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sábado, 25 de janeiro de 2025

Domingo III do Tempo Comum - ano C - 26 de janeiro

       1 – São Lucas é o evangelista que mais de perto nos acompanhará nos Domingos e Solenidades deste Ano C. É considerado o Evangelho da Oração (do Senhor), do Envio, Evangelho Missionário, Evangelho da Misericórdia de Deus, e também o Evangelho dos Encontros. O Pai de Jesus Cristo, e nosso Pai, é um Deus misericordioso, clemente e compassivo. Algumas das parábolas que teremos oportunidade de escutar são uma marca luminosa da misericórdia de Deus: o Bom Samaritano; a Oração do Fariseu e do Publicano, a Parábola do Filho Pródigo e também da ovelha tresmalhada e da dracma perdida, do Juiz iníquo e da viúva insistente, do rico avarento e do pobre Lázaro ou mesmo do grande banquete. Da mesma forma os diversos encontros de Jesus: com Levi (Mateus), com Zaqueu, com a mulher apanhada em flagrante adultério, a refeição em casa do fariseu Simão e a pecadora arrependida, com a viúva de Naim, a quem ressuscita o filho único, com os 10 leprosos, com o bom ladrão.
       Logo no início do Evangelho, São Lucas apresenta o seu propósito: "Já que muitos empreenderam narrar os factos que se realizaram entre nós, como no-los transmitiram os que, desde o início, foram testemunhas oculares e ministros da palavra, também eu resolvi, depois de ter investigado cuidadosamente tudo desde as origens, escrevê-las para ti, ilustre Teófilo, para que tenhas conhecimento seguro do que te foi ensinado".
       O Evangelho é colocado por escrito para ser transmitido com mais segurança e rigor aos vindouros. É para nós que São Lucas escreve, para acolhermos as palavras e sobretudo a vida de Jesus. Teófilo – o amigo de Deus – somos nós, se nos dispomos acolher Deus com a Sua Palavra.
       2 – Durante a quadra de Natal, escutámos o Evangelho de Infância: anunciação, visitação, nascimento de Jesus, perda e encontro de Jesus no Templo. E claro as referências a São João Batista, anúncio a Zacarias que vai ser pai, nascimento de João Batista, e a pregação do Precursor. Entretanto, o texto lucano faz-nos avançar para a prisão de João Batista, seguindo-Se o batismo (inicial) de Jesus. Logo Jesus é impelido pelo Espírito Santo ao deserto (texto para escutar e refletir no primeiro domingo da Quaresma), onde é tentado pelo demónio. Volta para a Galileia e inicia-se (em definitivo) o ministério público, assumindo-Se como Enviado, Ungido do Senhor, o Filho bem-amado do Pai.
       Vai a Nazaré, onde se tinha criado. A sua fama já se espalhara por toda a região, pelo que também aqui se pressupõe que Jesus já pregava e realizava prodígios, ainda que para Lucas esta presença em Nazaré seja um dos primeiros "atos" públicos de Jesus.
       Era habitual Jesus ir à Sinagoga aos sábados, como todos os judeus crentes. Jesus integra-se no povo, na sua cultura e na sua religião. Estando na Sinagoga de Nazaré, chegado o momento, levanta-se para fazer a Leitura. Faz-nos lembrar a nossa liturgia, com as leituras e com a subsequente reflexão. Entregam-lhe o rolo (livro) de Isaías e encontra a seguinte passagem: «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres. Ele me enviou a proclamar a redenção aos cativos e a vista aos cegos, a restituir a liberdade aos oprimidos e a proclamar o ano da graça do Senhor».
       A liturgia desenrola-se, Jesus enrola o livro de Isaías e entrega-o ao ajudante. Senta-se. Como "mestre", senta-se para fazer a homilia e diz: «Cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir».
       Simples, direto, sucinto. HOJE cumpriu-se a Escritura. Vejamos: O Espírito do Senhor está em Jesus, ungiu-O para anunciar a boa nova aos pobres e a liberdade a todos os que vivem oprimidos pela doença, pela solidão, pelo medo. Veio trazer-nos a graça de Deus, cujo ano proclama. É um ANO de GRAÇA que HOJE nos é dado. Hoje, não ontem, não amanhã. Hoje.
