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terça-feira, 25 de setembro de 2012

Testemunho: Viver a FÉ em Angola

       O emigrante também pode rezar e participar nas Eucaristias no país de acolhimento.
       É possível estar com Deus no trabalho.
       Estar com Deus e rezar em Sua casa quando estamos distantes das nossas origens ou da nossa terra… Parece que é difícil arranjar um tempo para podermos estar junto de Deus, mas da mesma maneira que temos tempo para trabalhar e para nos divertirmos devemos arranjar tempo para ir à casa do Pai agradecer pela semana de trabalho e pelos benefícios da semana.
       Eu (Tony) estou por terras de África, em Angola, e vou praticamente todos os Domingos à Missa, onde quer que eu me encontre, no Golungo Alto, em N’Dalatando, ou no Dondo Caxito. Tenho de me levantar às 6h00 da manhã, mas mesmo com sacrifício vou e na Igreja sinto que estou mais perto de casa, sinto que estou mais leve e ajuda-me a passar melhor a semana. Vou sempre sozinho. Somos cerca de 30 portugueses e ninguém me acompanha. E na Igreja também é difícil ver outros portugueses. Acho que os emigrantes só são católicos quando estão de regresso à sua terra. Quando estamos emigrados esquecemos!
       As celebrações aqui são muito bonitas e também muito demoradas, uma missa normal demora cerca de 2 horas, pois os angolanos são muito participativos.
       Já participei em celebrações muito bonitas, tais como a Páscoa, os votos perpétuos de uma Irmã, a chegada de um novo Padre, o Encontro Nacional dos Jovens, no Dondo, que teve a presença das Relíquias de Dom Bosco, Pai, Mestre e Amigo dos Jovens.
       Nas Eucaristias, gosto principalmente dos cânticos e das danças, eles dançam e cantam bastante e animam muito a celebração. Depois, o ofertório solene também é muito participado. As pessoas dão aquilo que às vezes lhes faz falta mas partilham com os outros a contar sempre com a graça de Deus. Partilhar o pouco que têm com quem tem menos isso é lindo. Essas ofertas servem para alimentar o Seminário, os mais pobres, a cadeia, alguns doentes do hospital, etc.
       No encontro nacional dos jovens achei que podiam ter feito mais, achei que foram pouco participativos e acabou por ser quase uma celebração normal, embora com muita dedicação.
       É assim a vida de um emigrante que queira estar com Deus… E que Deus vá cuidando de nós.

Angola, setembro 2012, TONY SILVA, in Boletim Paroquial Santa Eufémia, n. 2

terça-feira, 15 de novembro de 2011

O lodo e as estrelas

       Chegou-nos, há poucos dias, este pequeno grande livro, do Pe. Telmo Ferraz, da Casa do Gaiato, e que agora recomendamos vivamente.
O autor:
       Pe. José Telmo Ferraz é bem nosso conhecido. Amigo de famílias que encontrou em Angola, tem vindo a cada passo a Tabuaço, para connosco celebrar Eucaristia, por alguns daqueles que o Senhor já chamou a Si. Há alguns anos atrás, responsável pelo grupo da LIAM, vinha com muita frequência, na promoção missionária, em encontros de oração e de reflexão, pelo que é também bem conhecido da comunidade paroquial.
O Lodo e as Estrelas:
       surpreendeu-nos em todos os sentidos, uma vez que desconhecíamos que o autor tivesse posto em livro memórias do seu trabalho na Casa dos Gaiatos, junto das pessoas mais fragilizadas e mais desprotegidas, em Portugal e por terras de Angola.
       Na construção das "barraiges", entre 1955 e 1959, por exemplo em Picote, em que muitos trabalhadores, para sustentar as famílias, estragam a vida por 25$OO (vinte e cinco escudos, para hoje: € 0,125), nas doenças dos pulmões, acabando sem qualquer protecção social, e com as respectivas famílias a morrer de fome. A presença do sacerdote é um alento para as almas, acompanhando na doença, no desfortúnio, na morte, mas também em momentos de alegria, baptizando os filhos, ajudando com os meios escassos de que dispõe ou que lhe fazem chegar.
       Depois, em terras de Angola, outra realidade portuguesa, também nos idos anos de 1960 e 1961, quando fervilham ódios, conflitos, e se acentua a revolta dos negros contra os brancos, e muitas vezes, na maior das desumanidade, se mata (só) por matar, para vingar, porque alguém mandou, porque é de outra cor... e depois e de novo a pobreza extrema, a miséria, palhotas pequenas para albergar famílias com muitas bocas famintas... e os preconceitos...

