quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Natal de Jesus Cristo - 25 de dezembro de 2022

Domingo IV do Advento - ano A - 18 de dezembro de 2022


1 - O sonho comanda a vida. Refrão bem conhecido da música portuguesa, da autoria de António Gedeão. "Eles não sabem, nem sonham, que o sonho comanda a vida. Que sempre que um homem sonha o mundo pula e avança". É também conhecida a máxima da Fernando Pessoa: "Deus quer, o homem sonha, a obra nasce".
Deus sonhou para nós um mundo belo e harmonioso, pleno de amor e de ternura, onde prevaleceriam a alegria e a fraternidade. Os desígnios de Deus mantiveram-se inalterados, respeitando sempre a vontade humana, mas fazendo-nos ver caminhos e opções que nos reconciliariam uns com os outros, possibilitando um mundo mais humano, mais acolhedor, mais casa de todos e para todos. Deus continua a sonhar-nos no Seu amor e a pensar para nós todo o bem, a abundância da graça. É neste plano salvador que preparar Maria para ser a Mãe do redentor, Deus connosco, o Emanuel.
O profeta Isaías comunica a Acaz e a todo o povo o sonho de Deus, uma promessa que há de cumprir-se a seu tempo: «Escutai, casa de David: Não vos basta que andeis a molestar os homens para quererdes também molestar o meu Deus? Por isso, o próprio Senhor vos dará um sinal: a virgem conceberá e dará à luz um filho e o seu nome será Emanuel».
Acaz recusa pedir um sinal, entendendo que não se deve pôr Deus à prova. No entanto, é o próprio Deus que, através do Profeta, quer revelar a Sua vontade, os seus sonhos a favor da humanidade. Desta forma se acalenta a esperança, mas simultaneamente é um aviso à navegação, o sinal deve produzir efeito de imediato, alterando o rumo de vida, a corrupção, a falta de respeito e de cuidado pelas pessoas, sobretudo as mais vulneráveis. As promessas de Deus são para cumprir, cabe-nos fazer o que está ao nosso alcance, para que se efetivem os Seus sonhos, permitindo um mundo habitável.

2 - Com o nascimento de Jesus, cumpre-se em plenitude a promessa de Deus, o Emanuel está connosco, vem para habitar no meio de nós e para nos habitar através do Seu Espírito de amor.
O relato do nascimento de Jesu, relatado por Mateus, sublinha o mistério da concepção. Maria engravida pela ação do Espírito Santo. Outro dado importantíssimo é o papel de José, esposo de Maria, que constata a gravidez sem que tivesse contribuído para tal.
O Evangelho mostra um José surpreendido, admirado, desprevenido, mas também ponderado. Homem bom e justo, como sublinham os evangelhos, José reflete sobre o que terá acontecido. Deve ter passado por momentos de grande dúvida, de revolta, sem saber o que pensar ou o que fazer. Não é fácil para ninguém sentir-se abandonado, traído, enganado. Para José, por certo, também o não foi. Todavia, não se deixou levar pelo momento, por um qualquer gesto repentino e impensado. Olha para a sua vida, mas coloca a de Maria em primeiro lugar, apesar da "traição". É a isso que chamamos amor: colocar a pessoa amada, colocar o outro, em primeiro lugar. Agir não em função do que nos é mais fácil, mais cómodo, mais favorável, mas em função das necessidades do outro.
No judaísmo, uma situação desta levaria à condenação, por apedrejamento, da mulher. Seria esse o destino de Maria. Com efeito, provando-se que José, a quem ela estava prometida, havendo um compromisso sólido e duradouro, já eram o que estavam destinados a ser, um casal, Maria ia estar em maus lençóis, não havia salvação possível. José encontra uma solução, iria abandoná-la em silêncio. Dessa forma, ele ficaria com as culpas de a ter desonrado e ela ficava protegida na família dele e dela, pois a ação e responsabilidade seria atribuídas a José.
Deus tem planos para nós que nem adivinhamos. No meio do caos, José foi capaz de parar e refletir e achar uma solução que protegesse Maria e o Menino, mas Deus não o deixou esperar mais e apareceu-lhe num sonho, através de um Anjo: «José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que nela se gerou é fruto do Espírito Santo. Ela dará à luz um Filho e tu pôr-Lhe-ás o nome de Jesus, porque Ele salvará o povo dos seus pecados». Tudo isto aconteceu para se cumprir o que o Senhor anunciara por meio do Profeta, que diz: «A Virgem conceberá e dará à luz um Filho, que será chamado ‘Emanuel’, que quer dizer ‘Deus connosco’». Quando despertou do sono, José fez como o Anjo do Senhor lhe ordenara e recebeu sua esposa.

3 - É tão grande o mistério da Encarnação, inserido no mistério pascal, da ressurreição de Jesus e da nossa redenção, que só uma fé madura poderá fazer-nos aproximar do mistério. Mais do que compreender, cabe-nos acolher Deus na nossa vida, deixar-nos amar por Ele, sentirmo-nos amados, para amarmos os outros, na certeza de que amando e cuidando dos outros estamos a responder ao amor de Deus por nós.
São Paulo assume-se como servo de Jesus Cristo, «apóstolo por chamamento divino, escolhido para o Evangelho que Deus tinha de antemão prometido pelos profetas nas Sagradas Escrituras, acerca de seu Filho, nascido, segundo a carne, da descendência de David, mas, segundo o Espírito que santifica, constituído Filho de Deus em todo o seu poder pela sua ressurreição de entre os mortos: Ele é Jesus Cristo, Nosso Senhor».
Se inicialmente o apóstolo fala da sua vocação e da sua missão, logo sublinha que tudo se inclui e tudo está envolvido no mistério pascal. É em Cristo Jesus que somos redimidos e preenchidos com a vida de Deus. Com efeito, «por Ele recebemos a graça e a missão de apóstolo, a fim de levarmos todos os gentios a obedecerem à fé, para honra do seu nome, dos quais fazeis parte também vós, chamados por Jesus Cristo». O mistério recebido, a graça que nos transforma, faz-nos apóstolos, anunciadores do Evangelho. Se o mistério nos encontrou, melhor, se nos deixamos surpreender pelo mistério, pelos sonhos de Deus, não podemos não transbordar de alegria, respondendo ao amor (de Deus) com amor (ao próximo). É, na verdade, o que acontece com todos os encontros. O encontro de José com Maria encheram-nos de alegria, mas, sucessivamente, o deixaram desiludido, exigindo uma escolha, um caminho. O envolvimento no sonho de Deus apazigua o seu coração e altera para sempre a sua decisão.
Quando Paulo é surpreendido por Deus e envolvido no Seu mistério (e no Seu sonho), não mais deixará de viver e anunciar a Boa Nova.

