A terceira Carta Encíclica de Bento XVI empresta o título a este blogue. A Caridade na Verdade. Agora permanecem a fé, a esperança e a caridade, mas só esta entra na eternidade com Deus. Espaço pastoral de Tabuaço, Távora, Pinheiros e Carrazedo, de portas abertas para a Igreja e para o mundo...
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sexta-feira, 5 de setembro de 2025
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sexta-feira, 23 de agosto de 2024
sábado, 22 de junho de 2024
sexta-feira, 5 de abril de 2024
quinta-feira, 12 de outubro de 2023
Bento XVI - o que é o cristianismo
BENTO XVI (2023). O que é o Cristianismo. Quase um testamento espiritual. Cascais: Lucerna. 200 páginas.
Existem muitos livros publicados de Bento XVI, enquanto Papa, além de conjuntos de homilias, discursos, encíclicas, exortações apostólicas, entrevistas; enquanto teólogo, muitos mais. Mas este não é mais um livro. Aliás, nenhuma das obras refletidas e escritas por Joseph Ratzinger / Bento XVI é mais uma a acrescentar a outra, como soma, mas é única, pois, mesmo em textos próximos, apresenta novos estudos, achegas, referências. Este é um livro, por vontade própria de Bento XVI, publicado a título póstumo.
Recolhe diversos textos, estudo, reflexão, entrevista, intervenções, alguns já conhecidos, mas aperfeiçoados, outros inéditos sobre os fundamentos do cristianismo, sobre a identidade católica, sobre a relação da Igreja com outras igrejas e com o judaísmo.
Recolhe diversos textos, estudo, reflexão, entrevista, intervenções, alguns já conhecidos, mas aperfeiçoados, outros inéditos sobre os fundamentos do cristianismo, sobre a identidade católica, sobre a relação da Igreja com outras igrejas e com o judaísmo.
O subtítulo diz bem do objetivo desta coletânea, é quase um testamento espiritual! Noutras obras, como Introdução ao Cristianismo ou Jesus de Nazaré, em três volumes, escrito já como Papa, pode ver-se as intuições fundamentais do teólogo e do papa, do estudioso e do pastor, ou ainda, por exemplo, a Introdução à Liturgia, ou os livros de entrevistas, como o Sal da Terra.
Neste livro póstumo, fruto de uma reflexão mais amadurecida, tendo em conta ulteriores desenvolvimentos teológicos, morais, históricos, sociais e culturais, permitem que o autor refaça ou enquadre temáticas e problemáticas, desafiando outros a refletir sobre as questões que se colocam ao mundo de hoje e concretamente à Igreja e à fé.
Nas diferentes temáticas, a linguagem do Papa é muito acessível, mesmo naqueles temas que exige maior cuidado e argumentação. Nesses casos, Bento XVI recorre a uma ou outra imagem facilitando a compreensão, como quando aborda a realidade da transubstanciação na Eucaristia.
Há apontamentos que mostram a delicadeza para com o seu sucessor, o Papa Francisco, o que merece registo. "No final das minhas reflexões gostaria de agradecer ao papa Francisco por tudo o que faz para nos mostrar continuamente a luz de Deus, que mesmo hoje não se extinguiu. Obrigado, santo Padre!" Ao abordar a teologia moral e a misericórdia divina: "... Aqui devemos encontrar a unidade interior da mensagem de João Paulo II e as intenções fundamentais do papa Francisco: contrariamente ao que por vezes se diz, Jão Paulo II não foi rigorista moral. Demonstrando a importância da misericórdia divina, ele dá-nos a oportunidade de aceitas as exigências morais que se colocam ao homem, ainda que não possamos nunca satisfazê-las cabalmente. Os nossos esforços morais são empreendidos sob a luz da misericórdia de Deus, que se revela uma força que cura a nossa fraqueza".
Ao responder a uma questão sobre o Ano de são José, proclamado pelo Papa Francisco: "Naturalmente, fico particularmente feliz por o Papa Francisco ter reavivado nos fiéis a consciência da importância de são José; e depois li com enorme gratidão e profunda adesão a carta apostólica Patris Corde que o Santo Padre escreveu para o 150.º aniversário da proclamação de são José como patrono universal da Igreja universal. É um texto muito simples que vem do coração e vai ao coração, e que exatamente por isso é muito profundo. Penso que este texto deve ser lido e meditado assiduamente pelos fiéis, contribuindo assim para a purificação e para o aprofundamento da nossa veneração dos santos em geral e de são José em particular".
Verifica-se que Bento XVI não foge a questões, em forma de resposta a perguntas que lhe são colocadas ou no desenvolvimento dos temas, mostrando a discordância com este ou aqueloutro autor, num convite à persistência da reflexão dos temas mais problemáticos. Sobre a Comissão da Teológica Fundamental, cujo Presidente era o mesmo que o da Congregação para a Doutrina da Fé e também da Pontifícia Comissão Bíblica, tendo assumido ele, cardeal Ratzinger, esse mandato e serviço durante muitos anos, quase na totalidade do pontificado de João Paulo II, reflete questões como a Teologia da Libertação, com momentos de grande debate. É curioso o apontamento pessoal que faz sobre um teólogo: "O meu amigo padre Juan Alfaro SJ, que na Gregorina ensinava sobretudo a Doutrina da Graça, por razões que me são totalmente incompreensíveis, com o passar do tempo tornara-se num apaixonado defensor da teologia da libertação. Não queria perder a amizade com ele e assim essa foi a única vez, em todo o período da minha pertença à comissão, que faltei à Assembleia Geral". Também nisto se vê a sua humanidade: a amizade prevaleceu à disputa e discordância teológica.
sexta-feira, 1 de julho de 2022
XIV Domingo do Tempo Comum - ano C - 3 de julho
1 – Seguir Jesus é a vocação primeira do cristão. Sem pausas nem descanso. Segui-l'O em todas as circunstâncias, a todo o momento. Para sempre. Até à eternidade. Para O seguir e para O imitar, para O viver e O anunciar é necessário estar perto d'Ele, ou melhor, abrir-Lhe o coração e a vida para que Ele nos habite e nos transforme, nos converta e nos redima.
Não é possível amar o que não se conhece. O conhecimento é um primeiro passo para amar. Quanto mais se amar mais se quer conhecer e quanto mais se conhecer maior a possibilidade de amar a pessoa e não uma imagem da mesma. Precisamos de estar e permanecer perto de Jesus e deixar que Ele se aproxime de nós. Como Maria em casa de Marta. Aos pés de Jesus. Para sentir o pulsar do Seu coração. A oração é o ambiente natural para saber quem é Jesus para nós. Não se trata de saber muitas coisas acerca d’Ele. Também é importante. Mas essencial é saber quem é Jesus para nós. Recordemos as duas questões da semana passada: "Quem dizem as multidões que é o Filho do Homem?" e "Quem dizeis vós que Eu sou?".
A missão começa na oração: «A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos. Pedi ao dono da seara que mande trabalhadores para a sua seara».
A oração, a escuta, a meditação da palavra de Deus. O cristão, como a Igreja, deve ter a consciência da sua identidade lunar. Jesus Cristo é o nosso Sol. Cada um de nós, e a Igreja no seu conjunto, como a Lua, reflete a Luz que vem de Jesus. É iluminado por Jesus e reflete-O para os outros serem iluminados. Somos embaixadores e não chefes de estado. Comunicamos a Palavra de Deus, o Seu Evangelho. O embaixador não se comunica, mas comunica o seu povo, o seu governo, o que lhe disseram para dizer. Somos de Cristo. Somos cristãos. Sermos embaixadores de Jesus, como nos recorda São Paulo, é um privilégio e não uma humilhação. É um compromisso, para que Cristo viva em nós e através de nós chegue a todo o mundo.
2 – Somos discípulos missionários. Esta expressão ganhou corpo nas Assembleias Gerais do Episcopado da América Latina e Caribe, sobretudo em 2007, em Aparecida, no Brasil, na 5.ª edição, sob o tema "Discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que nele nossos povos tenham vida".
Bento XVI usa a expressão na Oração elaborada para esta Conferência: "Discípulos e missionários vossos, nós queremos remar mar adentro, para que os nossos povos tenham em Vós vida abundante e construam com solidariedade a fraternidade e a paz". E no discurso inaugural clarifica a estreita ligação: "O discípulo, fundamentado assim na rocha da Palavra de Deus, sente-se impelido a anunciar a Boa Nova da salvação aos seus irmãos. Discipulado e missão são como os dois lados de uma mesma medalha: quando o discípulo está apaixonado por Cristo, não pode deixar de anunciar ao mundo que somente Ele nos salva (cf. Atos 4, 12). Efetivamente, o discípulo sabe que sem Cristo não há luz, não existe esperança, não há amor e não existe futuro".
O Papa Francisco utiliza a expressão, muitas vezes, sem a conjunção aditiva "e". No Documento Final, da qual foi relator-presidente, ou na Exortação Apostólica "Evangelii Gaudium" (A Alegria do Evangelho), acentua o perigo da autorreferencialidade do cristão e da Igreja. O centro, o SOL, é Jesus Cristo. Devemos d'Ele aprender a vida e o amor, a verdade e o serviço. Discípulos. Para O darmos aos outros, levando a todos os Evangelho de Jesus. Missionários. Não em separado, mas concomitantemente. Não podemos ser missionários se não formos verdadeiros discípulos do Senhor. Sendo discípulos autênticos procuraremos imitá-l’O e como Ele anunciar a Boa Nova a todos. A luz que nos habita não se pode esconder.
3 – "Ide: Eu vos envio como cordeiros para o meio de lobos. Não leveis bolsa nem alforge nem sandálias, nem vos demoreis a saudar alguém pelo caminho". Para seguir Jesus é necessário deixarmos de lado todos os acessórios que nos pesam. Ele envia-nos. A ligeireza depende se seguimos nas asas de Deus ou nos arrastamos com as nossas coisas. A missão evangelizadora urge. Ele não nos chama para ficarmos instalados à sombra da bananeira, mas para agirmos, para falarmos, para passarmos palavra, para irmos ao encontro dos outros. De aldeia em aldeia. De cidade em cidade. De coração a coração. Não há desculpas nem justificações. "Quem tiver lançado as mãos ao arado e olhar para trás não serve para o reino de Deus". Podemos sempre adiar, arranjar outras coisas que fazer, mas serão sempre passatempos, porque a missão é seguir Jesus e dá-l'O aos outros.
