwitz-Birkenau (Polónia), destinado ao genocídio do povo judaico. Aí foi cruelmente morta no dia 9 de Agosto, com 51 anos de idade.
     Tinha sido discípula e depois assistente de Edmund Husserl, o fundador da fenomenologia.
       Foi beatificada a 1 de Maio de 1987, e canonizada a 11 de Outubro de 1998, pelo Papa João Paulo II. É uma das padroeiras da Europa, juntamente com Santa Brígida e Santa Catarina de Sena.
       “Como cristã e judia, ela aceitou a morte com o seu povo e para o seu povo, que era visto como o lixo da nação alemã”, referiu Bento XVI, aquando da uma visita histórica ao complexo de Auschwitz, em 2006.
Oração:
       Senhor, Deus dos nossos pais, que conduzistes a mártir Teresa Benedita ao conhecimento do vosso Filho crucificado e à sua imitação até à morte, concedei, pela sua intercessão, todos os homens conheçam o Salvador, Jesus Cristo, e por Ele cheguem perpétua visão do vosso rosto. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho,que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
Cristo tomou sobre Si o jugo da Lei, cumprindo plenamente a Lei e morrendo pela Lei e através da Lei. Assim libertou da Lei aqueles que querem receber d’Ele a vida. Mas eles sabem que só poderão recebê-la se ofereceram a sua própria vida. Porque os que foram baptizados em Cristo foram baptizados na sua morte. Submergiram-se na vida de Cristo, para se tornarem membros do seu Corpo, destinados a sofrer e morrer com Ele, mas também a ressuscitar com Ele para a vida eterna, a vida divina.
Para nós, evidentemente, esta vida atingirá a sua plenitude no Dia do Senhor. Contudo, já desde agora – «na carne» – participamos da sua vida quando acreditamos: acreditamos que Cristo morreu por nós para nos dar a sua vida. É esta fé que nos permite ser uma só realidade com Ele, como os membros com a cabeça, e nos abre a torrente da sua vida. Assim, esta fé no Crucificado – a fé viva, que está associada ao vínculo do amor – constitui para nós a entrada na vida e o princípio da futura glorificação. Por isso a cruz é o nosso único título de glória: Longe de mim gloriar-me, senão na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo. Quem decidiu aderir a Cristo morreu para o mundo e o mundo para ele. Leva no seu corpo os estigmas do Senhor. É débil e desprezado perante os homens; mas por isso mesmo é forte, porque na fraqueza se manifesta o poder de Deus.
Tendo consciência disto, o discípulo de Jesus aceita não somente a cruz que lhe é imposta, mas crucifica-se a si mesmo: os que são de Cristo crucificaram a sua carne com as suas paixões e concupiscências. Suportaram um combate implacável contra a sua natureza, a fim de que morra neles a vida do pecado e dê lugar à vida do espírito. Porque é esta que importa.
Contudo a CRUZ não é um fim em si mesma: ela eleva-nos para as alturas e revela-nos as realidades superiores. Por isso ela não é somente um símbolo; ela é a arma poderosa de Cristo; é o cajado de pastor com que o divino David sai ao encontro do David infernal e com o qual bate fortemente à porta do Céu e a abre. Então brotam as torrentes da luz divina que envolvem todos aqueles que seguem o Crucificado.
(Edith Steins Werke, ed. L. Gelber - R. Leuven, T. I, Freiburg 1983, pp. 15-16)

sexta-feira, 1 de junho de 2018

São Justino, mártir

Nota biográfica:
       Justino, filósofo e mártir, nasceu no princípio do século II, em Flavia Neapoli (Nablus), na Samaria, de família pagã. Tendo-se convertido à fé, escreveu diversas obras em defesa da religião; mas apenas se conservam as duas Apologias e o Diálogo com Trifão. Abriu uma escola em Roma, onde tinha públicas disputas. Sofreu o martírio, juntamente com seus companheiros, no tempo de Marco Aurélio, cerca do ano 163.

Oração (colecta):
       Senhor nosso Deus, que destes a São Justino, vosso mártir, a graça de encontrar na loucura da cruz a sabedoria incomparável de Jesus Cristo, concedei-nos, por sua intercessão, que, rejeitando os erros que nos rodeiam, mantenhamos sempre a firmeza da fé. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
Das Atas do martírio de São Justino e dos seus companheiros
Abracei a doutrina verdadeira dos cristãos
Aqueles homens santos foram presos e levados ao prefeito de Roma, chamado Rústico. Estando eles diante do tribunal, o prefeito Rústico disse a Justino: «Primeiramente, manifesta a tua fé nos deuses e obedece aos imperadores». Justino respondeu: «Não podemos ser acusados nem presos por obedecer aos mandamentos de Jesus Cristo, nosso Salvador».
Rústico perguntou: «Que doutrinas professas?». Justino disse: «Procurei conhecer todas as doutrinas, mas acabei por abraçar a doutrina verdadeira dos cristãos, embora ela não agrade àqueles que vivem no erro».
O prefeito Rústico inquiriu: «Que verdade é essa?». Justino explicou: «Adoramos o Deus dos cristãos, a quem consideramos como o único criador, desde o princípio, e artífice de toda a criação, das coisas visíveis e invisíveis; e adoramos o Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, de quem foi anunciado pelos Profetas que viria ao género humano como mensageiro da salvação e mestre da boa doutrina. E eu, porque sou homem e nada mais, considero insignificante tudo o que digo para exprimir a sua divindade infinita, mas reconheço o valor das profecias, que previamente anunciaram Aquele que afirmei ser o Filho de Deus. Sei que eram inspirados por Deus os Profetas que vaticinaram a sua vinda para o meio dos homens».
Rústico perguntou: «Portanto, tu és cristão?». Justino confirmou: «Sim, sou cristão».
O prefeito disse a Justino: «Ouve, tu que és tido por sábio e julgas conhecer a verdadeira doutrina: se fores flagelado e decapitado estás convencido de que subirás ao Céu?». Justino respondeu: «Espero entrar naquela morada, se tiver de sofrer o que dizes, pois sei que a todos os que viverem santamente lhes está reservada a recompensa de Deus até ao fim dos séculos».
O prefeito Rústico perguntou: «Então, tu supões que hás-de subir ao Céu, para receber algum prémio em retribuição?». Justino disse: «Não suponho, sei-o com toda a certeza».
O prefeito Rústico retorquiu: «Bem, deixemos isso e vamos à questão de que se trata, à qual não podemos fugir e é urgente. Aproximai-vos e todos juntos sacrificai aos deuses». Justino respondeu-lhe: «Não há ninguém que, sem perder a razão, abandone a piedade para cair na impiedade».
O prefeito Rústico continuou: «Se não fizerdes o que vos é mandado, sereis torturados sem compaixão». Justino disse: «Desejamos e esperamos chegar à salvação através dos tormentos que sofremos por amor de Nosso Senhor Jesus Cristo. O sofrimento garante-nos a salvação e dá-nos confiança perante o tribunal de nosso Senhor e Salvador, que é universal e mais terrível que o teu».
E os outros mártires disseram o mesmo: «Faz o que quiseres; porque nós somos cristãos e não sacrificamos aos ídolos».
O prefeito Rústico pronunciou então a sentença, dizendo: «Os que não quiseram sacrificar aos deuses e obedecer à ordem do imperador, sejam flagelados e conduzidos ao suplício, segundo as leis, para sofrerem a pena capital». Glorificando a Deus, os santos mártires saíram para o lugar do costume; e ali foram decapitados e consumaram o seu martírio, dando testemunho da fé no Salvador.