4 - Deixemo-nos encontrar por Deus. Ele procura-nos. Ele vem ao nosso encontro. Nas origens, Adão e Eva esconderam-se, envergonhados. Aprendamos com eles, ou com os seus erros. Como poderíamos ter vergonha do nosso Pai, que é mais Mãe? É certo que, por vezes, nos distanciamos, brigando com os irmãos, ou sentindo-os adversários, mas Deus, que é Pai, poderia recusar ver-nos, poderia recusar o nosso olhar?
Peçamos-Lhe confiantes: «Infundi, Senhor, a vossa graça em nossas almas, para que nós que, pela anunciação do anjo, conhecemos a encarnação de Cristo, vosso Filho, pela sua paixão e morte na cruz alcancemos a glória da ressurreição».
O conhecimento que nos vem da fé, que se cimenta na oração, é relação com Deus, que nos escuta para que escutemos a Sua Palavra e concretizemos a Sua vontade.
O salmista reza a grandeza de Deus e a bênção que experimentamos quando não nos fechamos no nosso orgulho ou no nosso egoísmo. «Do Senhor é a terra e o que nela existe, o mundo e quantos nele habitam. Ele a fundou sobre os mares e a consolidou sobre as águas. / Quem poderá subir à montanha do Senhor? Quem habitará no seu santuário? O que tem as mãos inocentes e o coração puro, que não invocou o seu nome em vão nem jurou falso. / Este será abençoado pelo Senhor e recompensado por Deus, seu Salvador. Esta é a geração dos que O procuram, que procuram a face do Deus de Jacob».
Procuremos a face do Senhor que nos procura com amor.

Leituras para a Eucaristia (ano A): Is 7, 10-14; Sal 23 (24), 1-2. 3-4ab. 5-6 L2: Rom 1, 1-7 Ev: Mt 1, 18-24

quarta-feira, 31 de agosto de 2022

A minha grande alegria

Música e letra de Vítor Pereira.
Interpretação: grupo de amigos de Ermesinde e Grupo Coral de Tabuaço
Cântico final na Eucaristia dominical, 26 de agosto de 2018

sábado, 23 de julho de 2022

Domingo XVII do Tempo Comum - ano C - 24.07.2022


1 – «Senhor, ensina-nos a orar». Pedido feito pelos discípulos a Jesus, lembrando que também João Batista ensinou os seus discípulos a rezar. Jesus terá oportunidade de vincar que a oração há de expressar uma atitude permanente de escuta da voz de Deus, de diálogo com essa Voz, sem muitas palavras, ou pelo menos, cientes que não é a quantidade de palavras que conta, como que por magia e convencimento de Deus, mas o que conta é o coração, a confiança, a relação. A sinceridade confiante de quem se coloca nas mãos, no colo, no coração de um Pai.
E "Pai" é precisamente a primeira palavra da oração que Jesus lhes/nos ensina. Diríamos que não é necessário muito mais. Quem se coloca em postura de oração, dirigindo o olhar, os ouvidos, o coração e a vida para Deus, reconhecendo-O e acolhendo-O como Pai, assume-se, desde logo, como filho e, simultaneamente como irmãos dos outros filhos do Pai. Quando se pede algo ao Pai/Mãe já se sabe que pedimos também para os nossos irmãos, pois não vamos receber e os outros ficarem a olhar. A oração é súplica, mas imediatamente, compromisso com o que pedimos.
«Pai, santificado seja o vosso nome; venha o vosso reino; dai-nos em cada dia o pão da nossa subsistência; perdoai-nos os nossos pecados, porque também nós perdoamos a todo aquele que nos ofende; e não nos deixeis cair em tentação».
A versão lucana do Pai-Nosso, mais simples, mas contém o conteúdo essencial. Mateus acentuará mais a dinâmica do perdão, São Lucas mais a dimensão da confiança e da resposta certa de Deus.
Como se pode verificar, o reconhecimento que tudo deve partir e assentar em Deus, que é Pai, que seja o Seu reino e a Sua soberania a implementar-se na terra, garante de que Deus é Deus e que mais ninguém é colocado nessa categoria, para que não haja nem instrumentalização nem idolatria. É sempre um risco alguém endeusar-se ou deixar-se endeusar, colocando-se num patamar superior; igualmente, deixar-se instrumentalizar como joguete ou instrumentalizar os outros, usando-os como meios para atingir algum fim.

2 – Na continuação, Jesus insiste na persistência da oração e na confiança em Deus que é Pai.
Jesus utiliza uma imagem muito sugestiva: «Se algum de vós tiver um amigo, poderá ter de ir a sua casa à meia-noite, para lhe dizer: ‘Amigo, empresta-me três pães, porque chegou de viagem um dos meus amigos e não tenho nada para lhe dar’. Ele poderá responder lá de dentro: ‘Não me incomodes; a porta está fechada, eu e os meus filhos estamos deitados e não posso levantar-me para te dar os pães’. Eu vos digo: Se ele não se levantar por ser amigo, ao menos, por causa da sua insistência, levantar-se-á para lhe dar tudo aquilo de que precisa».
O próprio Jesus sublinha a resiliência na oração: «Também vos digo: Pedi e dar-se-vos-á; procurai e encontrareis; batei à porta e abrir-se-vos-á. Porque quem pede recebe; quem procura encontra e a quem bate à porta, abrir-se-á».

E a resposta positiva de Deus: «Se um de vós for pai e um filho lhe pedir peixe, em vez de peixe dar-lhe-á uma serpente? E se lhe pedir um ovo, dar-lhe-á um escorpião? Se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo àqueles que Lho pedem!».

A questão colocar-se-á sempre na pressa e no automatismo das repostas que queremos obter. Eu rezo, e lá estaria a multiplicação das palavras, e a minha oração há de convencer Deus de que o meu pedido é justo e merece ser despachado quanto antes. A promessa de Jesus: Deus responderá como Pai e dar-nos-á coisas boas, antes de mais, o Espírito Santo. E aqui tudo se joga, o Espírito Santo ilumina a nossa vida e enche-nos de sabedoria para deixarmos Deus agir em nós, para prosseguirmos no caminho que nos cabe fazer, e na aceitação das nossas limitações e fragilidades.