       3 – Jesus surge no seguimento de outros Profetas, sendo Ele, não mais um, mas o último, o Profeta por excelência, o Ungido do Senhor. Os Patriarcas, os Juízes e os Profetas mantiveram Deus por perto, com as suas palavras inspiradas, a mensagem da Aliança, animando nos momentos históricos adversos, convocando para a fidelidade à Misericórdia de Deus para se manterem fiéis ao sonho, ao caminho, integrando outros e sendo bênção para todos os povos.
       Extraordinário e comovente relato nos é oferecido na primeira leitura. O Livro da Lei volta a estar disponível. Aqui o Livro sagrado visualiza a presença, o amor, a aliança de Deus com o Povo. O sacerdote Esdras traz o Livro da Lei, coloca-se diante da assembleia, de homens e de mulheres, isto é, todos os que eram capazes de compreender. E leu desde a aurora ao meio-dia.
       Relembremos também a nossa liturgia da Palavra. Esdras está de pé, num estrado de madeira, feito de propósito, elevado em relação à assembleia. Quando Esdras abriu o Livro todos se levantaram. Esdras bendisse a Deus, e o povo, erguendo as mãos, respondeu: «Ámen! Ámen!».
       Homens e mulheres prostram-se por terra para adorarem o Senhor. Os levitas leem, clara e distintamente, a Lei de Deus, explicando o seu sentido, para que todos possam compreender. Esdras e os Levitas ensinam todo o povo, que agradece, emocionado. É então que o governador Neemias, o sacerdote e escriba Esdras e os levitas dizem a todo o povo: «Hoje é um dia consagrado ao Senhor vosso Deus. Não vos entristeçais nem choreis». – Porque todo o povo chorava, ao escutar as palavras da Lei –. Depois Neemias acrescentou: «Ide para vossas casas, comei uma boa refeição, tomai bebidas doces e reparti com aqueles que não têm nada preparado. Hoje é um dia consagrado a nosso Senhor; portanto, não vos entristeçais, porque a alegria do Senhor é a vossa fortaleza».
       É o dia consagrado ao Senhor, dedicado à escuta e reflexão da Palavra de Deus, à adoração, mas também à festa em família.
       Podemos perguntar-nos como nos predispomos a escutar, a viver, a testemunhar a Palavra de Deus. Aquele povo emociona-se, comove-se, pois a Palavra de Deus que lhes é dirigida garante-lhes a presença e a bênção de Deus. A sinagoga de Nazaré coloca-se em posição, com os olhos voltados para Jesus, para O escutarem. E nós?
       4 – Hoje somos nós que estamos naquela Sinagoga! HOJE temos os olhos fitos em Jesus, os olhos e os ouvidos. Hoje: a Lei do Senhor, mas muito mais, a Sua graça. É um Ano feliz, santo, benfazejo, porque Deus está no meio de nós, já não apenas em palavras e promessas, mas na Palavra, em Jesus Cristo, que vive no meio de nós e se esconde (especialmente) nos mais pequeninos que colocou na nossa vida, para amarmos e servimos e para aprendermos a ser irmãos.
"A lei do Senhor é perfeita, ela reconforta a alma; as ordens do Senhor são firmes, dão sabedoria aos simples. / Os preceitos do Senhor são retos e alegram o coração; os mandamentos do Senhor são claros e iluminam os olhos. / O temor do Senhor é puro e permanece eternamente; os juízos do Senhor são verdadeiros, / todos eles são retos. / Aceitai as palavras da minha boca e os pensamentos do meu coração estejam na vossa presença: Vós, Senhor, sois o meu amparo".
       Há leis que matam, que aprisionam, que nos encolhem, que assustam, leis que dividem em maiores e menores, pessoas de primeira e de segunda, leis que nos subjugam. A Lei do Senhor reconforta-nos, desafia-nos, provoca-nos para o melhor de nós mesmos, liberta-nos para o bem, para a justiça e para a verdade. A LEI do Senhor agora tem um ROSTO: Jesus, Rosto da Misericórdia do Pai. Deus não nos governa de fora, distante e indiferente aos nossos sofrimentos. Deus ama-nos a partir de nós, do interior. Em Cristo vem habitar-nos, vem morar connosco.

