sábado, 21 de junho de 2014

Santíssimo Corpo e Sangue de Jesus Cristo - 22 de junho

       1 – Como seria se não tivéssemos corpo, ou não fôssemos corpo? Como comunicar? Como nos encontrarmos uns com os outros? Não sei se haverá uma resposta satisfatória. Numa perspetiva espiritual, certamente que seria uma comunicação perfeita, plena, mas para nós humanos, muito confusa, uma espécie de seres de luz, anjos, ainda assim com algum tipo de corporeidade. O corpo que somos distingue-nos e aproxima-nos, identifica-nos e permite-nos colocar-nos como um EU frente a um TU. A pele separa-nos dos outros e do mundo, mas permite-nos ver os outros e o mundo, tridimensionalmente. Mesmo um Anjo (ou um ser de luz) assume uma forma que se torna visível.
       Deus para Se comunicar ao mundo, à humanidade, fá-l'O respeitando a nossa gravidade corpórea, através de sinais, de pessoas, de acontecimentos. Podemos ouvir uma voz interior. E a oração convoca-nos para esse santuário onde nos encontramos connosco, com a nossa consciência, com Deus. Assim o que há de mais importante na vida – não tem cor nem forma nem cheiro, não faz barulho nem se deixa ver (com os olhos dos sentidos) – são os sentimentos, o amor, a ternura, a compaixão, a nossa vontade, este querer ser para os outros e diante dos outros, a ligação espiritual e afetiva. Mas também o AMOR assume formas e se exterioriza corporalmente por um carinho, um beijo, um abraço, um presente, ou uma palavra, um olhar, um sorriso.
       Qual a melhor maneira de Deus Se dar a conhecer? Pelo nosso interior? Pela oração? Pela meditação? Certamente, como ponto de partida, como consciência do que somos e da nossa origem. Chegada a plenitude dos tempos, Deus escolhe manifestar-Se ao mundo, a nós, através de um CORPO, assumindo a nossa CARNE, osso dos nossos ossos, sangue do nosso sangue, Um entre nós, Um connosco. No seio da Virgem Mãe, no sim de Maria santíssima, Deus encarna. Jesus, verdadeiro Deus, é também verdadeiro homem, o Seu Corpo é visível, põe-n'O em contacto com o mundo, pode aproximar-Se sem assustar ninguém ou sem que alguém O julgue fantasma. Anda de dia. Às claras. Pode ver-Se, pode tocar-Se, podemos aproximar-nos d'Ele.
       Com a Sua morte, o Seu corpo desaparecerá para sempre. Com a Ressurreição e as Aparições, a certeza de que continuará num Corpo glorioso, que pode deixar-Se ver e tocar, tem as marcas do Crucificado. Por outro lado, no pão e no vinho, por ação do Espírito Santo, deixa-nos um CORPO, o Seu Corpo, a Sua vida. Torna-Se presente, nos Sacramentos, especialmente na Eucaristia. Até ao fim dos tempos.
       2 – Durante a última Ceia, Jesus tomou o pão, depois o cálice com vinho, deu graças a Deus, recitou a bênção e disse, alto e bom som: Isto é o Meu corpo, tomai e comei; Este é o Cálice do Meu sangue, tomai e bebei, fazei isto em memória de Mim. Num momento intenso, mas familiar, acolhedor, dentro de casa, com um grupo restrito, com o ambiente a adensar-se, os semblantes a ficarem carregados. As palavras de Jesus são o Seu testamento, a NOVA ALIANÇA. Ele dará a Sua vida, o Seu Corpo por inteiro, até à última gota de sangue. Mas não os deixa, não nos deixa, sós. Ele ficará no MEIO. Sempre que nos reunirmos no Seu nome. Comendo e bebendo o Seu Corpo e o Seu Sangue.
       Será uma PRESENÇA NOVA, que Jesus antecipa na Primeira Ceia, e não Última, como sublinha D. António Couto, a Primeira Ceia do TEMPO NOVO, cuja ação e a vitalidade do Espírito Santo, O tornarão real e sacramentalmente presente. Mas há outros momentos em que Jesus insiste com os discípulos e com as multidões: EU darei a minha Vida por vós. Eu Sou a Carne que haveis de comer, até à eternidade.
