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sexta-feira, 27 de junho de 2014

Leituras - ANTÓNIO REGO - A Ilha e o Verbo

ANTÓNIO REGO (2014). A Ilha e o Verbo. Dos vulcões da Atlântida à Galáxia digital. Lisboa: Paulinas Editora. 288 páginas.
       O Padre António Rego é bem conhecido do público português. É também conhecido como o Padre Televisão, precisamente pela presença nos ecrãs de televisão ao longo de muitos anos. Completando 50 anos de sacerdote, grande parte dos quais comprometido com os meios de comunicação social ligados à Igreja Católica em Portugal, chega-nos agora esta biografia-entrevista, com um ou outro texto sobre temas fundamentais do Pe. António Rego. 50 anos de vida sacerdotal. Tempo de agradecer. Olhar para trás, revendo como Deus vai guiando a vida e a história. Agradecendo, para continuar a trabalhar em prol da Igreja e da sociedade.
       Natural dos Açores, pouco tempo depois virá para o continente, ficando para sempre ligado ao Patriarcado de Lisboa, iniciando o compromisso com a Rádio Renascença, mas também comprometido com o trabalho paroquial. Projetos como Renascença, colaborações na RTP e na RDP, programas como 70x7, Ecclesia, Fé dos Homens, Secretariado Nacional das Comunicações Sociais, TVI, o canal atribuído à Igreja Católica, mas passando progressivamente para grupos financeiros, mantendo-se a presença da Igreja Católica e do Pe. Rego nomeadamente com a transmissão da Eucaristia dominical, com o programa 8.º Dia. Alguns dos projetos foram continuados por outros, mas têm o impulso inicial do Pe. António Rego, ou pelo menos a sua colaboração, como a transmissão da Eucaristia na RTP.
       No projeto TVI, de que foi também Diretor de Informação, criou como que uma escola de jornalistas para uma tratamento humanista das notícias e onde o religioso tivesse tratamento igual a outros âmbitos, prevalecendo com um lugar próprio, pois o espiritual e o religioso fazem parte do desenvolvimento do ser humano.
       As entrevistas são conduzidas, de forma inteligente, pelo bem conhecido Paulo Rocha, Diretor da Agência Ecclesia, integrando o Secretariado Nacional das Comunicações Sociais e colaborou em muitos projetos do Pe. António Rego.
       Na parte final, textos assinados pelo Padre/Cónego António Rego, Grandes Temas: Mar, Liberdade, Concílio Vaticano II, Meios de Comunicação Social, Arte, Açores, Oração.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Um Papa tímido e sem medo

       Será exagero, ou talvez não. A entrevista que Bento XVI concedeu ao jornalista Peter Seewald diz mais sobre a sua visão do mundo, da história e do hoje, que o conjunto dos seus discursos. Exprime melhor a sua fé que os seus tratados de teologia. Define melhor o homem, o padre, o cidadão e o Papa que as imagens televisivas mais próximas dos momentos solenes do Sumo Pontífice. Porquê? Porque abre o coração de Joseph Ratzinger a um olhar íntimo, não esquematizado por ele mas pelas observações e perguntas que o jornalista lhe lança, envolvendo-o sempre na sua história pessoal e não na esfinge a que muitas vezes a imagem pública o condena.
       Sabendo embora que são muitas horas de diálogo, que o Papa não deixa escapar qualquer resposta impensada, que o texto foi revisto para aperfeiçoamento de algumas referências factuais, sobressai em toda a  conversa um homem que nunca separa o  seu pensamento  da sua história pessoal. Nada parte dum laboratório irreal mas duma reflexão experimentada da vida, da Igreja, de Deus, do homem, de Jesus Cristo, da história do mundo e dele próprio. Aprofunda o que pensa, deixa soltar algumas dúvidas sobre a forma de agir, exprime a sua concepção de poder enquadrado na sua actuação como Papa, pratica a colegialidade "como trabalho de equipa", mostra a importância e a limitação da Cadeira de Pedro, conversa com todo o rigor teológico e sentido pragmático. Sucede não a soberanos mas ao Pescador. Manifesta de forma luminosa a paixão de harmonizar razão e fé, não esconde alguma timidez sem qualquer tipo de medo em afirmar a verdade como obsessão. É um tímido sem medo de ninguém que até gosta dos adversários. Conhece o sofrimento e sabe que é este que tempera a alma e a desprende do relativo.
       Mas diz também que não é um homem de gabinete, que conhece e acompanha o mundo, não volta a cara aos sinais dos tempos, não se conforma com a cultura que quer viver sem Deus. Propõe vigorosamente a urgência da conversão, sem qualquer azedume para com a modernidade. E, sem qualquer  tom catastrófico, admite que  a Terra corre verdadeiro risco de sobrevivência sem dar por isso.
       Mais afeito às análises que às sínteses consegue derramar, nas poucas palavras que profere, todos os seus compêndios, numa espécie de oceano lógico, teológico e humano que o habita. Não diz tudo o que pensa, mas dá a impressão que nada do que pensa fica por dizer. E deixa - outro recato - o espaço aberto a quem dele discorda em qualquer matéria. Com a coragem de dizer que não é infalível.
       Fascinante este horizonte de homem, crente, cristão e Papa no abrir dum novo ano. Onde se não devem esconder os medos e perturbações. Mas onde prevalece a serenidade e a esperança. De quem reconhece a medida do tempo e o afronta com a eternidade.