       5 – Belíssima também a página de São Paulo que temos a dita de hoje escutar. A Igreja é o Corpo de Cristo, do qual Ele é a Cabeça e nós os membros. O Apóstolo sublinha o lugar e a importância de todos os membros, diferentes mas necessários.
       "O corpo é um só e tem muitos membros, e todos os membros do corpo, apesar de numerosos, constituem um só corpo". Também em Cristo acontece da mesma forma: todos nós - "judeus e gregos, escravos e homens livres – fomos batizados num só Espírito para constituirmos um só corpo e a todos nos foi dado a beber um só Espírito".
       No corpo todos os membros contam, todos são importantes. Muitas vezes os membros aparentemente mais frágeis são os que precisam de mais cuidados, pois a sua importância é crucial. E se um dos membros está em sofrimento, todos os membros padecem. Sabemos bem disso: se me doer um dente, é todo o corpo que fica em sofrimento, os ouvidos, a cabeça, o equilíbrio, a disposição, a vontade. É apenas um dente e afeta todo o meu dia.
       "Vós sois corpo de Cristo e seus membros, cada um por sua parte". O mesmo Deus, a mesma fé, o mesmo Batismo, Deus atua em todos. Os dons que Deus nos dá destinam-se ao bem de todos.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): Ne 8, 2-4a. 5-6. 8-10; Sl 18 B (19); 1 Cor 12, 12-30; Lc 1, 1-4: 4, 14-21.