3 – Abraão é considerado o Pai na Fé, por ter sido o primeiro a acreditar num Deus pessoal: Alguém com Quem poderia dialogar e de Quem poderia obter respostas. As três grandes religiões monoteístas, Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, consideram-no como tal, daí que também não se entenda muito bem que haja guerras religiosas. Sabemos que o motivo religioso pode ser aglutinador, mas na maioria das vezes estão por detrás outras razões, políticas, económicas, de disputa de poder.
O Papa Francisco apresenta Abraão como modelo da oração persistente. Abraão não desiste de rezar, de implicar e comprometer Deus. Intercede pelo povo. É quase uma negociação. Bem dizemos nós que não devemos "negociar" com Deus, nem de utilizar muitas palavras, mas Abraão mostra-nos, sobretudo, que confia em Deus e que Deus não deixará de compreender e responder favoravelmente. Com Abraão compreendemos também que não é Deus que nos destrói, somos nós, com o nosso pecado e com o nosso egoísmo que destruímos, que separamos, que criamos ruturas.
«O clamor contra Sodoma e Gomorra é tão forte, o seu pecado é tão grave que Eu vou descer para verificar se o clamor que chegou até Mim corresponde inteiramente às suas obras. Se sim ou não, hei de sabê-lo». Os homens que tinham sido acolhidos por Abraão, dirigem-se a Sodoma, mas o Senhor continua perto de Abraão que começa a sua oração: «Irás destruir o justo com o pecador? Talvez haja cinquenta justos na cidade. Matá-los-ás a todos? Não perdoarás a essa cidade, por causa dos cinquenta justos que nela residem? Longe de Ti fazer tal coisa: dar a morte ao justo e ao pecador, de modo que o justo e o pecador tenham a mesma sorte! Longe de Ti! O juiz de toda a terra não fará justiça?»
O Senhor Deus responde com misericórdia e perdão. Abraão, para que não fique esgotada nenhuma possibilidade, insiste, colocando na balança os justos que podem contrabalançar com os pecadores: 45, 40, 30, 20, 10. A resposta de Deus é igual: em atenção a esses justos não destruirei a cidade. Os justos, os homens bons, sensatos, generosos e altruístas, tementes a Deus, edificam, constroem as cidades sobre os alicerces da justiça e da verdade, da harmonia e da sã convivência. Sem homens de bem não é possível que a cidade dos homens sobreviva. Mas aqui o que está em causa é mesmo a oração confiante, persistente, negociadora de Abraão em relação a Deus, em Quem confia.

4 – Logo no início da Eucaristia, a oração de coleta, isto é, a oração que recolhe as intenções, as orações e os propósitos da assembleia celebrante, coloca-nos, todos, em sintonia com Deus. É tempo para superar distanciamentos e dispersões.
A oração sincroniza-nos também com a temática da liturgia da Palavra: «Deus, protetor dos que em Vós esperam, sem Vós nada tem valor, nada é santo. Multiplicai sobre nós a vossa misericórdia, para que, conduzidos por Vós, usemos de tal modo os bens temporais que possamos aderir desde já aos bens eternos».
O caminho que percorremos, uns com os outros, encaminha-nos para o Senhor, até à eternidade.

5 – Na segunda leitura, São Paulo lembra-nos precisamente esta sintonia com a vida nova que recebemos pelo Batismo e nos faz estar ligados ao Céu. Mortos com Jesus para o pecado, para o mal e para a morte, tornamo-nos novas criaturas, ressuscitando com Ele. «Quando estáveis mortos nos vossos pecados e na incircuncisão da vossa carne, Deus fez que voltásseis à vida com Cristo e perdoou-nos todas as nossas faltas. Anulou o documento da nossa dívida, com as suas disposições contra nós; suprimiu-o, cravando-o na cruz».
Cabe-nos tornar visível esta pertença à ressurreição que nos habita, envolvendo-nos e envolvendo os outros nesta peregrinação da pátria provisória até à pátria definitiva, cuja vida vamos experimentando.



Pe. Manuel Gonçalves

sábado, 9 de julho de 2022

Domingo XV do Tempo Comum - ano C - 10.julho.2022


1 – Jesus é o Bom Samaritano, por excelência, faz-Se próximo, tão próximo de mim e de ti, de todos, que Se confunde connosco; tão próximo que Se deixa ver, prender, crucificar; tão próximo que O podemos tocar para d'Ele recebermos a força da ternura de Deus. Sendo Deus, não Se vale da omnipotência, mas humilha-Se até estar da nossa estatura, assumindo os nossos sofrimentos, as nossas chagas, para as curar, para nos redimir e nos fazer participantes da Sua vida divina.
Um doutor da Lei quis experimentar Jesus, para O expor, para mostrar a todos que, diante de questões religiosas mais elaboradas, Ele meteria os pés pelas mãos: «Mestre, que hei de fazer para receber como herança a vida eterna?». Jesus devolve-lhe a pergunta, pois um Mestre da Lei terá que ser um conhecedor profundo da mesma. E a resposta é imediata: «Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento; e ao próximo como a ti mesmo».
Fez a pergunta e deu a resposta! Aparentemente está tudo dito! Jesus confirma o veredito, desafiando a fazer o que diz a Lei. Apanhado em contramão, o doutor da Lei volta a questionar Jesus: «E quem é o meu próximo?».
Dá a impressão que são discussões estéreis! Mas muitas vezes as discussões servem apenas de desculpa ou justificação para não meter mãos à obra, para deixar que o tempo resolva ou outros se comprometam. Próximo é quem precisa de mim? É meu familiar e amigo? O meu vizinho? A pessoa que professa a mesma fé que eu? É do mesmo partido? É meu conterrâneo? Perfilha o mesmo clubismo? Um estrangeiro, refugiado, um estranho é meu próximo?

2 – Não adianta explicar a quem não quer compreender. Ainda assim, não argumentando, Jesus faz com que o doutor da Lei reflita e tire ilações, através de uma parábola. Como história, há liberdade para o ouvinte tirar as próprias conclusões. A argumentação é impositiva e por vezes cada um fica com o que lhe parece, nesta pequena história dá para que a pessoa se sinta envolvida, chamada para dentro da história, interiorizando a mensagem.
«Um homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos dos salteadores. Roubaram-lhe tudo o que levava, espancaram-no e foram-se embora, deixando-o meio- morto. Por coincidência, descia pelo mesmo caminho um sacerdote; viu-o e passou adiante. Do mesmo modo, um levita que vinha por aquele lugar, viu-o e passou também adiante. Mas um samaritano, que ia de viagem, passou junto dele e, ao vê-lo, encheu-se de compaixão. Aproximou-se, ligou-lhe as feridas deitando azeite e vinho, colocou-o sobre a sua própria montada, levou-o para uma estalagem e cuidou dele. No dia seguinte, tirou duas moedas, deu-as ao estalajadeiro e disse: ‘Trata bem dele; e o que gastares a mais eu to pagarei quando voltar’».
Depois da parábola, é a vez de Jesus questionar o doutor da Lei, o especialista em Sagrada Escritura: «Qual destes três te parece ter sido o próximo daquele homem que caiu nas mãos dos salteadores?».
As dúvidas estão desfeitas! É próximo quem se aproxima para ajudar: «O que teve compaixão dele». O foco, neste caso, não são os outros, mesmo os que precisam de ajuda, mas tu e eu, se percebemos as necessidades dos nossos semelhantes e se temos urgência em ajudá-los. Sou próximo se me faço próximo. «Então vai e faz o mesmo».