António Rego, Editorial Agência Ecclesia.
(Reposição deste Editorial)

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O monopólio da palavra...

Para abrir os olhos temos de fechar mais os ouvidos.

       Está dito e redito que estamos em crise. Ditas e analisadas estão causas e consequências. Até à exaustão. Como agir, avançar, ultrapassar, parece matéria menos óbvia. Números, cálculos, hipóteses, também abundam. Horizontes nebulosos, dados sobre todas as mesas parecem não faltar. Muitas das explicações, todavia, não passam de conversa de adivinhos que se querem fazer passar por cientistas. Há, em consequência, abundantes palavras simplesmente inúteis. Nem palavras são. Apenas desabafos.
       Mas neste todo a palavra ganha uma dinâmica e uma responsabilidade decisivas. A palavra que se diz, que se grita, que se escreve e se ilustra com imagem. Palavra do cidadão anónimo que está nos pequenos palcos de cada casa, cada empresa e até cada esquina. Palavras sobre tudo e sobre nada, explosões de vencedores e vencidos, governados e governantes, humilhados e ofendidos, escondidos, novos soberanos da economia, da finança, da exploração. Mas também a palavra de homens e mulheres justos que não encontram saídas para os novos becos que a cada esquina se montam, sem se saber bem quem os desenhou na vida de tanta gente.
       Há um anonimato refinado por detrás de muitas decisões que estão a abalar o nosso mundo. Estreitados aqui, pensamos que aqui começa e acaba o mundo. Quase não se fala dos países em carência total, dos refugiados da guerra e da fome, das crianças que morrem de subnutrição, dos sobressaltos que acontecem em África, América Latina ou Ásia.
       Para abrir os olhos temos de fechar mais os ouvidos. A inflação da palavra e da opinião pode minar esperanças e desnortear bússolas. Vagueia na incontinência verbal de técnicos, especialistas, professores, religiosos, vedetas, vips, governantes, profissionais de poder e oposição, críticos embebidos em vinagre. Há sentenças a mais sobre cada acontecimento e cada matéria. Sem pensar no povo que somos, que anda perdido nas suas solidões com tantos saberes, sentenças, dogmas e previsões. Tudo construído sobre a areia movediça da opinião ocasional, da vaidade que não se permite arrumar-se atrás do pano. A torrente de palavras não é a expressão plural dum país que procura caminhos. É uma sinfonia dissonante de quem não pensa no que diz e diz tudo o que mal chegou a pensar. E chega-se a alguma ditadura da palavra com o desrespeito por quem não se consegue fazer ouvir. Não se pede a ninguém que ponha ordem nisto. Mas pede-se e exige-se que seja respeitado quem escuta tanta palavra sem poder sequer replicar de forma a também se fazer ouvir.

António Rego, in Editorial da Agência Ecclesia.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Qual a classe média que está ameaçada?

...mais que um enfraquecimento económico, foi debilidade de alma com dependência viciosa da banalidade, mau gosto, futilidade de vida e perda de valores humanos e patrimoniais.