       O povo eleito experimentou a presença de Deus também pelo alimento, pelo pão: "Foi Ele quem, da rocha dura, fez nascer água para ti e, no deserto, te deu a comer o maná, que teus pais não tinham conhecido".
       Mas agora é o próprio Deus que Se faz Carne e Se dá a comer. Escutemos as palavras de Jesus:
«Eu sou o pão vivo descido do Céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que Eu hei de dar é a minha Carne, que Eu darei pela vida do mundo... Se não comerdes a Carne do Filho do homem e não beberdes o seu Sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue tem a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia. A minha Carne é verdadeira comida e o meu Sangue é verdadeira bebida. Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue permanece em mim e Eu nele. Assim como o Pai, que vive, Me enviou, e Eu vivo pelo Pai, também aquele que Me come viverá por Mim. Este é o pão que desceu do Céu; não é como aquele que os vossos pais comeram, e morreram; quem comer deste pão viverá eternamente».
       Dúvidas? Como pode Ele dar-nos a comer a Sua carne? A pergunta de então, a pergunta que podemos também fazer! Depois destas palavras, alguns discípulos seguem outro caminho. São palavras duras, quem pode escutá-las? Também vós quereis ir embora, pergunta Jesus aos discípulos que ficarem. Responde Pedro por nós: "A quem iremos, só Tu tens palavras de vida eterna". Talvez o Apóstolo estivesse inspirado ou talvez tenham sido palavras de circunstância para aliviar a tensão e a dureza do momento. Como é que podemos comer a Sua Carne?
       3 – O pão e o vinho e o corpo. Trigo, semeado, amadurecido, e colhido, cujos grãos, moídos, dando origem à farinha, que depois de amassada, se torna uma massa compacta, para formar um único pão. Diversidade de grãos, unidade da massa e do pão. Uvas de muitos cachos, pisados, para formarem o mesmo líquido, o mesmo vinho. Corpo com diversos membros, mas um Corpo único em que os membros, tendo funções diversas, formam a harmonia do conjunto.
       Jesus fica presente com o Seu Corpo que é a Igreja, dá-nos o Seu Corpo através do Pão e do Vinho, para que participando d'Ele nos tornemos com Ele, pelo Espírito Santo, Um só Corpo. Ou, como dirá na Oração Sacerdotal, para que todos sejamos UM como Ele e o Pai são Um. Dessa forma, Deus fará a Sua morada em nós, tonando-nos Um com Ele.
       A este propósito, São Paulo recorda-nos o que nos identifica como seguidores de Jesus Cristo:
"Não é o cálice de bênção que abençoamos a comunhão com o Sangue de Cristo? Não é o pão que partimos a comunhão com o Corpo de Cristo? Visto que há um só pão, nós, embora sejamos muitos, formamos um só corpo, porque participamos do mesmo pão".
       O corpo que somos delimita-nos diante dos outros, mas também nos aproxima, também permite o encontro, o diálogo, o face a face. Imaginemos a construção de um LEGO. Mais uma imagem similar ao Pão, ao Vinho, ao Corpo: grãos, bagos/uvas, membros. As peças do lego são de várias cores, tamanhos e feitios, e podem até ter uma textura diferenciada, mas no final, na junção das diferentes peças, surge a figura que se quer: uma casa, um animal, um veículo. Se uma peça estiver mal colocada, ou no sítio errado, ou a substituir alguma que falta, o objeto pode não sair como desejado. Assim nós na comunidade cristã. Cada um de nós é fundamental, mas se um de nós não cumprir com a sua parte, se desperdiçar os talentos que Deus lhe dá, todo o conjunto sofrerá.

Pe. Manuel Gonçalves



Textos para a Eucaristia: Deut 8, 2-3.14b-16a ; 1 Cor 10, 16-17; Jo 6, 51-58.

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