segunda-feira, 14 de maio de 2018

São Matias, Apóstolo

       "Queremos recordar aquele que depois da Páscoa foi eleito o lugar do traidor. Na Igreja de Jerusalém a comunidade propôs dois para serem sorteados: "José, de apelido Barsabás, chamado justo, e Matias" (Atos 1, 23). Foi precisamente este o pré­-escolhido, de modo que "foi associado aos onze Apóstolos" (Atos 1, 26). Dele nada mais sabemos, a não ser que também tinha sido testemunha de toda a vicissitude terrena de Jesus (cf. Atos 1, 21-22), permanecendo-lhe fiel até ao fim. À grandeza desta sua fidelidade acrescenta-se depois a chamada divina a ocupar o lugar de Judas, como para compensar a sua traição. Tiramos disto mais uma lição: mesmo se na Igreja não faltam cristãos indignos e traidores, compete a cada um de nós equilibrar o mal que eles praticam com o nosso testemunho transparente a Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador".

BENTO XVI, A Santidade não passa de moda. Editorial Franciscana. Braga: 2010.
Audiência Geral de 18 de outubro de 2006: AQUI.


Oração de coleta:
       Senhor, que escolhestes São Matias para tomar parte no ministério dos Apóstolos, concedei, por sua intercessão, que nos alegremos sempre no vosso amor e sejamos um dia contados entre os vossos eleitos. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.

sábado, 4 de novembro de 2017

São Carlos Barromeu, Bispo

Nota biográfica:
       Nasceu em Arona (Lombardia) no ano 1538; depois de ter conseguido o doutoramento In utroque iure, foi nomeado cardeal por Pio IV, seu tio, e eleito bispo de Milão. Foi um verdadeiro pastor da Igreja no exercício desta missão: visitou várias vezes toda a diocese, convocou sínodos e desenvolveu a mais intensa actividade, em todos os sectores, para a salvação das almas, promovendo por todos os meios a renovação da vida cristã. Morreu no dia 3 de Novembro de 1584.
Bento XVI sobre São carlos Barromeu:
       "Carlos Barromeu, Arcebispo de Milão. A sua figura sobressai no século XVI como modelo de Pastor exemplar pela caridade, doutrina, zelo apostólico e sobretudo pela oração: 'As almas, dizia ele, conquistam.-se de joelhos'. Consagrado Bispo com apenas 25 anos, pôs em prática quanto o Concílio de Trento ditou... fundou seminários... construiu hospitais e destinou as riquezas da família para os pobres; defendeu os direitos da Igreja contra os poderosos; renovou a vida religiosa... Em 1576, quando alastrou a peste, visitou, confortou e gastou para os doentes todos os seus bens... a ponto de ser chamado... 'Anjo dos empestados'."

Do sermão de São Carlos, bispo, no encerramento do último Sínodo, Milão 1599

Não digas uma coisa e faças outra

Confesso que todos somos fracos; mas o Senhor Deus pôs à nossa disposição os meios que, se quisermos, facilmente nos podem ajudar. Tal sacerdote desejaria adoptar a pureza de vida que lhe é exigida, ser casto e ter costumes angélicos, como é devido. Mas não se propõe lançar mãos dos meios para isso: jejuar, rezar, fugir de más conversas e de familiaridades perigosas.
Queixa-se outro sacerdote de que, ao entrar no coro para salmodiar ou ao dispor se para celebrar missa, imediatamente lhe assaltam o espírito mil coisas que o distraem de Deus. Mas, antes de ir para o coro ou para a missa, que fazia ele na sacristia, como se preparou e que meios escolheu e empregou para concentrar a atenção?
Queres que te ensine como adiantar de virtude em virtude e, se já estiveste com atenção no coro, como estarás na vez seguinte ainda mais atento, para que o teu culto de louvor seja cada vez mais agradável a Deus? Ouve o que digo. Se já se acendeu em ti alguma centelha do amor divino, não queiras manifestá-la imediatamente, não queiras expô-la ao vento. Deixa o forno fechado, para não arrefecer e perder o calor. Evita as distrações na medida do possível. Conserva te recolhido com Deus e foge das conversas frívolas.
É tua missão pregar e ensinar? Estuda e consagra-te a quanto é necessário para desempenhar devidamente esse ministério. Procura, antes de tudo, pregar com a tua própria vida e os teus costumes, para não acontecer que, vendo te dizer uma coisa e fazer outra, comecem a menear a cabeça e a troçar das tuas palavras.
Exerces a cura de almas? Não descures então o cuidado de ti próprio, para não te dares tão desinteressadamente aos demais que nada reserves para ti. Sem dúvida, é necessário que te lembres das almas que diriges, mas desde que te não esqueças de ti.
Compreendei, irmãos, que nada é tão necessário para todos os clérigos como a oração mental, que precede, acompanha e segue todas as nossas orações. Cantarei, diz o profeta, e meditarei. Se administras sacramentos, irmão, medita no que fazes; se celebras missa, pensa no que ofereces; se cantas no coro, considera a quem falas e o que dizes; se diriges almas, medita em que sangue foram purificadas. Tudo entre vós se faça com espírito de caridade. Assim poderemos vencer facilmente as inumeráveis dificuldades que inevitavelmente encontramos cada dia (formam parte do nosso ministério). Assim teremos força para fazer nascer Cristo em nós e nos outros.
Oração de Colecta:
       Conservai, Senhor, no vosso povo o espírito que animava São Carlos, para que a Igreja se renove sem cessar e, reproduzindo fielmente a imagem de Cristo, possa mostrar ao mundo o verdadeiro rosto do vosso Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
BENTO XVI, A santidade não passa de moda. Editorial Franciscana: 2010.