sábado, 21 de maio de 2016

Solenidade da Santíssima Trindade - C - 22.maio.2016

       1 – Em muitas situações da vida temos dificuldade em compreender, aceitar e acolher uma opinião diferente da nossa, uma forma de viver que nos é alheia, uma postura que temos como petulante e prepotente. Umas vezes com razão. Muitas vezes porque não demos tempo para que o outro explicasse. Não escutámos. Com pressa, adiantamo-nos a silenciamos outras opções, para não termos nem que refletir nem que escolher.
       Ao fim e ao cabo, todos somos tolerantes e compreensivos quando concordam connosco e/ou quando estimamos aqueles que se nos contrapõem. É conhecido o episódio em que os discípulos voltam para junto de Jesus, dizendo-Lhe, satisfeitos da vida, que proibiram um homem de expulsar espíritos impuros em Seu nome por não fazer parte do grupo (Mc 9, 38-40 ). Pouco depois Jesus dir-lhes-á que entre eles o serviço aos outros deve ser uma prioridade e um compromisso constante. As disputas para o primeiro lugar ficam reservadas para os chefes das nações, não para os Seus seguidores (cf. Mc 9, 30-37). E, por outro lado, o bem é sempre bem, venha de onde vier!
       Se olharmos para a política, para o desporto e até para a Igreja vemos com facilidade a tentação de excluir quem não concorda com as nossas ideias e com as nossas opções. Só o que vem da minha bancada, da minha janela, do meu grupo, do meu clube é que é positivo e defensável. Somos pouco trinitários, temos dificuldades ancestrais em aceitar e acolher o que não é familiar, por defesa, por medo, por insegurança e/ou por sobrevivência. Quando duas tribos se encontravam, lutavam pelo mesmo lugar, mediam forças e tentavam aniquilar-se mutuamente garantindo que não estariam sujeitas a novas ameaças. Cortava-se o mal pela raiz! Ou, estabelecem uma aliança de cooperação, garantida por casamentos mistos, envolvendo as famílias das duas tribos.
        Segundo o livro do Génesis, Deus criou-nos para vivermos como família, um só povo porque um só Deus e Pai de todos. O pecado – quando cada um encara o outro como adversário e como inimigo, o outro como impossibilidade para "eu" ser deus – gera conflitos, disputas, guerras, ruturas. Afastam-se os mais frágeis. Impõem-se os mais fortes. Pelo menos até certo ponto, pois os mais fracos podem preparar-se e fortalecer-se para se tornarem mais fortes e poderem voltar à luta.
       2 – A solenidade da Santíssima Trindade cria mais uma oportunidade para louvarmos o Deus que nos é revelado por Jesus Cristo, que O encarna, personificando-O no tempo e na história, mostrando-O (quem Me vê, vê o Pai), dando-lhe um rosto, um corpo, tornando-O visível. Em Jesus Cristo, vemos Deus. Nos seus gestos e palavras. Na Sua postura e nas Suas escolhas. Na Sua delicadeza e na Sua compaixão. Cumprido o tempo, Ele enviar-nos-á o Espírito Santo, para que continue a revelar-nos a misericórdia infinita do Pai e a suscitar em nós a docilidade para O acolhermos, vivendo-O e testemunhando-O em todo o mundo e em todo o tempo.
       Acompanhando Jesus, os discípulos veem e compreendem que para Deus não há excluídos. Na expressão do Papa Francisco, não há santos sem passado e sem pecado, e não há pecadores sem futuro, sem possibilidade de se arrependerem e mudarem de vida. Para Jesus, os pecadores, os excluídos do poder, da sociedade, da cultura, da religião, as pessoas doentes, os publicanos, os pequeninos, as prostitutas, as pessoas cujas profissões "menores" as afastam dos reinos deste mundo, têm preferência no Reino de Jesus, não por serem melhores mas precisamente porque são os primeiras a precisarem de ser socorridos. Os pais darão uma atenção privilegiada ao filho que está doente ou está mais frágil, não por desamor em relação aos outros, mas para que aquele volte à mesa e ao convívio. E isso é ser família, cuidar uns dos outros, a começar pelos mais frágeis. Sabemos bem como atravessamos a cultura do descarte (expressão do Papa Francisco)! Desafio: construir a cultura da proximidade, da inclusão, instaurando a civilização do amor e da vida, já preconizada por Paulo VI, acentuada por João Paulo II, clarificada por Bento XVI e globalizada por Francisco.
