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sábado, 18 de março de 2017

Domingo III da Quaresma - 19 de março de 2017

       1 – O ser humano adulto é constituído por cerca de 75% de água. Curioso, pois o que se vê é solidez, carne, ossos, pele, músculo. Nas crianças a percentagem aumenta para cerca de 85%, maior elasticidade, e nos idosos baixa para cerca de 50%, daí a necessidade de beberem mais líquidos para equilibrar o organismo. E por falar em corpo, a água é um dos elementos fundamentais para a saúde da pessoa. Os médicos sempre recomendam: beber muita água e fazer desporto e alimentar-se com comida saudável.
       Em muitas regiões da terra, a água é um bem escasso, provocando lutas, violência e guerra. Nas guerras tradicionais uma das formas de ganhar vantagem era controlar o acesso à água potável, vigiando as fontes, impedindo que a água chegasse às populações inimigas. Na guerra da Jugoslávia as pessoas arriscavam serem mortas ao irem buscar água, gastando horas a caminhar para os locais onde havia água, esperando horas na fila. É um pouco como a eletricidade, vemos a sua importância quando falha. Vivemos num paraíso, bastam uns segundos, abrir a torneira, ou uns minutos para a ir buscar!
       A escassez de água é um drama do nosso tempo. Já existe o Dia Mundial da Água, incentivando a sua racionalização, a preservação dos solos e aquíferos, sensibilizando a distribuição/partilha da água e para que, sendo um direito, não leve à corrupção e à exploração das populações que não têm fácil acesso a água potável. É o petróleo do século XXI. Em muitos lugares, já á mais cara que o gasóleo.
       A terra é constituída por cerca de 70% de água, mas só 3% dessa água é doce e menos de 1% está acessível. A pescaria, a pecuária, a agricultura, a indústria... tudo depende da água... para beber, para lavar, para regar, para cozinhar... Em algumas partes do planeta não há água, pelo que a solução é comprá-la, noutros lugares, a água é tão cara que não há condições de pagar! É um direito por cumprir!
       2 – «Dá-Me de beber». Junto ao poço de Sicar, Jesus encontra uma Mulher, samaritana, logo inimiga dos judeus, que há muito não se davam. Jesus não deixa que a nacionalidade seja um impedimento para lhe pedir água, ainda que ela se admire por tal atrevimento. Jesus prossegue: «Se conhecesses o dom de Deus e quem é Aquele que te diz: ‘Dá-Me de beber’, tu é que Lhe pedirias e Ele te daria água viva».
       Mas como é possível tirar água de um poço fundo sem um balde? Dá que pensar! Será que está bom da cabeça? Será Ele maior que Jacob? Porém, Jesus não despega e reafirma o DOM: «Todo aquele que bebe desta água voltará a ter sede. Mas aquele que beber da água que Eu lhe der nunca mais terá sede: a água que Eu lhe der tornar-se-á nele uma nascente que jorra para a vida eterna».
       Como um de nós, a Samaritana entrevê uma oportunidade: «Senhor, dá-me dessa água, para que eu não sinta mais sede e não tenha de vir aqui buscá-la». Depreendemos das suas palavras o tempo gasto e o cansaço em ir buscar água à fonte. A Samaritana está fixa numa necessidade básica, urgente e fundamental, mas biológica. Jesus deu um passo em frente, está a falar de SEDE de Deus, de sentido, de uma saciedade que nos humaniza, nos apazigua e, simultaneamente, nos compromete com os outros. A água recebida, como todo o dom, é água partilhável. Assim a vida. Recebeste de graça, dai de graça!
       3 – O diálogo continua e apercebemo-nos que Jesus entra na nossa vida sem invadir a nossa liberdade. Propõe-nos um caminho de felicidade, vida abundante, abertura aos outros, compromisso e "obediência" (= escuta) a Deus, por forma a garantir que os outros são DOM e não são dispensáveis.
       A Samaritana é uma mulher insaciável. Que fazer quando estamos insatisfeitos com a nossa vida? Comemos, enfartamo-nos ou vamos às compras, compramos até o que não precisamos, mas pelo menos preenchemos tempo e talvez alguns vazios que nos esgotam. Esta mulher não está bem com a vida que leva. Nada a satisfaz. A sua sede fá-la perder-se com as pessoas. Como não lembrar também aquele jovem que vai ter com Jesus e lhe pergunta o que fazer para entrar na vida eterna, isto é, o que fazer para se sentir útil e ser feliz. A resposta de Jesus respeita o ritmo de cada um. Vai, vende, dá, vem e segue-Me!