sábado, 15 de julho de 2017

São Boaventura, Bispo e doutor da Igreja

Nota biográfica:
       Nasceu aproximadamente no ano 1218 em Bagnoregio, na Etrúria; estudou filosofia e teologia em Paris e a seguir ensinou as mesmas disciplinas, com grande aproveitamento, aos seus irmãos da Ordem dos Frades Menores. Foi eleito Ministro Geral da sua Ordem, cargo que exerceu com prudência e sabedoria. Foi nomeado cardeal bispo de Albano e morreu em Lião no ano 1274. Escreveu muitas obras filosóficas e teológicas.

Oração (de colecta):
       Concedei-nos, Deus todo-poderoso, que, celebrando hoje a memória de São Boaventura, aproveitemos a riqueza dos seus ensinamentos e imitemos a sua ardente caridade. Por Nosso Senhor...

A MAIOR DAS CAPACIDADES: AMAR

       «Certa vez, Frei Egídio (um dos companheiros mais queridos de S. Francisco), homem muito simples e piedoso, falou assim ao Ministro General, Frei Boaventura (+ 1274), um dos maiores teólogos da Igreja.
       - Meu Pai, Deus deu-lhe muitos dotes. Eu, pessoalmente, não recebi grandes talentos. O que devemos nós, ignorantes e tolos, fazer para sermos salvos?
       O douto e santo Frei Boaventura elucidou-o dizendo:
       - Se Deus não desse ao homem nenhuma outra capacidade senão a de amar, isto lhe bastaria para se salvar.
       - Quer dizer que um ignorante, pode amar a Deus tanto como um sábio?, perguntou Frei Egídio, tentando entender.
       - Mesmo uma velhinha muito ignorante, disse-lhe com ternura o grande teólogo, pode amar mais a Deus do que um professor de Teologia.
       Dando pulos de alegria, Frei Egídio correu para a sacada do convento e começou a gritar:
       - Ó velhinha ignorante e rude, tu que amas a Deus Nosso Senhor, podes amá-l`O mais do que o grande teólogo Frei Boaventura.
       E, comovido, ficou ali, imóvel, durante três horas.»

(Pe. Neylor J. Tonin, em "Histórias de Sabedoria"), in Abrigo dos Sábios.

São Boaventura, bispo: «Itinerário da alma para Deus»

À sabedoria mística revelada pelo Espírito Santo

Cristo é o caminho e a porta. Cristo é a escada e o veículo; o propiciatório colocado sobre a arca de Deus e o sacramento escondido desde os séculos. Quem olha para este propiciatório, de rosto plenamente voltado para ele, contemplando-o suspenso na cruz, com fé, esperança e caridade, com devoção, admiração e alegria, com veneração, louvor e júbilo, realiza com Ele a Páscoa, isto é, a passagem. E assim, por meio da vara da cruz atravessa o Mar Vermelho, saindo do Egipto e entrando no deserto, onde saboreia o maná escondido. Descansa também no túmulo com Cristo, parecendo exteriormente morto, mas sentindo, quanto lhe é possível no estado de viador, aquilo que na cruz foi dito ao ladrão que aderiu a Cristo: Hoje estarás comigo no paraíso.
Nesta passagem, se for perfeita, é necessário que se deixem todas as operações intelectivas e que o ápice mais sublime do amor seja transferido e transformado totalmente em Deus. Isto porém é uma realidade mística e ocultíssima, que ninguém conhece a não ser quem recebe, nem ninguém recebe senão quem deseja, nem deseja senão aquele que é inflamado, até à medula da alma, pelo fogo do Espírito Santo, que Cristo enviou à terra. Por isso diz o Apóstolo que esta sabedoria mística é revelada pelo Espírito Santo.
Se pretendes saber como isto sucede, interroga a graça e não a ciência, a aspiração profunda e não a inteligência, o gemido da oração e não o estudo dos livros, o esposo e não o professor, Deus e não o homem, a nuvem e não a claridade. Não interrogues a luz, mas o fogo que tudo inflama e transfere para Deus, com unção suavíssima e ardentíssimos afectos. Esse fogo é Deus; a sua fornalha está em Jerusalém. Cristo acendeu-o na chama da sua ardentíssima paixão. Só verdadeiramente o recebe quem diz: A minha alma preferia o estrangulamento, e os meus ossos a morte. Quem ama esta morte pode ver a Deus, porque é indubitavelmente verdade que nenhum homem poderá ver-Me e continuar a viver.
Morramos, pois, e entremos nessa nuvem; imponhamos silêncio às preocupações terrenas, paixões e imaginações; passemos, com Cristo crucificado, deste mundo para o Pai, a fim de que, ao manifestar-se-nos o Pai, digamos com o apóstolo Filipe: Isto nos basta; e ouçamos com São Paulo: Basta-te a minha graça; e exultemos com David, exclamando: Desfalece a minha carne e o meu coração: Deus é o meu refúgio e a minha herança para sempre. Bendito seja o Senhor para sempre. E todo o povo diga: Amen. Amen.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