       3 – O Evangelho hoje proclamado coloca-nos nos últimos momentos da vida histórico-temporal de Jesus. A caminhada percorrida com os Seus discípulos já tem algum tempo. Amadureceram. Puderam ver Jesus, a Sua postura delicada, a atenção aos mais frágeis, a confiança que lhes comunicou a falar do Pai, o reino aberto a todos.
       Ao aproximar-se o final, Jesus sabe que ainda precisam de mais tempo, mas sobretudo precisam de se manter ligados ao Pai, pelo Espírito Santo. Se nos apoiarmos em nós, as nossas limitações e fraquezas virão ao de cima e facilmente podemos ensoberbecer-nos. Se nos deixarmos guiar pelo Espírito, Ele nos revelará a verdade, além das nossas debilidades e pecados. Somos vasos de barro, mas ainda assim Deus manifesta-Se em nós e através de nós. O Espírito de Deus faz-nos perceber da nossa grandeza, porque filhos de Deus, e da nossa dependência aos outros, porque irmãos; faz-nos acolher os outros como família e não como adversários e inimigos, mostrando-nos o caminho a percorrer e a distância que nos separa – e nos atrai – da misericórdia de Deus.
       Diz Jesus: «Tenho ainda muitas coisas para vos dizer, mas não as podeis compreender agora. Quando vier o Espírito da verdade, Ele vos guiará para a verdade plena; porque não falará de Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará o que está para vir. Ele Me glorificará, porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará. Tudo o que o Pai tem é meu. Por isso vos disse que Ele receberá do que é meu e vo-lo anunciará».
       O Espírito Santo nos revelará toda a verdade, recordar-nos-á as palavras de Jesus, palavras que nos geram para a vida eterna e nos comprometem com o reino de Deus, aqui e agora, neste mundo.
       4 – A economia da salvação traz-nos Deus. Como alguém dizia, não é preciso a chegada de Cristo ou do Papa Francisco, para chegar à humanidade a misericórdia de Deus. A Sagrada Escritura vai dando nota da presença benevolente de Deus na História. Pelos mensageiros, Patriarcas, Juízes, Profetas e Reis. Pelos acontecimentos que colocam à prova a fé e a firmeza do povo eleito.
       O livro dos Provérbios fala-nos da Sabedoria de Deus, que poderemos, seguindo a reflexão dos Padres da Igreja e com algumas cautelas, identificar com o próprio Jesus.
       A sabedoria de Deus apresenta-se: «O Senhor me criou... antes das suas obras mais antigas. Desde a eternidade fui formada, desde o princípio, antes das origens da terra. Antes de existirem os abismos e de brotarem as fontes das águas... antes de se implantarem as montanhas e as colinas... ainda o Senhor não tinha feito a terra e os campos, nem os primeiros elementos do mundo. Quando Ele consolidava os céus, eu estava presente; quando traçava sobre o abismo a linha do horizonte, quando condensava as nuvens nas alturas, quando fortalecia as fontes dos abismos, quando impunha ao mar os seus limites para que as águas não ultrapassassem o seu termo, quando lançava os fundamentos da terra, eu estava a seu lado como arquiteto, cheia de júbilo, dia após dia, deleitando-me continuamente na sua presença».
       Há páginas nos profetas que anunciam a vinda do Messias. Com efeito, ler o Antigo Testamento com a luz da Páscoa, que inclui o mistério da Encarnação, ajuda a perceber o encadeamento da história da Aliança de Deus com o Seu povo. Uma Aliança que não fica em banho-maria, mas tem um desfecho. Ao mesmo, lendo o Novo Testamento com os seus antecedentes, ajuda a perceber e acolher melhor todo o mistério de Deus que Se revela ao longo do tempo e em plenitude com a vinda de Jesus Cristo. Não é um momento, um rompante. Deus, desde sempre, cria-nos por amor, querendo-nos bem, vem salvar-nos. Toda a história da humanidade está imbuída da misericórdia complacente de Deus. 