"Quando entrardes nalguma casa, dizei primeiro: ‘Paz a esta casa’. E se lá houver gente de paz, a vossa paz repousará sobre eles; senão, ficará convosco. Ficai nessa casa, comei e bebei do que tiverem, que o trabalhador merece o seu salário. Não andeis de casa em casa".
Não é uma mensagem qualquer que levamos, mas o próprio Jesus e a paz que Ele nos dá. Não é pouca coisa. É tudo. Só Ele conta. Vamos para levar a paz e a bênção e a salvação de Jesus. E se vamos, comprometemo-nos com as pessoas. Não é para andar a saltar, é para permanecer e deixar marcas positivas, semeando a Palavra de Deus.
"Quando entrardes nalguma cidade e vos receberem, comei do que vos servirem, curai os enfermos que nela houver e dizei-lhes: ‘Está perto de vós o reino de Deus’. Mas quando entrardes nalguma cidade e não vos receberem, saí à praça pública e dizei: ‘Até o pó da vossa cidade que se pegou aos nossos pés sacudimos para vós. No entanto, ficai sabendo: Está perto o reino de Deus’".
A fé não se impõe, propõe-se. Se alguém recusar Jesus, não percamos tempo a forçar. É Deus que age. Deixemos que Deus atue, através do tempo. Façamos o que nos compete: anunciar o Reino de Deus e a Sua proximidade. Se não nos escutarem, é a Cristo que não escutam. Avancemos para outras cidades e aldeias, para outros corações que estejam sedentos da Palavra de Deus.
4 – Quando levamos Deus às pessoas, levamos-lhe a alegria, a bênção e a paz. Aqueles setenta e dois discípulos que Jesus envia, ainda em estágio, levam uma mensagem específica, a paz e a proximidade do Reino de Deus, como proposta e desafio.
O profeta Isaías, na primeira leitura, convida à alegria e à festa. O luto e as trevas serão absorvidas pela presença e misericórdia de Deus.
«Farei correr para Jerusalém a paz como um rio e a riqueza das nações como torrente transbordante. Os seus meninos de peito serão levados ao colo e acariciados sobre os joelhos. Como a mãe que anima o seu filho, também Eu vos confortarei: em Jerusalém sereis consolados. Quando o virdes, alegrar-se-á o vosso coração e, como a verdura, retomarão vigor os vossos membros. A mão do Senhor manifestar-se-á aos seus servos».
O salmista faz eco deste júbilo e do convite ao louvor: "Aclamai a Deus, terra inteira, cantai a glória do seu nome, celebrai os seus louvores, dizei a Deus: «Maravilhosas são as vossas obras». A terra inteira Vos adore e celebre, entoe hinos ao vosso nome. Vinde contemplar as obras de Deus, admirável na sua ação pelos homens".
5 – Para nós cristãos, Jesus é a vinha do Senhor, o Reino de Deus entre nós, o Rosto e a presença da Misericórdia do Pai. Desce para nos elevar, faz-Se pecado para nos santificar, morre para nos ressuscitar, humilha-Se para nos exaltar. "Deus de bondade infinita, que, pela humilhação do vosso Filho, levantastes o mundo decaído, dai aos vossos fiéis uma santa alegria, para que, livres da escravidão do pecado, possam chegar à felicidade eterna" (oração de coleta).
Jesus torna-nos novas criaturas com a Sua paixão redentora. Ele liberta-nos do pecado e da morte, para vivermos ressuscitados. Uma vez ressuscitados, pelo batismo, seguimo-l'O como discípulos missionários. Procuramos identificar-nos cada vez mais com Ele para O transparecermos pela nossa voz e pela vida, atraindo outros.
São Paulo, na humildade da fé, aponta para Jesus: "Longe de mim gloriar-me, a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo... Doravante ninguém me importune, porque eu trago no meu corpo os estigmas de Jesus. Irmãos, a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja com o vosso espírito".
Ao dirigir-se aos Gálatas, Paulo alerta para os perigos da divisão e de lideranças que afastem de Jesus Cristo e do Seu evangelho de verdade e de serviço, reavivando a boa semente neles semeada, lembrando-lhes a necessidade da firmeza da fé e da fidelidade a Jesus. Paulo não se anuncia, mas a Cristo Jesus. Também ele é embaixador de Jesus. E nós? Queremos ser o centro do mundo ou colocamos Deus no centro? Prosseguimos comos discípulos missionários ou preferimos anunciar-nos a nós mesmos?
Pe. Manuel Gonçalves
quarta-feira, 22 de setembro de 2021
BENTO XVI e ARIE FOLGER - JUDEUS E CRISTÃOS
BENTO XVI e ARIE FOLGER (2020). Judeus e Cristãos. Cascais: Lucerna. 120 páginas.
Por ocasião dos 50 anos da Declaração Nostra Aetate, documento do concílio Vaticano II sobre o diálogo inter-religioso, com o número quatro a ser dedicado ao diálogo entre a Igreja Católica e os Judaísmo, vieram a lume alguns documentos que ajudam a aprofundar as relações amistosas entre as duas religiões.
No diálogo bilateral, os judeus foram convidados a preparar uma resposta ao n.º 4 da Nostra Aetate. É nesse contexto, que o rabino Arie Folger mantém um debate público e por escrito, como o próprio refere no prefácio a este pequeno livro, primeiro contra e depois com Bento XVI, Papa Emérito, com quem se viria a encontrar.
Bento XVI escreve “Graça e chamamento sem revogação. Observações sobre o tratado De Iudaeis”. A publicação gera contestação, não da parte dos judeus, mas da parte de teólogos católicos. Porém, ajuda à reflexão, num pressuposto imediato: o diálogo não se faz à custa de abdicar das convicções e da identidade de cada um. Há caminho para o diálogo, para a reflexão, para aprofundar o conhecimento mútuo, para trabalhar temáticas que levem a um efetivo compromisso com a paz, com a justiça social, com a ecologia e a erradicação da pobreza, com a tolerância religiosa e com a liberdade de expressão. Arie Folger coloca-se do lado de Bento XVI, defendendo que o Papa Emérito propõe a leitura cristã-católica. Não se compreenderia que um Papa defendesse uma visão judaica da Bíblia e da Aliança. Bento XVI agradece e responde a Folger, por escrito, clarificando alguns pontos, como o facto de não haver revogação da Aliança de Deus com o Povo Eleito, e não haver lugar à substituição de uma Aliança por outra, mas de haver sucessivas Alianças de Deus com o Seu Povo, com Abraão, com Noé, com Moisés. Na fé e visão cristã, a nova e definitiva Aliança acontece com Cristo, na oferenda do Seu Corpo, na sua morte e ressurreição.
Há outros pontos de contacto, aproximações, compreensão mútua, compromisso moral, permitindo encontrar-se e rezar juntos.
Este livro contém a reflexão de Bento XVI; o prefácio de Arie Folger; a correspondência entre o Papa Emérito e o Rabino; o número 4 da Nostra Aetate; duas intervenções do Papa Francisco; o documento “Entre Jerusalém e Roma – Reflexões a 50 anos da Nostra Aetate”.
Papa Francisco: “De inimigos e estranhos tornámo-nos amigos e irmãos. Tenho esperança de que a proximidade, a mútua compreensão e o respeito entre as nossas duas comunidades continuem a crescer”.
Bento XVI: “De acordo com as previsões humanas, este diálogo nunca conduzirá à unidade das duas interpretações durante a história atual. Essa unidade está reservada para Deus no fim da história”.
quarta-feira, 9 de setembro de 2020
Joseph Ratzinger (BENTO XVI) - Por amor
JOSEPH RATZINGER/BENTO XVI (2019). Por Amor. Cascais: Lucerna. 144 páginas.
Quando uma criança agarra um brinquedo dos irmãos, de algum amigo ou num centro comercial, é muito difícil convencê-la a largar o brinquedo, mesmo que tentem dar-lhe um melhor. Há tantas pessoas que continuam agarradas ao brinquedo que a comunicação social vendeu acerca do Cardeal Joseph Ratzinger, futuro Papa Bento XVI. Muitos tiveram a oportunidade de corrigir a imagem que lhes tinham vendido, muitos continuam a fazer birrice, e daí também a necessidade de contrapor a humildade e bondade do atual Papa Francisco ao distanciamento e reserva de Bento XVI. Claro que são diferentes, mas a bondade, a simplicidade, a humildade e a sabedoria são características agrafadas à personalidade dos dois Papas. Mesmo no tempo em que era Prefeito da Congregação da Doutrina da Fé, quando recebia alguém, era sempre atencioso, delicado, com um trato familiar, próximo, direto, simples. Não deixava de ser amável, mesmo que houvesse desencontro de ideias. Uma das biógrafas do atual Papa Francisco, refere que quando o então Cardeal Jorge Mario Bergoglio ia ao Vaticano, o também Cardeal Joseph Ratzinger (Bento XVI) era dos poucos que o tratava de igual para igual, sem tiques de superioridade, mas como a um irmão!
Neste pequeno livro que hoje sugerimos - Por amor - publicado pela Lucerna, vem ao de a humildade do pastor, a simplicidade do padre, a sabedoria do teólogo, a fé do cristão, a melodia da mensagem cristã, a ternura maternal de Maria, a luz do Evangelho, a compaixão de Jesus. 24 homilias (inéditas, pelo menos no facto de serem publicadas em livro, como um conjunto) que vão do ano 1978 a 2003, portanto antes de ser eleito Papa. Muitos dos textos são anteriores à sua nomeação para Prefeito da Congregação da Doutrina da Fé. Cada reflexão é uma pérola. Não adianta tentar explicar a alguém que não quer, à partida, compreender. Para sacerdotes – como eu e outros – que já fizeram muitas homilias e tenham ouvido outras tantas, aprendemos sempre com o Cardeal Ratzinger. Há sempre apontamentos e leituras novas. Quando se lê, fica a ideia: como é que não me lembrei disto?
Nota-se que os textos foram preparados como homilias, tem um tom muito reflexivo, pastoral, dialogante com a assembleia celebrante. Como curiosidade, há uma reflexão/mensagem na bênção de tratores, numa interessante interpretação do que é a bênção e a razão de benzer "máquinas", e há também a homilia do então Cardeal, em Fátima, em 13 de outubro de 1996.