VL – Largar a pele da serpente, revestir-se de Cristo

       Quem tem familiaridade com o campo é possível que, por mais de uma vez, tenha encontrado a pele de uma cobra. Por vezes a pele encontra-se quase inteira, como se de repente a cobra despisse uma camisa e vestisse outra. A pele das cobras é constituída por escamas. Mudam de pele periodicamente. Uma das finalidades desta muda será remoção dos parasitas. Outra explicação plausível é que as cobras crescem constantemente e precisam de largar a pele que as aprisiona e limita por uma nova pele, maior, que as liberta para continuarem a crescerem.
       A Quaresma encaminha-nos e prepara-nos para a Páscoa, vida nova, luz e salvação, a vastidão do Céu chega para toda a humanidade. Neste caminho somos desafiados à renúncia, à penitência. É um tempo de conversão e de esperança. É caminho (pessoal e comunitário) mas já iluminado pela ressurreição de Jesus. A mudança de vida é uma constante na vida do discípulo de Jesus Cristo. Fomos batizados na água e no Espírito Santo, tornamo-nos novas criaturas. A vida toda é esta configuração à nossa origem batismal.
       Um dos ritos do batismo é o da veste branca. “Agora és nova criatura e estás revestido de Cristo. Esta veste branca seja para ti símbolo da dignidade cristã”. Se voltarmos ao exemplo da renovação da pele na cobra, também esta veste nos reveste por inteiro. A cobra cresce e precisa de mudar de pele, libertando-se. Nós crescemos desde o batismo, precisamos de viver numa tensão permanente para fazer com que a nossa vida nos faça crescer na santidade, afeiçoando-nos a Cristo, isto é, adotando as feições de Cristo, ficando parecidos com Ele. Qual é a nossa pele antiga que nos aprisiona? Tudo o que nos impede de transparecer e testemunhar Jesus. Tudo o que nos afasta dos outros, o nosso egoísmo, o orgulho, a sobranceria, a avareza, a prepotência a inveja, o endeusamento do nosso ego.
        Mas alguém poderá perguntar: se é só a pele que muda então nada muda interiormente? Se nos fixarmos no exemplo da cobra talvez tenhamos alguma razão. Contudo, o desprendimento da pele velha expressa o seu crescimento e, portanto, todo o corpo da cobra cresce, além de se libertar dos parasitas. Como cristãos revestimo-nos de Cristo para que toda a nossa vida se transforme, libertando-nos dos parasitas que nos impedem de ser imagem e semelhança de Deus, rosto e presença de Jesus Cristo para as pessoas do nosso tempo.

Publicado na Voz de Lamego, n.º 4404, de 21 de março de 2017

VL – Eu Sou o Caminho que vos conduz ao Pai – 2

       O Cardeal Joseph Ratzinger (Bento XVI), há uma vintena de anos, sublinhava que para o reino de Deus há tantos caminhos quantas as pessoas, o que obviamente não anula o facto de Jesus ser o Caminho, a Verdade e a Vida (cf. Jo 14, 6). Com efeito, o meu caminho, o teu caminho, há de levar-nos a Jesus, há de levar-nos ao Pai. Sendo assim, quanto mais perto eu estiver de Jesus e quanto mais perto tu estiveres de Jesus, mais perto vamos estar um do outro. E se estamos próximos poderemos apoiar-nos mutuamente, ajudar-nos, incentivar-nos quando um de nós estiver a fraquejar.
       A Quaresma é reconhecidamente tempo de conversão e de penitência, tempo de esperança e de mudança de vida. É caminho de santidade, de aperfeiçoamento, ou seja, caminho de humanização. Preparamo-nos ao longo de toda a vida para entrarmos na morada eterna no Pai. Caminhamos mas não sozinhos. Seguem connosco todos os que Deus colocou à nossa beira e que coincidem connosco no tempo e no espaço. Mas também nos acompanham os santos, aqueles que vieram antes de nós e nos ensinaram, imitando Jesus, o caminho da docilidade, da bondade, do serviço à pessoa e à humanidade e, agora junto de Deus, atraem-nos e desafiam a viver no bem que nos irmana. Com a ajuda de Deus e dos irmãos eles chegaram lá, nós também havemos de lá chegar. E o caminho começa AGORA na nossa vida diária.
       No Reino de Deus não há excluídos (à partida), todos fomos criados por amor, para vivermos em abundância e sermos felizes (=santos). Por conseguinte, estamos "condenados" a aproximar-nos uns dos outros. Na verdade, diz-nos Jesus, Deus é Pai de todos e «faz nascer o sol sobre bons e maus e chover sobre justos e injustos» (Mt 5, 45). A bênção recai sobre todos. Temos afinidades, mas nem por isso estamos dispensados de amarmos até os nossos inimigos, os que nos são indiferentes, os que desprezamos. Aliás, questiona Jesus, que vantagem haveria em amar aqueles que nos amam? Isso todos podem fazer. Os discípulos de Jesus são desafiados ao máximo. E o máximo é Deus. «Portanto, sede perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito» (Mt 5, 48).
       A vinda de Jesus ao mundo, Deus que Se faz Homem, tem como missão reconciliar-nos uns com os outros e com Deus. Pelo mistério da Sua morte e da Sua ressurreição, Jesus resgata-nos das trevas, do pecado e da morte, para nos reconduzir ao Coração do Pai.