        E cada vez mais se vão vendo e ouvindo notícias, debates, declarações, sentenças avulsas, sobre uma crise que desaba sobre todos, e onde todos parecem querer fugir na hora de assumir gestos concretos para a solução. Os verdadeiramente pobres já não sabem que dizer e fazer. Os chamados ricos não sentem alteração apreciável. Tal como está a impatrialidade do dinheiro, facilmente se arranja um colchão anónimo em qualquer recanto do planeta e aí se faz descansar em paz os milhões, escapando ao mais rigoroso sistema fiscalizante. Assim ignoram a crise dos outros aquietando a consciência com doações ou fundações que pouco remendam os andrajos ou saram as feridas. A crise, mais cedo ou mais tarde, vai passar e tudo continuará como dantes.
       O novo discurso parece centrar-se agora naquilo a que se chama a classe média. No presente contexto não se sabe bem o que seja, mas deve tratar-se de novos pobres que já foram quase ricos e se sentiram ludibriados pela publicidade, pelos empréstimos, pelos juros, pelas promessas, pela ascensão social que deu carro de luxo, muitos topos de gama, vivenda, piscina, decorador, alfaiate, segundo carro, segunda casa e uma infinidade de quinquilharias de marca que nada têm a ver com saúde, cultura, qualidade de vida ou dignidade. Foi uma espécie de volúpia do pequeno e grande luxo, o culto do supérfluo, o estatuto social como alvo primordial da vida. Tudo isso, mais que um enfraquecimento económico, foi debilidade de alma com dependência viciosa da banalidade, mau gosto, futilidade de vida e perda de valores humanos e patrimoniais.
       É essa classe média que está ameaçada?
       Há muito ferro velho ou plástico ou plasma que é preciso deitar fora. E se a crise ajudar a essa depuração num regresso ao essencial, acaba por ser benéfica.
       Porventura pouco interessa que tudo passe para voltarmos ao mesmo. Todas as classes precisam fazer uma reflexão mais que económica. Como dizia Bento XVI no voo de Roma para Madrid ‘a economia não pode funcionar apenas com uma autorregu-lação mercantil mas tem necessidade de uma razão ética para servir o homem.’ O pão de cada dia é sagrado em qualquer mesa. É mais que um objeto, é imagem do próprio coração do homem.

António Rego, editorial da Agência Ecclesia.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Morte e vida de Wojtyla

Um homem inteiro foi beatificado. Metade do mundo reconheceu esse mérito na sua fé. Outra parte na sua dimensão de homem decisivo na evolução dum século
       Não é fácil falar de João Paulo II após três dias de convívio próximo. Andou a nosso lado por toda a Roma, no meio de nós, na música, nas imagens, nos grandes momentos, nos cartazes, nas frases, no sorriso, no grande gesto, com uma intimidade fraterna sem qualquer véu de permeio. E na imaterialidade de quem partiu há pouco. Desde a cripta donde saiu a urna, à Basílica junto do túmulo de S. Pedro, à grande Praça e arredores apinhada de povo, solenidade e festa, vida, morte e "ressurreição" dum homem comum e invulgar a quem muito foi dado e aos poucos tudo foi tirado: a voz, o rosto, o gesto, a feição.
       Despojado como um Job, humilhantemente exposto naquela janela do seu gabinete onde lançou bênçãos, palavras doces e amargas, sorrisos e pombas de paz. E onde não conseguiu pronunciar a última Mensagem Pascal. Antes, foi um gemido "urbi et orbi" prenúncio duma morte acompanhada no exterior pelos jovens que o visitaram quando ele já não podia chegar junto deles.
       Um homem que veio de longe, do leste e do frio e trouxe ar do outro pulmão da Europa. Um homem forte que não ocultava a própria fragilidade. Com a referência constante a Deus e a dimensão permanente do homem. Atento ao mundo do trabalho e da contemplação. Senhor da palavra e do gesto profético e das mãos frágeis que quase não abriam a porta do ano 2000. Defensor da vida não apenas no primeiro e no último momento mas em todos os tempos e lugares onde se joga a dignidade de cada ser humano. O homem - a grande causa defendida nos templos e nos areópagos.
       Um poeta de Deus que não perdeu nunca a dimensão doutrinal do seu ministério e a exigência  da teologia actualizada. Um impulsionador do Concílio que nunca deixou de o amar, mesmo nas interpretações fantasiosas de alguns teólogos e pastoralistas. Um respeitador profundo da oração litúrgica, sabendo sempre como a encarnar nas culturas de África, Ásia ou Américas. Um homem severo na exigência e pródigo no uso e proclamação da misericórdia.
       Um duplo visitador de Assis na celebração da sua universalidade, onde não teve medo de rezar pela paz ao lado dos representantes das religiões do mundo. Um devoto de Fátima como o mais humilde peregrino que se não perde em preciosismos teológicos mas apenas, como as crianças crê, adora, espera e ama. Um testemunho e vítima  das maiores ditaduras do século XX ao mesmo tempo que um crente profundo na liberdade do homem.
       Um homem inteiro foi beatificado. Metade do mundo reconheceu esse mérito na sua fé. Outra parte na sua dimensão de homem decisivo na evolução dum século. Homem de Deus. Homem dos homens. Karol Wojtyla. João Paulo II. Beato. Na felicidade de Deus. Para, noutra dimensão, venerarmos tudo o que foi e, na nova vida, continua a ser. 