       5 – Na segunda leitura, o Apóstolo São Paulo desafia-nos a confiarmos a nossa vida a Deus que é Pai e Filho e Espírito Santo, na certeza que não nos desiludiremos. Com efeito, fomos "justificados pela fé, estamos em paz com Deus, por Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual temos acesso, na fé, a esta graça em que permanecemos e nos gloriamos, apoiados na esperança da glória de Deus. Mais ainda, gloriamo-nos nas nossas tribulações, porque sabemos que a tribulação produz a constância, a constância a virtude sólida, a virtude sólida a esperança. Ora a esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado".
       A esperança em Deus anima-nos nas tribulações e fortalece-nos no compromisso para construirmos um mundo mais fraterno, iniciando o reino de Deus que Jesus nos trouxe da eternidade, para a qual nos conduzirá. Há que converter as dificuldades em provações e oportunidades!
       Confiemo-nos nas mãos e no coração de Deus: "Deus Pai, que revelastes aos homens o vosso admirável mistério, enviando ao mundo a Palavra da verdade e o Espírito da santidade, concedei-nos que, na profissão da verdadeira fé, reconheçamos a glória da eterna Trindade e adoremos a Unidade na sua omnipotência" (oração de coleta).

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): Prov 8, 22-31; Sl 8; Rom 5, 1-5; Jo 16, 12-15.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

D. MANUEL CLEMENTE - O Evangelho e a Vida - ano C

D. MANUEL CLEMENTE (2015). O Evangelho e a Vida. Conversas na rádio no Dia do Senhor. Ano C. Cascais: Lucerna. 304 páginas.
       D. Manuel Clemente teve nos microfones da Rádio Renascença um instrumento privilegiado de evangelização, salientando-se os 12 anos, no programa "O Dia do Senhor", nas manhãs de domingo, a comentar a Liturgia da Palavra de cada domingo, centrando-se especialmente no Evangelho proclamado nesse dia.
        Depois dos dois volumes - ano A e ano B -, a publicação do volume do ano C. A linguagem é radiofónica, portanto, direta, acessível, simples, situando o texto, pondo em evidência uma frase ou uma expressão, a postura de Jesus e a reação das pessoas, a vivência dos discípulos e das comunidades cristãos, a reação dos ouvintes e a forma como as comunidades foram acolhendo e traduzindo a palavra de Deus para melhor viver e seguir Jesus Cristo.
       A Palavra de Deus é viva, para todos os tempos. Jesus ressuscitou, vive entre nós, continua a ser a força e a luz de muitas pessoas e de muitas comunidades. O mundo pode sempre melhorar, os cristãos têm uma importância crucial, com os valores da vida, da dignidade humana, da partilha solidária, do amor caritativo, da doação da própria vida pelo vida dos outros, ao jeito de Jesus, seguindo a Sua Palavra e a Sua maneira específica de privilegiar os mais frágeis, as pessoas excluídas, pela doença, pelo estrato social, pela profissão, pela vida moral. Para Jesus todos são - todos somos - filhos que merecem todo o cuidado, toda atenção.
       Como em outros comentários à Liturgia de Domingo, a sua leitura poderá fazer-se na semana que antecede cada domingo, ficando mais próxima a preparação do mesmo, ou de uma assentada, ficando-se com uma visão global e antecipada de todo o ano litúrgico, que começou com o primeiro domingo do Advento e terminará em 20 de novembro de 2016. Coincidente com este ano litúrgico, a celebração do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, sabendo-se que neste ano C é proclamada preferencial do Evangelho de São Lucas, Evangelho da Misericórdia.
        Havendo diversos subsídios confiáveis e seguros que ajudam a preparar e a refletir a Liturgia da Palavra de cada domingo, também este, seguramente, é um comentário seguro, interpelativo, centrado no texto mais importante para os cristãos - o Evangelho - e num discurso muito direto e muito vivo, inculturado na atualidade, desafiador da criatividade e do compromisso dos cristãos para hoje.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