O Lodo e as Estrelas (3.ª Edição, Editorial Casa do Gaiato. Paço de Sousa: 1985):
       É também um testemunho de vida, de entrega, de fé. Escrito em prosa, mas com poesia nas palavras, nas frases, nos olhares que se percebem, no amor, na paixão em servir, poesia da fé mas também dos limites humanos. É uma leitura agradável, refrescante, certamente escrita com muitas lágrimas, muitas recordações, mas com a consciência que se deixaram marcas de bem dizer e bem fazer.
       Parabéns aos autor. Surpreendeu-nos, muito sinceramente. E a todos o que poderão tornar-se seus leitores, não vão ficar desiludidos.

O comentário do autor sobre o livro:
       «Apontamentos simples, no quotidiano, de factos tão simples, quase banais - mas nossos, reais. Há neles verdade e sinceridade. Só anseio que, partindo deles, encontres uma vivência que avive um pouquinho o teu amor pelos outros. Sabes a história da primeira parte, na primeira edição. Uma gota d'água causou susto! A esta gota d'água junto em segunda parte uns fios de espuma tecidos em Angola».

domingo, 21 de novembro de 2010

Bento XVI: preservativo e a humanização da sexualidade

       Quando o Papa Bento XVI foi em Visita Apostólica a África, ainda no avião, deixou claro que a solução para muitos problemas passava pela educação, pela formação, pela dignificação do ser humano. Também o tratamento da SIDA deveria ter em conta a pessoa na sua dignidade. Disse a propósito que o uso do preservativo não resolvia o problema, mas a humanização das relações entre pessoas e povos.
       A opinião mantém-se. Contudo, e como muitos cristãos sublinharam na altura, a questão do preservativo era de outra ordem. Para a Igreja o valor maior é a VIDA; se esta é colocada em causa devem utilizar-se os meios necessários para a preservar e dignificar. Nesse contexto, a utilização do preservativo não está em causa. Primeiro a vida. Se a não utilização do preservativo, numa relação esporádica, ou até numa relação duradoura, fizer perigar a vida, puser em causa a saúde da outra pessoa ou da própria, moralmente não há dúvidas que se torna mesmo uma exigência moral a sua utilização. Claro, isto foi explicado à exaustão, mas quando as pessoas têm uma opinião preconceituosa leva tempo a superá-la. Hoje as dúvidas foram uma vez mais esclarecidas.
       Mas vejamos a pergunta e sobretudo a resposta do Papa Bento XVI, no mais recente Livro/Entrevista, Luz do Mundo.

       «[…] Em África, Vossa Santidade afirmou que a doutrina tradicional da Igreja tinha revelado ser o caminho mais seguro para conter a propagação da sida. Os críticos, provenientes também da Igreja, dizem, pelo contrário, que é uma loucura proibir a utilização de preservativos a uma população ameaçada pela sida.

       Em termos jornalísticos, a viagem a África foi totalmente ofuscada por uma única frase. Perguntaram-me porque é que, no domínio da sida, a Igreja Católica assume uma posição irrealista e sem efeito – uma pergunta que considerei realmente provocatória, porque ela faz mais do que todos os outros. E mantenho o que disse. Faz mais porque é a única instituição que está muito próxima e muito concretamente junto das pessoas, agindo preventivamente, educando, ajudando, aconselhando, acompanhando. Faz mais porque trata como mais ninguém tantos doentes com sida e, em especial, crianças doentes com sida. Pude visitar uma dessas unidades hospitalares e falar com os doentes.

       Essa foi a verdadeira resposta: a Igreja faz mais do que os outros porque não se limita a falar da tribuna que é o jornal, mas ajuda as irmãs e os irmãos no terreno. Não tinha, nesse contexto, dado a minha opinião em geral quanto à questão dos preservativos, mas apenas dito – e foi isso que provocou um grande escândalo – que não se pode resolver o problema com a distribuição de preservativos. É preciso fazer muito mais. Temos de estar próximos das pessoas, orientá-las, ajudá-las; e isso quer antes, quer depois de uma doença.

       Efectivamente, acontece que, onde quer que alguém queira obter preservativos, eles existem. Só que isso, por si só, não resolve o assunto. Tem de se fazer mais.
       Desenvolveu-se entretanto, precisamente no domínio secular, a chamada teoria ABC, que defende “Abstinence – Be faithful – Condom” (“Abstinência – Fidelidade – Preservativo), sendo que o preservativo só deve ser entendido como uma alternativa quando os outros dois não resultam. Ou seja, a mera fixação no preservativo significa uma banalização da sexualidade, e é precisamente esse o motivo perigoso pelo qual tantas pessoas já não encontram na sexualidade a expressão do seu amor, mas antes e apenas uma espécie de droga que administram a si próprias. É por isso que o combate contra a banalização da sexualidade também faz parte da luta para que ela seja valorizada positivamente e o seu efeito positivo se possa desenvolver no todo do ser pessoa.