3 – Como sempre, não basta saber, é preciso fazer, não chegam as intenções, é preciso pôr mãos às obras, não são suficientes os propósitos, urge colocar-se a caminho. Claro que o conhecimento, as intenções e os propósitos predispõem-nos para o compromisso em ação. Ninguém ama o que desconhece. Faz-se caminho dando o primeiro passo. Vai e faz do mesmo jeito!
É deste modo que começamos a Eucaristia, pedindo a Deus que dilate o nosso coração, impelindo-nos a conformar a nossa vontade com os Seus desígnios: "Senhor nosso Deus, que mostrais aos errantes a luz da vossa verdade para poderem voltar ao bom caminho, concedei a quantos se declaram cristãos que, rejeitando tudo o que é indigno deste nome, sigam fielmente as exigências da sua fé".
Tal como o doutor da Lei, nós conhecemos os desígnios de Deus revelados pelos Seus mensageiros. Na primeira leitura, Moisés, ao comunicar o Mandamento de Deus ao Povo, diz claramente que está ao alcance de todos cumpri-lo, não é uma sobrecarga, mas um compromisso que liberta e aproxima. Não são preceitos complexos, distantes, inscritos no Céu! «Escutarás a voz do Senhor teu Deus, cumprindo os seus preceitos e mandamentos que estão escritos no Livro da Lei, e converter-te-ás ao Senhor teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma... Esta palavra está perto de ti, está na tua boca e no teu coração, para que a possas pôr em prática».
Ainda que venha de fora, de Deus, do Céu, o Mandamento do Senhor interioriza-se, pois não visa ser um fardo, mas uma ajuda, iluminando as nossas escolhas e mostrando-nos o caminho que nos humaniza, irmana e nos salva dos nossos egoísmos e preconceitos.

4 – A oração faz-nos descentrar de nós, para nos centrar em Deus e nos Seus desígnios de amor. Fixando-nos em nós, por mais apetências que tenhamos, por mais resiliência que possuamos, acabaremos por soçobrar ou por nos endeusarmos.
"Eu sou pobre e miserável: defendei-me com a vossa proteção. Louvarei com cânticos o nome de Deus e em ação de graças O glorificarei". Centrando-nos em Deus e colocando o nosso coração e a nossa vida n'Ele, procurando sintonizar a nossa com a Sua vontade, a confiança de que Ele nos traz a paz na tormenta e a alegria na adversidade, garantindo-nos a vida, no tempo e na eternidade.
Deixemo-nos guiar pelo salmista: "A Vós, Senhor, elevo a minha súplica, pela vossa imensa bondade respondei-me. Ouvi-me, Senhor, pela bondade da vossa graça, voltai-Vos para mim pela vossa grande misericórdia". O desafio que a oração nos lança, é para nós e para todos. "Vós, humildes, olhai e alegrai-vos, buscai o Senhor e o vosso coração se reanimará. O Senhor ouve os pobres e não despreza os cativos. Os seus servos a receberão em herança e nela hão de morar os que amam o seu nome".
A oração também é catequese, pois nos ensina a olhar para Deus com humildade e a caminharmos juntos, com todos aqueles que procuram a verdade e a bondade. Não há oração que não seja compromisso, pessoal, de transformação, procurando acolher a vontade de Deus, e na predisposição firme e séria de trabalhar por um mundo mais justo e fraterno, o que implica a atenção primeira aos mais desfavorecidos.

5 – Jesus Cristo é o Bom Samaritano e o paradigma para nós, individualmente e como comunidade. Ele é o chão, a referência, o ponto de partida, a meta, o contexto em que havemos de gastar e viver a nossa vida.
São Paulo sublinha que «Cristo Jesus é a imagem de Deus invisível, o Primogénito de toda a criatura; porque n’Ele foram criadas todas as coisas no céu e na terra, visíveis e invisíveis... por Ele e para Ele tudo foi criado. Ele é anterior a todas as coisas e n’Ele tudo subsiste. Ele é a cabeça da Igreja, que é o seu corpo. Ele é o Princípio, o Primogénito de entre os mortos; em tudo Ele tem o primeiro lugar. Aprouve a Deus que n’Ele residisse toda a plenitude e por Ele fossem reconciliadas consigo todas as coisas, estabelecendo a paz, pelo sangue da sua cruz, com todas as criaturas na terra e nos céus».
Ele, Deus connosco, salva-nos, redime-nos, integra-nos na Sua vida divina; faz-Se nosso irmão, faz-nos Seus amigos e herdeiros das bênçãos divinas. Cabe-nos abrir o nosso coração e a nossa vida, e respirar e expirar o Seu Espírito de Amor.

Pe. Manuel Gonçalves

sexta-feira, 1 de julho de 2022

XIV Domingo do Tempo Comum - ano C - 3 de julho

       1 – Seguir Jesus é a vocação primeira do cristão. Sem pausas nem descanso. Segui-l'O em todas as circunstâncias, a todo o momento. Para sempre. Até à eternidade. Para O seguir e para O imitar, para O viver e O anunciar é necessário estar perto d'Ele, ou melhor, abrir-Lhe o coração e a vida para que Ele nos habite e nos transforme, nos converta e nos redima.
       Não é possível amar o que não se conhece. O conhecimento é um primeiro passo para amar. Quanto mais se amar mais se quer conhecer e quanto mais se conhecer maior a possibilidade de amar a pessoa e não uma imagem da mesma. Precisamos de estar e permanecer perto de Jesus e deixar que Ele se aproxime de nós. Como Maria em casa de Marta. Aos pés de Jesus. Para sentir o pulsar do Seu coração. A oração é o ambiente natural para saber quem é Jesus para nós. Não se trata de saber muitas coisas acerca d’Ele. Também é importante. Mas essencial é saber quem é Jesus para nós. Recordemos as duas questões da semana passada: "Quem dizem as multidões que é o Filho do Homem?" e "Quem dizeis vós que Eu sou?".
       A missão começa na oração:  «A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos. Pedi ao dono da seara que mande trabalhadores para a sua seara».
       A oração, a escuta, a meditação da palavra de Deus. O cristão, como a Igreja, deve ter a consciência da sua identidade lunar. Jesus Cristo é o nosso Sol. Cada um de nós, e a Igreja no seu conjunto, como a Lua, reflete a Luz que vem de Jesus. É iluminado por Jesus e reflete-O para os outros serem iluminados. Somos embaixadores e não chefes de estado. Comunicamos a Palavra de Deus, o Seu Evangelho. O embaixador não se comunica, mas comunica o seu povo, o seu governo, o que lhe disseram para dizer. Somos de Cristo. Somos cristãos. Sermos embaixadores de Jesus, como nos recorda São Paulo, é um privilégio e não uma humilhação. É um compromisso, para que Cristo viva em nós e através de nós chegue a todo o mundo.
       2 – Somos discípulos missionários. Esta expressão ganhou corpo nas Assembleias Gerais do Episcopado da América Latina e Caribe, sobretudo em 2007, em Aparecida, no Brasil, na 5.ª edição, sob o tema "Discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que nele nossos povos tenham vida"
       Bento XVI usa a expressão na Oração elaborada para esta Conferência: "Discípulos e missionários vossos, nós queremos remar mar adentro, para que os nossos povos tenham em Vós vida abundante e construam com solidariedade a fraternidade e a paz". E no discurso inaugural clarifica a estreita ligação: "O discípulo, fundamentado assim na rocha da Palavra de Deus, sente-se impelido a anunciar a Boa Nova da salvação aos seus irmãos. Discipulado e missão são como os dois lados de uma mesma medalha: quando o discípulo está apaixonado por Cristo, não pode deixar de anunciar ao mundo que somente Ele nos salva (cf. Atos 4, 12). Efetivamente, o discípulo sabe que sem Cristo não há luz, não existe esperança, não há amor e não existe futuro".
       O Papa Francisco utiliza a expressão, muitas vezes, sem a conjunção aditiva "e". No Documento Final, da qual foi relator-presidente, ou na Exortação Apostólica "Evangelii Gaudium" (A Alegria do Evangelho), acentua o perigo da autorreferencialidade do cristão e da Igreja. O centro, o SOL, é Jesus Cristo. Devemos d'Ele aprender a vida e o amor, a verdade e o serviço. Discípulos. Para O darmos aos outros, levando a todos os Evangelho de Jesus. Missionários. Não em separado, mas concomitantemente. Não podemos ser missionários se não formos verdadeiros discípulos do Senhor. Sendo discípulos autênticos procuraremos imitá-l’O e como Ele anunciar a Boa Nova a todos. A luz que nos habita não se pode esconder.