Publicado na Voz de Lamego, n.º 4402, de 7 de março de 2017

quarta-feira, 8 de março de 2017

São João de Deus, religioso

       João Cidade, mais tarde João de Deus, nascido, em Montemor-o-Novo, por volta de 1495 falecido, em Granada, em 1550.
       Foi para Espanha com 8 anos para uma vida de aventura, tendo sido pastor em Oropesa, por duas vezes, e outras tantas soldado.
       Após algum tempo a trabalhar nas muralhas de Ceuta, prodigalizando-se a socorrer uma família aristocrata ali exilada, foi livreiro ambulante no Sul de Espanha, fixando-se em Granada, em 1537.
       Por volta do ano de 1538 converteu-se a uma vida cristã radical ao ouvir um sermão de São João de Ávila. Abraçou, com muita emoção, comportamentos penitenciais que alguns interpretaram como loucura, levando-o a ser internado no Hospital Real de Granada, onde foi tratado com os métodos violentos da época.
       A experiência de ver tratar tão mal os loucos do Hospital Real maturou o desejo de os vir a tratar com humanidade. Após peregrinação a Guadalupe, dedicou-se a assistir pobres e doentes sem abrigo. Contra todas as práticas da época passou a assisti-los num pequeno hospital na Rua Lucena, o qual, por se tornar pequeno para os 120 doentes e pobres, teve que mudar para outro edifício, em que pôde assistir 200 internados.
       Eram hospitais não apenas para assistência mas para tratamentos. Tinham médico, boticário (farmacêutico), enfermeiros e capelães. O Hospital de São João de Deus, por dispor deste corpo de profissionais, pela separação dos doentes por doenças e pela atribuição de uma cama por doente, é justamente considerado um hospital moderno.
       Juntaram-se-lhe alguns companheiros de hábito, que formaram o núcleo fundador da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus. Sisto V, em 1 de outubro de 1586, aprovou a congregação como Ordem Mendicante, apesar de ser formada por irmãos leigos. Ainda no final do séc. XVI os Hospitaleiros começaram rapidamente a difundir-se pelas cidades de Andaluzia chegando até Madrid.
       São João de Deus é proclamado, em 27 de maio de 1886, em conjunto com São Camilo de Lélis, patrono dos doentes e seus hospitais e, em 28 de agosto de 1930, igualmente com São Camilo de Lélis, patrono dos enfermeiros e suas associações.
       A Ordem está hoje presente em 50 países dos cinco continentes, com cerca de 300 hospitais e obras assistenciais.
       São João de Deus, que a Igreja evoca a 8 de março, foi beatificado em 1630 e canonizado em 1690.

Oração de coleta: 
       Senhor, que infundistes no coração de São João de Deus um grande espírito de caridade, concedei-nos que, praticando as obras de misericórdia, mereçamos ser recebidos entre os eleitos no reino da glória. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.

São João de Deus, religioso 

Cristo é fiel e tudo provê 

Se consideramos atentamente a misericórdia de Deus, nunca deixaremos de fazer o bem de que formos capazes: com efeito, se damos aos pobres por amor de Deus aquilo que Ele próprio nos dá, Ele promete-nos o cêntuplo na felicidade eterna. Feliz pagamento, ditoso lucro! Quem não dará a este bendito mercador tudo o que possui, se Ele procura o nosso interesse e, com os braços abertos, insistentemente pede que nos convertamos a Ele, que choremos os nossos pecados e tenhamos caridade para com as nossas almas e para com o próximo? Porque assim como o fogo apaga a água, assim a caridade apaga o pecado.
Vêm aqui tantos pobres, que até eu me espanto como é possível sustentar a todos; mas Jesus Cristo a tudo provê e a todos alimenta. Vêm muitos pobres à casa de Deus, porque a cidade de Granada é muito fria, e mais agora que estamos no Inverno. Entre todos – doentes e sãos, gente de serviço e peregrinos – há aqui mais de cento e dez pessoas. Como esta casa é geral, recebe doentes de todos os géneros e condições: tolhidos, mancos, leprosos, mudos, dementes, paralíticos, tinhosos, alguns já muito velhos e outros muito crianças ainda, e por cima disto muitos peregrinos e viajantes, que cá chegam e aqui encontram lume, água, sal e vasilhas para cozinhar os alimentos. E para tudo isto não se recebe renda especial, mas Cristo a tudo provê.
Desta maneira estou aqui muito empenhado e prisioneiro por amor de Jesus Cristo. Vendo-me tão carregado de dívidas que já mal me atrevo a sair de casa, e vendo tantos pobres, irmãos e próximos meus, sofrerem para além das suas forças e serem oprimidos por tantos infortúnios no corpo ou na alma, sinto profunda tristeza por não poder socorrê-los, mas confio em Cristo, que conhece o meu coração. Por isso digo: maldito o homem que confia nos homens e não em Cristo somente; porque dos homens hás-de ser separado, queiras ou não queiras; mas Cristo é fiel e permanece para sempre, Cristo tudo provê. A Ele se dêem graças para sempre. Ámen.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Santo Hilário de Poitiers, Bispo e Doutor da Igreja

Nota biográfica:
       Nasceu em Poitiers, no princípio do século IV. Eleito bispo da sua cidade natal cerca do ano 350, combateu valorosamente a heresia dos arianos e foi exilado pelo imperador Constâncio. Escreveu várias obras cheias de sabedoria e doutrina, para defender a fé católica e interpretar a Sagrada Escritura. Morreu no ano 367.
Oração de coleta:
       Concedei-nos, Deus todo-poderoso, a graça de conhecer e proclamar a verdadeira fé na divindade do vosso Filho, que o bispo Santo Hilário defendeu com tão admirável fortaleza e sabedoria. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
Santo Hilário, bispo, sobre a Trindade

Pregando-Vos, Vos servirei

Eu estou bem consciente, Deus Pai Omnipotente, de que a Vós devo consagrar a mais importante tarefa da minha vida, de modo que todas as minhas palavras e todos os meus pensamentos falem de Vós.
O exercício da palavra que me concedestes não pode ter recompensa maior que a de Vos servir pregando-Vos, e demonstrar ao mundo que o ignora, ou ao herege que o nega, que sois Pai, isto é, o Pai do Deus Unigénito.
Embora seja esta a minha única intenção, é necessário para isso invocar o auxílio da vossa misericórdia, para que, desfraldando nós a vela da nossa confissão de fé, a enchais com o sopro do vosso Espírito e nos guieis pela rota da pregação que iniciámos. Não nos há de faltar Aquele que prometeu: Pedi e recebereis, procurai e achareis; batei à porta e abrir-se-vos-á.
Somos pobres, e por isso Vos pedimos o que nos falta; perscrutamos com esforço diligente as palavras dos vossos Profetas e Apóstolos e chamamos com insistência para que se nos abram as portas do conhecimento da verdade; mas é de Vós que depende conceder o que se pede, estar presente quando se procura, abrir a quem bate à porta.
Quando se trata de compreender as verdades que se referem a Vós, vemo-nos impedidos por um certo entorpecimento preguiçoso da nossa natureza e sentimo-nos limitados pela nossa inevitável ignorância e debilidade; mas o estudo da vossa doutrina nos dispõe para o sentido das realidades divinas e a submissão da fé nos leva a superar o nosso conhecimento natural.
Esperamos portanto que façais progredir o nosso tímido esforço inicial, que consolideis o seu desenvolvimento crescente e o leveis à união com o espírito dos Profetas e dos Apóstolos, para que compreendamos o sentido exacto das suas palavras e interpretemos o seu verdadeiro significado.
Vamos falar do que eles pregaram no sacramento: que Vós sois o Deus eterno, Pai do Unigénito Deus eterno; que só Vós sois sem nascimento; e que há um só Senhor Jesus Cristo, que de Vós procede por nascimento eterno; não afirmamos que Ele seja outro deus diverso de Vós, mas proclamamos que foi gerado de Vós que sois o único Deus; e confessamos que Ele é Deus verdadeiro, nascido de Vós que sois verdadeiro Deus e Pai.
Abri-nos, portanto, o significado autêntico das palavras, dai-nos a luz da inteligência, a perfeição da linguagem, a verdadeira fé. Fazei que sejamos capazes de exprimir a nossa fé: que Vós sois o único Deus Pai e que há um só Senhor Jesus Cristo, segundo o que nos transmitiram os Profetas e os Apóstolos. E contra os hereges que o negam, fazei que saibamos afirmar que Vós sois Deus com o Filho e que proclamemos sem erro a sua divindade.