       Jesus não assume uma atitude invasiva. Não há n'Ele palavras recriminatórias, tão-somente uma constatação que resulta da escuta, da atenção, do Seu cuidado para com esta mulher e que a faz sentir amada, a faz sentir pessoa. Jesus não lhe pergunta pelos pecados, pergunta-lhe pela vida e pelo sentido da vida. Para Jesus, o caminho da felicidade passa pela adoração, em espírito e verdade, a adoração de Deus que é Pai. Não há fronteiras, há opções. Não há privilegiados, há pessoas que abrem o seu coração a Deus!
       4 – O verdadeiro encontro com Jesus realiza a conversão, a mudança de vida. A mulher sai transformada da presença de Jesus. Disponível para dar testemunho. Com efeito, parte e vai à cidade anunciar o Messias: «Ele disse-me tudo o que eu fiz». A conversão faz-se a partir do anúncio e do testemunho recebido, mas só se torna decisivo no encontro com Jesus. Muitos vierem ao Seu encontro, com sede própria e pediram-Lhe que ficasse algum tempo. Jesus não Se faz rogado e fica com eles durante dois dias. No final o testemunho deste encontro transformador: «Já não é por causa das tuas palavras que acreditamos. Nós próprios ouvimos e sabemos que Ele é realmente o Salvador do mundo».
       E nós? Que transformações se operam na nossa vida no encontro com Jesus? Há diferenças na minha, na tua, na nossa vida por sermos cristãos? Experimentamos a alegria de pertencermos a Cristo? Anunciamos Jesus aos outros, pelas palavras e pelos gestos, ou guardamos a fé só para nós?
       Quem se aproxima de Jesus é iluminado pelo Seu olhar, pelo Seu amor. E quando alguém se aproxima de nós, pressente a presença de Deus, a Sua luz e o Seu amor? Ou somos velas já sem chama?
       5 – Os discípulos ficam surpreendidos quando voltam para junto de Jesus. Tinham ido à cidade buscar alimento. Espantam-se com o facto de Jesus estar (sozinho) em amena caveira com uma mulher. E como se isso não bastasse, é samaritana! O certo é que para Jesus não há exceções. Todos contam. Homens e mulheres. Nativos e estrangeiros. Santos e pecadores. Eu conto. Tu contas. Contamos todos.
       A vida de Jesus e dos Seus discípulos não é fácil. Andar por aldeias e cidades, sem poiso certo, gera cansaço e desgaste. Trazem pouca coisa. Os recursos são escassos. Contam com a boa vontade de algumas mulheres convertidas e de seus maridos que simpatizam com Ele! Contam com as dádivas de algumas famílias que os acolhem e de outras que se tornam amigas. Se eles estavam esfomeados, também Jesus deveria estar. Insistem para que coma! A não ser que já o tenha feito! A resposta de Jesus é taxativa: «O meu alimento é fazer a vontade d’Aquele que Me enviou e realizar a sua obra».
        Como não lembrar as palavras de Jesus no deserto: nem só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus. Claro que o alimento biológico é imprescindível e não cai do céu como que por magia, mas é fruto do trabalho honesto e dedicado de cada um de nós. Contudo, o homem é mais do que o alimento e do que vestuário. Na verdade, há pessoas miseráveis a viver em palácios e pessoas bem aventuradas a viver em bairros de lata. Isso não significa a defesa da miséria material, mas sublinha que a felicidade exige mais de nós. O que temos pode ajudar-nos a viver mais confortavelmente. O que somos, a família e os amigos, o que damos e o quanto nos damos, em tempo e gastando a vida, define o que nos faz felizes e nos realiza como pessoas.
       6 – Deus não nos deixa sem resposta. Ele escuta as nossas preces. «O Senhor está ou não no meio de nós?». A provocação de Moisés vem depois da sua conversa com Deus. Nem sempre a oração é fácil, nem sempre Deus nos responde da forma como esperávamos, mas não deixa de velar, de cuidar, de nos abençoar. Deus sacia a sede daquele povo e através de Moisés manda-o avançar, pôr-se a caminho. A sede também é saciada pelo esforço em caminhar, pela ação do nosso bastão, dos nossos braços. Toda a criação é dom de Deus. Mas o dom é partilhável ou deixa de ser dom. Cabe-nos tornar acessíveis os bens da criação para toda a humanidade, com o nosso trabalho e com a nossa partilha solidária.