António Rego, in Editorial Agência Ecclesia.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Só nos resta a inteligência

Os cem anos da República portuguesa cruzaram-se com os dois mil anos da Igreja Católica. E, em Portugal, ambas protagonizaram um século.

       De fragmentos se faz a história. Quem a realiza, quem a lê e quem a conta. Nada envolve tudo ou tudo explica. Multiplicam-se as máquinas da memória, a declinação de dados, o cruzamento de factos. A intercepção com as ideologias, a proximidade com os elementos antagónicos, a manipulação segundo os envolvimentos favoráveis ou de desconforto, faz da história um instrumento de busca, na purificação constante das águas da memória. Nem vale a pena misturá-la com histórias. Ou carregá-la de adjectivos, hipérboles, dramas, ou simples colorações de circunstância. Ninguém é quimicamente puro nas análises que ensaia porque ninguém sabe a história toda nem todas as histórias. Como o futuro, o passado límpido apenas a Deus pertence.
       E há o tempo. «O passado não cessa de nos surpreender, mais que o presente, mais que o futuro talvez», diz Jean-Claude Carrière em diálogo com Umberto Eco. Cem anos de implantação da República em Portugal têm muito a ver com este todo. Nas diferentes narrativas dum facto que não é acontecimento dum dia ou explosão duma hora. Remexe muitas páginas da história e traz permanentes surpresas, enquanto insinua que tem tudo dito e feito. Daí, a procura honesta e rigorosa dos enquadramentos, causas próximas e remotas, intervenientes de primeiro plano ou programadamente escondidos. Com a humildade de quem sabe que a história é uma recolha meticulosa de fragmentos que parecem ser um todo, não podemos cansar-nos de procurar as linhas mestras que a sequência vertiginosa dos séculos foi criando como um vulcão paciente que atingiu altíssimas temperaturas e no arrefecimento progressivo e lento foi criando montanhas, planícies, desertos, oásis, terras áridas e rios abundantes. Sem nunca desistir da sua revolução criadora ao espalhar por pátrias infindas as suas lavas mornas. Os cem anos da República portuguesa cruzaram-se com os dois mil anos da Igreja Católica. E, em Portugal, ambas protagonizaram um século, tiveram encontros e desencontros com leituras contrárias, desdobrando os mesmos factos em dividendos que geraram algumas guerras religiosas no meio de muitas guerras civis. A República não é uma data única. É um rasto de tempo num pequeno espaço chamado Portugal.
       Que se retome a memória. Mas que nunca se perca a inteligência. Foi no contexto das novas memórias que Michel Serves o afirmou. Mas que cabe neste tempo de boas e más memórias que estamos a celebrar.

