sábado, 28 de fevereiro de 2015

Domingo II da Quaresma - ano B - 1 de março de 2015

       1 – Fomos com Jesus ao deserto, para rezar, para nos encontrarmos connosco e com Deus, para criarmos maior disposição para acolher Deus e mais tempo para os outros. Os desertos da nossa vida põem-nos à prova. Na intimidade com Deus, vencida a tentação do desânimo, do egoísmo, da facilidade, a tentação de dispensarmos os outros e o próprio Deus, ficamos mais fortes, mais ágeis, mais humildes; esvaziamo-nos de nós para nos preenchermos com o Espírito Santo que conduziu Jesus ao deserto e ao longo de toda a sua vida.
       Hoje o convite é para subirmos com Jesus à montanha, como discípulos. Naquele tempo, Jesus levou Pedro, Tiago e João. Hoje toma-nos pela mão, a cada um de nós, para O seguirmos. São Marcos coloca-nos em movimento. É preciso SAIR da nossa comodidade, da cidade, da aldeia, dos nossos afazeres, e CAMINHAR, e não apenas em terreno plano, mas SUBIR à montanha. É-nos exigida valentia. Sermos mornos (nem quentes nem frios, nem vou lá nem faço míngua) não é suficiente para seguir Jesus. Com Ele, não há mínimos garantidos, há sempre caminho a fazer, poderemos sempre identificar-nos mais e mais com o Seu amor.
       Depois de ter anunciado aos seus discípulos a paixão cruenta, Jesus envolve-os nesta manifestação de luz, deslumbramento, antecipando e visualizando a ressurreição, vida nova. A transfiguração é uma AMOSTRA da RESSURREIÇÃO. Também para nós. No meio das dificuldades e dos desertos precisamos de luz que nos indique o caminho, que nos recoloque em dinâmica de esperança, precisamos que nos digam que a vida tem sentido, e que melhores dias estão para vir, apesar de tudo!
       2 – Jesus abre-lhes o coração, transfigura-Se diante deles, diante de nós. A conversar com Ele, a Lei e os Profetas, representados por Moisés e Elias. A eternidade torna-se mais visível. Resplandece a esperança. Está-se bem naquele lugar, naquele momento. Então Pedro, assumindo a liderança de entre os apóstolos, diz a Jesus: «Mestre, como é bom estarmos aqui! Façamos três tendas: uma para Ti, outra para Moisés, outra para Elias».
       Estão como que fora de si, a sonhar acordados. Sentem-se bem, confortáveis, envolvidos, parece que o tempo parou, SUBIRAM com Jesus. Como no batismo, do Céu vem uma voz: «Este é o meu Filho muito amado: escutai-O». Há, porém, algumas diferenças significativas. No Batismo, a voz do Pai dirige-se a Jesus: És o meu filho muito amado (cf. Mc 1, 7-11). Agora dirige-se a Pedro, Tiago e João, e a cada um de nós, garantindo Jesus como Filho, mas agrafando-nos à Sua missão: escutai-O. Por aqui se vê a prioridade e a urgência da escuta. Antes de sermos missionários, evangelizadores, somos ouvintes, discípulos, aprendizes. Com o tempo, seremos discípulos missionários, quanto mais escutarmos mais testemunharemos Jesus.
       Eis que acordamos do sonho. Precisamos de DESCER com Jesus. Foi para isso que Ele veio. Desceu das alturas para viver como um de nós, connosco, no meio do mundo e da história, entranhado na nossa vida, ajudando-nos a olhar para o Pai. Ele é o Caminho que nos conduz a Deus, a Verdade e a Vida. N’Ele temos acesso ao Pai, quem O vê, vê o Pai (cf. Jo 14, 1-9).
       O relato da transfiguração é também uma parábola da vivência da nossa fé. Orientamos a vida, com as suas esperanças e as suas tristezas, para a celebração da Eucaristia, na qual nos encontramos com Jesus, morto e ressuscitado, ou na qual Ele nos encontra, pelo Seu Espírito Santo. Neste encontro poderemos transfigurar a nossa vida. Mas não acaba aí. A Eucaristia, se a vivemos com autenticidade, faz-nos DESCER ao encontro dos outros, sobretudo dos mais necessitados de pão e de atenção.
       3 – A ordem dada aos apóstolos, para que não dissessem nada a ninguém até à ressurreição dos mortos, levanta também o véu sobre o que lá vem. Estão para chegar tempos difíceis. Provação. Dúvida. Perseguição. E a morte do Filho do Homem. Mas não será o fim, pois Ele se levantará da morte para a vida. É tão surpreendente esta boa nova que os discípulos se interrogam sobre o que será a ressurreição dos mortos. São apanhados de surpresa. E nós também!

       4 – A vida de Jesus, a Sua morte e ressurreição, firma definitiva e plenamente a Aliança de Deus com a humanidade. Víamos no domingo passado que a Aliança de Deus confiada a Noé é unilateral, Deus promete a Sua bênção e proteção sobre a humanidade e não exige nenhuma contrapartida. Obviamente, como diria o Papa Bento XVI, até o amor oblativo de Deus aguarda uma resposta, mesmo que não parta dessa premissa, mas da vontade originante.
       Em Abrão antecipa-se a entrega do Filho de Deus. Abraão oferece a Deus o seu bem mais precioso, o seu amado Filho. Deus recusa o sacrifício de Abraão. Aceita o gesto, mas não a morte. A morte de alguém não aplaca a ira de Deus, porque em Deus prevalece o amor, a bondade e a misericórdia. «Porque obedeceste à minha voz, na tua descendência serão abençoadas todas as nações da terra». A oferenda de Abraão vale-lhe a bênção de Deus, extensível a toda a humanidade.
       Deus aceitará a vida de Jesus como oferenda, entregue voluntariamente para salvação da humanidade. Será também a morte de um inocente, mas desta feita não de um filho alheio mas do próprio filho. Não por interposta pessoa – é Abraão que oferece o filho – mas pelo próprio – Jesus responde com a Sua vida, pessoalmente.
       Com a morte e sobretudo com a ressurreição de Jesus, por Ele anunciada, sela-se a Aliança nova e definitiva. E «se Deus está por nós, quem estará contra nós? Deus, que não poupou o seu próprio Filho, mas O entregou à morte por todos nós, como não havia de nos dar, com Ele, todas as coisas? Quem acusará os eleitos de Deus, se Deus os justifica? E quem os condenará, se Cristo morreu e, mais ainda, ressuscitou, está à direita de Deus e intercede por nós?»

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano B): Gen 22, 1-18; Sl 115 (116); 2 Rom 8, 31b-34; Mc 9, 2-10.

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