       7 – São Paulo é um pouco como a Samaritana, um pouco como nós, busca água em fontes que saciam momentaneamente a sede. O problema não é a sede, as fontes é que não têm a água que a nossa vida precisa.
       O Apóstolo perseguiu Jesus até ao dia em que se deixou encontrar e surpreender por Ele. A sua sede encontra uma fonte que sacia a sua busca. Aos Romanos, revela que está em paz, apoiado na graça de Deus, na esperança que não engana, «porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. Quando ainda éramos fracos, Cristo morreu pelos ímpios… Dificilmente alguém morre por um justo; por um homem bom, talvez alguém tivesse a coragem de morrer. Mas Deus prova assim o seu amor para connosco: Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores».
       Vale a pena aqui evocar a figura de Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein) que, como Paulo, como a Samaritana, chegou um dia e disse: "é esta a verdade". Tendo passado a noite a ler a autobiografia de Santa Teresa de Ávila, encontra Jesus e o cristianismo. Logo pedirá o batismo. Tanto que buscou que encontrou. Mas a chegada não é o fim, é o início de um novo caminho que a levará ao martírio!

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (A): Ex 17, 3-7; Sl 94 (95); Rom 5, 1-2. 5-8; Jo 4, 5-42.

sábado, 22 de março de 2014

Domingo III da Quaresma - ano A - 23 de março de 2014

       1 – «Todo aquele que bebe desta água voltará a ter sede. Mas aquele que beber da água que Eu lhe der nunca mais terá sede: a água que Eu lhe der tornar-se-á nele uma nascente que jorra para a vida eterna». «Senhor, – suplicou a mulher – dá-me dessa água, para que eu não sinta mais sede e não tenha de vir aqui buscá-la».
       O terceiro domingo da Quaresma traz-nos o encontro de Jesus com a SAMARITANA, episódio significativo e luminoso para todos os que se deixam encontrar por Jesus e, por sua vez, se querem aproximar dos outros para lhes levar o Evangelho. É um episódio verdadeiramente assertivo, pedagógico, de diálogo, de respeito, de consideração pelo outro, sem ferir a liberdade alheia, propondo uma perspetiva nova sobre a vida, alargando horizontes, sem impor, propondo uma escolha.
       É preciso ter sede, para aceitarmos beber e saborearmos o que bebemos. Veja-se a dificuldade quando bebemos por necessidade não tendo sede! Existe tanta coisa que nos ocupa e preocupa, estamos assoberbados de coisas para fazer e para conseguir. Voltas e mais voltas e às tantas não precisamos de Deus, temos outras prioridades; às tantas dispensamos os amigos, a festa, o encontro, o convívio, precisamos de todo o tempo para trabalhar, ganhar dinheiro, ter uma vida melhor, mas não conseguimos disponibilizar tempo para estar em família ou para participar em atividades lúdicas, culturais, religiosas, em compromissos sociais e solidários. Não temos tempo. Um dia teremos todo o tempo do mundo! Ainda iremos a tempo?
        2 – Jesus encontra aquela mulher, samaritana e, por conseguinte, estranha, estrangeira, inimiga, por questões históricas, por preconceitos religiosos. Está ocupada. Os seus dias não têm sido fáceis. A sua vida afetiva é uma tremenda trapalhada, já vai no sexto marido, vive suspensa, insatisfeita, quer-se manter jovem mas parece que a vida lhe escapa. Ocupa-se para não questionar a vida!
       Jesus chega de mansinho. Mete conversa. Sem preconceitos. Não quer saber se é inimiga dos judeus. Ela é pessoa. Não quer saber da vida que ela leva. Não começa com tiradas moralizantes. Pede-lhe água. Forma simples de lhe tocar na alma, pois logo ela se sente respeitada, prestável e útil.
       A jornada vai longa, Jesus chega ali esgotado, por volta do meio-dia, quando faz mais calor. Os discípulos foram à cidade buscar alimento. Ele fica a descansar.
       «Dá-Me de beber» – diz Jesus à Samaritana, que logo suspeita do pedido, ficando admirada e sublinhando estranheza com o facto de judeus e samaritanos andarem de candeias às avessas. Jesus avança um pouco mais: «Se conhecesses o dom de Deus e quem é Aquele que te diz: ‘Dá-Me de beber’, tu é que Lhe pedirias e Ele te daria água viva».
       Num tom carregado de ironia, a mulher questiona Jesus: «Senhor, Tu nem sequer tens um balde, e o poço é fundo: donde Te vem a água viva? Serás Tu maior do que o nosso pai Jacob, que nos deu este poço, do qual ele mesmo bebeu, com os seus filhos e os seus rebanhos?».