Também através dos textos nos aproximamos de quem os escreve. Vejamos uma ou outra passagem:
"Ser cristão é passar da morte para a vida. O cristianismo é portanto um movimento, um caminho; não é uma teoria, nem um conjunto de doutrinas; o cristianismo é vida, é um impulso vital que nos leva à verdadeira vida e, por conseguinte, abre também os nossos olhos para a verdade, que não é pensamento puro mas força criadora fundamentalmente idêntica à caridade... a vida humana é, segundo a sua tendência natural, um caminho em direção à morte... 'Nós sabemos que passámos da morte para a vida'... o que é a vida? ... o amor é vida. O amor é síntese, a morte é dissolução. Quem encontrou o amor pode dizer: 'encontrei a vida'. A inversão do processo da morte, numa passagem para a vida, realiza-se na conversão da cupidez ao amor. O cristianismo é a conversão ao amor divino e, portanto, ao amor fraterno e, por conseguinte, passagem da morte para a vida".
"Só o amor conhece o amor... o amor faz ver, e faz amar"
"Em Maria, o Antigo Testamento torna-se Novo, a esperança transforma-se em cumprimento, em realidade concretizada. Ela é o advento em pessoa, isto é, o templo vivo em que Deus habita corporalmente. O sim de Maria é o momento em que o Antigo testamento se torna Novo: este sim é a porta através da qual Deus entra no mundo... Maria pode acreditar porque ama. Eva, por seu turno, perde a fé na Palavra de Deus e experimenta o contrário, no momento em que abre o seu coração à suspeita de que Deus talvez não fosse inteiramente bom. Envenenada por esta suspeita, procura a sua felicidade, colocando-se contra Deus, teme que Deus seja o adversário que a impede de ser livre, e foge da presença de Deus... O diálogo entre o Anjo e a Virgem conclui-se não só com uma profissão de fé, mas com o ato de submissão: «Eis a servas do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 1, 38). A Palavra de Deus não é só informação, comunicação da verdade; esta Palavra é missão, é mandato. A fé tem uma consequência prática: transforma a vida por completo. Deus tem necessidade de Maria, do seu sim, da sua obediência. A fé só é completa se se tornar obediência concreta ao mandato divino. Deus espera o nosso sim, espera a fé que se torna vida, na transformação da nossa vontade até à plena conformidade com a Sua vontade... a fé tende a ser comunicada. A fé é dinâmica, coloca-nos em movimento em direção aos outros... Ninguém crê só por si. Todos devem testemunhar com a sua vida a fé..."
"Um dos costumes mais antigos da liturgia cristã é um pequeno gesto no início da preparação dos dons. Deita-se uma pequena gota de água no cálice com vinho. A origem deste gesto remonta simplesmente ao velho costume dos países mediterrâneos que não tinham hábito de beber vinho puro. Por esta gota de água estamos assim ligados à origem da Eucaristia: fazemos o que Jesus Cristo fez... A mistura da água e do vinho surgiu como uma interpretação para o grande mistério de que fala o Natal: o tornar-se um só do Homem com Deus, Cristo, em quem se dá a admirável troca. Deus assume a natureza humana para que o Homem possa participar da natureza de Deus. A pobre gotazinha de água, que cai no vinho delicioso e forte, representa a Encarnação de Deus. O pobre humano é mergulhado no oceano da divindade. No coração de Deus está o Homem... Regressemos uma vez mais á gota de água no vinho destinado à Eucaristia! Ele representa o facto de Deus e o Homem se tornarem um só em Cristo. Mas é também a orientação muito prática para o dia de hoje. Deixemo-nos simplesmente mergulhar no abismo de Deus, no vinho do seu amor!"
"Não é possível estar junto da Cruz, junto dos mistérios da nossa redenção, sem estar também junto de Maria. É aqui que Maria se torna Mãe da Igreja. A Igreja nasceu no momento em que Jesus viu a sua Mãe e, ao lado dela, o discípulo que Ele amava… Tudo está consumado a partir do momento em que o discípulo «recebe» Maria «em sua casa»... Maria conduz-nos à Cruz. A presença eucarística do Senhor provém da Cruz. Não é possível aproximar-se de Jesus evitando a Cruz... O discípulo torna-se o filho, torna-se naquilo que é Jesus. Esta admirável identificação é o fruto do amor crucificado. Essa identificação, porém, torna-se realidade quando o discípulo «recebe» Maria «em sua casa». A comunhão com a Mãe é o caminho para a união com Jesus, o caminho da santa transformação. A Igreja nasce no momento em que, do alto da Cruz, o discípulo é confiado à Mãe... O facto de Maria ser recebida pelo discípulo em sua casa comporta dois aspetos. Por um lado, o discípulo de Jesus torna-se também discípulo da Mãe. Ele aprende a ser filho na escola da Mãe. Com a Mãe, ele aprende as palavras guardadas e ponderadas no coração materno. Com Maria, aprende não só as palavras, mas também o significado do silêncio de Jesus, o silêncio de 30 anos em Nazaré, o silêncio da sua origem eterna no regaço do Pai. Com a Mãe, que é a Igreja em pessoa, ele aprende a ser Igreja. A escola da Mãe é condição indispensável para se tornar filho, para reconhecer o Pai. Por outro lado, Maria é confiada ao discípulo: «Ele recebeu-a em sua casa». Santo Agostinho comenta a propósito desta passagem que o discípulo, tendo deixado tudo, não pode receber a Mãe em sua morada física - em «sua casa»... Ele «recebe-a» realmente «na sua intimidade», no seu ser, no seu pensamento e na sua vida".
Quando Jesus esteve na Terra… escolheu o último lugar. Nasceu num estábulo. Viveu como trabalhador no meio dos pobres de Israel. Ensinou no meio dos publicanos, dos pecadores, dos desprezados. Reuniu pescadores à sua volta. E morreu fora dos muros da cidade, entre dois criminosos. A verdadeira imagem de Deus revela-se precisamente nisso, porque o verdadeiro Deus não é um tirano que exerça o poder como Lhe apetece, que Se apresente fechado em Si mesmo para se afirmar. O verdadeiro Deus é o amor trino que se oferece…
Na Ceia do Senhor, vemos acontecer o que também acontece no banquete com os fariseus por causa dos primeiros lugares. Os evangelistas contam-nos que, na Última Ceia, os discípulos discutiram por causa do primeiro lugar (Lc 22, 24-30). Com este seu comportamento, mais uma vez, representam entre eles, em ponto pequeno, por assim dizer, o drama da história universal. Com isso, O Evangelho quer dizer-nos que também na Igreja há mundo. Não deve ser para nós motivo de espanto que a Imagem da história universal também atinja o âmago da Igreja, podendo chegar até ao mais sagrado, até à Eucaristia. A isso, no entanto, o Senhor contrapõe a inversão de valores que que é Ele próprio. Sobre o Seu lugar na Última Ceia, Ele também já decidiu. O seu lugar não é o lugar do Senhor, o lugar do poderoso, o lugar das tigelas cheias ou o mais confortável. Ele nem sequer Se senta com o grupo; pelo contrário, anda de um lado para o outro como o servo e, em especial, Se dá a Si mesmo.
É este o significado do relato lava-pés de São João. O Senhor lava os pés dos discípulos da sujidade e do suor do dia-a-dia para que eles possam sentar-se à mesa. João, mais ainda do que os outros evangelistas, afirma claramente que não se trata aqui de um ato moral isolado. Ao longo de toda a sua vida, o próprio Senhor é o ato do lava-pés para connosco. A sua natureza consiste em baixar-Se; Ele é, na sua essência, humildade, porque o facto de Ele, o Filho de Deus, existir enquanto homem deve-se a Ele ter tirado a túnica da Sua glória e Se ter cingido com o linho grosseiro da natureza humana. E, agora, ajoelha-Se diante de nós, as suas criaturas. Ele lavou-nos, limpou-nos com o Seu próprio corpo, através do Seu sofrimento, do fedor da nossa soberba e da sujidade do nosso egoísmo, a fim de podermos sentar-nos à mesa do banquete do amor de Deus.«Dei-vos o exemplo, para que, assim como Eu fiz vós façais também» (Jo 13, 15). Esta frase é mais do que uma exortação moral à prática de atos morais. É a razão de ser cristão, uma iniciação à comunhão com Jesus Cristo que tem a humildade de Se baixar. Só conseguiremos identificar-nos com Ele se entrarmos nesse movimento, se nós próprios nos tornarmos humildes. Não é possível acreditar sem humildade. Sem humildade, não é possível sequer afirmar o mistério no meio do mundo que não O reconhece, nem aceitar até ao limite do nosso entendimento o caráter insondável de um Deus que Se ajoelha diante de nós. E, assim como não há fé, também não há amor sem humildade. Todos sabemos que amar implica ser capaz de engolir algumas coisas e calar outras tantas e ainda suportar a humilhação. O amor só subsiste envolto numa enorme humildade. E como, sem fé e sem amor, o Homem não tem por que ter esperança, e a fé e o amor não podem existir onde não há humildade, esta última é também a condição indispensável para a nossa esperança.
domingo, 17 de maio de 2020
Homilia de Bento XVI na Beatificação de João Paulo II
Amados irmãos e irmãs,
Passaram já seis anos desde o dia em que nos encontrávamos nesta Praça para celebrar o funeral do Papa João Paulo II. Então, se a tristeza pela sua perda era profunda, maior ainda se revelava a sensação de que uma graça imensa envolvia Roma e o mundo inteiro: graça esta, que era como que o fruto da vida inteira do meu amado Predecessor, especialmente do seu testemunho no sofrimento. Já naquele dia sentíamos pairar o perfume da sua santidade, tendo o Povo de Deus manifestado de muitas maneiras a sua veneração por ele. Por isso, quis que a sua Causa de Beatificação pudesse, no devido respeito pelas normas da Igreja, prosseguir com discreta celeridade. E o dia esperado chegou! Chegou depressa, porque assim aprouve ao Senhor: João Paulo II é Beato!
Desejo dirigir a minha cordial saudação a todos vós que, nesta circunstância feliz, vos reunistes, tão numerosos, aqui em Roma vindos de todos os cantos do mundo: cardeais, patriarcas das Igrejas Católicas Orientais, irmãos no episcopado e no sacerdócio, delegações oficiais, embaixadores e autoridades, pessoas consagradas e fiéis leigos; esta minha saudação estende-se também a quantos estão unidos connosco através do rádio e da televisão.