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

VL – Vocação universal à felicidade

       Desde a mais tenra idade que cada um de nós procura realizar-se como pessoa, chamando a atenção dos outros, primeiro dos adultos, enquanto crianças, adolescentes e jovens e, depois, sendo mais idosos, de toda a gente e especialmente dos mais novos. Precisamos de atenção, de cuidado e carinho, ao longo de toda a vida. Precisamos de ser vistos e reconhecidos e que nos tratem pelo nome próprio – a melhor música para os nossos ouvidos – e não apenas por um apelido ou por um título profissional. Queremos a atenção dos outros. Queremos sentir-nos amados, especiais, únicos. É um desejo inscrito no coração, no nosso ADN.
       Uma pessoa indisposta o tempo todo também quer sentir-se bem, também quer ser feliz. Mas por qualquer motivo, um desgosto, o feitio, ou porque só dessa forma se sente capaz de chamar a atenção dos outros, assume uma atitude de azedume ou de prepotência. No final, como dizemos dos adolescentes mais indisciplinados ou mais ativos, o que quer mesmo é chamar a atenção de alguém, ainda que o faça da pior maneira, já que destrói a amizade e os laços de proximidade.
       Como nos lembrava um professor do Seminário, não importa que falem bem ou mal de ti, importa é que falem de ti. Se falam mal já estão a dar-te importância, já contas para eles. Obviamente que quem não se sente não é filho de boa gente e ninguém quer ouvir dizer mal de si próprio. Mas entre dizerem mal e não dizerem nada…. Mais vale que digam alguma coisa!
       A felicidade que procuramos leva-nos a melhorar a nossa relação com os outros, procurando ser amados e reconhecidos. Por outras palavras, procuramos ser bem-sucedidos. Numa linguagem mais religiosa, o aperfeiçoamento da nossa vida, para nos tornarmos perfeitos como Deus Pai é perfeito. Não uma perfeição que distancia, um perfeccionismo viciante, mas uma perfeição que ama, que promove os outros, servindo-os e cuidando deles. É a vocação universal à santidade. A primeira vocação do cristão é seguir Jesus. Segui-l’O imitando-O, assimilando a Sua postura de vida, dando-Se por inteiro a favor dos outros. A santidade é transmutável com a felicidade. Daí se dizer que os santos já se encontram na bem-aventurança (= felicidade) eterna.
       A santidade não é póstuma. Póstuma apenas a declaração e o reconhecimento da santidade em vida. Com todos os que Deus colocou à nossa beira, começamos, aqui e agora, o trajeto da santidade, começamos a ser felizes, como caminho de realização que nos salva…

Publicado na Voz de Lamego, n.º 4385, de 1 de novembro de 2016

VL: Queria que a Mãe morresse… para ir para o Céu – 2

       A afirmação inocente de Santa Teresinha será o seu modo de agir. É o seu desejo para consumar o encontro definitivo com Jesus Cristo. Aos 15 anos entra para o convento, por sua insistência, para viver uma vida inteiramente dedicada a Jesus, à oração, à contemplação.
       Quer ser santa. E tudo o que faz, o trabalho mais humilde, a paciência com os outros, o sofrimento em silêncio, a aceitação da zombaria por parte de outras irmãs, a oração e o tempo de recreio, em tudo procura ser agradável a Jesus Cristo, o Seu único Esposo, bem-amado, com Quem se quer em definitivo na eternidade.
       Não é caso único. Santa Teresinha tem a vida resolvida. Quer viva quer morra será para glória de Deus. Quer ir para o Céu, mas se for melhor permanecer viva, então aceita, pois dessa forma ajudar outros a encontrar-se com Jesus.
       O Apóstolo São Paulo, o maior missionário de todos os tempos, vive a mesma dualidade. A identificação a Jesus – «Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim» (Gál 2, 20) – deixam-no pronto para ascender à glória de Deus Pai. Todavia, o mais importante será cumprir a vontade de Deus: “Cristo será engrandecido no meu corpo, quer pela vida quer pela morte. É que, para mim, viver é Cristo e morrer, um lucro. Se, entretanto, eu viver corporalmente, isso permitirá que dê fruto a obra que realizo. Que escolher então? Não sei. Estou pressionado dos dois lados: tenho o desejo de partir e estar com Cristo, já que isso seria muitíssimo melhor; mas continuar a viver é mais necessário por causa de vós. E é confiado nisto que eu sei que ficarei e continuarei junto de todos vós, para o progresso e a alegria da vossa fé, a fim de que a glória, que tendes em Cristo Jesus por meio de mim, aumente com a minha presença de novo junto de vós” (Fil 1, 19-26).
       Noutra missiva, o Apóstolo reafirma o mesmo dilema: “Permanecendo neste corpo, vivemos exilados, longe do Senhor, pois caminhamos pela fé e não pela visão... Cheios dessa confiança, preferimos exilar-nos do corpo, para irmos morar junto do Senhor. Por isso também, quer permaneçamos na nossa morada, quer a deixemos, esforçamo-nos por lhe agradar” (2 Cor 6-9). 
       Mas outros santos tinham o mesmo desejo e o mesmo compromisso. Santa Fustina de Kowalska, Santo Inácio de Antioquia, Santa Eufémia de Calcedónia… Viver u morrer para glória e louvor de Deus Pai!