       Ela continua a falar da água do poço, Jesus fala da Água que vem do Céu, da eternidade, e que germina bem fundo, no mais íntimo de cada um de nós. Jesus abre um pouco mais o véu, falando-lhe do que ela não lhe disse, da sua vida passada e atual, não para a condenar, mas para a provocar, para a despertar, para que ela escute melhor e preste atenção a quem chega, pois poderá vir do Céu.
        3 – "Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim estará salvo; há-de entrar e sair e achará pastagem" (Jo 10, 7-10). Jesus não se impõe, a Sua presença é segura, mas cabe-nos deixar que Ele entre na nossa vida, ou que queiramos por Ele aceder aos bens que vêm de Deus. No diálogo com a samaritana, Jesus respeita o seu crescimento espiritual, partindo de elementos neutros, a água, para a sua vida concreta, projetando uma abertura para Deus. Poderá ser Ele o Messias esperado?!
       Jesus adentra-se na sua vida, dizendo-lhe, e a nós também, coisas muito importantes, nas palavras proferidas e na postura assumida:
  • Não importa se viemos de perto ou de longe, qual a terra “emprestada” para viver, a nacionalidade, a condição moral e/ou religiosa, se somos homens ou mulheres, se temos muitas ou poucas posses, ou o ponto em que nos encontramos na nossa relação com Deus;
  • O que vale mesmo, para Jesus, é o que podemos ser, os dias que temos pela frente, o que decidimos HOJE para a nossa vida, ainda que o passado nos ajude a um compromisso mais libertador;
  • A conversão é interior, é uma opção livre. A nossa relação com Deus resolve-se, antes de mais, num diálogo íntimo com Ele. "Os verdadeiros adoradores hão de adorar o Pai em espírito e verdade, pois são esses os adoradores que o Pai deseja. Deus é espírito e os seus adoradores devem adorá-l’O em espírito e verdade". Os espaços e os tempos podem ajudar a encontrar com Deus. E também as pessoas e, por maioria de razão, a comunidade crente, mas a decisão é minha, é tua, é de cada um;
  • A descoberta de Deus e do Seu amor por nós gera alegria, júbilo, que por sua vez provoca e exige o anúncio do Evangelho. A alegria tende a transbordar. Ninguém faz festa sozinho. Só o que se partilha, também a vida, é realmente nosso. "A mulher deixou a bilha, correu à cidade e falou a todos: «Vinde ver um homem que me disse tudo o que eu fiz. Não será Ele o Messias?». Eles saíram da cidade e vieram ter com Jesus";
  • "Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus" (Mt 4, 1-11). Eis o verdadeiro alimento para Jesus: «O meu alimento é fazer a vontade d’Aquele que Me enviou e realizar a sua obra». Os discípulos tinham ido à cidade buscar alimentos e quando chegam junto de Jesus verificam que Ele está satisfeito, recobrou energias. Alguém Lhe terá dado de comer?
  • A autenticidade tem consequências duradouras e gera discípulos. Os samaritanos deixam-se surpreender pelas palavras daquela mulher, mas é no encontro com Jesus que a verdadeira transformação acontece: «Já não é por causa das tuas palavras que acreditamos. Nós próprios ouvimos e sabemos que Ele é realmente o Salvador do mundo».
       4 – Descendo à nossa vida, quantas vezes nos encontramos à beira do poço? Que água sacia a nossa sede? Que buscamos? O que nos faz verdadeiramente felizes? Ainda procuramos algo de mais para a nossa existência?
       Na primeira leitura, encontramos o povo atormentado pela sede a protestar contra Moisés, contra Deus. O texto sublinha, por um lado, o cansaço de Moisés, tendo consciência que tudo fez em prol do povo, e, por outro, a paciência amorosa de Deus, ordenando a Moisés que se coloque à frente do povo, e caminhe, para que o povo siga adiante, dizendo-lhe que continua com ele e com todo o povo. É possível encontrar água, ainda que no meio do deserto. É preciso procurar, caminhar, agir. Ficar parado ou a olhar para as estrelas é que não adiantará de muito. Também aqui é Deus que sacia a sede e dá sentido e razões para a caminhada do povo. «O Senhor está ou não no meio de nós?». 
       Esta questão coloca-nos diante de Deus e dos irmãos, sobretudo daqueles que têm fome e sede, daqueles que vivem na miséria material. Como relembra o Papa, na Mensagem para a Quaresma, os cristãos devem fazer tudo o que está ao seu alcance para erradicar a pobreza material, Moisés fez a parte dele. Qualquer compromisso cristão não pode fazer-se esquecendo os necessitados, de pão e de sentido para a vida.