Estamos no segundo domingo de Páscoa, que o Beato João Paulo II quis intitular Domingo da Divina Misericórdia. Por isso, se escolheu esta data para a presente celebração, porque o meu Predecessor, por um desígnio providencial, entregou o seu espírito a Deus justamente ao anoitecer da vigília de tal ocorrência. Além disso, hoje tem início o mês de Maio, o mês de Maria; e neste dia celebra-se também a memória de São José operário. Todos estes elementos concorrem para enriquecer a nossa oração; servem-nos de ajuda, a nós que ainda peregrinamos no tempo e no espaço; no Céu, a festa entre os Anjos e os Santos é muito diferente! E todavia Deus é um só, e um só é Cristo Senhor que, como uma ponte, une a terra e o Céu, e neste momento sentimo-lo muito perto, sentimo-nos quase participantes da liturgia celeste.
«Felizes os que acreditam sem terem visto» (Jo 20, 29). No Evangelho de hoje, Jesus pronuncia esta bem-aventurança: a bem-aventurança da fé. Ela chama de modo particular a nossa atenção, porque estamos reunidos justamente para celebrar uma Beatificação e, mais ainda, porque o Beato hoje proclamado é um Papa, um Sucessor de Pedro, chamado a confirmar os irmãos na fé. João Paulo II é Beato pela sua forte e generosa fé apostólica. E isto traz imediatamente à memória outra bem-aventurança: «Feliz de ti, Simão, filho de Jonas, porque não foram a carne e o sangue que to revelaram, mas sim meu Pai que está nos Céus» (Mt 16, 17). O que é que o Pai celeste revelou a Simão? Que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus vivo. Por esta fé, Simão se torna «Pedro», rocha sobre a qual Jesus pode edificar a sua Igreja. A bem-aventurança eterna de João Paulo II, que a Igreja tem a alegria de proclamar hoje, está inteiramente contida nestas palavras de Cristo: «Feliz de ti, Simão» e «felizes os que acreditam sem terem visto». É a bem-aventurança da fé, cujo dom também João Paulo II recebeu de Deus Pai para a edificação da Igreja de Cristo.
Entretanto perpassa pelo nosso pensamento mais uma bem-aventurança que, no Evangelho, precede todas as outras. É a bem-aventurança da Virgem Maria, a Mãe do Redentor. A Ela, que acabava de conceber Jesus no seu ventre, diz Santa Isabel: «Bem-aventurada aquela que acreditou no cumprimento de tudo quanto lhe foi dito da parte do Senhor» (Lc 1, 45). A bem-aventurança da fé tem o seu modelo em Maria, pelo que a todos nos enche de alegria o facto de a beatificação de João Paulo II ter lugar no primeiro dia deste mês mariano, sob o olhar materno d’Aquela que, com a sua fé, sustentou a fé dos Apóstolos e não cessa de sustentar a fé dos seus sucessores, especialmente de quantos são chamados a sentar-se na cátedra de Pedro. Nas narrações da ressurreição de Cristo, Maria não aparece, mas a sua presença pressente-se em toda a parte: é a Mãe, a quem Jesus confiou cada um dos discípulos e toda a comunidade. De forma particular, notamos que a presença real e materna de Maria aparece assinalada por São João e São Lucas nos contextos que precedem tanto o Evangelho como a primeira Leitura de hoje: na narração da morte de Jesus, onde Maria aparece aos pés da Cruz (Jo 19, 25); e, no começo dos Actos dos Apóstolos, que a apresentam no meio dos discípulos reunidos em oração no Cenáculo (Act 1, 14).
Também a segunda Leitura de hoje nos fala da fé, e é justamente São Pedro que escreve, cheio de entusiasmo espiritual, indicando aos recém-baptizados as razões da sua esperança e da sua alegria. Apraz-me observar que nesta passagem, situada na parte inicial da sua Primeira Carta, Pedro exprime-se não no modo exortativo, mas indicativo. De facto, escreve: «Isto vos enche de alegria»; e acrescenta: «Vós amais Jesus Cristo sem O terdes conhecido, e, como n’Ele acreditais sem O verdes ainda, estais cheios de alegria indescritível e plena de glória, por irdes alcançar o fim da vossa fé: a salvação das vossas almas» (1 Ped 1, 6.8-9). Está tudo no indicativo, porque existe uma nova realidade, gerada pela ressurreição de Cristo, uma realidade que nos é acessível pela fé. «Esta é uma obra admirável – diz o Salmo (118, 23) – que o Senhor realizou aos nossos olhos», os olhos da fé.
Queridos irmãos e irmãs, hoje diante dos nossos olhos brilha, na plena luz de Cristo ressuscitado, a amada e venerada figura de João Paulo II. Hoje, o seu nome junta-se à série dos Santos e Beatos que ele mesmo proclamou durante os seus quase 27 anos de pontificado, lembrando com vigor a vocação universal à medida alta da vida cristã, à santidade, como afirma a Constituição conciliar Lumem gentium sobre a Igreja. Os membros do Povo de Deus – bispos, sacerdotes, diáconos, fiéis leigos, religiosos e religiosas – todos nós estamos a caminho da Pátria celeste, tendo-nos precedido a Virgem Maria, associada de modo singular e perfeito ao mistério de Cristo e da Igreja. Karol Wojtyła, primeiro como Bispo Auxiliar e depois como Arcebispo de Cracóvia, participou no Concílio Vaticano II e bem sabia que dedicar a Maria o último capítulo da Constituição sobre a Igreja significava colocar a Mãe do Redentor como imagem e modelo de santidade para todo o cristão e para a Igreja inteira. Foi esta visão teológica que o Beato João Paulo II descobriu na sua juventude, tendo-a depois conservado e aprofundado durante toda a vida; uma visão, que se resume no ícone bíblico de Cristo crucificado com Maria ao pé da Cruz. Um ícone que se encontra no Evangelho de João (19, 25-27) e está sintetizado nas armas episcopais e, depois, papais de Karol Wojtyła: uma cruz de ouro, um «M» na parte inferior direita e o lema «Totus tuus», que corresponde à conhecida frase de São Luís Maria Grignion de Monfort, na qual Karol Wojtyła encontrou um princípio fundamental para a sua vida: «Totus tuus ego sum et omnia mea tua sunt. Accipio Te in mea omnia. Praebe mihi cor tuum, Maria – Sou todo vosso e tudo o que possuo é vosso. Tomo-vos como toda a minha riqueza. Dai-me o vosso coração, ó Maria» (Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, n. 266).
No seu Testamento, o novo Beato deixou escrito: «Quando, no dia 16 de Outubro de 1978, o conclave dos cardeais escolheu João Paulo II, o Card. Stefan Wyszyński, Primaz da Polónia, disse-me: “A missão do novo Papa será a de introduzir a Igreja no Terceiro Milénio”». E acrescenta: «Desejo mais uma vez agradecer ao Espírito Santo pelo grande dom do Concílio Vaticano II, do qual me sinto devedor, juntamente com toda a Igreja e sobretudo o episcopado. Estou convencido de que será concedido ainda por muito tempo, às sucessivas gerações, haurir das riquezas que este Concílio do século XX nos prodigalizou. Como Bispo que participou no evento conciliar, desde o primeiro ao último dia, desejo confiar este grande património a todos aqueles que são, e serão, chamados a realizá-lo. Pela minha parte, agradeço ao Pastor eterno que me permitiu servir esta grandíssima causa ao longo de todos os anos do meu pontificado». E qual é esta causa? É a mesma que João Paulo II enunciou na sua primeira Missa solene, na Praça de São Pedro, com estas palavras memoráveis: «Não tenhais medo! Abri, melhor, escancarai as portas a Cristo!». Aquilo que o Papa recém-eleito pedia a todos, começou, ele mesmo, a fazê-lo: abriu a Cristo a sociedade, a cultura, os sistemas políticos e económicos, invertendo, com a força de um gigante – força que lhe vinha de Deus –, uma tendência que parecia irreversível. Com o seu testemunho de fé, de amor e de coragem apostólica, acompanhado por uma grande sensibilidade humana, este filho exemplar da Nação Polaca ajudou os cristãos de todo o mundo a não ter medo de se dizerem cristãos, de pertencerem à Igreja, de falarem do Evangelho. Numa palavra, ajudou-nos a não ter medo da verdade, porque a verdade é garantia de liberdade. Sintetizando ainda mais: deu-nos novamente a força de crer em Cristo, porque Cristo é o Redentor do homem – Redemptor hominis: foi este o tema da sua primeira Encíclica e o fio condutor de todas as outras.
Karol Wojtyła subiu ao sólio de Pedro trazendo consigo a sua reflexão profunda sobre a confrontação entre o marxismo e o cristianismo, centrada no homem. A sua mensagem foi esta: o homem é o caminho da Igreja, e Cristo é o caminho do homem. Com esta mensagem, que é a grande herança do Concílio Vaticano II e do seu «timoneiro» – o Servo de Deus Papa Paulo VI –, João Paulo II foi o guia do Povo de Deus ao cruzar o limiar do Terceiro Milénio, que ele pôde, justamente graças a Cristo, chamar «limiar da esperança». Na verdade, através do longo caminho de preparação para o Grande Jubileu, ele conferiu ao cristianismo uma renovada orientação para o futuro, o futuro de Deus, que é transcendente relativamente à história, mas incide na história. Aquela carga de esperança que de certo modo fora cedida ao marxismo e à ideologia do progresso, João Paulo II legitimamente reivindicou-a para o cristianismo, restituindo-lhe a fisionomia autêntica da esperança, que se deve viver na história com um espírito de «advento», numa existência pessoal e comunitária orientada para Cristo, plenitude do homem e realização das suas expectativas de justiça e de paz.
Por fim, quero agradecer a Deus também a experiência de colaboração pessoal que me concedeu ter longamente com o Beato Papa João Paulo II. Se antes já tinha tido possibilidades de o conhecer e estimar, desde 1982, quando me chamou a Roma como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, pude durante 23 anos permanecer junto dele crescendo sempre mais a minha veneração pela sua pessoa. O meu serviço foi sustentado pela sua profundidade espiritual, pela riqueza das suas intuições. Sempre me impressionou e edificou o exemplo da sua oração: entranhava-se no encontro com Deus, inclusive no meio das mais variadas incumbências do seu ministério. E, depois, impressionou-me o seu testemunho no sofrimento: pouco a pouco o Senhor foi-o despojando de tudo, mas permaneceu sempre uma «rocha», como Cristo o quis. A sua humildade profunda, enraizada na união íntima com Cristo, permitiu-lhe continuar a guiar a Igreja e a dar ao mundo uma mensagem ainda mais eloquente, justamente no período em que as forças físicas definhavam. Assim, realizou de maneira extraordinária a vocação de todo o sacerdote e bispo: tornar-se um só com aquele Jesus que diariamente recebe e oferece na Igreja.
