sábado, 20 de outubro de 2012

XIX Domingo do Tempo Comum - ano B - 21 de outubro

        1 – Jesus é, por excelência, o Vendedor de Sonhos. É uma vida por inteiro a consumir-Se pela humanidade, no olhar, no anúncio, em cada encontro, gesto, prodígio, em cada palavra; da Encarnação à Paixão; vem de Deus, caminha connosco, eleva-nos para a eternidade de Deus.
       A Sua missão é revolucionar a nossa história a partir de dentro, do coração, reensinando-nos a viver humanamente. É uma reconstrução completa, alicerces, pilares, estrutura, telhado, e todos os compartimentos.
       É fácil visualizar uma casa antiga quase a cair, que bem pintada no exterior passará por uma casa imponente. Entra-se (dentro) e cada passo cada susto. Conforme as possibilidades vão-se fazendo reformas, renova-se aqui e acolá, mas a casa continua a ameaçar ruir. Muitas vezes a única solução, ou pelo menos a mais fiável, é deitar abaixo e da raiz estruturar toda a casa. Ela será nova, bela e segura e acolhedora. É isso que Cristo quer fazer connosco.
       2 – O sonho que nos vende entranha-Se até à medula, ao mais íntimo de nós, no recanto onde nos encontramos com Deus, com a nossa identidade original. A revolução de Jesus reconstrói-nos a partir do coração.
       As revoluções, ao longo da história da humanidade, que resultam de guerras, violência, de imposição, de convulsões sociais, políticas, económicas e religiosas, operam-se em horas, dias, ou meses. Muito rapidamente se passa de uma a outra situação. Mudam-se os protagonistas. No entanto nem sempre muda o sistema. Há a clara noção que implantar ideias novas, formas de pensar inovadoras e criativas, leva muito mais tempo. Demasiado tempo para muitos.
       A mudança de mentalidades e de paradigma leva uma vida inteira, ou leva gerações, ou leva a vida de cada um.
       Em três anos de vida pública, Jesus arrastou multidões. Como atualmente nas manifestações populares contra o governo, contra a troika, contra a austeridade, são muitas as motivações, como o eram nas multidões que se abeiravam de Jesus: umas para serem curadas, outras porque sim, outras por mera curiosidade, outras querendo dar um sentido novo à sua vida, outras procurando ser beneficiados se os ventos mudassem de direção, outros sem saber porquê, outros arrastados pelos ajuntamentos.
       Também os discípulos seguem Jesus motivados por aquilo que está para chegar e que no seu entender lhes dará um lugar privilegiado, serão favorecidos porque andam com Ele. Daí a sua irritação quando alguém se aproxima mais, pois julgam que podem ser prejudicados.

       3 – Depois do puxão de orelhas a Pedro – afasta-te de Mim Satanás –, surgem novas situações em que os discípulos deixam vir ao de cima outros sonhos, bem mais a prazo que o sonho de Jesus. Eles estão preparados para uma revolução física, imediata, material, com a garantia que estarão nos melhores lugares.
       Ora vejamos:
Tiago e João, filhos de Zebedeu, disseram a Jesus: «Concede-nos que, na tua glória, nos sentemos um à tua direita e outro à tua esquerda». Disse-lhes Jesus: «Não sabeis o que pedis… Sentar-se à minha direita ou à minha esquerda não Me pertence a Mim concedê-lo; é para aqueles a quem está reservado».
       Este episódio mostra de forma crua como os discípulos estão muito longe do sonhado por Jesus para a humanidade. Por exemplo, São Mateus, para desculpar os discípulos, refere que foi a mãe de Tiago e de João que fez semelhante pedido e não os próprios.
       Por aqui se vê em que estádio se encontravam os discípulos e como ainda não tinham entendido o desiderato do Messias. E se pensávamos que esta disputa era apenas de um ou de outro, verificamos como todos eles O rodeiam para terem o primeiro lugar:
Os outros dez, ouvindo isto, começaram a indignar-se contra Tiago e João. Jesus chamou-os e disse-lhes: «… quem entre vós quiser tornar-se grande, será vosso servo, e quem quiser entre vós ser o primeiro, será escravo de todos; porque o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida pela redenção de todos».
       4 – D. António Couto, Bispo de Lamego, na Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que decorre no Vaticano por estes dias, lançou uma inquietante pergunta que vale a pena meditar: “por que será que os Santos se esforçaram tanto, e com tanta alegria, por ser pobres e humildes, e nós nos esforçamos tanto, e com tristeza (Mt 19,22; Mc 10,22; Lc 18,23), por ser ricos e importantes?”

       5 – A história de Jesus é uma história de abaixamento para que a nossa seja uma história de ascensão em humanidade para Deus. Encarna, desce, esvazia-Se de Si, vive como verdadeiro Homem, revela o Homem ao homem, como nos ensina o Vaticano II, com a Sua morte faz-nos visualizar no Seu corpo, na Sua oferenda por nós, o AMOR imenso de Deus, na Sua ressurreição/ascensão ao Céu, coloca a nossa natureza humana à direita de Deus Pai, de onde nos atrai, comprometendo-nos com o corpo temporal e humano, com o Seu Corpo todo, a Igreja e a humanidade, todas as pessoas que Ele coloca à nossa beira.
       Na primeira e na segunda leitura, é expressiva a certeza do ministério (serviço) do Enviado de Deus, que atravessa a história humana, a história do sofrimento, para nos guiar ao caminho da luz, da verdade e do bem.
“Aprouve ao Senhor esmagar o seu servo pelo sofrimento... Terminados os sofrimentos, verá a luz e ficará saciado na sua sabedoria. O justo, meu servo, justificará a muitos e tomará sobre si as suas iniquidades”.
       Isaías revela que o servo sofredor carregará a nossas dores e justificará a nossa vida. Vem para servir e não para ser servido.
       A epístola aos Hebreus enquadra um registo muito parecido, apresentando-nos Jesus como o Sacerdote que atravessa os Céus, na nossa direção e na direção de Deus, vem do Céu, e do Céu intercede constantemente por nós. Ele bebe da nossa humanidade para que nós bebamos da Sua divindade:
“Tendo nós um sumo-sacerdote que penetrou os Céus, Jesus, Filho de Deus, permaneçamos firmes na profissão da nossa fé. Ele mesmo foi provado em tudo, à nossa semelhança, exceto no pecado. Vamos, portanto, cheios de confiança ao trono da graça, a fim de alcançarmos misericórdia e obtermos a graça de um auxílio oportuno”.


Textos para a Eucaristia (ano B): Is 53, 10-11; Hebr 4, 14-16; Mc 10, 35-45.

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