       5 – É preciso encarnar na vida e na história. A fé não vive nas nuvens, não se alimenta (somente) de boas intenções, alimenta-se da oração, da palavra de Deus, da celebração em comunidade, alimenta-se (obrigatoriamente) de gestos concretos na ajuda ao vizinho. Não se prega a estômagos vazios. Somos corresponsáveis pela miséria que se acentua no mundo. Ainda que não possamos resolver todos os problemas do mundo, em nome disso, não queiramos passar ao lado dos problemas que estão ao nosso alcance tratar. Nem só de pão vive o homem, mas também vive de pão. “A fome de pão deve desaparecer, mas a fome de Deus permanecerá” (Papa João Paulo II).
       Diz-nos o apóstolo São Paulo que estamos justificados em Cristo Jesus, por Ele «temos acesso, na fé, a esta graça em que permanecemos e nos gloriamos, apoiados na esperança da glória de Deus. Ora, a esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado».
       A fé que ilumina a nossa vida parte da Encarnação de Deus que em Jesus Cristo Se nos entrega totalmente, e pelo mistério da Sua morte e Ressurreição introduz-nos na eternidade, onde Ele será tudo em todos e nós seremos todos irmãos. Porquanto, como Ele, procuremos encarnar a nossa vida, pelo amor de Deus que nos habita, no HOJE que passa e nas PESSOAS que Deus coloca ao nosso cuidado.

Textos para a Eucaristia (ano A): Ex 17, 3-7; Sl 94 (95); Rom 5, 1-2. 5-8; Jo 4, 5-42.

domingo, 27 de março de 2011

Quaresma - III Domingo - Samaritana

Sede do bem, da verdade e da beleza!

Na Sua Mensagem para esta Quaresma 2011, Bento XVI diz o seguinte sobre este III Domingo de Quaresma:

       O pedido de Jesus à Samaritana: «Dá-Me de beber» (Jo 4, 7), que é proposto na liturgia do terceiro domingo, exprime a paixão de Deus por todos os homens e quer suscitar no nosso coração o desejo do dom da «água a jorrar para a vida eterna» (v. 14): é o dom do espírito Santo, que faz dos cristãos «verdadeiros adoradores» capazes de rezar ao Pai «em espírito e verdade» (v. 23). Só esta água pode extinguir a nossa sede do bem, da verdade e da beleza! Só esta água, que nos foi doada pelo Filho, irriga os desertos da alma inquieta e insatisfeita, «enquanto não repousar em Deus», segundo as célebres palavras de Santo Agostinho.