D. António Couto: quando Ele nos abre as Escrituras: C

D. ANTÓNIO COUTO (2015). Quando Ele nos abre as Escrituras. Domingo após Domingo. Uma leitura bíblica do Lecionário. Ano C. Lisboa: Paulus Editora. 464 páginas.
       O Bispo de Lamego, D. António José da Rocha Couto, é reconhecidamente um estudioso da Bíblia, pela formação académica, pela responsabilidade pastoral, pelo compromisso universitário, pelo gosto pessoal e bastimal. A Sagrada Escritura é uma enxurrada de Deus que vem até nós pela Palavra inspirada, anunciada, escrita, experimentada, visível na história e no tempo, nos acontecimentos passados e nos momentos que passam, através de pessoas e de povos, e sobretudo em Jesus Cristo, o Filho Bem-amado do Pai, que nos abre o Céu, trazendo-nos, em Si, o próprio Deus.
       Depois da publicação das Leituras Bíblicas do Lecionário ano A e do Lecionário do ano B, com a Introdução ao Evangelho de Mateus e Introdução ao Evangelho de Marcos, eis agora a Leitura Bíblica do Lecionário do Ano C, enquanto se aguarda a edição da Introdução ao Evangelho de Lucas.
Todas as semanas, centenas de pessoas visitam a página de D. António Couto, na qual coloca as propostas de reflexão para o Dia do Senhor, Mesa de Palavras, sendo depois partilhada em diferentes plataformas digitais, também na página da Diocese de Lamego no Facebook.
       Escreve como se fosse a última coisa que fizesse, como um legado, com a mestria de um bisturi, tal como diz da própria palavra de Deus, colocando cada ponto no seu lugar e fazendo pontes, de Jesus para os discípulos, daquele para o nosso tempo, contextualizando o espaço e o tempo, com as ramificações ao passado, à história de Israel, e aos países e regiões vizinhas.
       Como refere D. António Couto, apresentando este livro: "O estilo é o de sempre. A substância é bíblica e litúrgica, com tempero teológico, literário, simbólico, cultural, histórico, arqueológico. Fui-o escrevendo com gosto, pensando em todos aqueles que gostam de saborear os textos bíblicos que a Liturgia nos oferece. Pensei sobretudo naqueles que, domingo após domingo, têm a responsabilidade de abrir as Escrituras à compreensão dos homens e mulheres, jovens e crianças, que, domingo após domingo, entram nas nossas igrejas".
       O andamento é o Ano Litúrgico, domingo após domingo, com os diversos tempos do Advento e Natal, da Quaresma e da Páscoa, do Tempo Comum, e do Santoral, com as principais Solenidades e Festas do Senhor, da Virgem Maria, dos Apóstolos, de Todos os Santos...
"É a estrada bela, e é andando nela que se encontra o repouso para a vida (Jr 6, 16). Encontramos lume e sentido, para voltar à estrada dos dois de Emaús, a quem já ardia o coração (Lc 24, 32). É a estrada que desce de Jerusalém para Gaza. A estrada é no deserto (Atos 8, 26), como a de Isaías (35, 8; 43, 19), mas pode sempre encontrar-se nela o sentido e a água (Atos 8, 35). É a estrada de Damasco, em que podemos sempe cair de nós abaixo e ouvir chamar o nosso nome de uma forma nova e diferente (Atos 8, 4; 22, 7; 26, 14). É a estrada que se abre à nossa frente sempre que ouvimos Jesus a dizer: «Segue-Me!» ou «Vai»!".
       É um extraordinário contributo para quem prepara as Leituras de cada Eucaristia dominical e/ou solene, com arte e engenho, numa escrita cuidada, uma espécie de prosa poética, e com poemas a encerrar muitas das reflexões. Pode ler-se antes de cada domingo ou de cada celebração festiva, mas também se pode ler de uma assentada ficando-se desde logo com uma perspetiva de todo o ano litúrgico, regressando depois novamente aos textos nos domingos correspondentes.
       Com este volume, D. António Couto completa a reflexão dos três ciclos de leituras dos anos A, B e C, faltando, para acompanhar este último título, o estudo sobre o Evangelista do ano C, São Lucas.