Pe. António Rego, Editorial Agência Ecclesia.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Bento XVI - uma viagem quase impossível

O discurso global de Bento XVI deu ao mundo uma imagem diferente da Igreja Católica e da figura que para muitos é tida como de divisão mas que na realidade é referência religiosa e humana no nosso mundo: o Papa.
       Cinco meses depois de vir a Portugal, Bento XVI empreende uma viagem completamente diferente ao Reino Unido. Foi Chefe de Estado, Sucessor de Pedro, Pastor, ecuménico, penitente, corajoso, cordial, amigo. Tal como aconteceu em Portugal a Comunicação Social não foi benigna antes do acontecimento. Profetizou um fracasso, um pretexto para protestos e até uma oportunidade para o Papa receber ordem de prisão. O balanço final nada teve a ver com os agoiros.
       A Inglaterra é indiscutivelmente uma referência no nosso tempo, de história, cultura, liberdade e comunicação. Mas raramente se diz que no Império de Sua Majestade ser católico é ter um estatuto menor, como que infiel a um país que há quinhentos anos escolheu o seu "Papa" e lhe presta fidelidade, onde o político e o religioso se misturam com ar benigno e natural. Noutro país seria considerado subdesenvolvimento ou terceiro-mundismo.
       Há as feridas da história e não poucas, há recentes passos de aproximação entre a Igreja Católica e Anglicana, que voltaram atrás com as conhecidas decisões "fracturantes" da Igreja Anglicana. Foi este terreno minado que Bento XVI pisou, com a agravante dos escândalos inqualificáveis na Igreja Católica em muitos pontos do mundo e com uma incidência gravíssima nos Estados Unidos da América, Irlanda e Bélgica. Juízes implacáveis, de dedo em riste, esperavam Bento XVI.
       O programa tinha alguns laivos aparentes de provocação: o Papa propôs - se beatificar um "adversário" do Anglicanismo - Newman -, saudou os que recentemente se converteram ao catolicismo pelas roturas com a Igreja nacional.
        Foi cordialmente recebido pelas autoridades civis e religiosas e com um entusiasmo e vivência profunda pelos católicos que, sendo minoria, se entregaram militantemente a esta causa que era muito mais que a visita deste Papa. Era um todo, momento único de dificuldade e diálogo entre duas Igrejas e dois Estados com todas estas feridas de permeio.
       A dignidade das celebrações, a participação viva da multidão, a ausência de qualquer triunfalismo, fizeram deste tempo um grande momento da Igreja neste início de milénio, com um Papa idoso, olhado ainda com preconceitos, mas com uma fé, uma firmeza e um porte humano de extrema delicadeza e respeito. E extrema lucidez e coragem. 
       Na histórica celebração ecuménica de Westminster soube apontar o inimigo comum dos crentes: o secularismo. Apesar das fixações de alguns media, desde a BBC à TV Al Jazeera e canais portugueses - como se nada mais houvesse que a referência à pedofilia - o discurso global de Bento XVI deu ao mundo uma imagem diferente da Igreja Católica e da figura que para muitos é tida como de divisão mas que na realidade é referência religiosa e humana no nosso mundo: o Papa. Para além da figura concreta que desempenha essa missão.

António Rego, in Agência Ecclesia (Editorial).

segunda-feira, 7 de junho de 2010

A ponte...

Interessa potenciar esta visita como “surpresa” para os que estão perto e longe do Evangelho. Foi aberta uma nova ponte com o mundo laico


       É natural que da visita do papa Bento XVI a Portugal fique mais o “acontecimento” no seu todo que o conjunto de 17 “discursos” que proferiu entre saudações, preces, entrevistas e homilias. Mas as suas palavras foram, de si, acontecimento. Se algumas foram circunstanciais e de protocolo outras, as principais, foram fruto de reflexão e proposta à Igreja e ao mundo em Portugal. Pena seria se, tanto a nossa sociedade civil, como a comunidade eclesial reduzissem tudo a um encontro de cortesia dum chefe de Estado ou duma apoteose simpática do “chefe” da Igreja.
       O todo da mensagem do Papa foi repassado duma reflexão que terá acontecido dentro da nossa própria Igreja nas sugestões que de Portugal foram enviadas a Roma mas que, meditadas e assumidas pelo Sumo Pontífice, se transformaram em acto de magistério para o tempo que vivemos e o país que somos.
       Será por isso de suma importância que as comunidades cristãs, no novo ano pastoral, cruzem os planos diocesanos, de paróquia, movimento, com a palavra mais actual do sucessor de Pedro sobre a nossa realidade humana e eclesial. Importa não desperdiçar em vagos considerandos este “testamento” riquíssimo que nos deixou Bento XVI que tem a ver com a nossa dignidade histórica, o diálogo com a cultura do nosso tempo, a importância do empenhamento social, a espiritualidade como fonte inspiradora das nossas vidas, a consagração vivida em fraternidade profunda, Fátima como uma mensagem inacabada, a evangelização como proposta e não imposição. E, à cabeça, a magistral entrevista concedida no avião, de improviso, com a fluência e a limpidez literária dum compêndio de sabedoria longamente meditado. Assim, iremos mais longe que a hospitalidade lusíada, o entusiasmo de multidões, as celebrações vivas de participação, a beleza e interioridade dos grandes momentos litúrgicos. Interessa potenciar esta visita como “surpresa” para os que estão perto e longe do Evangelho. Foi aberta uma nova ponte com o mundo laico. Não se pede que seja escrito um novo catecismo ou compêndio de pastoral, espiritualidade, evangelização ou moral. Mas podemos dizer que esta é a palavra da Igreja mais próxima no tempo e incarnada na realidade concreta do nosso país.
       E que a esperança de que foi portador vá muito além duma alegria vaga e reverencial. E se alicerce nas razões profundas da nossa esperança que continuamente redescobrimos. A razão e a fé de Bento XVI vieram ajudar-nos a uma colocação harmoniosa do nosso crer e do amar o nosso mundo. Não podemos, seja a que pretexto for, desperdiçar este sinal que nos foi enviado.