       Pode haver casos pontuais, justificados, como por exemplo a utilização do preservativo por um prostituto, em que a utilização do preservativo possa ser um primeiro passo para a moralização, uma primeira parcela de responsabilidade para voltar a desenvolver a consciência de que nem tudo é permitido e que não se pode fazer tudo o que se quer. Não é, contudo, a forma apropriada para controlar o mal causado pela infecção por HIV. Essa tem, realmente, de residir na humanização da sexualidade.
       Quer isso dizer que, em princípio, a Igreja Católica não é contra a utilização de preservativos?
       É evidente que ela não a considera uma solução verdadeira e moral. Num ou noutro caso, embora seja utilizado para diminuir o risco de contágio, o preservativo pode ser um primeiro passo na direcção de uma sexualidade vivida de outro modo, mais humana.»

       BENTO XVI, O Papa, a Igreja e os Sinais dos Tempos – Uma conversa com Peter Seewald, Lucerna: 2010.

»» Sobre esta questão pode revisitar as reflexões feitas em Escolhas & Percursos.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

O Cacimbo e a estação das chuvas!

Inácio Rebelo de Andrade

Todos os anos era assim: o Cacimbo chegava em Maio e ia até ao fim de Agosto. Eram quatro meses e meio que não deixavam saudades, porque tudo o que tinha vida (as pessoas, os animais e as plantas) parecia ficar suspenso, como que à espera de recomeçar.

A mil e setecentos metros de altitude, Nova Lisboa evidenciava especialmente os efeitos desse período: as madrugadas frias de enregelar os ossos, o céu limpo de nuvens, o ar seco que soprava por todo o lado.

Junho era o mês pior. Do solo nu que abundava ainda por muitos sítios, a poeira subia e tomava conta das ruas, entrava em casa pelas frinchas das portas e das janelas, deixava a sua marca nas superfícies dos móveis.

Quem viera do Minho ou do Algarve, de Trás-os-Montes ou do Alentejo, dizia que o Inverno tinha chegado. Mas à parte as madrugadas frias, a comparação devia-se apenas à saudade trazida da terra natal, porque a limpeza do céu, a secura do ar, a poeira que subia do solo e tomava conta das ruas não aconteciam de facto em Portugal naquela estação.

Depois de Junho, Julho; depois de Julho, Agosto; depois de Agosto, Setembro.

Em Setembro, o tempo mudava: as madrugadas não eram mais frias, o ar não era mais seco, o céu cobria-se de nuvens densas e cinzentas, a poeira assentava. Cada dia mais elevada, a temperatura subia, até que numa manhã (ou numa tarde, ou numa noite), quase de repente, de um minuto para o outro, relâmpagos aos ziguezagues e trovões ribombantes traziam consigo a primeira chuva.

A água caía em bátega, como que despejada lá de cima de um alguidar imenso: alagava tudo (os quintais, os jardins, as ruas, os passeios); a caminho das valetas, avançava em cachão, veloz e rumorosa. Envolta em espuma, arrastava no percurso o lixo depositado.

Outra vez de repente, também de um minuto para o outro, a chuva parava: tão depressa vinha, tão depressa ia.

Mas depois... Ah!, mas depois..., depois deixava no ar um cheiro a terra húmida, que entrava nas narinas e despertava nas pessoas lembranças adormecidas; um cheiro que se sentia uma vez e não se esquecia mais; um cheiro forte, bom, promissor, de reinício; um cheiro de capim verde quase a brotar.

Para além dos limites da cidade, lá para os lados da Sacaála, do Cambiote ou da Quissala, à beira da estrada, esse cheiro mandava as mulheres espalmar os filhos nas costas, pegar nos cabos em V do etemo, dobrar os rins na lavra, horas a fio, armar as bipangas e semear o milho.

Depois de Setembro, Outubro; depois de Outubro, Novembro; depois de Novembro, os meses seguintes até Abril.

Depois de Abril, Maio: o Cacimbo estava aí outra vez.

Depois Junho, Julho, Agosto e Setembro: a chuva de novo, o cheiro a terra húmida (tão forte, tão bom, tão promissor, tão de reinício como no ano anterior), o cheiro de capim verde quase a brotar.

(etemo-enxada;bipangas-covas,buracas;Cacimbo-estação seca e fria)

(Publicada com a grafia original).

Texto extraído do livro "Quando o Huambo era Nova Lisboa".Ed Vega-Lisboa,1998