Publicado na Voz de Lamego, n.º 4387, de 15 de novembro de 2016

VL: Queria que a Mãe morresse… para ir para o Céu – 1

       No Arciprestado de Moimenta da Beira – Sernancelhe - Tabuaço, procurando responder ao Plano Pastoral da Diocese de Lamego, sob o lema “Ide e anunciai o Evangelho a toda a criatura” (Mc 16, 15), proposto, fundamentado e refletido por D. António Couto na Carta Pastoral dirigida a toda a Diocese, acolhemos uma iniciativa pastoral – “Um santo missionário por mês”.
       No Jubileu da Misericórdia havia um conjunto de santos mais ligados, pelas palavras e pelos gestos, à misericórdia e que nos ajudavam a viver a fé e a vida sob o prisma da misericórdia, da compaixão e da ternura, testemunhando e transparecendo a misericórdia divina. Quando nos centramos numa dinâmica missionária, como tem sido ao longo dos últimos anos na nossa Diocese, com a referência e convite permanentes “Ide”, há santos cuja vida visualiza a pressa em levar o Evangelho a toda a parte, a todas as pessoas.
       Desta feita, em 2016-2017, a missão evangelizadora alarga-se e aprofunda-se: “todos, tudo, sempre, em toda a parte”. Em diversas paróquias do Arciprestado, a oportunidade de nos deixarmos envolver com o testemunho de santos missionários como Santa Teresa do Menino Jesus (outubro) e São Francisco Xavier (novembro), Padroeiros das Missões; Santa Faustina de Kowalska (dezembro), missionária da misericórdia ou Santa Teresa De Calcutá, missionária da caridade.
       Em épocas distantes, em ambientes diferentes, em dinâmicas variadas, os santos missionários permitem-nos ver como é possível viver a santidade em casa, num convento, indo ao encontro dos outros, na família, no meio dos jovens, na prática da caridade, na oração.
       Nesta dinâmica pastoral, a entrega de uma pagela com o santo missionário do mês, com uma tarefa para o mês que pode passar por um pai-nosso pelas missões, uma oração, a prática de uma das obras de misericórdia, levar um convite e/ou mensagem ao vizinho, visitar um doente individualmente ou em grupo. Desdobráveis, boletins paroquiais ou dominicais, escolas da fé, para aprofundar o conhecimento sobre o respetivo santo missionário, procurando, pelo sua intercessão e pelo seu testemunho, assumir a mesma paixão missionária de viver o Evangelho, levando-o a todos.
       Na Paróquia de Tabuaço, na primeira sessão da escola da fé, desta iniciativa pastoral, o responsável arciprestal, reverendo Pe. Giroto, acerca de Santa Teresa do Menino Jesus e como provocação inicial, apresentou-nos um pedaço de um filme, em que Teresa ainda menina diz à Mãe que quer que ela morra. Ao porquê, responde que, segundo lhe disse a própria Mãe, só morrendo a Mãe poderá ir para o Céu.

Publicado na Voz de Lamego, n.º 4386, de 8 de novembro de 2016

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Solenidade de Todos os Santos - 1 . novembro . 2016

       1 – Quando alguém espirra é comum dizer-se-lhe "santinho". Outras expressões também conhecidas: "viva", "saúde", "com Jesus Cristo cresças". Durante a peste negra quando alguém espirrava era, na maioria dos casos, o último suspiro. Desejar saúde ou vida ou felicidade era uma forma de encorajamento. Ou "santinho", pois deveria ser santo e estar nas graças de Deus para sobreviver ao espirro da morte. A resposta mais comum: "não sou". É como se fosse algo de impossível, acessível a uns poucos; outras vezes dá a sensação que ser santinho é ter uma vida insossa, direitinha, sem chama nem fogo, sem prazer nem entusiasmo.
       Os últimos Papas têm reconhecido a santidade em pessoas (ditas) normais. Havia a clara noção que para se ser santo ou se era mártir ou tinha que se viver num convento ou num mosteiro, longe das tentações do mundo e das preocupações próprias do quotidiano. Havia ainda a ideia que a santidade estava ligada à virgindade imaculada e, nesse propósito, uma pessoa casada estava fora dos eleitos à santidade. Lembro-me de na minha infância ouvir uma conversa sobre este tema, notando-se, o que só muito mais tarde percebi, a ideia que o casamento tinha algo de pecaminoso.
       O reconhecimento da santidade na vida familiar e o reconhecimento do casal como testemunhos de santidade, por exemplo, os pais de Santa Teresa do Menino, de jovens ou adultos, de um surfista ou uma médica, garante-nos que a santidade é possível. E não apenas, é também desejável. Ser santo é ser feliz, bem-aventurado, capaz de assumir a sua identidade primeira, amar e acolher o amor do outro, porque primeiro Deus nos amou.
       2 – Há pessoas à nossa volta que pela simplicidade de vida, pela alegria que irradiam, pelo bem que fazem, pela paz que comunicam, pela disponibilidade com que ajudam os outros, pela prontidão com que se dão, transparecem o sorriso e a misericórdia de Deus.
       Um dos primeiros aspetos sublinhados pelo nosso Bispo, D. António Couto, na Carta Pastoral para o ano de 2016-2017, é a necessidade e a urgência dos cristãos serem transparência e testemunhas de Jesus Cristo. Discípulos missionários e não apenas animadores ou transmissores do Evangelho. A identidade do cristão passa por viver em Cristo, alimentando-se da Sua Palavra e dos Sacramentos pelos quais Ele continua a agir no nosso mundo, cuidando d'Ele na pessoa dos mais necessitados de pão e de amor.
       A santidade de vida começa no tempo presente. Não apenas na hora da morte ou na eternidade. É aqui que nos preparamos, nos treinamos e iniciamos a vida como ressuscitados em Jesus Cristo, a partir do Sacramento do Batismo. Mergulhamos na Sua morte, para com Ele ressuscitarmos e vivermos como ressuscitados.
       São João na sua primeira missiva sublinha isso mesmo: "Caríssimos, agora somos filhos de Deus e ainda não se manifestou o que havemos de ser. Mas sabemos que, na altura em que se manifestar, seremos semelhantes a Deus, porque O veremos tal como Ele é. Todo aquele que tem n’Ele esta esperança purifica-se a si mesmo, para ser puro, como Ele é puro".
       Se vivemos já a esperança da ressurreição futura, onde seremos semelhantes a Ele, é tempo de nos purificarmos, isto é, de vivermos assumindo os Seus passos, o Seu mandato: "Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei".