sábado, 26 de março de 2011

Domingo III da Quaresma - 27 de Março

       1 – A nossa vida é uma busca incessante.
       Nas sábias palavras de Blaise Pascal, o homem ultrapassa infinitamente o homem. Ou seja, o nosso corpo, a nossa identidade corpórea-espiritual não nos confina à nossa dimensão biológica, mas portamos connosco um desejo permanente de ir mais longe, para lá de todas as nossas limitações. Diríamos, como crentes cristãos, que a nossa identidade divina nos faz ansiar pelo Infinito, por Deus, a nossa origem, e, como refere Santo Agostinho, o nosso coração anda inquieto enquanto não repousar no Senhor da vida. Numa outra perspectiva: a nossa vida funda-se na ESPERANÇA que mais à frente nos encontraremos numa situação mais favorável, mais compensadora e que nos fará verdadeiramente felizes.
       No fundo, a nossa busca sem fim tem como fim (finalidade) a felicidade que se realizará em plenitude na eternidade mas que experimentamos, e ainda bem, já agora, na nossa vida terrena. Nunca se esgota o nosso desejo de sermos felizes. Por vezes devora-nos na ânsia do prazer imediato, do bem-estar, do comodismo. A felicidade é sempre caminho, compromisso, procura, nunca se esgota nas satisfações biológicas. Há algo maior, a nossa identidade que aponta e nos atrai para Deus.
       2 – O encontro de Jesus com a mulher samaritana é, a este propósito, paradigmático. Para lá do contexto em que acontece – um judeu que fala com uma mulher e ainda para mais estrangeira, inimiga –, o ensinamento categórico de Jesus: a salvação é oferecida a todos os povos independentemente da cultura, da história ou da religião. Uma vez mais, o que importa verdadeiramente não é o ponto de partida, a situação actual em que nos encontramos, mas o caminho que podemos fazer. É uma primeira lição.
       Depois, o diálogo sobre a verdadeira sede e a verdadeira água.
       Jesus diz claramente à mulher samaritana que há uma sede que é bem maior que a sede biológica. Esta precisa de ser saciada e é-o no imediato com água, elemento da natureza. Mas há, em todos nós, uma sede maior, um desejo mais profundo, um sentido para a vida. Como nós, também ela é levada a compreender que muitos acontecimentos na sua vida pessoal, encontros e desencontros, não passaram de tentativas para responder a esta ânsia de felicidade, mas esgotaram-se na brevidade, como quem consome biologicamente os alimentos e precisa de repetidamente se alimentar.
       "Se conhecesses o dom de Deus e quem é Aquele que te diz: ‘Dá Me de beber’, tu é que Lhe pedirias e Ele te daria água viva"... A água viva que Jesus nos dá sacia a nossa procura, é resposta aos nossos anseios mais profundos, é um sentido para a vida presente. Por aqui sabemos que as satisfações corporais são passageiras como passageiras são as adversidades actuais, o que permanece é o que fazemos por amor, o que nos liga ao outro, o que nos torna irmãos.
       E, por conseguinte, é mais óbvia a resposta que Jesus dá aos seus discípulos quando estes regressam com alimentos: o meu alimento é fazer a vontade de Meu Pai. Vale mais que tudo. Vale sempre. Nem só de pão vive o homem, ainda que aquele seja necessário, mas da Palavra de Deus, que nos impele para a verdade e para a vida.

       3 – O povo de Israel experimenta a tentação e o desânimo. Deixa-se vencer pela murmuração contra Deus e contra Moisés. No primeiro Domingo de Quaresma, víamos como Jesus superou as tentações em que o povo fracassou. A referência é e há-de ser sempre: fazer a vontade de Deus.
       Hoje, na primeira leitura, ouvimos a ressonância dos murmúrios do povo. Rapidamente se esqueceu das maravilhas de Deus, la libertação do Egipto. Para que todos se lembrem do dia e do local em que se voltaram contra Deus e contra Moisés,... "chamou àquele lugar Massa e Meriba, por causa da altercação dos filhos de Israel e por terem tentado o Senhor, ao dizerem: «O Senhor está ou não no meio de nós?»" Não apenas para recordar, mas sobretudo para que não vença a tentação, mas a fé em Deus.
       O salmista faz-nos rezar com as palavras de Deus, com o novo desafio: "Quem dera ouvísseis hoje a sua voz: «Não endureçais os vossos corações, como em Meriba, como no dia de Massa no deserto, onde vossos pais Me tentaram e provocaram, apesar de terem visto as minhas obras»".