Feliz és tu, amado Papa João Paulo II, porque acreditaste! Continua do Céu – nós te pedimos – a sustentar a fé do Povo de Deus. Muitas vezes, do Palácio, tu nos abençoaste nesta Praça! Hoje nós te pedimos: Santo Padre, abençoa-nos! Amen.
PAPA BENTO XVI
Vaticano, 1 de maio de 2011
quinta-feira, 3 de outubro de 2019
segunda-feira, 29 de abril de 2019
Santa Catarina de Sena, Virgem e Doutora da Igreja
Nota biográfica:
Nasceu em Sena no ano 1347, numa família muito numerosa. Com 16 anos de idade, impelida por uma visão de São Domingos e movida pelo desejo de perfeição, entrou na Ordem Terceira de São Domingos, no ramo feminino chamado Manteladas. Quando a fama de santidade se espalhou, foi protagonista de uma intensa atividade de conselho espiritual em relação a pessoas de todas as categorias sociais: nobres, artistas, políticos, pessoas do povo, pessoas consagradas. Inflamada no amor de Deus e do próximo, trabalhou incansavelmente pela paz e concórdia entre as cidades, defendeu com ardor os direitos e a liberdade do Romano Pontífice e promoveu a renovação da vida religiosa. Exortou energicamente o papa Gregória XI, que vivia em Avinhão, a regressar a Roma. Incentivou renovação na própria Igreja, para que esta contribuísse para a aproximação entre Estados. Escreveu importantes obras de espiritualidade, cheias de boa doutrina e de inspiração celeste.
Morreu no ano 1380, em Roma.
Foi canonizada em 1461.
Morreu no ano 1380, em Roma.
Foi canonizada em 1461.
Em vida foi testada pela desconfiança de alguns, como muitos santos. Os seus ensinamentos, pela profundidade espiritual, são propostos a toda a Igreja. O Papa Paulo VI, em 1947 declarou-a Doutora da Igreja, título acrescentado ao de Co-Padroeira de Roma, por desejo do Beato Papa Pio IX, e Padroeira de Itália, segundo decisão do Venerável Papa Pio XII. João Paulo II, Beato, viria a declará-la Co-Padroeira da Europa, para que esta não esqueça as suas raízes cristãs.
Diz dela Bento XVI: "Cristo é para ela como o esposo, com quem está em relação de intimidade, de comunhão e de fidelidade; é o bem-amado acima de qualquer outro bem". Continua Bento XVI, "de Santa Catarina nós aprendemos a ciência mais sublime: conhecer e amar Jesus Cristo e a sua Igreja. No Diálogo da Providência Divina ela, com uma imagem singular, descreve Cristo como uma ponte lançada entre o céu e a terra. Ela é formada por três grandes escadas, constituída pelos pés, pelo lado e pela boca de Jesus. Elevando-se através destas grandes escadas, a alma passa pelas três etapas de casa caminho de santificação: o afastamento do pecado, a prática da virtude e do amor, a união dócil e afetuosa com Deus".
Diz dela Bento XVI: "Cristo é para ela como o esposo, com quem está em relação de intimidade, de comunhão e de fidelidade; é o bem-amado acima de qualquer outro bem". Continua Bento XVI, "de Santa Catarina nós aprendemos a ciência mais sublime: conhecer e amar Jesus Cristo e a sua Igreja. No Diálogo da Providência Divina ela, com uma imagem singular, descreve Cristo como uma ponte lançada entre o céu e a terra. Ela é formada por três grandes escadas, constituída pelos pés, pelo lado e pela boca de Jesus. Elevando-se através destas grandes escadas, a alma passa pelas três etapas de casa caminho de santificação: o afastamento do pecado, a prática da virtude e do amor, a união dócil e afetuosa com Deus".
Oração de coleta:
Deus de misericórdia infinita, que inflamastes Santa Catarina de Sena no amor divino, chamando-a à contemplação da paixão do Senhor e ao serviço da Igreja, fazei que o vosso povo, associado ao mistério de Cristo, se alegre para sempre na manifestação da sua glória. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
Do «Diálogo da Divina Providência», de Santa Catarina de Sena, virgemSaboreei e vi
Ó Divindade eterna, ó eterna Trindade, que, pela união com a natureza divina, tanto fizestes valer o Sangue de vosso Filho Unigénito! Vós, Trindade eterna, sois como um mar profundo, no qual quanto mais procuro mais encontro, e quanto mais encontro, mais cresce a sede de Vos procurar. Saciais a alma, mas dum modo insaciável, porque, saciando-se no vosso abismo, a alma permanece sempre faminta e sedenta de Vós, ó Trindade eterna, desejando ver-Vos com a luz da vossa luz.
Saboreei e vi com a luz da inteligência, ilustrada na vossa luz, o vosso abismo insondável, ó Trindade eterna, e a beleza da vossa criatura. Por isso, vendo-me em Vós, vi que sou imagem vossa por aquela inteligência que me é dada como participação do vosso poder, ó Pai eterno, e também da vossa sabedoria, que é apropriada ao vosso Filho Unigénito. E o Espírito Santo, que procede de Vós e do vosso Filho, me deu a vontade com que posso amar-Vos.
Porque Vós, Trindade eterna, sois criador e eu criatura; e conheci – porque Vós mo fizestes compreender quando me criastes de novo no Sangue do vosso Filho – conheci que estais enamorado da beleza da vossa criatura.
Oh abismo, oh Trindade eterna, oh Divindade, oh mar profundo! Que mais me podíeis dar do que dar-Vos a Vós mesmo? Sois um fogo que arde sempre e não se consome. Sois Vós que consumis com o vosso calor todo o amor profundo da alma. Sois um fogo que dissipa toda a frialdade e iluminais as mentes com a vossa luz, aquela luz com que me fizestes conhecer a vossa verdade.
Espelhando-me nesta luz, conheço-Vos como sumo bem, o bem que está acima de todo o bem, o bem feliz, o bem incompreensível, o bem inestimável, a beleza sobre toda a beleza, a sabedoria sobre toda a sabedoria: porque Vós sois a própria sabedoria, o alimento dos Anjos, que com o fogo da caridade Vos destes aos homens.
Sois a veste que cobre toda a minha nudez; e alimentais a nossa fome com a vossa doçura, porque sois doce sem qualquer amargor. Oh Trindade eterna!
BENTO XVI, Santas da Idade Média. Editorial Franciscana. Braga 2010.
Vd. também na Audiência Geral de 24 de novembro de 2010
Vd. também na Audiência Geral de 24 de novembro de 2010
quarta-feira, 24 de abril de 2019
Início do Pontificado de Bento XVI - 24.04-2005
Santa Missa - Imposição do Pálio e entrega do Anel de Pescador
HOMILIA DE SUA SANTIDADE BENTO XVI
Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no episcopado e no sacerdócio
Distintas Autoridades e Membros do Corpo Diplomático
Caríssimos Irmãos e Irmãs!
HOMILIA DE SUA SANTIDADE BENTO XVI
Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no episcopado e no sacerdócio
Distintas Autoridades e Membros do Corpo Diplomático
Caríssimos Irmãos e Irmãs!
Por três vezes, nestes dias tão intensos, o cântico das ladainhas dos Santos nos acompanhou: durante o funeral do nosso Santo Padre João Paulo II; por ocasião da entrada dos Cardeais em Conclave, e também hoje, quando as cantamos de novo com a invocação: Tu illum adiuva ampara o novo sucessor de São Pedro. Todas as vezes, de modo totalmente particular ouvi este cântico orante como um grande conforto. Quanto nos sentimos abandonados depois da perda de João Paulo II! O Papa que por 26 anos foi o nosso pastor e guia no caminho através deste tempo.
Ele cruzou o limiar para a outra vida entrando no mistério de Deus. Mas não deu este passo sozinho. Quem crê, nunca está sozinho nem na vida nem na morte. Naquele momento nós pudemos invocar os santos de todos os séculos, os seus amigos, os seus irmãos na fé, sabendo que teriam estado no cortejo vivo que o teria acompanhado no além, até à glória de Deus. Nós sabemos que a sua chegada era esperada. Agora sabemos que ele está entre os seus e está verdadeiramente em sua casa. De novo, fomos confortados cumprindo a solene entrada em conclave, para eleger aquele que o Senhor tinha escolhido. Como podíamos reconhecer o seu nome? Como podiam, 115 Bispos, provenientes de todas as culturas e países, encontrar aquele ao qual o Senhor desejava conferir a missão de ligar e desligar? Mais uma vez, nós o sabíamos: sabíamos que não estávamos sós, que estávamos circundados, conduzidos e guiados pelos amigos de Deus.
E agora, neste momento, eu, frágil servo de Deus, devo assumir esta tarefa inaudita, que realmente supera qualquer capacidade humana. Como posso fazer isto? Como serei capaz de o fazer? Todos vós, queridos amigos, acabaste de invocar todos os santos, representados por alguns dos grandes nomes da história de Deus com os homens. Desta forma, também em mim se reaviva esta autoconsciência: não estou sozinho. Não devo carregar sozinho o que na realidade nunca poderia carregar sozinho. Os numerosos santos de Deus protegem-me, amparam-me e guiam-me. E a vossa oração, queridos amigos, a vossa indulgência, o vosso amor, a vossa fé e a vossa esperança acompanham-me. De facto, à comunidade dos santos não pertencem só as grandes figuras que nos precederam e das quais conhecemos os nomes. Todos nós somos a comunidade dos santos, nós baptizados em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, nós que vivemos do dom da carne e do sangue de Cristo, por meio do qual ele nos quer transformar e tornar-nos semelhantes a si mesmo.