       3 – "Ide: Eu vos envio como cordeiros para o meio de lobos. Não leveis bolsa nem alforge nem sandálias, nem vos demoreis a saudar alguém pelo caminho". Para seguir Jesus é necessário deixarmos de lado todos os acessórios que nos pesam. Ele envia-nos. A ligeireza depende se seguimos nas asas de Deus ou nos arrastamos com as nossas coisas. A missão evangelizadora urge. Ele não nos chama para ficarmos instalados à sombra da bananeira, mas para agirmos, para falarmos, para passarmos palavra, para irmos ao encontro dos outros. De aldeia em aldeia. De cidade em cidade. De coração a coração. Não há desculpas nem justificações. "Quem tiver lançado as mãos ao arado e olhar para trás não serve para o reino de Deus". Podemos sempre adiar, arranjar outras coisas que fazer, mas serão sempre passatempos, porque a missão é seguir Jesus e dá-l'O aos outros.
       "Quando entrardes nalguma casa, dizei primeiro: ‘Paz a esta casa’. E se lá houver gente de paz, a vossa paz repousará sobre eles; senão, ficará convosco. Ficai nessa casa, comei e bebei do que tiverem, que o trabalhador merece o seu salário. Não andeis de casa em casa".
       Não é uma mensagem qualquer que levamos, mas o próprio Jesus e a paz que Ele nos dá. Não é pouca coisa. É tudo. Só Ele conta. Vamos para levar a paz e a bênção e a salvação de Jesus. E se vamos, comprometemo-nos com as pessoas. Não é para andar a saltar, é para permanecer e deixar marcas positivas, semeando a Palavra de Deus.
       "Quando entrardes nalguma cidade e vos receberem, comei do que vos servirem, curai os enfermos que nela houver e dizei-lhes: ‘Está perto de vós o reino de Deus’. Mas quando entrardes nalguma cidade e não vos receberem, saí à praça pública e dizei: ‘Até o pó da vossa cidade que se pegou aos nossos pés sacudimos para vós. No entanto, ficai sabendo: Está perto o reino de Deus’".
       A fé não se impõe, propõe-se. Se alguém recusar Jesus, não percamos tempo a forçar. É Deus que age. Deixemos que Deus atue, através do tempo. Façamos o que nos compete: anunciar o Reino de Deus e a Sua proximidade. Se não nos escutarem, é a Cristo que não escutam. Avancemos para outras cidades e aldeias, para outros corações que estejam sedentos da Palavra de Deus.

       4 – Quando levamos Deus às pessoas, levamos-lhe a alegria, a bênção e a paz. Aqueles setenta e dois discípulos que Jesus envia, ainda em estágio, levam uma mensagem específica, a paz e a proximidade do Reino de Deus, como proposta e desafio.
       O profeta Isaías, na primeira leitura, convida à alegria e à festa. O luto e as trevas serão absorvidas pela presença e misericórdia de Deus.
       «Farei correr para Jerusalém a paz como um rio e a riqueza das nações como torrente transbordante. Os seus meninos de peito serão levados ao colo e acariciados sobre os joelhos. Como a mãe que anima o seu filho, também Eu vos confortarei: em Jerusalém sereis consolados. Quando o virdes, alegrar-se-á o vosso coração e, como a verdura, retomarão vigor os vossos membros. A mão do Senhor manifestar-se-á aos seus servos».
       O salmista faz eco deste júbilo e do convite ao louvor: "Aclamai a Deus, terra inteira, cantai a glória do seu nome, celebrai os seus louvores, dizei a Deus: «Maravilhosas são as vossas obras». A terra inteira Vos adore e celebre, entoe hinos ao vosso nome. Vinde contemplar as obras de Deus, admirável na sua ação pelos homens".

       5 – Para nós cristãos, Jesus é a vinha do Senhor, o Reino de Deus entre nós, o Rosto e a presença da Misericórdia do Pai. Desce para nos elevar, faz-Se pecado para nos santificar, morre para nos ressuscitar, humilha-Se para nos exaltar. "Deus de bondade infinita, que, pela humilhação do vosso Filho, levantastes o mundo decaído, dai aos vossos fiéis uma santa alegria, para que, livres da escravidão do pecado, possam chegar à felicidade eterna" (oração de coleta).
       Jesus torna-nos novas criaturas com a Sua paixão redentora. Ele liberta-nos do pecado e da morte, para vivermos ressuscitados. Uma vez ressuscitados, pelo batismo, seguimo-l'O como discípulos missionários. Procuramos identificar-nos cada vez mais com Ele para O transparecermos pela nossa voz e pela vida, atraindo outros.
       São Paulo, na humildade da fé, aponta para Jesus: "Longe de mim gloriar-me, a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo... Doravante ninguém me importune, porque eu trago no meu corpo os estigmas de Jesus. Irmãos, a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja com o vosso espírito".
       Ao dirigir-se aos Gálatas, Paulo alerta para os perigos da divisão e de lideranças que afastem de Jesus Cristo e do Seu evangelho de verdade e de serviço, reavivando a boa semente neles semeada, lembrando-lhes a necessidade da firmeza da fé e da fidelidade a Jesus. Paulo não se anuncia, mas a Cristo Jesus. Também ele é embaixador de Jesus. E nós? Queremos ser o centro do mundo ou colocamos Deus no centro? Prosseguimos comos discípulos missionários ou preferimos anunciar-nos a nós mesmos?

Pe. Manuel Gonçalves

Textos para a Eucaristia (C): Is 66, 10-14c; Sl 65 (66); Gal 6, 14-18; Lc 10, 1-12. 17-20.

quinta-feira, 30 de junho de 2022

Domingo XIII do Tempo Comum - ano C - 26.junho.2022


1 – Quem quiser seguir-Me, diz-nos Jesus, renuncie e a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me (cf. Lc 9, 23). Por aqui se vê que o seguimento não é para qualquer um, ainda que todos sejam chamados. Seguir Jesus, vocação primeira do cristão, implica renunciar aos próprios desígnios para assimilar e viver segundo os desígnios de Deus.