sábado, 28 de novembro de 2015

Domingo I do Advento - ano C - 29.novembro.2015

       1 – Estamos no fim do mundo.
       Esta é uma afirmação recorrente. Amiúde se ouvem expressões semelhantes perante tantas desgraças que desgraçam a vida das pessoas, das famílias, das comunidades e dos povos. Violência doméstica, corrupção, terrorismo e, em consequência, a multidão de refugiados, guerrilhas, vandalismo, exploração infantil, maus tratos, tráfico de droga e de órgãos humanos, trabalho precário, miséria, mortes e mais mortes, por tudo e por nada. Inicia o noticiário e logo esperamos ver mais algum escândalo, mais uma cena de violência ou de pancadaria, mais uma explosão ou um ataque terrorista. A violência e a publicitação da mesma vai globalizando a indiferença. Os nossos olhos vão-se habituando à escuridão, o nosso coração habitua-se às trevas, já pouco nos comove. Antes, quando víamos – através dos meios de comunicação social, que tinham muito mais pudor – um corpo estendido no chão, eventualmente coberto, escandalizávamo-nos. Hoje, é mais um e outro e outro e vários, destapados. É tão familiar que não nos faz reagir. Nada de novo.
       Por outro lado, a desmobilização e desmotivação. As desgraças são tantas que por mais vontade que tenhamos não há muito a fazer para inverter um caminho destrutivo e tenebroso. O melhor é fazer como outros, deixar o tempo correr e logo se verá. Se não melhorar, piora, estaremos cá para ver, ou já não estaremos e que outros resolvam. Acaso, sou guarda do meu irmão? Interpelação de Caim a Deus, quando Deus lhe pediu contas do seu irmão Abel. Também a nós Deus nos pergunta pelos nossos irmãos, responsabilizando-nos por eles. O que fizerdes ao mais pequeno dos meus irmãos a Mim o fazeis.
       2 – «Erguei-vos e levantai a cabeça, porque a vossa libertação está próxima».
       O fim do mundo, no sentido cristão, seguindo o Evangelho, não é o caos, um momento de destruição que acabe com o mundo. O fim do mundo é Deus. É o tempo em que se remete para Deus o mundo inteiro e a Ele se confiam as suas alegrias e as suas tristezas. Trata-se da soberania de Deus sobre o Universo. Com a chegada de Jesus Cristo, o mundo chega ao fim, estamos nos últimos dias, preenchidos de graça e de misericórdia. A vinda de Jesus lembra-nos que o tempo não é nosso e que o espaço deve ser casa para todos. O nosso tempo chegou ao fim para que o tempo que ora nos é dado tenha um fim, uma finalidade, um sentido. Se o tempo é nosso, faremos dele o que quisermos, mesmo que o usemos contra os outros. Se o tempo é final, tempo de Deus, há que valorizar cada momento, para agradecer e louvar, para partilhar. O tempo não é nosso, é de Deus. É para nós, mas não apenas para nós. Não poderemos reter o tempo que não é nosso. É-nos dado. Tudo o que nos é dado por Deus é para condividir! Como os dons. Estes só são verdadeiramente dons quando partilhados, quando colocados a render. Dons recebidos para dar, para que sejam DOM.
«Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas e, na terra, angústia entre as nações, aterradas com o rugido e a agitação do mar. Os homens morrerão de pavor, na expectativa do que vai suceder ao universo, pois as forças celestes serão abaladas».
       Não vos alarmeis. Não é o fim. Levantai-vos. Erguei a cabeça, o olhar, o coração e a vida. Deus está por perto. A vossa salvação está iminente. Não vos inquieteis. É inevitável que estas coisas aconteçam. Enquanto houver tempo e história e humanidade. Não que nos desculpemos com as nossas limitações, mas não somos deuses. A fragilidade e a indigência acompanham-nos em todo o tempo. Só Deus é Deus. E só em Deus seremos totalmente o que estamos chamados a ser pela graça do batismo: filhos no Filho, abençoados, redimidos. Na história, como caminho, podendo fraquejar; na eternidade de Deus, como plenitude, eternamente.
       3 – «Hão de ver o Filho do homem vir numa nuvem, com grande poder e glória... Tende cuidado convosco, não suceda que os vossos corações se tornem pesados pela intemperança, a embriaguez e as preocupações da vida, e esse dia não vos surpreenda subitamente como uma armadilha... Portanto, vigiai e orai em todo o tempo, para que possais livrar-vos de tudo o que vai acontecer e comparecer diante do Filho do homem».
       Se estamos nos últimos tempos, o compromisso com a criação há de ser mais efetiva e reforçar o empenho em transformar o mundo que habitamos. O fim não paira como ameaça, mas como esperança e como desafio. O fim é de Deus, para Quem nos encaminhamos. Se é Ele que vem e que chega, então estamos tranquilos, ainda que surjam ideologias ou poderes diabólicos. Se o tempo é breve, cabe-nos intensificar a nossa contribuição para tornarmos o mundo mais favorável para todos, construindo os novos céus e a nova terra, tempo novo iniciado com Jesus Cristo.
       Vigiar e estar preparados. Não é uma atitude passiva como quem cruza os braços e espera um desenlace catastrófico. Implica-nos e impele-nos a fazer o que está ao nosso alcance, concorrendo com o que somos e com os meios de que dispomos para que o tempo dado por Deus, e por nós recebido, seja partilhado e consumado na justiça, na humanização das pessoas e das estruturas, na inclusão de todos, preferencialmente dos mais pobres.
       4 – Os profetas acalentam a esperança do Povo de Israel com a promessa de Deus enviar a salvação. Agora como então, e como no tempo de Jesus, as dificuldades e os contratempos, as perseguições e as guerras fazem desanimar as pessoas. O povo eleito experimenta as agruras do exílio, da invasão de outros povos, a miséria, a violência.
       Os profetas, mensageiros de Deus, trazem a certeza de tempos novos, tempos abençoados pela intervenção do Senhor: «Dias virão, em que cumprirei a promessa que fiz à casa de Israel e à casa de Judá: Naqueles dias, naquele tempo, farei germinar para David um rebento de justiça que exercerá o direito e a justiça na terra. Naqueles dias, o reino de Judá será salvo e Jerusalém viverá em segurança. Este é o nome que chamarão à cidade: ‘O Senhor é a nossa justiça’».
       Para nós cristãos, Jesus Cristo é a nossa justiça. É Ele que justifica a nossa vida e nos torna novas criaturas, no Batismo, pela água e pelo Espírito Santo. Com o advento de Cristo, o Céu fica mais perto. O Apóstolo Paulo, em jeito de oração e de bênção, compromete-nos, pela pertença a Cristo, na caridade diligente para com todos.
       «O Senhor vos faça crescer e abundar na caridade uns para com os outros e para com todos, tal como nós a temos tido para convosco. O Senhor confirme os vossos corações numa santidade irrepreensível, diante de Deus, nosso Pai, no dia da vinda de Jesus... Recebestes de nós instruções sobre o modo como deveis proceder para agradar a Deus e assim estais procedendo; mas deveis progredir ainda mais. Conheceis bem as normas que vos demos da parte do Senhor Jesus».
       A espera, para os crentes, é ativa. Não esperamos por outros tempos ou por que outros façam o que nós podemos e devemos fazer para tornar o mundo mais habitável e mais casa de todos. O nosso compromisso é com Jesus, visualizável no nosso semelhante, através do serviço.
       5 – Peçamos ao Senhor auxílio e fortaleza nas adversidades, luz e discernimento nas dúvidas. «Mostrai-me, Senhor, os vossos caminhos, ensinai-me as vossas veredas. Guiai-me na vossa verdade e ensinai-me, porque Vós sois Deus, meu Salvador».
       Que a sabedoria de Deus nos desperte para o serviço dedicado aos irmãos. «Despertai, Senhor, nos vossos fiéis a vontade firme de se prepararem, pela prática das boas obras, para ir ao encontro de Cristo, de modo que, chamados um dia à sua direita, mereçam alcançar o reino dos Céus» (oração de coleta).

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): Jer 33, 14, 16; Sl 24 (25); 2 1 Tes 3, 12 – 4, 2; Lc 21, 25-28. 34-36.