António Rego, Editorial da Agência Ecclesia.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Bento XVI em Portugal: a substância e o acidente

       Foi no final dos anos 70 que participei em Munique num encontro sobre Comunicação Social. Recordo ainda um jantar que nos foi oferecido pelo Arcebispo da Diocese, Cardeal Ratzinger. Na ementa, a "entrada" era salmão (mal) fumado e que tive, com relutância, de engolir de olhos fechados como acontece em jantares de cerimónia. Só mais tarde vim a apreciar esse peixe e a vê-lo como toque de requinte e gosto nalgumas refeições.
       Não sei se andava por aqui alguma parábola sobre o que é preciso aprender a apreciar. Recordava isso quando por vezes via em Roma o Cardeal Ratzinger atravessar a Praça de S. Pedro em direcção ao seu trabalho - uma Congregação que não era das preferidas da minha geração. Mas sabia que ele tinha feito parte do grupo de teólogos que marcaram o Concílio que, por sua vez, marcou decisivamente a minha vida.
       Acompanhei, como repórter, a sua eleição e cumprimentei-o, com outros jornalistas, no dia seguinte à tomada de posse. Tudo isto é razoavelmente ridículo, semelhante a pretensão de me fazer próximo duma pessoa tão importante como o Papa. Mas queria chegar a outro ponto. Acompanhei a viagem de Bento XVI a Portugal (como havia acompanhado a de Angola) passo a passo, hora a hora, minuto a minuto. Posso dizer que não perdi uma única palavra (com acesso antecipado aos textos) e penso que muito poucos gestos me terão escapado na reportagem exaustiva da televisão em que estive envolvido.
       E aqui chego para dizer o que todos viram e sabem: a amplitude da sua presença no meio de nós, depois de todos os alarmes de fracasso que havia - fora (e dentro) da Igreja. E como revelou capacidade de viver intensamente cada ritual que cumpria: litúrgico, pastoral, teológico, social, político, familiar. Nas palavras ditas à cultura, aos consagrados, aos agentes sociais, ao mar de luz, povo de mão firmes, que em Fátima sustentava e erguia a Luz como em Vigília Pascal. E do aconchego que ofereceu a milhões de peregrinos que pela televisão o viram longe e perto - sei de ressonâncias chegadas do Portugal global que anda pelo mundo fora. Pela beleza da Praça e do Tejo de Lisboa, numa aliança de céu, terra e rio, festa e silêncio como multidão jubilosa de jovens e anciãos na Avenida dos Aliados no Porto. Como os peregrinos mediáticos, os pobres e doentes repassados de angústias que se sentiram em Igreja reunida com Pedro num exercício profundo de comunhão e confirmação na fé. E, seja lícito referir, na solidez humilde da sua palavra densa, lógica, bela, crente, próxima, teológica, encarnada, clara, luminosa. E afectiva.
       O que no início parecia uma "entrada" amarga foi uma refeição saborosa, em família, sabendo que ali - como diria Pessoa - éramos mais que nós - éramos um povo. Nada seria possível sem essa maravilha que é o nosso povo que soube estar em júbilo e silêncio nos momentos certos e compreendeu por inteiro que quem nos visitou foi mesmo o sucessor de Pedro. O resto foi acidental.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Visita de Pedro a Portugal