Claro que seguimos Jesus, não em parte, sob reservas ou na condicional, mas com a nossa vida toda, com sonhos e projetos, com as nossas qualidades e as nossas imperfeições. Não deixamos nada em casa ou para trás. A casa que somos segue connosco no seguimento de Jesus, com os nossos dramas e sofrimentos, com as nossas alegrias e vivências, com as nossas fadigas e propósitos. Não se trata de deixarmos de ser quem somos, pois, na origem, somos filhos amados de Deus, Sua imagem e semelhança, mas predispostos em aperfeiçoar o que nos une a Deus e aos outros. Como Jesus, que não se faça o que queremos, mas a vontade do Pai! Se predominarem os nossos caprichos, tonar-nos-emos centro, cujo egoísmo nos levará à exclusão e conflito, ao desprezo em relação aos outros ou na imposição das nossas vontades.

Nem sempre será fácil. Como diz o Apóstolo, muitas vezes não fazemos o bem que queremos e fazemos o mal que não queremos. O cansaço e as desilusões podem ofuscar o nosso compromisso de fidelidade a Jesus e ao Seu Evangelho de caridade.


2 – Deus chama-nos. Mas cabe-nos responder, decidir, fazer escolhas que nos coloquem no encalço de Jesus. Naqueles dias, Jesus tomou a decisão de Se dirigir a Jerusalém, certo da proximidade de ser levado deste mundo.

Para preparar a subida a Jerusalém, Jesus envia mensageiros à sua frente, para que arranjem estadias para retemperar as forças. Os enviados entram numa povoação de samaritanos, que, naquele tempo, eram inimigos, ao ponto dos galileus, quando peregrinavam para Jerusalém, evitarem entrar nessas povoações. Como se vê, Jesus não evita nenhuma periferia, não faz exclusões, para Ele são todos destinatários da Boa Nova. Ele vem para todos. Não faz desvios (convenientes)!

Segundo o Evangelho, aquela gente não O quis receber, pois ia a caminho de Jerusalém! Parece ser uma justificação razoável. Estão em trânsito e não querem atrasar a subida a Jerusalém. A atitude de Tiago e João é elucidativa: «Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu que os destrua?». Como não admirar a postura dos dois irmãos? Há ocasiões que nos apeteceria fazer algo do género quando não nos compreendem ou seguem opções bem diferentes daquelas que propomos. Jesus repreende-os e a nós também. Não podemos condenar os outros, só porque seguem outro caminho!

O caminho da paciência, da tolerância, da convivência sadia, da inclusão e do respeito pelos outros e pelo que pensam não é um caminho fácil, exige cedência, esperas, reflexão, esforço para compreender e se colocar no lugar do outro, tanto quanto possível. Seguir Jesus implica aceitar as pedras que bloqueiam ou dificultam o caminho!


3 – Não basta um corrilho de intenções, na vida como no seguimento de Jesus, importa arregaçar as mangas e pôr-se a caminho. Já. Agora. Não amanhã ou depois quando as condições forem mais favoráveis. Por isso Jesus nos diz para “carregarmos” a cruz de todos os dias, vamos com o que somos, com as nossas dúvidas e hesitações, mas confiantes na benevolência do Senhor Deus.

Aproximam-se de Jesus com bons propósitos. «Seguir-Te-ei para onde quer que fores». Jesus, como aos apóstolos, não lhe promete tranquilidade ou conforto material, pelo contrário, previne: «As raposas têm as suas tocas e as aves do céu os seus ninhos; mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça».

Jesus encontra outros pelo caminho que colocam a possibilidade de seguimento, mas com condições: «Senhor, deixa-me ir primeiro sepultar meu pai», «Seguir-Te-ei, Senhor; mas deixa-me ir primeiro despedir-me da minha família». A resposta de Jesus é concludente: «Deixa que os mortos sepultem os seus mortos; tu, vai anunciar o reino de Deus», «Quem tiver lançado as mãos ao arado e olhar para trás não serve para o reino de Deus».

Não se trata, entenda-se, de desvalorizar a família, ou as obras de misericórdia, mas nada se deve entrepor entre nós e Deus, entre a vocação e o seguimento. Na verdade, seguindo Jesus, de todo o coração, o compromisso com o próximo, mais perto ou mais distante, é assumido em lógica de amor (e não de obrigação).


4 – Na primeira leitura, Elias, sob mandato divino, unge Eliseu que lhe sucederá como profeta. Depois de lançar a sua capa sobre Eliseu, este larga os bois, corre para Elias e pede-lhe: «Deixa-me ir abraçar meu pai e minha mãe; depois irei contigo». A resposta de Elias aparenta ser mais compreensiva do que a de Jesus: «Vai e volta, porque eu já fiz o que devia».

São situações diferentes, mas que sublinham que o seguimento, a resposta ao chamamento, não sanciona o desprezo pela família, mas nem a família é desculpa para adiar a resposta a Deus, pois também a família está englobada no amor que nos leva a seguir Jesus.

Seguir Jesus implica que não há outras seguranças que não Ele. Ele é o garante da nossa vida presente e futura. Vale para vocações específicas. Vale para todos os cristãos. É nesta confiança que respondemos à Palavra de Deus com o salmista: “Senhor, porção da minha herança e do meu cálice, está nas vossas mãos o meu destino. O Senhor está sempre na minha presença, com Ele a meu lado não vacilarei. Por isso o meu coração se alegra e a minha alma exulta e até o meu corpo descansa tranquilo. Dar-me-eis a conhecer os caminhos da vida, alegria plena na vossa presença, delícias eternas à vossa direita”.

O salmo 15 é colocado na boca de um membro da tribo de Levi, que tinha a responsabilidade do Templo e do culto. A terra prometida foi subdividida por onze das doze tribos de Israel. Os membros da tribo de Levi ficaram dependentes das ofertas ao Templo. As outras tribos têm terras para cultivar e criar o gado, a Tribo de Levi tem por Terra o próprio Deus, dependendo das outras tribos e das ofertas que façam chegar ao Templo.


5 – Seguir Jesus enraíza-nos no mundo, lado a lado como irmãos. O mesmo batismo. A mesma fé. Uma só família de Deus e para Deus. Cristo, diz-nos São Paulo, libertou-nos para a verdadeira liberdade. Esta faz-nos irmãos, para vivermos firmes na fé e na caridade, colocando-nos ao serviço uns dos outros. Isso agrada ao Senhor que veio salvar-nos. Segui-l’O faz-nos querer o que Ele quer e agir do Seu modo: amar, servir, cuidar, sarar, salvar, incluir, dar/gastar a vida a favor dos outros. Acolhemos o amor de Deus, derramado em nossos corações pelo Seu Espírito, para nos deixarmos guiar por Ele. Assim, não ficaremos prisioneiros da carne mas livres no Espírito do Senhor.

O Apóstolo usa palavras fortes, alertando-nos: “Se vós, porém, vos mordeis e devorais mutuamente, tende cuidado, que acabareis por destruir-vos uns aos outros”. Bem se vê no momento histórico atual, como em séculos anteriores. O egoísmo e a prepotência, a sobranceria e a ganância, levam-nos ao conflito, à guerra, destruindo os outros, mas cedo ou tarde, destruindo-nos também a nós.