       3 – A vivência do Evangelho, o seguimento de Jesus Cristo, não é coisa do passado, não é para um grupo de elite ou para uma geração de pessoas mais idosas. É para todos, em todo o tempo, em toda a parte. É possível que no passado as comunidades dessem a ideia de uma maior vivência do cristianismo, mas sabemos também que muitas vezes era pelo medo infligido, pela superstição, pela imposição social, pois todos iam à Missa, todos se confessavam pelo menos na "desobriga", todos comungavam ao menos uma vez ao ano, todos casavam pela Igreja e se alguém não ia e não seguia o padrão era olhado de lado e falado abertamente.
       As comunidades cristãs estão mais frágeis? Talvez. Não há tanta regularidade? É possível.
       Por um lado, o compromisso com a comunidade parece mais esbatido e menos "obrigatório", correspondendo à tendência cultural e social do tempo. Primeiro há que atender às necessidades pessoais, resolver os problemas caseiros e a vida em família, tratar da profissão e, então e se ainda houver tempo, vamos à Missa ou a outras atividades pastorais que a Igreja proponha. Esquecemos que também somos Igreja, somos membros deste Corpo de Cristo, onde todos somos necessários e onde a falta de um prejudica todo o corpo.
       Por outro lado, os que estão, estão mais conscientemente, sem tantos medos ou preconceitos ou pressões culturais, familiares ou sociais. Vão porque acham importante, porque se sentem bem, porque tomaram consciência da sua pertença à comunidade paroquial. Isto não significa que os pais, a família não deva incentivar os filhos e, num primeiro momento, como para a escola, não devam levá-los com eles. Pelo contrário, quando maior a consciência da pertença à comunidade, mais responsabilidade. Há pais que nunca deixam de ir, de participar. Mães que levam os filhos na barriga, ao colo, pela mão... mais tarde será mais fácil os filhos irem pelo próprio pé. Se os pais não arranjam desculpas fáceis para não ir, mas vão a todo o custo, deixando outros afazeres, é possível que os filhos tomem consciência do quão importante é a fé e a vida em comunidade.
       4 – Não é fácil ser cristão. Ser cristão não é para as elites, não é para um grupo de puros, já santos, já convertidos. Ser cristão implica-nos por inteiro, em todas as situações. Não somos cristãos apenas quando nos apetece, quando dá jeito. Mas o tempo todo. O sacramento do Batismo é indelével, isto é, transforma-nos em novas criaturas para Jesus Cristo e, com Ele e n'Ele, a favor dos outros. Estamos todos a caminho, com as nossas fragilidades, com o nosso pecado, confiando sempre na misericórdia de Deus e na Sua complacência para connosco. Por isso nos dá Jesus, o Seu Amado Filho, que Se mistura connosco e nos ensina a caminhar para o Pai, confiando, colocando o nosso olhar, o nosso coração e a nossa vida sob o olhar e a proteção de Deus.
       O caminho de Jesus é exigente. Não é uma exigência exterior, forçada, imposta. É uma exigência que decorre do seguimento. Se somos de Cristo, então ajamos como Ele. Viver em lógica de serviço e cuidado aos demais, como o último de todos, colocando os outros à frente, não é um processo fácil. Exige vigilância, consistência, insistindo uma e outra vez. É o caminho das bem-aventuranças em que nos colocamos em dinâmica de compaixão, de ternura, de caridade.
       Bem-aventurados os pobres em espírito, os humildes, os que choram, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os que promovem a paz, os que sofrem perseguição por amor da justiça. É deles o reino dos Céus, serão eles e seremos nós, a transformar, a renovar a terra e as relações entre pessoas e povos. «Bem-aventurados sereis, quando, por minha causa, vos insultarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós. Alegrai-vos e exultai, porque é grande nos Céus a vossa recompensa».
       Jesus Cristo foi injuriado, julgado, morto. Os discípulos, desde a primeira hora, também o foram. E assim tem sido ao longo da história da Igreja. É, com efeito, um critério pelo qual poderemos aferir a fidelidade a Cristo na Igreja. A honestidade, o serviço, a denúncia das injustiças, da corrupção, a opção pela verdade, acarreta a perseguição e a maledicência e, muitas vezes, uma vida sacrificada. Há pessoas, em alguns países, que perdem o emprego por serem cristãos e o afirmarem publicamente. Isto acontece mesmo em países ditos do primeiro mundo. Mas é uma opção que nos realiza e nos santifica na medida em que nos agrafa a Jesus Cristo.

       5 – Com Jesus Cristo, Deus renova todas as coisas. Com a Sua morte e na Sua ressurreição, também nós fomos santificados. Ele morreu e ressuscitou por mim e por ti. Agora sou eu e tu, somos nós, que devemos morrer/viver pelos outros, não em substituição, mas em serviço, cuidado, dedicação. Há mais alegria em dar do que em receber. A santidade é o caminho de todo aquele que quer imitar Jesus Cristo. A santidade é esta capacidade, esta disponibilidade, de vivermos como pessoas, levando a sério a nossa humanidade e na certeza que o bem que fizermos também nos beneficia. Procurar ser santo é procurar ser feliz. E só somos verdadeiramente felizes com os outros.


Pe. Manuel Gonçalves




Textos para a Eucaristia (C): Ap 7, 2-4. 9-14; Sl 23 (24); 1 Jo 3, 1-3; Mt 5, 1-12a.