       4 – A nossa busca, o nosso caminho, não se faz de olhos fechados, mas sob a luz de Jesus Cristo. O encontro com Ele reorienta a nossa procura, dá sentido novo à nossa vida. A alegria da Samaritana é contagiante. Em Cristo, ela descobre o sentido da sua existência, e partilha-o com os habitantes da sua cidade. Eles mesmos fazem a experiência de encontro com Jesus, como Messias de Deus: "Já não é por causa das tuas palavras que acreditamos. Nós próprios ouvimos e sabemos que Ele é realmente o Salvador do mundo".
       Não basta ouvir dizer. É fundamental que façamos a experiência de encontro com Jesus Cristo, deixando-O entrar na nossa vida e nas nossas escolhas de bem. Ele não engana.
       "Ora, a esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores... Deus prova assim o seu amor para connosco: Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores".
       É nesta esperança que radicamos a nossa vida crente, a nossa procura, o desejo de sermos felizes, experimentando a felicidade em cada gesto de perdão, de amor e de bem.
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Textos para a Eucaristia (ano A): Ex 17,3-7; Sl 94 (95); Rom 5,1-2.5-8; Jo 4,5-42.

terça-feira, 22 de março de 2011

Encontro de Jesus com a Samaritana...

       1 – A nossa vida é marcada por muitos encontros (e desencontros também).
       Cada encontro deveria ser único, e de alguma maneira é, pois não se volta a repetir nas mesmas circunstâncias, mas único no sentido de transformar a minha, a nossa vida, para sempre. O outro “impõe-se”, não se reduz a mim, é uma interpelação, como dizia o grande filósofo E. Levinas, veicula o imperativo: “Não matarás”. O outro é apelo, desafio, testemunho do Infinito. Irrompe na minha vida, diz-me não à aniquilação.
       O mandamento “não matarás” assume-se positivamente pelo mandamento do amor. Acolher, respeitar, dignificar, dar a vida ao outro e pelo outro. O rosto do outro envia-me para o Totalmente Outro, que para nós Se converte em Totalmente próximo, Deus connosco.

       2 – Entramos na dinâmica de Jesus e do seu evangelho de amor. Encontra-nos. Mostra-nos respeito, amor até ao limite. É, como muito bem sublinha Bento XVI, um Deus bom “cuja vingança é a Cruz, o NÃO à violência, o amor até ao fim, até ao extremo. É este Deus de que temos necessidade… opõe à violência o seu sofrimento; … perante o mal e o seu poder, como limite e superação, a sua misericórdia”.
       Jesus torna-se último por nós. O Seu amor e a Sua entrega estão presentes o tempo todo, ao longo da sua vida, tratando cada ser humano como pessoa, com um rosto, com um nome e não apenas pelos comentários que Lhe chegam ou pela opinião de terceiros. Deixa de lado todo o preconceito. Não rotula as pessoas, acolhe-as no seu íntimo.
       3 – O encontro de Jesus com a samaritana é estranho (Jo 4, 1-42).
       Os judeus e os samaritanos são inimigos. Não se falam. Acrescente-se o facto de Jesus ficar sozinho com aquela mulher. Quando chegam, os Apóstolos ficam boquiabertos, como é possível o Mestre estar a conversar com uma mulher e ainda por cima samaritana.
       Para Jesus, o encontro é uma oportunidade de conversão, de anúncio do Evangelho. Entabula diálogo com a samaritana pedindo-lhe de beber, para de seguida lhe dizer: “Se conhecesses o dom que Deus tem para dar e Quem é que te diz: ‘dá-me de beber’, tu é que lhe pedirias, e Ele havia de dar-te água viva!”
       Jesus não insulta a mulher, não Se afasta, deixa que ela se aproxime, física mas também espiritual e afectivamente. Jesus convida-a à conversão profunda, à mudança de vida. Ela, olhando para Jesus descobre a sua vida, descobre a sua dignidade. Jesus não força, propõe. Doravante não será mais a mesma. Ela própria corre a anunciar Jesus aos seus conterrâneos.

       4 – Em tempo de Quaresma, Jesus interpela-nos também a nós, pessoal e comunitariamente. A água viva, Jesus Cristo, é uma proposta de vida. Não podemos ficar indiferentes. Os mistério da morte e ressurreição de Jesus exige de nós uma tomada de decisão. Vamos, como a samaritana, a correr alegremente anunciar que Jesus nos diz quem somos?!
       Senhor, dá-nos dessa água viva!

Editorial Voz Jovem, n.º 95, Fevereiro 2008.
  • NOTA: O Evangelho do próximo Domingo, III da Quaresma, 27 de Março de 2011, é precisamente o do encontro de Jesus com a mulher samaritana.