Sim, a Igreja é viva eis a maravilhosa experiência destes dias. Precisamente nos tristes dias da doença e da morte do Papa isto manifestou-se de modo maravilhoso aos nossos olhos: que a Igreja é viva. E a Igreja é jovem. Ela leva em si o futuro do mundo e por isso mostra também a cada um de nós o caminho para o futuro. A Igreja é viva e nós vemo-lo: experimentamos a alegria que o Ressuscitado prometeu aos seus. A Igreja é viva ela é viva, porque Cristo é vivo, porque verdadeiramente ele ressuscitou. No sofrimento, presente no rosto do Santo Padre nos dias de Páscoa, contemplámos o mistério da paixão de Cristo e, ao mesmo tempo, tocámos nas suas feridas. Mas em todos esses dias também pudemos, num sentido profundo, tocar o Ressuscitado. Foi-nos concedido experimentar a alegria que ele prometeu, depois de um breve tempo de obscuridade, como fruto da sua ressurreição.
A Igreja é viva saúdo assim com grande alegria e gratidão todos vós, que estais aqui reunidos, venerados Irmãos Cardeais e Bispos, caríssimos sacerdotes, diáconos, agentes de pastoral, catequistas. Saúdo a vós, religiosos e religiosas, testemunhas da transfigurante presença de Deus. Saúdo a vós, irmãos leigos, imersos no grande espaço da construção do Reino de Deus que se expande no mundo, em todas as expressões da vida. O discurso torna-se repleto de afecto também na saudação que dirijo a quantos, renascidos no sacramento do Baptismo, ainda não estão em plena comunhão connosco; e a vós irmãos do povo judaico, a quem nos sentimos ligados por um grande património espiritual comum, que afunda as suas raízes nas irrevogáveis promessas de Deus. O meu pensamento, por fim quase como uma onda que se expande dirige-se a todos os homens do nosso tempo, crentes e não crentes.
Queridos amigos! Neste momento não temos necessidade de apresentar um programa de governo. Alguns aspectos daquilo que eu considero minha tarefa, já tive ocasião de os expor na mensagem de quarta-feira 20 de Abril; não faltarão outras ocasiões para o fazer. O meu verdadeiro programa de governo é não fazer a minha vontade, não perseguir ideias minhas, pondo-me contudo à escuta, com a Igreja inteira, da palavra e da vontade do Senhor e deixar-me guiar por Ele, de forma que seja Ele mesmo quem guia a Igreja nesta hora da nossa história. Em vez de expor um programa, gostaria simplesmente de procurar comentar os dois sinais com os quais é representada liturgicamente a assunção do Ministério Petrino; contudo, estes dois sinais reflectem também exactamente o que é proclamado nas leituras de hoje.
O primeiro sinal é o Pálio, tecido em lã pura, que me é colocado sobre os ombros. Este antiquíssimo sinal, que os Bispos de Roma usam desde o século IV, pode ser considerado como uma imagem do jugo de Cristo, que o Bispo desta cidade, o Servo dos Servos de Deus, assume sobre os seus ombros. O jugo de Deus é a vontade de Deus, que nós aceitamos. Esta vontade não é para nós um peso exterior, que nos oprime e nos priva da liberdade. Conhecer o que Deus quer, conhecer qual é o caminho da vida eis a alegria de Israel, era o seu grande privilégio. Esta é também a nossa alegria: a vontade de Deus não nos desvia, mas purifica-nos talvez de maneira até dolorosa e assim conduz-nos a nós mesmos. Desta forma, não servimos só a Ele mas à salvação de todo o mundo, de toda a história. Na realidade o simbolismo do Pálio é ainda mais concreto: a lã do cordeiro pretende representar a ovelha perdida ou também a doente e frágil, que o pastor coloca sobre os ombros e conduz às águas da vida. A parábola da ovelha perdida, que o pastor procura no deserto, era para os Padres da Igreja uma imagem do mistério de Cristo e da Igreja. A humanidade todos nós é a ovelha perdida que, no deserto, já não encontra o caminho. O Filho de Deus não tolera isto; Ele não pode abandonar a humanidade numa condição tão miserável.
Levanta-se de ímpeto, abandona a glória do céu, para reencontrar a ovelha e segui-la, até à cruz. Carrega-a sobre os ombros, leva a nossa humanidade, leva-nos a nós mesmos Ele é o bom pastor, que oferece a sua vida pelas ovelhas. O Pálio diz antes de tudo que todos nós somos guiados por Cristo. Mas ao mesmo tempo convida-nos a levar-nos uns aos outros. Assim o Pálio se torna o símbolo da missão do pastor, de que falam a segunda leitura e o Evangelho. A santa preocupação de Cristo deve animar o pastor: para ele não é indiferente que tantas pessoas vivam no deserto. E existem tantas formas de deserto. Há o deserto da pobreza, o deserto da fome e da sede, o deserto do abandono, da solidão, do amor destruído. Há o deserto da obscuridão de Deus, do esvaziamento das almas que perderam a consciência da dignidade e do caminho do homem. Os desertos exteriores multiplicam-se no mundo, porque os desertos interiores tornaram-se tão amplos. Por isso, os tesouros da terra já não estão ao serviço da edificação do jardim de Deus, no qual todos podem viver, mas tornaram-se escravos dos poderes da exploração e da destruição. A Igreja no seu conjunto, e os Pastores nela, como Cristo, devem pôr-se a caminho, para conduzir os homens fora do deserto, para lugares da vida, da amizade com o Filho de Deus, para Aquele que dá a vida, a vida em plenitude. O símbolo do cordeiro tem ainda outro aspecto. No Antigo Oriente era costume que os reis se designassem como pastores do seu povo. Esta era uma imagem do seu poder, uma imagem cínica: os povos eram para eles como ovelhas, das quais o pastor podia dispor como lhe aprazia. Enquanto o pastor de todos os homens, o Deus vivo, se tornou ele mesmo cordeiro, pôs-se do lado dos cordeiros, daqueles que são esmagados e mortos.
Precisamente assim Ele se revela como o verdadeiro pastor: "Eu sou o bom pastor... Ofereço a minha vida pelas minhas ovelhas", diz Jesus de si mesmo (cf. Jo 10, 14 s). Não é o poder que redime, mas o amor! Este é o sinal de Deus: Ele mesmo é amor. Quantas vezes nós desejaríamos que Deus se mostrasse mais forte. Que atingisse duramente, vencesse o mal e criasse um mundo melhor. Todas as ideologias do poder se justificam assim, justificando a destruição daquilo que se opõe ao progresso e à libertação da humanidade. Nós sofremos pela paciência de Deus. E de igual modo todos temos necessidade da sua plenitude. O Deus, que se tornou cordeiro, diz-nos que o mundo é salvo pelo Crucificado e não por quem crucifica. O mundo é redimido pela plenitude de Deus e destruído pela impaciência dos homens.
Significado da entrega do anel do pescador: conquistar os homens para o Evangelho
Uma das características fundamentais deve ser a de amar os homens que lhe foram confiados, assim como ama Cristo, a cujo serviço se encontra. "Apascenta as minhas ovelhas", diz Cristo a Pedro, e a mim, neste momento. Apascentar significa amar, e amar quer dizer também estar prontos para sofrer. Amar significa: dar às ovelhas o verdadeiro bem, o alimento da verdade de Deus, da palavra de Deus, o alimento da sua presença, que ele nos oferece no Santíssimo Sacramento. Queridos amigos neste momento eu posso dizer apenas: rezai por mim, para que eu aprenda cada vez mais a amar o Senhor. Rezai por mim, para que eu aprenda a amar cada vez mais o seu rebanho vós, a Santa Igreja, cada um de vós singularmente e todos vós juntos. Rezai por mim, para que eu não fuja, por receio, diante dos lobos. Rezai uns pelos outros, para que o Senhor nos guie e nós aprendamos a guiar-nos uns aos outros.
O segundo sinal, com o qual é representado na liturgia de hoje o início do Ministério Petrino, é a entrega do anel do pescador. A chamada de Pedro para ser pastor, que ouvimos no Evangelho, acontece depois de uma pesca abundante: depois de uma noite, durante a qual tinham lançado as redes sem pescar nada, os discípulos vêem na margem do lago o Senhor Ressuscitado. Ele ordena-lhes que voltem a pescar mais uma vez e eis que a rede se enche tanto que eles não conseguem tirá-la para fora da água; 153 peixes grandes: "E apesar de serem tantos, a rede não se rompeu" (Jo 21, 11). Esta narração, no final do caminho terreno de Jesus com os seus discípulos, corresponde a uma narração do início: também então os discípulos não tinham pescado nada durante toda a noite; também então Jesus tinha convidado Simão a fazer-se ao largo mais uma vez.
E Simão, que ainda não era chamado Pedro, deu a admirável resposta: Mestre, porque tu o dizes, lançarei as redes! E eis o conferimento da missão: "Não tenhas receio; de futuro, serás pescador de homens" (Lc 5, 1-11). Também hoje é dito à Igreja e aos sucessores dos apóstolos que se façam ao largo no mar da história e que lancem as redes, para conquistar os homens para o Evangelho para Deus, para Cristo, para a vida. Os Padres dedicaram um comentário muito particular a esta tarefa. Eles dizem assim: para o peixe, criado para a água, é mortal ser tirado para fora do mar. Ele é privado do seu elemento vital para servir de alimento ao homem. Mas na missão do pescador de homens acontece o contrário. Nós homens vivemos alienados, nas águas salgadas do sofrimento e da morte; num mar de obscuridade sem luz. A rede do Evangelho tira-nos para fora das águas da morte e conduz-nos ao esplendor da luz de Deus, na verdadeira vida. É precisamente assim na missão de pescador de homens, no seguimento de Cristo, é necessário conduzir os homens para fora do mar salgado de todas as alienações rumo à terra da vida, rumo à luz de Deus. É precisamente assim: nós existimos para mostrar Deus aos homens. E só onde se vê Deus, começa verdadeiramente a vida. Só quando encontramos em Cristo o Deus vivo, conhecemos o que é a vida. Não somos o produto casual e sem sentido da evolução. Cada um de nós é o fruto de um pensamento de Deus. Cada um de nós é querido, cada um de nós é amado, cada um é necessário. Não há nada mais belo do que ser alcançados, surpreendidos pelo Evangelho, por Cristo. Não há nada de mais belo do que conhecê-Lo e comunicar com os outros a Sua amizade. A tarefa do pastor, do pescador de homens muitas vezes pode parecer cansativa. Mas é bela e grande, porque em definitiva é um serviço à alegria, à alegria de Deus que quer entrar no mundo.