       Mergulhada num vale embebido de verde, a aldeia das Furnas, nos Açores, é certamente uma das mais belas do mundo. Com o vulcão acordado dia e noite, anos a fio, águas quentes, frias e mornas, fontes abundantes e humildes, um lago sereníssimo a espelhar os cambiantes do céu, a embriaguês das flores na sua variedade estonteante, tudo num singular enquadramento de montanhas, outros tantos miradouros geradores de silêncio respeitoso e prolongado com olhares pasmados. O vale das Furnas tantas vezes descrito por tantos escritores portugueses e estrangeiros.
       Todos os anos, a seguir à Páscoa, acontece uma procissão peculiar. A procissão dos enfermos. O Santíssimo percorre as ruas e visita as casas dos doentes que O não puderam receber. Mas nessa viagem há uma particularidade: um longo tapete das melhores flores e ramagens das Furnas, artisticamente colocadas em “formas” numa harmonia esplendorosa de cores. As pessoas dizem apenas: “É O Senhor que vai passar aqui. Ele merece o melhor”. De todas as festas da terra é a que tem menos ruído e dispersão. E o que se percebe é que aquele monumento de beleza não é um gesto de vaidade mas de amor pelo Senhor que passa.
       Pedro, na pessoa do Papa, vem visitar-nos.
       A notícia anda por aí entre polémicas e afirmações de fé: há quem pense que há flores a mais, excesso de tempo, perda de rentabilidade, gastos excessivos em decorações, peregrinações e encontros que podem ser mais exibição que devoção.
       Será para muitos, um alemão, um antigo prefeito, um líder, um chefe de Estado. Mas sabemos quem nos visita. Habituámo-nos, ao longo de milénios, a olhá-lo para além da humanidade, para o que ele significa, transporta e projecta nas nossas comunidades: continuidade apostólica, unidade da fé, elemento congregador da ecclesia, comunidade cristã. E assim como o povo das Furnas diz que por mais ninguém era capaz de estender um tapete de flores, também os católicos em Portugal de 2010 sabem que por mais ninguém fariam uma festa tão solene. É Pedro que nos visita.

Pe. António Rego, Editorial da Agência Ecclesia.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

E Jesus dormia...


Nunca as águas foram tranquilas nem os ventos favoráveis. Ou melhor, o tempo da tranquilidade foi o mais perigoso.
       Quando menos se espera levanta-se uma tempestade. Num lago rodeado de montanhas, aparentemente protegido. Com pescadores experimentados, batidos por todos os ventos e habituados às águas agitadas. Da arte de marear todos sabiam mais que Jesus. Todos, porém, para Ele se voltam pedindo socorro. E Ele parecia nem ouvir os primeiros gritos de aflição, pois simplesmente dormia. Como não sentiu o bramir das ondas ou os roncos do vento ou a braveza daquele pequeno oceano. Mas os discípulos, com o pânico na alma pediram socorro. Possivelmente os gritos eram mais medo que perigo real. O medo é um terrível inimigo para os que navegam em qualquer embarcação da vida. Com um ligeiro sinal, Jesus acalmou a tempestade. E chegaram tranquilamente à margem aqueles que quase se consideravam náufragos.
       E a barca da Igreja. Ventos e tempestades, Pedro e os outros, sopros do Espírito e violência de vagas alterosas para uma nau que sempre se reconheceu como frágil. Sempre assim foi na sua história. Nunca as águas foram tranquilas nem os ventos favoráveis. Ou melhor, o tempo da tranquilidade foi o mais perigoso, deixando as mãos fora do leme, o olhar distraído do farol, os pescadores esquecidos da missão, os mestres de bordo entretidos com fardas e galões. Estonteados com o poder aliaram-se a ricos e criaram silêncios cúmplices. Até que uma onda, um baixio, uma escuridão repentina, um mar de levante, pareciam apoderar-se do barco e provocar-lhe um tombo ou um rombo não distante dum possível naufrágio. Como sempre todos se voltam para o Mestre pedindo a acalmia do vento e das águas quantas vezes adversas por desleixo dos timoneiros.
       Assim foram rolando as ondas do tempo e as vagas dos séculos, as espumas dos modos e modas, as fraquezas dos lemes que muitas vezes perderam o sentido do porto. E o Mestre sempre lá, acompanhando a viagem, vigiando o mar numa espécie de sonolência distraída e desinteressada desse percurso breve de séculos e milénios, insignificantes, face aos oceanos da eternidade.
       Desde que partiu do cais de embarque a Igreja mesmo una e santa acumulou traições, pecados, corrupção de poderes e costumes, rasgos cruéis na túnica inconsutil, concubinatos sacrílegos do sagrado com o profano, volúpias de grandeza e oiro, estreiteza orgulhosa de olhares intolerantes sobre pecadores e dissidentes. Tudo isso ao lado do coro imaculado e vibrante dos Cento e Quarenta e Quatro Mil que nunca deixaram de entoar ao Cordeiro o hino sempre novo da humanidade remida e do Ressuscitado que recebe os frutos da semente do bom semeador. E que nos pergunta nas viagens das nossas pequenas tormentas: porque temeis, homens de pouca fé?