Certos das nossas fragilidades e tentações, peçamos com fé: “Senhor, que pela vossa graça nos tornastes filhos da luz, não permitais que sejamos envolvidos pelas trevas do erro, mas permaneçamos sempre no esplendor da verdade”.

A verdade, por maioria de razão na Bíblia, não é abstrata, mas concretizável na caridade, no serviço aos outros, no compromisso social pela justiça. A verdade aproxima-nos e irmana-nos. A mentira corrói(-nos), afasta-nos dos outros, mina a confiança e pode levar a ruturas irreparáveis e conflitos agressivos. A verdade torna-nos mais leves, faz-nos transparecer bondade e ternura, o amor de Deus que extravasa e se traduz no amor aos nossos irmãos.

Pe. Manuel Gonçalves

quarta-feira, 23 de março de 2022

D. António Couto - As Mulheres nas Cartas de São Paulo

D. ANTÓNIO COUTO (2022). As Mulheres nas Cartas de São Paulo. Gaeiras: Alêtheia Editores. 130 Páginas.


Há tempos, através da transmissão da Missa dominical, cuja segunda leitura trazia uma das cartas de São Paulo, em que falava da submissão de todos a Cristo, mas, na continuação da leitura, falava na submissão da mulher ao marido, como da Igreja a Cristo. Para quem ler o texto com honestidade, vê que a submissão, em lógica de amor e serviço, é recíproca. Ao marido é dito claramente que há de amar a mulher como ao seu próprio corpo, portanto, não se trata de o homem submeter a mulher, mas de amá-la como Cristo amou a Igreja e deu a vida por ela.
Mas logo surgiram algumas pessoas escandalizadas, multiplicando as partilhas e a polémica e, diria eu, evidenciando uma grande ignorância religiosa (bíblica). Para ajudar a clarificar os escritos de São Paulo, os genuínos e os que foram retocados. D. António resolveu colocar em pratos limpos a visão de São Paulo, bem como os acrescentos que foram feitos posteriormente.

“Dados os ‘apupos’ que se fizeram ouvir um pouco por toda a comunicação social e redes sociais por causa de um texto notável de São Paulo que, aparentemente, à primeira vista e audição, impunha à mulher submissão ao marido, resolvi também eu, ilustre Teófilo, examinar atentamente tudo e oferecer de forma ordenada e a quem o desejar, também ao mundo moderno, um percurso em que se mostra com suficiente clareza a maneira excecional como Paulo se relacionou com as mulheres concretas, com nome, que encontrou no seu caminho, e como refletiu sobre a sua condição e missão nas comunidades cristãs primitivas.
O leitor atento terá oportunidade de encontrar nas páginas que se seguem alguns dos textos mais emblemáticos e problemáticos que tanto espanto têm provocado. Terá oportunidade de os encontrar e de os compreender, e até de se surpreender e encantar com o excesso de sentido que deles emana.
É tempo de alguns preconceitos caírem, como caiu o muro de Berlim. O que não se espera, também pode acontecer.”

D. António Couto - Olhar a Família com os olhos de Deus

D. ANTÓNIO COUTO (2022).Olhar a Família com os olhos de Deus. Apelação: Paulus Editora. 156 páginas.


Enquanto decorre o Ano da Amoris Laetitia, o Bispo da Diocese de Lamego, D. António José da Rocha Couto, serve-nos, com mestria, esta obra dedicada à família, partindo de diferentes textos bíblicos. 

Nada melhor do que ser o próprio a apresentar este livro:

“Em ano dedicado à família, e estando ela, em qualquer das suas dimensões (família de sangue, família eclesial, família religiosa…), tão corroída e anémica, mas sendo também célula perseguida por diferentes viroses ideológicas que percorrem o nosso tempo, decidi compor este pequeno livro, de sabor bíblico e cultural sério, que intitulo Olhar a família com os olhos de Deus, e que consta de três ensaios, que intitulei: «Deus e Israel. As metáforas da família nos Profetas» (1), «Aliança conjugal. Fundamentos bíblicos da família» (2) e «Identidade e missão da família a partir da Bíblia» (3).
São abordados os temas e problemas principais que assolam o nosso tempo sem compromissos e sem nascimentos, e com os mais debilitados e idosos, a quem roubámos já a sua liberdade de escolha, nas ágoras e átrios públicos tão apregoada e defendida, atirados para um limbo eterno, mais ou menos amorfo e anódino, onde os seus afetos não são correspondidos, as suas emoções vão para o baú dos trapos e para o canto das bonecas, e assuas razões não valem nada, e vão para o caixote! Que mundo é este, atravessado por tantas contradições, e conduzido ao que parece por tantos «Eu» sem «me» (Maurice Blanchot).
É como tentar destilar a Bíblia, que é uma explosão de vida, de dramas, de tensões e de emoções, para a tentar reduzir a uma série de princípios, mais ou menos como tentar reduzir uma pessoa viva a uma diagrama! (Abraham Joshua Heschel). Não há compromissos duradouros. Metem medo a quem ainda tem liberdade de escolha! O que há, no campo sentimental, são «relações de bolso» (Catherine Jarvie) ou «compromissos enlatados» (Anthony Giddens), tudo rápido, estéril e descartável, assente apenas na satisfação corrente, sem obrigações, tudo pronto a «consumir de preferência antes de…» (Anthony Giddens).
Percebe-se agora talvez melhor por que razão a questão do «outro», que é o «não identificável», o «sem eu», o «me sem eu», o «sem nome», seja hoje a questão do Ocidente, e que conceitos como responsabilidade, liberdade, alteridade, socialidade, hospitalidade, mandamento, obediência tenham de ganhar hoje novas tonalidades e articulações.
E fica igualmente a descoberto que quem quiser levantar esta sociedade desencantada, anestesiada, desinfetada, medicada, esvaziada, dependurada, tem primeiro de lhe restituir tudo o que lhe roubou: Deus, a Providência, a alma, os pais, os filhos, os netos, o chão, o céu, a casa, o sonho, as canções, o amor, a emoção, a comoção, a história, as histórias, a tradição, o rosto, o rosto do outro, a heteronomia, a exterioridade, a socialidade, a responsabilidade pelo outro. Ninguém levanta um saco vazio. Só se pode dependurá-lo. Assim também não é possível levantar uma sociedade esvaziada e dependurada, a não ser restituindo-lhe tudo o que lhe foi roubado.
Deixo nas tuas mãos este pequeno livro. Podes saboreá-lo devagar. Tem múltiplos aromas e sabores”.

Paróquia de Tabuaço - Primeira Comunhão 2022

quarta-feira, 2 de março de 2022

Marta Arrais - GUIA PARA UMA VIDA SIMPLES

MARTA ARRAIS (2022). Guia para uma vida simples. Lisboa: Planeta. 256 páginas.