Gostaria de realçar aqui mais uma coisa: quer na imagem do pastor quer na do pescador sobressai de maneira muito explícita a chamada à unidade. "Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil. Também estas Eu preciso de as trazer e hão-de ouvir a minha voz; e haverá um só rebanho e um só pastor" (Jo 10, 16), diz Jesus no final do sermão do bom pastor. E a narração dos 153 grandes peixes termina com a gloriosa constatação: "apesar de serem tantos, a rede não se rompeu" (Jo 21, 11). Ai de mim, amado Senhor, agora ela rompeu-se! Poderíamos dizer que sofremos. Mas não não devemos estar tristes! Alegremo-nos pela tua promessa, que não desilude, e façamos o possível para percorrer o caminho rumo à unidade, que tu prometeste. Façamos memória dela na oração ao Senhor, como pedintes: sim, Senhor, recorda-te de tudo o que prometeste. Faz com que sejam um só pastor e um só rebanho! Não permitas que a tua rede se rompa e ajuda-nos a ser servos da unidade!
Neste momento a minha recordação volta ao dia 22 de Outubro de 1978, quando o Papa João Paulo II deu início ao seu ministério aqui na Praça de São Pedro. Ainda, e continuamente, ressoam aos meus ouvidos as suas palavras de então: "Não tenhais medo, abri de par em par as portas a Cristo!" O Papa dirigia-se aos fortes, aos poderosos do mundo, os quais tinham medo que Cristo pudesse tirar algo ao seu poder, se o tivessem deixado entrar e concedido a liberdade à fé. Sim, ele ter-lhes-ia certamente tirado algo: o domínio da corrupção, da perturbação do direito, do arbítrio. Mas não teria tirado nada do que pertence à liberdade do homem, à sua dignidade, à edificação de uma sociedade justa. O Papa falava também a todos os homens, sobretudo aos jovens. Porventura não temos todos nós, de um modo ou de outro, medo, se deixarmos entrar Cristo totalmente dentro de nós, se nos abrirmos completamente a Ele, medo de que Ele possa tirar-nos algo da nossa vida? Não temos porventura medo de renunciar a algo de grandioso, único, que torna a vida tão bela? Não arriscamos depois de nos encontrarmos na angústia e privados da liberdade? E mais uma vez o Papa queria dizer: não! Quem faz entrar Cristo, nada perde, nada absolutamente nada daquilo que torna a vida livre, bela e grande. Não! Só nesta amizade se abrem de par em par as portas da vida. Só nesta amizade se abrem realmente as grandes potencialidades da condição humana. Só nesta amizade experimentámos o que é belo e o que liberta. Assim, eu gostaria com grande força e convicção, partindo da experiência de uma longa vida pessoal, de vos dizer hoje, queridos jovens: não tenhais medo de Cristo! Ele não tira nada, ele dá tudo. Quem se doa por Ele, recebe o cêntuplo. Sim, abri de par em par as portas a Cristo e encontrareis a vida verdadeira. Amém.
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019
Cadeira de São Pedro, Apóstolo
Nota Histórica:
A festa da Cadeira de São Pedro era já celebrada neste dia em Roma no século IV, para significar a unidade da Igreja, fundada sobre o Príncipe dos Apóstolos.
Jesus perguntou: "E vós, quem dizeis que Eu sou?".
Então, Simão Pedro tomou a palavra e disse: "Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo".
Jesus respondeu-lhe: "Feliz de ti, Simão, filho de Jonas, porque não foram a carne e o sangue que to revelaram, mas sim meu Pai que está nos Céus. Também Eu te digo: Tu és Pedro; sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Dar-te-ei as chaves do reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos Céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos Céus" (Mt 16, 13-19).
A celebração de hoje concentra-se à volta de São Pedro. É a parte pelo todo, a cadeira pelo Apóstolo. A "Cadeira" simboliza o ensinamento, a cátedra. Quem nela se senta, tem autoridade sobre os outros discípulos, o poder de confirmar na fé e de dar razões da esperança cristã.
BENTO XVI SOBRE A CADEIRA/CÁTEDRA
"A «cátedra» é a cadeira reservada ao Bispo, da qual deriva o nome «catedral», atribuído à igreja em que, precisamente, o Bispo preside à liturgia e ensina ao povo. A Cátedra de São Pedro, representada na abside da Basílica do Vaticano por uma escultura monumental de Bernini, é símbolo da missão especial de Pedro e dos seus sucessores de apascentar o rebanho de Cristo mantendo-o unido na fé e na caridade. Já no início do século II santo Inácio de Antioquia atribuía à Igreja que está em Roma um primado singular, saudando-a na sua carta aos Romanos, como aquela que «preside na caridade». Esta tarefa especial de serviço deriva para a Comunidade romana e para o seu Bispo do facto de que nesta Cidade derramaram o seu sangue os Apóstolos Pedro e Paulo, além de numerosos outros Mártires. Assim, voltamos ao testemunho do sangue e da caridade. Portanto, a Cátedra de Pedro é sim sinal de autoridade, mas de Cristo, fundamentada na fé e no amor".
(Papa Bento XVI, Solenidade da Cátedra de São Pedro, Domingo, 19 de fevereiro de 2012)
segunda-feira, 21 de janeiro de 2019
Santa Inês, virgem e mártir
Nota biográfica:
É uma das santas mais veneradas pela comunidade de Roma. Foi martirizada em Roma na segunda metade do século III ou, mais provavelmente, no princípio do século IV, no ano de 304, talvez. Tinha 13 anos, era uma adolescente, de extraordinária beleza, rica e nobre e virtuosa. A cobiça de jovens como Procópio, filho do Prefeito de Roma, Semprónio.
Para Inês a decisão estava tomada: não cederia aos encantos de qualquer jovem. Julgado e condenada a incensar os ídolos, a sua recusa leva-la-á à morte: "Virgens a Cristo consagradas não portarão tais lâmpadas, pois este fogo não é fé. Mas o meu sangue pode apagar este braseiro. Podem me ferir com suas espadas, mas nunca conseguirão profanar meu corpo consagrado a Cristo!" Foi exposta nua num prostíbulo no Circo de Domiciano (hoje a famosa praça Navona, onde se ergue a Basílica de Santa Inês in Agone). Foi decapitada. O papa S. Dâmaso adornou com versos o seu sepulcro e muitos santos Padres, seguindo S. Ambrósio, celebraram os seus louvores.
É também conhecida como Santa Inês de Roma ou Santa Agnes (cordeiro). Exames forenses realizados recentemente ao crânio da jovem que se encontrava no tesouro de relíquias do "Sancta Sanctorum" da Basílica de Latrão comprovaram que se trata do crânio de uma menina de 13 anos.
Nos quadros é representada frequentemente com um cordeiro junto a si, até porque o seu nome provém do latim "agnus" (cordeiro) e um lírio, símbolo da pureza.
É neste dia que o Papa benze os cordeirinhos dos quais será retirada a lã para confeccionar os pálios usados pelo Papa e pelos Arcebispos. No início era usada pele de cordeiro aos ombros.
Para Inês a decisão estava tomada: não cederia aos encantos de qualquer jovem. Julgado e condenada a incensar os ídolos, a sua recusa leva-la-á à morte: "Virgens a Cristo consagradas não portarão tais lâmpadas, pois este fogo não é fé. Mas o meu sangue pode apagar este braseiro. Podem me ferir com suas espadas, mas nunca conseguirão profanar meu corpo consagrado a Cristo!" Foi exposta nua num prostíbulo no Circo de Domiciano (hoje a famosa praça Navona, onde se ergue a Basílica de Santa Inês in Agone). Foi decapitada. O papa S. Dâmaso adornou com versos o seu sepulcro e muitos santos Padres, seguindo S. Ambrósio, celebraram os seus louvores.
É também conhecida como Santa Inês de Roma ou Santa Agnes (cordeiro). Exames forenses realizados recentemente ao crânio da jovem que se encontrava no tesouro de relíquias do "Sancta Sanctorum" da Basílica de Latrão comprovaram que se trata do crânio de uma menina de 13 anos.
Nos quadros é representada frequentemente com um cordeiro junto a si, até porque o seu nome provém do latim "agnus" (cordeiro) e um lírio, símbolo da pureza.
É neste dia que o Papa benze os cordeirinhos dos quais será retirada a lã para confeccionar os pálios usados pelo Papa e pelos Arcebispos. No início era usada pele de cordeiro aos ombros.
O pálio usado por cima da casula. O Papa com o pálio que usava no início, e a forma do pálio actual. Várias arcebispos, depois de terem sido investidos com o pálio. No pálio papal, a cruz é vermelha, nos pálios dos arcebispos a cruz é em preto.
Oração de colecta:
Deus eterno e omnipotente, que escolheis os mais frágeis do mundo para confundir os fortes, concedei que, celebrando o martírio de Santa Inês, imitemos a constância da sua fé. Por Nosso Senhor.
(Celebração em que o Papa Francisco coloca os pálios aos Arcebispos, em 2013 e em 2014)
Santo Ambrósio, bispo, sobre as virgensAinda não apta para o sofrimento e já madura para a vitória
Celebramos uma virgem: imitemos a sua integridade. Celebramos a mártir: ofereçamos sacrifícios.
Celebramos Santa Inês. Conta-se que teria sofrido o martírio com doze anos. Quanto mais detestável se mostra a crueldade que nem a infantil idade poupou, tanto maior é a força da fé que até naquela idade encontrou testemunho.
Em corpo tão pequeno haveria sequer espaço para os sofrimentos? Mas aquela que quase não tinha tamanho para ser ferida pela espada, teve forças para vencer a espada. E contudo, as meninas desta idade não suportam sequer o rosto zangado dos pais e choram como se de feridas se tratasse por causa da picada de um alfinete.
Mas Inês permanece impávida entre as mãos dos cruéis algozes, imóvel perante o pesado e estridente arrastar das cadeias. Oferece o corpo à espada do soldado furibundo, sem saber o que é a morte, mas pronta para ela; levada à força até ao altar dos ídolos, estende as mãos para Cristo entre as chamas de fogo, e no próprio lume do sacrilégio assinala o troféu do Senhor vitorioso; por fim introduz o pescoço e as mãos nos aros de ferro, mas nenhum elo é suficientemente apertado para reter membros tão pequenos.