António Rego, Editorial da Agência Ecclesia.

terça-feira, 9 de março de 2010

Será o fim do mundo?

       Depois do Haiti, da Madeira, do Chile, dos temporais na Europa, agora o sismo na Turquia, em que morreram mais de 60 pessoas. É nesta perspectiva que achamos relevante este texto do Pe. António Rego, ajudando-nos também ele a enquadrar as tragédias do tempo presente:

 Nada sabemos fechados no casulo estreito do nosso tempo, do nosso espaço e até dos factos que nos parecem o fim do mundo e que não passam duma gota de água no oceano incomensurável de Deus

       Acontece no dia-a-dia. Ou melhor, num dia entre muitos dias. Parece que se acorda com tudo a correr ao contrário. O trabalho urgente a concluir e chega um telefonema a decretar outro mais urgente, uma dor de cabeça que não vem a propósito, um assunto que chegou ao fim mal concluído, um problema novo que se interpôs a todos, alguma sensação de nervosismo com a ideia de que tudo corre mal.
       Para não falar no que está por fazer, na culpa de alguns insucessos, choques, tensões, com o ego de rastos, a triste sensação de incapacidade para iniciar um novo projecto, o cansaço que desaba e parece bloquear qualquer saída para qualquer problema. E tudo se enrola numa visão mais alargada na profissão, na família, no país de aspecto insolúvel, na economia que parece de terra queimada, na corrupção e esperteza como segredo de triunfo, no poder arrogante dos vencedores de sempre.
       E depois o fio da história, o bem e o mal, a incerteza do fim, a dúvida sobre o amanhã, os tons carregados de cinzento que se abatem sobre o humor, a resistência, a alegria, a relação com os outros, a estima por si próprio. E uma sequência de tragédias naturais exaustivamente exibidas cujas origens reais não sabemos deslindar. Tudo embrulhado na ementa informativa servida a cada refeição, numa selecção quase sádica e macabra de acontecimentos como se não houvesse outra forma de pintar a história a não ser em cores de sangue e dor, com tiros, lágrimas e gemidos lancinantes à mistura.
       Será esta uma representação real da vida ou estaremos marcados pela náusea de Sartre, o niilismo de Nietzsche, o desespero de Hamlet, a fúria de Herodes e a loucura de Hitler, ou a depressão e ansiedade dum pós modernismo insano?
       Bem diferente é a teoria de Jesus. E a sua prática: o desprendimento dos “lírios do campo”, a providência sobre “os cabelos da vossa cabeça”,a certeza de que “nada do que pedimos é em vão”, a confiança “no pão que nos concede” em vez do escorpião, a certeza de que Ele venceu o mundo – tudo isso que nos sustenta – e nos projecta para além do desencanto que pode ser um dia mal passado ou uma visão azeda da história.
       Nada sabemos fechados no casulo estreito do nosso tempo, do nosso espaço e até dos factos que nos parecem o fim do mundo e que não passam duma gota de água no oceano incomensurável de Deus. Há negrumes na alma que apenas a sabedoria de Deus pode romper.

António Rego, in Agência Ecclesia.