A sugestão deste livro é mais que natural, como os vários textos-crónicas-reflexões de Marta Arrais que lemos com interesse e recomendamos vivamente. A autora tem o dom de escrever bem, escorreitamente, de forma simples e acessível, percetível. A erudição, as frases poéticas, facilitam a leitura e a sua compreensão. Por outro lado, vê-se bem que escreve com alma e com o coração, lançando pistas, desafios interpelando, fazendo-nos parar, sonhar, voar, mostrando como o ser humano é um mistério, em construção e a caminho e que existem aspetos na nossa vida que podem ser mudados, se não ao nível dos acontecimentos, pelo menos, ao nível da atitude que se assume perante os mesmos, perante a vida e diante dos outros. O convite é o de sempre: caminharmos juntos, não deixarmos ninguém para trás, sabermos dizer sim, mas também dizer não, largarmos as pessoas que trazem toxidade à nossa vida, não termos pressa de viver o dia seguinte, vivamos hoje com toda a intensidade que nos é possível!

Muitos dos textos aqui servidos foram escritos durante este longo tempo de invernia, deste tempo de pandemia, e, por conseguinte, fazem eco das preocupações, acolhem as frases feitas, transparecem as lágrimas, os sorrisos e as perdas, deixando claro que nada será como dantes, ainda que muitos o predissessem, que tudo ficaria bem, ou que o pós-pandemia seria uma oportunidade para um mundo mais justo e solidário, mais fraterno. Porém, ainda dentro deste embotamento, muitos sinais contraditórios de egoísmo, de aproveitamento, de esquecimento dos mais vulneráveis. Os chavões, muitos deles, não passaram de intenções que ficaram pelo caminho ou de expectativas, entretanto, goradas quando se voltou a algum tipo de normalidade.

Pelos títulos que encimam cada capítulo, ficamos com uma noção de algumas provocações e convites: 1) Optar pelo essencial; 2) Desligar; 3) Perdoar; 4) Estar disposto e disponível; 5) Aceitar sem compreender; 6) Ter só o que fizer falta; 7) Viver um momento de cada vez; 8) Ouvir (mais) o que é bom; 9) Deixar ir; 10) Desisti quando for preciso; 11) Ter calma e paciência.

A abrir, diz-nos Marta Arrais: “Este livro é um mapa. Um conjunto de páginas que querem sugerir sentidos, trilhos, caminhos, rotas e possibilidades. Antes de começares esta sugestão de viagem, convém que apagues as luzes de tudo o que te distrai e não te deixa pensar com clareza, com chama e fluidez. Não precisas de deixar o que é teu e o que te é querido. Também não é necessário que apagues nenhuma linha da tua história. A ideia é que encontres, nestas páginas, uma ponte que te ajude a encontrar um equilíbrio diferente, uma paz mais quieta, uma vida tranquila e menos atribulada… Está tudo a acontecer ao mesmo tempo? Deixa estar. Não sabes se vais conseguir lidar com a tempestade que já ouves ao longe? Deixa estar. Querem que faças demasiadas tarefas de uma vez só? Deixa estar. Não reconheces as pessoas que foram sempre tuas? Deixa estar. Não estás a conseguir vislumbrar os sonhos e os planos de sempre? Deixa estar. Sossega. Antes de começares, deixa tudo onde tiver que ficar. Não te preocupes. Ninguém consegue tomar decisões quando há demasiado ruído ou quando há demasiada turbulência. Suspende o mundo lá fora. Prende ao peito um ‘Volto já’ e volta quando puderes. Quando quiseres. Quando estiveres pronto. Vamos a isso?”


Mais alguns pedaços de texto da autora:
Hoje eu não consigo perdoar-te. Amanhã tento outra vez.
Hoje eu não consigo encontrar bondade nas pessoas que estão comigo. Amanhã tento outra vez.
Hoje eu não consigo procurar a paz. Amanhã tento outra vez.
Hoje eu não consigo ser feliz. Amanhã tento outra vez.
Hoje eu não consigo não consigo avançar nem um passo. Amanhã tento avançar dois.
Hoje eu não consigo levantar a cabeça do chão. Amanhã tento outra vez.
Hoje eu não consigo encontrar sentido na minha vida. Amanhã tento outra vez”.
Quando não puderes fazer mais nada, ri-te. De ti. Dos tombos que a vida te fez dar. Das lições que tiveste de viver para aprender”.
Se eu não perdoar aquela pessoa que me retirou tempo, disponibilidade e estabilidade emocional, continuarei, na mesma, a deixá-la ficar na minha vida e a perpetuar a sua influência no meu dia a dia. Não vale a pena não perdoar a pessoas tóxicas”.
Viver cada coisa como quem sabe que não pode compreender tudo, entender tudo, fazer parte de tudo… Escolher mais vezes o silêncio. Argumentar menos e interiorizar mais. Não comprar guerras com quem não tem culpa das nossas. Vale mais a pena dividir a nossa guerra com alguém. Ter paciência quando nos faltar a paz”.
Nem sempre somos paz. Nem sempre somos capazes de não incendiar um rastilho que leve a uma ou outra guerra. Nem sempre conseguimos ser bons. Dizer bem dos outros. Não julgar. Nem sempre somos os que terminam as discussões. Muitas vezes, somos os seus protagonistas e os seus iniciadores. Nem sempre somos os primeiros a dar a mão a quem precisa. Muitas vezes somos os primeiros a deixar o barco à deriva”.
Não oiças vozes venenosas, manipuladoras ou demasiado queixosas. São veneno para a saúde da alma”.
A fé é saber que não estamos sozinhos. Que há alguém que nos acompanha, nos guarda e zela por nós. É saber que não estamos cá por uma razão aleatória ou por descuido do universo. Estamos cá porque precisamos. Porque temos de fazer do mundo um lugar único”.
“Não esperes que se resolva. Resolve.
Não esperes que mude. Muda.
Não guardes para depois. Hoje é o dia.
Não te afaste sem ninguém ver. Diz que vais. Por que vais.
Não te escondas nas entrelinhas. Fala.
Não fales quando estiveres furioso. Acalma-te primeiro.
Não sonhes com o céu. Voa e chega lá.
Não te agarres às coisas do mundo. Não queiras ser daqui.
Não saltes sem ver o chão. Vai devagar.
Não tenhas pressa de viver o que ainda não chegou. Cada passo a seu tempo.
Não culpes. Desliga-te da mágoa e passa à frente.
Não te culpes. Fizeste o que podias. Como sabias.
Não te rias do que não conheces. Observa primeiro, julga depois.
Não faças festas. Sê festa.”

Não te rendas quando o combate ainda vai a meio.
Não te rendas quando a luta for pelo bem.
Não te rendas ao que te contam. Pode não ser verdade.
Não te rendas ao que te assusta. O medo faz os melhores heróis.
Não te rendas, a vida ainda agora começou”.

Não te esqueças de agradecer o passado. Foi ele que te trouxe, pela mão, até aqui. Já cá estás. Agora, podes deixá-lo ir. De vez em quando, podes fazer-lhe uma visita, mas é melhor que resistas à tentação de viver com ele”.
“Não te esqueças: quando viveres algo terrível – espera. Com paciência. Com cuidado. Lá mais para a frente vais ser capaz de entender tudo”.

Não estamos cá para ser pouco. Estamos cá para ser tudo”.