Novo género de martírio! Ainda não apta para o sofrimento e já madura para a vitória; mal pode combater e facilmente triunfa; dá uma lição de fortaleza, apesar da sua tão tenra idade. Nenhuma noiva se adiantaria para o leito nupcial com aquela alegria com que a virgem avançou para o lugar do suplício, levando a cabeça enfeitada não de tranças mas de Cristo, e coroada não de flores mas de virtudes.
Todos choram, só ela não tem lágrimas. Todos se admiram de que tão generosamente entregue a sua vida quem ainda não a começara a gozar, como se já a tivesse vivido plenamente. A todos espanta que se levante já como testemunha de Deus uma criança, que, pela idade, não podia ainda dar testemunho de si mesma. E afinal foi fidedigno o testemunho que deu acerca de Deus esta criança que ainda não podia testemunhar a respeito de um homem; porque o que ultrapassa a natureza, pode fazê-lo o Autor da natureza.
Quantas ameaças do algoz para que ela se atemorizasse, quantas seduções para que se convencesse, quantas promessas para que o desposasse! Mas a sua resposta foi esta: «É uma ofensa ao Esposo fazer-se esperar; aquele que primeiro me escolheu para Si, esse é que me receberá. Porque demoras, verdugo? Pereça este corpo, que pode ser amado por quem eu não quero». Levantou-se, rezou, inclinou a cabeça.
Terias podido ver o carrasco perturbar-se, como se fosse ele o condenado; tremer a mão direita do verdugo; empalidecerem-se os rostos, temerosos do perigo alheio, enquanto a jovem não temia o próprio.
Tendes numa única vítima dois martírios, o da pureza e o da fé. Permaneceu virgem e foi mártir.
sábado, 12 de janeiro de 2019
Cardeal ROBERT SARAH - A força do silêncio
Cardeal ROBERT SARAH, com Nicolas Diat (2017). A força do silêncio. Contra a ditadura do barulho. Cascais: Lucerna. 2.ª edição. 272 páginas.
O Cardeal Robert Sarah é, desde 2014, prefeito da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos e, segundo Bento XVI, no prefácio a este livro-entrevista, foi uma excelente escolha do Papa Francisco. O livro anterior tornou-se um sucesso internacional, Deus ou nada, debruçando-se sobre a fé, marcadamente autobiográfico.
"Em 1979, aos 34 anos de idade, Robert Sarah tornou-se o bispo mais novo da Igreja Católica, quando João Paulo II o incumbiu de presidir ao arcebispado de Conacri. O seu antecessor tinha sido preso pelo Governo marxista da Guiné, que o manteve detido durante vários anos. Quando o arcebispo Sarah correu o risco de ser assassinado, em virtude da sua luta enérgica e corajosa pela liberdade dos Guineenses, João Paulo II chamou-o a desempenhar, em Roma, as funções de secretário da Congregação para a Evangelização dos Povos. Em 2010, o Papa Bento XVI nomeou-o cardeal e escolheu-o para prefeito do Pontifício Conselho Cor Unum. Em 2014, o Papa Francisco nomeou-o prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos" (wook)
Acompanha-o, na entrevista, Nicolas Diat, como já tinha acontecido com o livro-entrevista "Deus ou nada". Nicolas Diat é um escritor especialista em temas relacionados com a Igreja Católica. É autor de uma obra de referência sobre o pontificado de Bento XVI.
Na parte final do livro, entra um novo protagonista, Dom Dymas de Lassus, Prior da Grande Cartuxa e prior Geral da Ordem dos Cartuxos, fundada em 1084 por São Bruno. As perguntas passam a ser dirigidas ao Cardeal Sarah e a Dom Dymas.
Como o próprio título indica, o livro é sobre a força do silêncio, num tempo em que predomina o barulho, a confusão, as tentações, a dispersão. Face à ditadura do barulho, o silêncio, a oração e a adoração. O encontro com Deus só é possível no silêncio. Este não vale por si, mas enquanto possibilidade de encontrar, de escutar Deus.
É uma leitura extraordinária, envolvente, que assoma a fé, a provação do Cardeal, no seu percurso como cristão, como Bispo, enfrentando a prisão e a possibilidade de ser morto. Vem ao de cima a grande ligação à Igreja, a Jesus Cristo. O silêncio é oportunidade de nos encontrarmos connosco, de deixarmos que Deus nos fale ao coração. O barulho dispersa, esconde, abafa a voz e a palavra. O silêncio valoriza a palavra. Jesus é a Palavra que encarna. Mas muitas vezes vemo-l'O em silêncio, retirando-Se para o deserto ou para um lugar isolado, para Se sentir mais próximo do Pai. O silêncio vale enquanto promove esta intimidade, este encontro. É como no amor. Quando duas pessoas se amam não precisam de muitas palavras, conseguem estar em silêncio. o Silêncio permite escutar o outro e aprender. Quem não faz silêncio (exterior e interior) não tem espaço para a escuta, para a relação, para criar laços com os outros. Há muito ruído, muito palavreado, procura-se preencher os silêncios com ruído, com palavras, com entretenimento.
Algumas expressões:
Bento XVI no Prefácio:
"... entrar no silêncio de Jesus, do qual nasce a Sua Palavra. Se não conseguirmos entrar em silêncio, a nossa escuta da palavra será sempre superficial e, portanto, não a compreenderemos verdadeiramente... Devemos estar gratos ao Papa Francisco por ter colocado um tal mestre do espírito à cabeça da Congregação responsável pela celebração da liturgia na Igreja".
Cardeal Robert Sarah:
"O silêncio não é ausência... é manifestação de uma presença".
"Jesus parece indicar os contornos de uma pedagogia espiritual: devemos sempre procurar ser Maria a fim de nos tornarmos Marta".
"O silêncio é a maior liberdade do homem. Nenhuma ditadura, nenhuma guerra, nenhuma barbárie o pode privar deste tesouro divino".
"Cristo viveu durante 30 anos no silêncio. Depois, durante a sua vida pública, retirou-Se para o deserto para escutar e falar com o Pai... Deus fala no silêncio".
"Não há nada mais pequeno, mais doce e mais silencioso do que Cristo presente na hóstia consagrada. Esse pequeno pedaço de pão encarna a humildade e o silêncio perfeito de Deus, a Sua ternura e o Seu amor por nós".
"Matando o silêncio, o homem assassina Deus".
sexta-feira, 7 de dezembro de 2018
Santo Ambrósio, Bispo e Doutor da Igreja
Nascido em Tréveris, cerca do ano 340, de uma família romana, fez os seus estudos em Roma e iniciou em Sírmio a carreira pública. Em 374, vivendo em Milão, foi inesperadamente eleito para bispo da cidade e recebeu a ordenação em 7 de Dezembro. Fiel cumpridor do seu dever, distinguiu-se sobretudo na caridade para com todos, como verdadeiro pastor e mestre dos fiéis. Defendeu corajosamente os direitos da Igreja; com seus escritos e sua atividade ilustrou a verdadeira doutrina contra o arianismo. Morreu no Sábado Santo, em 4 de Abril de 397.
Oração:
Senhor, que nos destes em Santo Ambrósio um mestre insigne da fé católica e um exemplo de apostólica fortaleza, fazei surgir na Igreja homens segundo o vosso coração, que a governem com firmeza e sabedoria. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
Fonte: Secretariado Nacional da Liturgia.
Papa Bento XVI sobre Santo Ambrósio:
Das cartas de Santo Ambrósio, bispo(Epist. 2, 1-2.4-5.7: PL 16 [ed. 1845], 847-881) (Sec. IV)O encanto da tua palavra inspire confiança ao povo
Recebeste o ofício sacerdotal e, sentado à popa da Igreja, governas a barca contra a fúria das ondas. Segura bem o timão da fé, para que não te inquietem as violentas tempestades deste mundo. O mar é, sem dúvida, grande e espaçoso, mas não temas: Ele a fundou sobre os mares e a consolidou sobre as águas.
Por isso, a Igreja do Senhor, edificada sobre a pedra apostólica, mantém-se segura entre os escolhos do mundo e, apoiada em tão sólido fundamento, permanece firme contra as investidas do mar em tempestade. Vê-se envolvida pelas ondas, mas não abalada; e embora muitas vezes os elementos deste mundo a sacudam com grande fragor, ela oferece aos navegantes cansados um porto seguro de salvação. Ela flutua no mar, mas navega também pelos rios, sobre aqueles rios de que se diz no salmo: Os rios levantam a sua voz. São os rios que brotam do coração daqueles que beberam da água de Cristo e receberam o Espírito de Deus. Quando transbordam de graça espiritual, estes rios levantam a sua voz.
Há também um rio que corre para os seus santos como uma torrente. Há um rio que alegra com as suas águas a alma tranquila e pacífica. Quem receber da plenitude deste rio, como João Evangelista, Pedro e Paulo, levanta a sua voz; e do mesmo modo que os Apóstolos difundiram até aos confins da terra a voz da pregação evangélica, também o que recebe deste rio começará a anunciar o Evangelho do Senhor Jesus. Recebe também tu da plenitude de Cristo, para que se faça ouvir também a tua voz. Recebe a água de Cristo, essa água que louva o Senhor. Recolhe a água dos numerosos lugares em que a deixam cair as nuvens dos Profetas.
Quem recolhe a água dos montes ou a tira e bebe das fontes, pode enviar o seu orvalho como as nuvens. Enche, portanto, o teu coração com esta água, para que a terra da tua alma seja regada e tenhas a fonte em tua própria casa.
Quem muito lê e entende, enche-se com aquilo que lê; e quem está cheio pode regar os demais; por isso, diz a Escritura: Se as nuvens estão cheias, derramarão chuva sobre a terra.
As tuas pregações sejam fluentes, puras e claras, de modo que a tua exortação moral se infunda suavemente no coração dos ouvintes e o encanto da tua palavra inspire a confiança do povo; deste modo ele te seguirá voluntariamente para onde o conduzires.
Os teus discursos estejam cheios de inteligência. Neste sentido diz Salomão: Os lábios do sábio são as armas da sabedoria; e noutro lugar: O pensamento dirija os teus lábios, isto é, os teus sermões brilhem pela sua clareza e inteligência, os teus discursos e as tuas explicações não precisem de sentenças alheias mas sejam capazes de se defender por si mesmas; enfim não saia da tua boca nenhuma palavra inútil e sem sentido.
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